sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Livro: A ENCHENTE DE 41

Olá.
Hoje, volto a falar de livro. E retomando outro autor do qual já falei anteriormente.
Há algum tempo atrás, apresentei aos leitores distraídos o jornalista e escritor gaúcho e, antes de tudo, porto-alegrense Rafael Guimaraens, um especialista em recolher histórias pitorescas da capital gaúcha. Já falei de um de seus melhores livros, Tragédia da Rua da Praia, e de sua versão em quadrinhos. Pois, hoje, o livro escolhido também fala da Porto Alegre do século XX. De um fato aparentemente isolado, mas responsável por uma de suas maiores desavenças.
Hoje vou falar de A ENCHENTE DE 41.


Como quase todos os livros de Guimaraens, A ENCHENTE DE 41 foi publicado pela editora Libretos, de Porto Alegre, em 2009. O livro se apresenta em formato álbum: tamanho 28 x 19 cm, em média, 100 páginas sem contar capa, impresso em papel couché de alta gramatura, altamente ilustrado em preto e branco.
Fazendo o já tradicional exercício de micro-história – começando com uma contextualização quase completa da cidade na época retratada, nas áreas da política, economia, sociedade e entretenimento, para depois falar, detalhadamente, do fato em si – Guimaraens trata da grande enchente ocorrida em Porto Alegre no ano de 1941, e que alterou a rotina da cidade durante mais de 22 dias, entre abril e maio daquele ano.
Na época, o Brasil vivia o período do Estado Novo, ou o período ditatorial do governo de Getúlio Vargas. A Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945) estava ocorrendo, mas os Estados Unidos ainda não haviam entrado no conflito, e o governo brasileiro ainda estava alinhado com as forças do Eixo (Alemanha – Itália – Japão). Só no ano seguinte o Brasil se voltaria contra o Eixo. E, embora houvesse supressão da democracia, perseguição a opositores e censura à imprensa, Getúlio Vargas era um presidente muito popular entre o povo, dada a série de concessões dadas aos trabalhadores
Enquanto isso, Porto Alegre experimentava uma vida social e cultural agitada. O trecho da Rua da Praia entre a General Câmara e a Paysandu (futura Caldas Júnior) era conhecido como “pequena Broadway”, dada a presença de cinemas e teatros. A vida intelectual girava em torno da Livraria do Globo, responsável por editar obras importantes de autores consagrados – entre eles Érico Veríssimo, que na época estava trabalhando nos Estados Unidos. Além disso, estavam sendo feitos grandes investimentos em infraestrutura, levadas a cabo pelo intendente (prefeito) Oswaldo Cordeiro de Farias. O maior símbolo desse período desenvolvimentista era a Avenida Farrapos, ligando o Centro a Zona Norte – e cuja construção foi complicada, demandando inclusive demolição de casas. E, é claro, nem todos desfrutavam das mudanças pelas quais a cidade, que há pouco comemorara seu bicentenário (em dezembro de 1940), passava – os moradores dos subúrbios viviam a constante luta pela vida.
Bem: os meses de abril e maio de 1941 trouxeram uma enchente de grandes proporções, embora não fosse a primeira vez que a cidade encarava as consequências de uma grande cheia do Rio Guaíba, ocasionada por dias ininterruptos de chuvas que aumentavam o volume dos rios da bacia da Região dos Sinos. Outras grandes enchentes já haviam sido registradas anteriormente, com destaque para as “Enchentes de São Miguel”, ocorridas entre setembro e outubro de 1926, e em setembro de 1928. Mas a maior de todas, no fim, foi a enchente de 1941 – outras ocorreriam em anos posteriores, com destaque para as de 1973, 1983 e 2001, porém sem maior gravidade.
Bueno. As chuvas chegaram em 10 de abril de 1941. Mas foi no dia 22 de abril que as águas invadiram para valer diversas áreas da cidade, notoriamente aquelas que ficavam mais próximas ao Rio Guaíba, como os bairros Floresta, Caminho Novo, São João, Navegantes, Areal da Baronesa, Menino Deus e Ilhota, se alastrando até o Riacho Dilúvio, um pouco mais distante do Guaíba. O Centro, incluindo a Rua da Praia, o Cais do Porto e o Largo da Prefeitura, viram a água subir. Diversas casas e prédios de empresas foram atingidas. Houve mortos e desabrigados – a primeira vítima fatal foi um funcionário da Limpeza Pública, morador das proximidades da Ponte do Guaíba. Até mesmo a Usina do Gasômetro, principal fornecedora de energia elétrica da época, foi atingida, deixando boa parte da cidade às escuras. Só com muito esforço foi possível a reativação da energia elétrica.
Apesar de as chuvas diminuírem sua intensidade por volta do dia 2 de maio, a “pequena Broadway”, no dia 5, se transformou em Veneza, não apenas por causa da invasão das águas, mas também por causa da quantidade de canoas e barcos que, oportunamente, começaram a circular pelas áreas inundadas, transportando pessoas e bens. O transporte fluvial ocasional foi legalizado até pelas estações de rádio, que informavam o horário de saída e itinerários de algumas embarcações. E, é claro, houve uma grande rede de solidariedade organizada em favor dos flagelados, acolhidos em diversos locais improvisados, recebendo doações. O governo também se viu obrigado a fazer alguma coisa – entre outras coisas, determinou o tabelamento de preços dos produtos de primeira necessidade, ante as denúncias de comerciantes que aumentavam o preço destes, se aproveitando da situação caótica.
Foi no dia 8 de maio que as águas atingiram sua altura máxima: 4,76 metros. Ironicamente, foi o primeiro dia de sol após o período de chuva ininterrupta. As coisas só começaram a se normalizar por volta do dia 14 de maio, quando as águas, afinal começaram a ceder e baixar. Hora de calcular os prejuízos: entre outros números, foram 70 mil pessoas desabrigadas, e mais de 600 empresas atingidas. E foi necessário um grande programa de vacinação da população contra tifo e febre amarela, para tentar evitar o que acontecera em 1928 – quase em seguida à enchente, ocorrera uma epidemia de tifo na Capital, porque as águas também danificaram o sistema de escoamento de esgoto e, como todo mundo sabe, a contaminação das águas por matérias fecais causa doenças como cólera, tifo e leptospirose. A vida em Porto Alegre foi se normalizando de forma gradual.
A enchente de 1941 certamente expôs a fragilidade dos poderes públicos da Capital. E foi uma das causas de uma das maiores polêmicas porto-alegrenses: a Cortina de Proteção, popularmente conhecida como Muro da Mauá. Construído entre 1971 e 1974, e praticamente imposto pelo Regime Militar do período, o Muro da Mauá, em tese, protegeria a área central da Capital contra uma nova enchente – levando em conta os parâmetros estabelecidos pela enchente de 1941 – mas a maioria dos porto-alegrenses odeia a construção, entre outras coisas, porque atrapalha a vista para o Rio Guaíba, que proporciona aos admiradores a visão de um dos mais belos crepúsculos do mundo. Isso não é segredo para nenhum gaúcho ou brasileiro.
Bem. Guimaraens procura resgatar tudo o que pode a respeito do evento. Informes de jornal, estatísticas, fotos (muitas fotos), mapas. Até mesmo um poema popular de cordel é usado como base. E, no final, o autor também discute a respeito da polêmica do Muro da Mauá. Praticamente, só o tempo dirá se a Cortina de Proteção é realmente útil, enquanto nem o governo, e nem a sociedade local, se decidem sobre uma possível demolição do Muro.
De todo modo, A ENCHENTE DE 41 vale a leitura. Não apenas por ser bem rápido de ler – cerca de uma hora e meia é suficiente para completa-lo – mas também pela linguagem acessível, pela boa contextualização histórica e pela grande quantidade de ilustrações, que transportam o leitor para a Porto Alegre dos anos 1940. Difícil não concluir que Porto Alegre já foi outra cidade, quando ainda tinha cinemas nas calçadas, quando a Livraria do Globo funcionava, e quando seus edifícios ainda não eram muito altos. Quando suas principais edificações ainda não haviam sido desocupadas e hoje ocupadas por centros culturais, quando o Olímpico ainda era a sede do Grêmio Football Porto-Alegrense e, claro, quando o tal Muro da Mauá ainda não existia.

PARA ENCERRAR...
...mais páginas de O Açougueiro, minha HQ de folhetim! Já que falamos mais uma vez da Porto Alegre antiga. Embora estejamos falando do século XX, e esta HQ se passa no século XIX. Mas Porto Alegre não deixa de ser Porto Alegre, desde sua fundação no século XVIII.
Na presente ocasião, só consegui fazer três páginas – justo quando a história entrou em seu clímax. E já se aproxima o aniversário de 2 anos da publicação da série...
Mas aguardem novidades. Há de ser feito algo especial para marcar os 2 anos de O Açougueiro. Ainda vou definir.

Até mais!

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