quarta-feira, 14 de novembro de 2018

STAN LEE por Roberto Guedes - Réquiem para o "Excelsior"

Olá.

Na última segunda-feira, dia 12 de novembro de 2018, o universo da cultura pop sofreu um grande abalo com a notícia da morte, aos 95 anos, de Stan Lee, talvez o mais importante roteirista e editor de HQs de super-heróis dos Estados Unidos e do mundo. Uma figura tão icônica quanto os super-heróis que co-criou e ajudou a popularizar em todo o mundo. Praticamente são poucos os que não reconheciam suas criações, e seu rosto tão icônico, com o bigode, óculos e o sorriso para a câmera.
Bem. Desnecessário ficar dizendo a respeito do “The Man” (ou, como preferir, o “Sr. Excelsior”) palavras que vários já falaram a seu respeito... já que todo mundo, praticamente, conhece e reconhece Stan Lee como o rosto da Marvel Comics. Ao invés disso, minha forma de prestar uma homenagem a ele, como quadrinhista, é falar de um de seus melhores materiais já publicados: sua biografia.
Hoje, trataremos da biografia de Stan Lee, escrita pelo jornalista, roteirista e superespecialista brasileiro Roberto Guedes. Ou melhor: das suas duas biografias.


Explico: Roberto Guedes, criador do super-herói Meteoro (cujas edições já foram resenhadas aqui no blog) e que já publicara diversas matérias em revistas e livros a respeito do fandom dos super-heróis estrangeiros e brasileiros (como Quando Surgem os Super Heróis, A Era de Bronze dos Super Heróis e A Saga dos Super-Heróis Brasileiros), em 2012, publica, pela editora Kalaco, STAN LEE – O REINVENTOR DOS SUPER-HERÓIS, a primeira biografia do “Excelsior” escrita por um brasileiro – e a primeira obra biográfica escrita por Guedes, que posteriormente também publica as biografias de Jack Kirby e Gedeone Malagola. Hoje, a biografia de 160 páginas, com ilustração de capa de Sebastião Seabra, Pedro Ghion de Rosa e Wanderley Felipe (cores), está esgotada – com sorte se encontra um exemplar nas livrarias.
Além dessa biografia da Kalaco, existe outra versão, compacta – UNIVERSO DOS SUPER-HERÓIS: STAN LEE – publicada pela editora Discovery Publicações por volta de 2015. Esta versão também foi escrita por Guedes, e é uma versão com alterações da edição da Kalaco, com menos páginas – 96, sem contar capa.
Mas ambos os livros apresentam por características uma farta quantidade de ilustrações – o da Kalaco possui quatro cadernos iconográficos; o da Discovery só um, mas muitas imagens nas bordas das páginas, com legendas. Além, é claro, do texto, que conta muitos detalhes a respeito da vida de Stan Lee até o ano de suas respectivas publicações, desde o nascimento do roteirista até seus mais recentes envolvimentos com o Universo Cinematográfico da Marvel, incluindo as diversas participações especiais que fez nos filmes. Ah: ambos os livros se complementam, pois um traz informações que “escaparam” na revisão do outro. Por isso, é bom ter ambos na estante.
Bem. Stanley Martin Lieber, vulgo Stan Lee, foi, em vida, o rosto da Marvel Comics, editora estadunidense que ele ajudou a reerguer, nos anos 1960.
A editora fora fundada em 1939, pelo ex-editor de pulps Martin Goodman, com o nome de Timely. Com a ascensão do formato gibi nos Estados Unidos, que tiveram seu maior momento com a aparição do Superman – pontapé inicial da era dos Super-Heróis – na revista Action Comics da editora National Periodical Publications (atual DC Comics), Goodman resolveu aproveitar o boom e ele mesmo também editar quadrinhos de super-heróis, e teve sucesso quando, ainda em 1939, editou as primeiras histórias dos primeiros heróis da futura “Casa das Ideias”, Namor, o Príncipe Submarino, e Tocha Humana, na revista Marvel Comics (mas a editora só passaria a se chamar Marvel nos anos 1960).
Goodman era, por um acaso, parente de Stanley Lieber – o editor era casado com uma prima de seu futuro empregado. Mas a relação entre esses parentes, ao longo do tempo, seria cheia de conflitos.
Stanley Martin Lieber nasceu em Nova York, em 28 de dezembro de 1922, e sua carreira foi semelhante a de muitos outros quadrinhistas estadunidenses das décadas de 1930 a 1950: tal como Jerry Siegel, Joe Shuster (criadores do Superman), Will Eisner (criador do Spirit) e do futuro parceiro Jack Kirby, Stanley era descendente de imigrantes judeus que buscavam uma vida melhor nos Estados Unidos; fez diversos trabalhos para ajudar no sustento da família antes de se dedicar ao trabalho com artes; e fez carreira com o que hoje chamamos de cultura pop – para os jovens descendentes de judeus da época da Grande Depressão (1929 – 1933), as maiores escolhas de carreira eram o crime organizado (gangsterismo) e o trabalho com artes (cinema, música, editoração e escrita de livros e gibis). E seu início de carreira foi na efervescente Nova York (Siegel e Shuster foram exceção à regra porque eram de Cleveland).
Well. Antes de, por recomendação de um tio, trabalhar para a Timely, inicialmente como garoto de recados, e depois como roteirista e editor, Stanley fez diversos trabalhos, entre eles o de lanterninha de cinema, mas já demonstrava um grande talento para a escrita, influenciado por Shakespeare. Foi na Timely que Stanley conheceria seus futuros colaboradores – entre eles, Jacob Kurtzberg, vulgo Jack Kirby, veterano desenhista que, junto com Joe Simon, criaria o grande hit da década de 40, o Capitão América. E foi justamente com roteiros do Capitão América que Stanley – já assinando como Stan Lee, pseudônimo que ele achava que seria apenas de uso temporário – começou a escrever roteiros. Mais tarde, foi promovido a editor. Em 1942, Stanley foi convocado para servir ao Exército na 2ª Guerra Mundial, mas, até o fim de seu período no exército, em 1945, Stan colaborava à distância com a Timely, escrevendo roteiros. Reassumiu o posto de editor em 1946, e foi nesse período que Stan se casou com a bela atriz britânica Joan Boocock, que se tornaria sua companheira por quase toda a vida, mãe de sua filha única Joan Celia, a J.C. (o casal teve uma segunda filha, que morreu prematuramente). Tal como Siegel e Kirby, Stan teve na esposa sua maior confidente, e ela também ajudou-o em momentos de maior dificuldade, incentivando-o. Joan faleceu este ano, em julho.
Com o fim da Segunda Guerra, houve mudanças na preferência do público leitor, e o gênero super-herói entrou em declínio. Por algum tempo, a Timely se dedicou mais a outros gêneros de HQ, como histórias com garotas, monstros gigantes e ficção científica, mas sem atrair muito público. As coisas pioraram na década de 1950, quando se iniciou uma verdadeira caçada aos gibis nos Estados Unidos, inflamada pelo psiquiatra Dr. Fredric Wertham – os editores sobreviventes tiveram de se submeter ao famigerado Código de Ètica, cujo objetivo era banir os gêneros terror e crime, que eram os mais populares de então, mas que afetou os outros gêneros. Por pouco, Lee não mudou de profissão.
Tudo mudou em 1960. Foi quando Martin Goodman, enquanto jogava golfe com um rival editorial – Jack Liebowitz, editor da National – ouvia este se gabar do sucesso de seu principal gibi, da Liga da Justiça. Foi quando Goodman teve uma ideia: largou o taco de golfe, correu para a editora e pediu a Stan Lee que concebesse um gibi com um grupo de super-heróis. Lee, que já cogitava utilizar ideias diferentes para o gênero, criou então o Quarteto Fantástico, que cativou o público graças a um fator que diferenciava estes dos super-heróis de então: a caracterização dos personagens, que os aproximava da maioria dos leitores – foi a partir do Quarteto Fantástico que os super-heróis passaram a ter recalques, problemas financeiros e de relacionamento, a discutir e não raro se desentender com os companheiros de equipe, mas sem abrir mão dos elementos fantásticos e das providenciais viradas de jogo. A arte ficou a cargo de Jack “The King” Kirby, que novamente experimentaria o sabor do sucesso como desenhista.
Com o sucesso, logo começaram a surgir outros super-heróis que acabariam compondo o Universo Marvel – por essa época, a editora muda seu nome para Marvel Comics. Pode-se dizer que foi a partir do Quarteto Fantástico que Stan realmente soltou a sua imaginação, e criou uma plêiade de super-heróis diferentes dos habituais – incluindo etnias diferentes. A partir de 1961, aparecem, da cabeça de Stan Lee, e dos lápis de Jack Kirby e outros colaboradores – entre eles Steve Ditko – heróis como Hulk, Thor, Homem Formiga, Homem de Ferro, Homem Aranha, Demolidor, Pantera Negra, Surfista Prateado, Doutor Estranho, Inumanos, X-Men... E, claro, os Vingadores, juntando vários desses em uma só equipe. Além de ressuscitar o Capitão América e o Namor, então vivendo uma fase de ostracismo. Uns, de razoável sucesso, que só se tornariam célebres décadas depois, nas mãos de outros autores; outros de sucesso estrondoso logo de cara, a ponto de serem os primeiros a virem a cabeça do leitor quando se fala em Marvel – sim, Homem Aranha, estamos falando de você mesmo. Com essa expansão, a carreira de Stan Lee ultrapassa as barreiras dos quadrinhos. Ele se torna o principal porta-voz da editora, vende a imagem da “Casa das Idéias” como a de uma grande família feliz, institui um novo estilo para escrever histórias, o “método Marvel”, no qual o desenhista também se torna um co-autor das tramas, e revela grandes nomes, como os já citados Jack Kirby e Steve Ditko, além de Don Heck, John Romita (e seu filho JRJR), Jim Steranko, e do futuro editor e braço-direito Roy Thomas. Sem falar em outros nomes lembrados como os de Marv Wolfman, Dave Cockrum, Mike Zeck, Barry Windsor-Smith, Frank Miller, Jim Starlin, Steve Eaglehart, Frank Brunner e o futuro editor-chefe Jim Shooter – citando os das décadas de 1960 a 1980. Os anos 1990 revelariam, ainda na Marvel (para o bem e para o mal), Todd MacFarlane, Jim Lee, Whilce Portacio, Rob Liefeld, Fabian Nicieza, Joe Quesada, Jimmy Palmiotti...
Com o sucesso de suas atividades, o “Excelsior” (apelido derivado do termo com o qual costumava encerrar seus artigos opinativos) angariou a admiração de muita gente importante, entre jornalistas, cineastas e músicos; garantiu vultosas promoções de cargo; e se tornaria uma figura influente, a ponto de lotar palestras em universidades e participar de programas de TV. E ainda abriu as portas para Hollywood (posteriormente, Stan e sua família mudam-se para a Califórnia). Apesar de nem sempre estar por perto para supervisionar os rumos que os outros davam aos seus heróis – por exemplo, ele também foi pego de surpresa pela morte da namorada do Homem Aranha, Gwen Stacy – ele soube aproveitar o crescimento da “Casa das Ideias”. Ele assistiu, inclusive, a Marvel ser a primeira a licenciar os quadrinhos de Star Wars, Conan o Bárbaro e da banda Kiss.
Mas nem tudo eram flores. Também ficaram famosos os muitos desentendimentos com seus colaboradores. Primeiro, com seu chefe, Martin Goodman, que não desperdiçava a chance de infernizar a vida de Stan com suas exigências – e que, depois de sair da editora que fundou, foi capaz de fundar uma editora concorrente, de pouquíssima duração; depois, com o recluso Steve Ditko, co-criador do Homem Aranha, por causa de diferenças ideológicas – e quais deveriam nortear as aventuras do Homem Aranha. Mas o mais notório conflito foi com Jack Kirby, que atravessou décadas até a morte do desenhista em 1994 – conflito que foi insuflado pela esposa de Kirby. Ainda há um contingente de fãs que odeiam Stan Lee porque este teria ficado com a parte da fama que, por direito, pertencia a Kirby. “The King” ainda trabalharia por um período para a principal rival da Marvel, a DC Comics. Mesmo o breve retorno de Kirby à Marvel não foi suficiente para esfriar esse conflito.
Mas, de todo modo, Stan Lee assistiu toda a história da Marvel Comics, editora que ainda é a número 1 do mundo. Assistiu a Marvel se tornar uma referência não só em quadrinhos, mas também no modo de se fazer cinema de super-heróis – e ele apareceu em quase todos os filmes, com seus famosos “cameos”. Assistiu os períodos de expansão e de crise da editora (o período de crise mais grave foi o dos anos 1990). Assistiu as diversas compras da editora por muitas empresas, culminando com a compra pela Disney; Enfim, ele acompanhou as mudanças pelas quais os super-heróis passaram ao longo dos anos.
E, como todo ser humano, Stan Lee também teve seus momentos de erro, como quando se deixou enganar por aproveitadores na área administrativa, ou quando aceitou participar de um espetáculo fracassado no Carnegie Hall. Mas o tempo o absolveu desses erros.
Enfim, vários desses aspectos foram abordados nas biografias escritas por Guedes, com a maior quantidade possível de detalhes. Mas bem que a biografia já esteja precisando de uma versão atualizada, com os últimos momentos do homenageado.
Com isso, fica nossa homenagem ao “Excelsior”. Dois livros que tem de ser lidos juntos, para não se perder nada.
Para encerrar, não tendo outra ideia melhor, como uma homenagem ilustrada, resolvi fazer uns bonecos imitando gestos icônicos de personagens da Marvel Comics – nem todos saídos da mente de Stan Lee. Conseguem adivinhar quais são esses personagens?
Agora, só o futuro vai dizer o que será de nós, fãs de quadrinhos, de super-heróis, da Marvel Comics. Quem será o “rosto” da editora agora?
Até mais!

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