sábado, 21 de junho de 2014

OVERMAN - As heroínas são prosaicas, os heróis são arcaicos

Olá.
Faz dias que não escrevia, ou que não tinha disposição para escrever. Para compensar, estive desenhando, para manter meus arquivos com material suficiente para dias. E, claro, tentando esquecer um pouco do embalo da Copa do Mundo.
Hoje, volto a falar de quadrinhos. Volto a falar do lendário cartunista brasileiro Laerte Coutinho. Volto a falar de um de seus personagens mais famosos.
Certa vez, da primeira vez que falei em Laerte, falei, de uma só vez, de Piratas do Tietê e Overman. Em postagens anteriores, falei dos Piratas do Tietê, em separado. E, hoje, fechando o ciclo, volto a falar de Overman, e como ele, digamos assim, merece.
Bão. Laerte, como todo mundo sabe, tem uma plêiade de personagens em seu portfólio: os moradores do Condomínio, incluindo o síndico, o zelador, o grafiteiro e o puxa-saco Fagundes; o azarado e excêntrico Hugo Baracchini; os Piratas do Tietê, incluindo Capitão, seu perna direita Jack e seu nêmesis Silver Joe; os Gatinhos, com Gato, Gata e o filhinho Messias; Deus e seus assistentes; a menina de circo, Suriá, e seus amigos; a menina Carol e seus amigos; Lola, a Andorinha, e seus amigos; Orlando, o Vestibulando, e seus companheiros de quarto; e o super-herói Overman.
Nos dias de hoje, Laerte está praticamente se dedicando a tiras reflexivas, introspectivas e de sentido misterioso, publicadas no blog Manual do Minotauro. De seu portfólio, ele atualmente só está fazendo tiras inéditas de Suriá e Deus. O restante, ele já largou de mão. Incluindo Overman.


O HERÓI
OVERMAN foi incluído na série Striptiras, nome genérico adotado para as tiras de Laerte com todos seus personagens, em 1997. No início, Laerte só havia colocado um herói genérico, “apenas capa e músculos” segundo ele, numa tira que criticava a adoção de rodízio de veículos para solucionar um problema de mobilidade urbana da cidade de São Paulo. Mas o público – e o autor – gostou, e logo o super-herói de uniforme amarelo e roxo ganha sua própria série, onde, no estilo surreal de Laerte, os clichês das aventuras de super-heróis ganhariam uma bela sacudida.
OVERMAN teve suas tiras publicadas inicialmente no jornal Folha de São Paulo. Em 1998, fatura o HQ Mix de Melhor Personagem. Ganha histórias publicadas no site e na revista Cybercomix. E ainda ganhou desenho animado! Em 2006, o personagem, dentro do projeto Cartum Netiuorque, onde personagens de tiras de quadrinhos brasileiros ganharam versão animada, Overman estrelou pequenos curtas de animação, de menos de um minuto, exibidos no bloco de animação adulta Adult Swim do canal pago Cartoon Network. A produção foi do estúdio de Daniel Messias, com financiamento da Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional).
A série de tiras de OVERMAN compreendeu mais de 900 tiras, mas apenas um décimo delas foi compilado em álbum. E o outro décimo está disponível no websiteoficial de Laerte.
A primeira – e única – compilação de tiras de OVERMAN foi lançada em 2003, pelas editoras Devir / Jacarandá: OVERMAN – O ÁLBUM, O MITO. Bem, antes, vamos falar do herói.
OVERMAN é, como já dito, um herói “só capa e músculos”. Laerte nega que OVERMAN tenha sido criado baseado no Space Ghost da Hanna Barbera, embora suas aparências sejam parecidas – e o herói, nas tiras, ter se encontrado com este. Ninguém sabe – nem ele mesmo! – quem está debaixo do uniforme, já que ele se recusa a tirar a capa e a máscara. Logo, ele anda assim o tempo todo, uniformizado, e sempre procurando oportunidades de salvar o dia – mas nem sempre é bem-sucedido. Afinal, OVERMAN é truculento, sempre resolvendo as questões na base da porrada (tornando as tiras violentas como as dos Piratas do Tietê), pouco inteligente, preocupado mais em se autopromover – tanto que explora um pobre músico para compor sua canção-tema. Seus únicos poderes são superforça e capacidade de voar, nenhum poder adicional. Vê o mundo sobre o tradicional prisma do dualismo bem e mal, sem meio-termo, como a maioria dos super-heróis. E, ainda por cima, é pé-de-chinelo: seu “esconderijo secreto” é uma pensão no bairro do Ipiranga, em São Paulo, num apartamento caindo aos pedaços que ele divide com o malandro Ésquilo, um rapaz pouco preocupado com a vida ou com o que o próprio companheiro de quarto diz ou pensa. A “filosofia de vida” de Ésquilo pode ser resumida em sua frase mais usada: “Mal, aí”, toda vez que ele comete uma mancada.
OVERMAN ainda tem dificuldades para arranjar dinheiro para pagar o aluguel – por isso, é constantemente perseguido pela dona da pensão. E não é livre de vícios: vive tomando conhaque quando não está em missão, trucida quem fala mal de sua capa, já foi viciado em fliperama – a ponto de vender o próprio corpo – e apanha dos inimigos, quando dá bobeira. E, ainda por cima, vive sendo enganado. Ah: e é melhor não cruzar seu caminho às sextas-feiras, pois é o dia em que ele sai à procura de sexo, atacando tudo o que passa em seu caminho.
Como todo super-herói, OVERMAN tem sua galeria de super-vilões. Tem o baixinho Maníaco Flatulento, contaminando todos os ambientes com seus odores; a bela e fatal Pane, causando o mau funcionamento de máquinas com seu olhar; o misterioso Passador de Trotes, sempre enganando o herói com suas mensagens telefônicas; o anti-higiênico Capitalista Imundo; a perigosa Louva Deusa, a vilã que o próprio Overman criou; o Grande Rabo, a parte visível de um monstro misterioso, e com vida própria; Praga, que certa vez consegue entupir o herói com pizzas e depois esmaga-lo com uma prensa hidráulica; o Dr. Mutag, tentando contaminar o mundo com alimentos transgênicos; Alexandra, uma musculosa vilã que deu certa vez uma verdadeira surra em Overman; e outros.
Aliados? OVERMAN também tem, ou teve. Não que Ésquilo seja confiável como aliado, pois nem pra dar palavras de incentivo ao herói ele se presta. Estou falando de Pâmela, a Mulher-Cachorro, uma ajudante eventual do herói – ou nem tanto, já que muita gente só chama o OVERMAN para ver a sensual ajudante dele.
Enfim, um super-herói “exemplar”, esse OVERMAN. Mas alinhado, de certa maneira, às atualidades noticiosas da época: em suas tiras, OVERMAN discute polêmicas como a dos alimentos transgênicos e o apagão de energia elétrica decretado pelo governo FHC, no final dos anos 90.

O ÁLBUM
Como já dito, OVERMAN – O ÁLBUM, O MITO foi lançado em 2003, pelas editoras Devir/Jacarandá. E é a única compilação disponível de tiras do personagem – Laerte está devendo outras.
O álbum colorido de 48 páginas, apesar de curto, reúne o essencial da carreira de OVERMAN, dividida em capítulos. Alguns arcos específicos saem em páginas pretas, o restante em páginas brancas.
No primeiro capítulo, Um Covil Chamado Destino, somos apresentados ao cotidiano de OVERMAN e Ésquilo; a luta do herói contra a Maníaco Flatulento; e depois, sua luta contra a sedutora Pane.
No segundo capítulo, O Pecado Não Aceita Trégua, vemos Overman procurando prazer nas noites de sexta-feira; um período em que Ésquilo se muda da pensão; a luta do herói contra o trio Sexo, Violência e Vulgaridade, que ameaça uma comunidade decente; e a incursão de Overman contra o Capitalista Imundo nas páginas pretas.
Em Alvorada da Repulsa, o capítulo seguinte, Overman vai ao médico, é feito de cobaia de testes com remédios sem saber, e acaba se transformando numa barata roxa e amarela. Laerte teve até uma preocupação: em uma tira do volume, ele explica como foi que Ésquilo voltou à pensão, sem mais nem menos, depois de ter ido embora, alegando reclamação de um leitor.
O capítulo seguinte é Pusilânimes em Desfile. Overman é contratado como guarda-costas de uma modelo, mas fracassa: deixa a moça ser raptada, passar por uma lavagem cerebral e ainda ser feita em pedaços. E o capítulo ainda inclui o trecho em que Overman e Ésquilo gravam uma radionovela, nas páginas pretas (mais uma ação de autopromoção de Overman).
Em Por Uma Migalha de Glória, Overman procura criar uma identidade secreta para si, e cria Arturo Morsa, um guarda-costas de mafioso – mas sem convencer ninguém; promove uma seleção para escolher uma assistente, uma Overgirl (depois que seu calção rasga), e é introduzida na tira a sensual Pâmela, a Mulher-Cachorro, cuja função é apenas roubar a cena com seu sorriso bobo e sua língua de fora.
Em Fronteiras da Perdição, é narrado o pior evento da vida de Overman: seu vício em fliperama (este que vos escreve também já passou por essa fase na vida...). Praticamente vendendo tudo para conseguir fichas de fliperama, Overman chega a se transformar em travesti e se casar com um homem rico para alimentar seu vício, do qual ele se cura com eletrochoques; e inclui ainda, nas páginas pretas, a sequência em que Overman passa por um tratamento psiquiátrico com o baixinho Dr. Lights, que só para apanhando do herói.
Em Na Torrente de Infâmia, em busca de uns trocados a mais, Overman aceita posar nu para uma revista, mas é “transformado” em mulher na edição de imagens; passa por uma fase depressiva, trocando o uniforme amarelo e roxo por um uniforme negro e uma atitude depressiva; e vê Ésquilo usar seu velho uniforme para encarnar Loverman, o “super-herói cheio de amor para dar”, irresistível à mulherada.
Sob a Tirania das Trevas é o capítulo seguinte. Overman colaborando, como punisher, com a campanha de racionamento de energia elétrica, e encarando dois alienígenas sacanas que podem estar por trás de tudo.
E, finalmente, o capítulo O Apogeu de Uma Era, todo em páginas pretas. Nessa sequência, Laerte tenta nos convencer que Overman foi criado em 1959, por um certo J. V. L. (Porteirinho), passou por várias fases de publicação, por diferentes desenhistas, até chegar à fase atual – e numa momentânea crise há 40 anos, parafraseando Lourenço Mutarelli.
Como podem perceber, é mais o essencial da carreira de Overman. E não veio completa: algumas tiras de algumas sequências ficaram de fora, como as das sequências da radionovela e a de Pâmela. E, numa coletânea curta demais, ficaram de fora sequências memoráveis, como a da incursão de Overman contra o Passador de Trote; a criação e a luta de Overman contra a Louva Deusa; as encrencas do herói com os alimentos transgênicos até desmascarar o Dr. Mutag; o encontro de Overman com Space Ghost e onde o combate entre ambos arrasou a cidade de Barcelona, na Espanha; a aventura de Overman contra o Grande Rabo; a vez em que Overman engorda de tanto comer pizza e acaba prensado pelo Praga (e como a “forte” imagem do herói sendo esmagado afetou a opinião pública, bem como a perturbadora questão: o herói morreu depois disso?); a luta de Overman contra um bando de vilões que dominam o mundo e seu enfrentamento contra Alexandra; o ciúme de Overman com Santo Expedito... e muitas outras aventuras (ou desventuras) que podem ser lidas no site do Laerte.
Como já dito, Laerte já está devendo uma nova coletânea com Overman, para complementar esta, que, apesar disso, nem é ruim. Já serve para apresentar o personagem às novas gerações. Ao menos, Laerte marcou mais pontos em sua carreira.
Com sorte, ainda é possível encontrar o álbum nas livrarias.

Para encerrar: da primeira vez que falei de Laerte aqui no Estúdio Rafelipe, pus tiras de Letícia, a minha menina, para acompanhar. E é o que vou fazer: Letícia acompanhará mais esta postagem sobre Laerte. Aqui vai mais um trecho do mais recente arco de tiras de Letícia, A Princesa do Bilboquê.
Vejam mais desta longa série em http://leticiaquadrinhos.blogspot.com.br/.
E, por hoje, é só, pessoal. De resto, veremos como a Seleção Brasileira vai se sair nesta Copa.

Até mais! 

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