quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Livro: NETTO PERDE SUA ALMA

Olá.

Hoje, vou novamente falar de livro. De romance ambientado no passado do Rio Grande do Sul.
O Dia do Gaúcho (20 de setembro) já passou, mas, devido a alguns problemas pessoais, não pude fazer uma postagem especial para esse dia. Queria ter feito a publicação no dia 20, mas não consegui. Paciência...
De todo modo, hoje vamos falar de Guerra dos Farrapos (1835 – 1845). De mídia ligada ao nosso maior movimento separatista. O livro em questão foi base para um filme cultuado e premiado. E, ao mesmo tempo em que falaremos desse livro, apresentaremos um escritor novo.
Hoje, vamos falar de NETTO PERDE SUA ALMA, de Tabajara Ruas.
Muita gente conhece NETTO PERDE SUA ALMA pelo filme. Mas ele foi baseado em um livro. Do filme falaremos mais tarde.


SEU AUTOR
Antes de falarmos do livro, é bom que eu apresente seu autor, o multimídia Tabajara Ruas, que, além da literatura, acumula trabalhos no cinema, na televisão e nos quadrinhos.
Marcelino Tabajara Gutierrez Ruas nasceu em Uruguaiana, RS, em 1942. Estudou arquitetura na UFRGS e na Kongeligkunsacadami, em Copenhagen, na Dinamarca. Estudou cinema na High School de Vejle, na Dinamarca. Exilado, por conta do Regime Militar Brasileiro (1964 – 1985), viveu entre 1971 e 1981 em seis países – Uruguai, Chile, Argentina, Dinamarca, São Tomé e Príncipe e Portugal.
Seu primeiro romance, A Região Submersa, foi publicado em 1978, em Portugal e na Dinamarca.
Depois que retornou ao Brasil, publicou O Amor de Pedro por João, em 1982.
Em 1985, ele inicia a trilogia Os Varões Assinalados – O Grande Romance da Guerra dos Farrapos, composta por O País dos Centauros, A República de Anita e A Carga de Lanceiros. Posteriormente, as três partes são reunidas em um único volume. Os Varões Assinalados é considerado um dos 30 melhores livros dos últimos 30 anos pelo jornal Zero Hora.
Em 1991, publica Perseguição e Cerco a Juvêncio Gutierrez (o personagem título é considerado um dos 20 melhores do século XX na literatura gaúcha pelo mesmo jornal Zero Hora).
Em 1995, publica NETTO PERDE SUA ALMA, que, no ano seguinte, fatura o prêmio Açorianos de Literatura de Melhor Romance.
E, em 1997, publica O Fascínio.
De outros gêneros literários (cujas datas não consegui identificar no momento), Tabajara Ruas publicou: de ensaios, Mario (com Armindo Trevisan e Dulce Helfer), A Cabeça de Gumercindo Saraiva (com Elmar Bones), Solar dos Câmara e RS: Caminhos, Luzes e Sombras; de livros de crônicas, Um Porto Alegre; de álbuns de quadrinhos, escreveu os roteiros de História de Curitiba e de A Guerra dos Farrapos, ambos com desenhos de Flávio Colin, e História/Histórias de Porto Alegre, com desenhos de Edgar Vasques e Liana Timm; os folhetins A Segunda Existência de Terry Lennox, 1835: A Grande Epopeia, O Labirinto Invisível e Você Sabe de Onde eu Venho; além de traduções de textos infantis do dinamarquês Hans Christian Andersen. Quase todos os seus romances possuem traduções para o exterior.
Já no cinema, Tabajara Ruas atua desde 1978, em diversos projetos – quase todos premiados. Ruas escreveu os roteiros de Kilas, o Mau da Fita (dirigido por José Fonseca e Costa, Portugal, 1978), Anahy de Las Misiones (Sérgio Silva, Brasil, 1997), Perseguição (Ligia Walper, Brasil, 1997), A Antropóloga (Zeca Pires, Brasil, 2002), Concerto Campestre (Henrique de Freitas Lima, Brasil, 2005) O Tempo e o Vento (Jayme Monjardim, Brasil, 2013 – o roteiro foi co-escrito com a também escritora Letícia Wierzchowski) e Oeste (Chico Faganello, Brasil). Foi assistente de direção de Um S Marginal (José Caetano, Portugal, 1978). Isso tudo só citando os longa-metragens; ele também roteirizou diversos curtas, como O Dia em que Dorival Encarou a Guarda (José Pedro Goulart e Jorge Furtado, 1987), Manhã (Zeca Pires, 1989), Paulo e Ana Luiza em Porto Alegre (Rogério Ferrari, 1998), Duelo (Jaime Lerner, 1998) e Ilha (Zeca Pires, 2001). Em 2001, ele co-dirigiu, junto com Beto Souza, a adaptação para cinema de NETTO PERDE SUA ALMA, que ganhou diversos prêmios no Brasil e no exterior; em 2007, dirige o documentário Brizola – Tempos de Luta; em 2008, escreve e dirige Netto e o Domador de Cavalos; e, em 2014, escreve e dirige Os Senhores da Guerra.
Escritor premiado, Tabajara Ruas já foi escolhido um dos dez melhores escritores da literatura gaúcha em enquete promovida pelo jornal Zero Hora em 1992; e já recebeu o Prêmio Érico Veríssimo, da Câmara Municipal de Porto Alegre, em 2001, durante a 47ª Feira do Livro de Porto Alegre, pela relevância do conjunto de sua obra. O escritor vive entre Florianópolis e Porto Alegre, preparando novos projetos. Para este segundo semestre de 2018, ele, no momento em que escrevo, se prepara para estrear seu mais novo filme, a adaptação de A Cabeça de Gumercindo Saraiva.

O ROMANCE
Bem: NETTO PERDE SUA ALMA foi lançado em 1995, pela editora Mercado Aberto. Algum tempo depois, foi relançado, pela editora Record. Ao longo da postagem, vocês podem ver capas de outras edições do livro.
NETTO PERDE SUA ALMA procura recriar, com recursos de ficção, a trajetória e a personalidade complexa de um dos mais importantes personagens da Guerra dos Farrapos, Antônio de Souza Netto. Os detalhes biográficos a respeito do personagem são escassos, então, o autor (inclusive admitiu que) precisou utilizar a imaginação para recriar a vida do responsável pela proclamação da República Rio Grandense, em 1836 – uma das mais importantes fases da Guerra dos Farrapos.
O enredo de NETTO PERDE SUA ALMA é não-linear – dividido em seis partes, por sua vez subdivididas em pequenos capítulos, o romance dá vários saltos no tempo, focalizando momentos-chave da vida do General Netto, e seus embates com a própria consciência, com suas escolhas. E tudo em uma prosa direta, cinematográfica, como convém a um autor que também possui experiências com cinema.
Antônio de Souza Netto lutou tanto na Guerra dos Farrapos quanto na Guerra do Paraguai. Foi quem proclamou a República Rio Grandense e, segundo dizem, era favorável à abolição da escravatura. Tanto que foi ele o idealizador do Corpo de Lanceiros Negros, um praticamente imbatível exército formado por escravos que lutavam em troca de liberdade. Porém, os Lanceiros Negros acabaram traídos, perto do final da Guerra: pereceram durante a batalha de Porongos, onde se viram desarmados. Suspeita-se que a traição tenha sido engendrada por Davi Canabarro, a fim de não precisar cumprir a promessa de libertar os lanceiros após a guerra. Após o fim da Guerra dos Farrapos, e de suas pretensões nobres, Netto estabeleceu família e mudou-se para uma propriedade no Uruguai. Ele faleceu em 1866, em Corrientes, na Argentina, em um hospital militar.
A primeira e a última parte do livro (ambas chamadas Corrientes) se passam justamente no Hospital Militar de Corrientes, onde Netto está acamado devido a ferimentos sofridos durante uma batalha da Guerra do Paraguai. Enquanto está convalescente, ele presencia o sofrimento de seus colegas de quarto, igualmente feridos – entre eles, o Capitão de los Santos, que teve as pernas amputadas – sente repulsa pelo responsável pelo Hospital Militar, o tenente-coronel Philippe Fontainebleux, com pouca experiência em medicina – este procede a cirurgia de amputação das pernas do Capitão de los Santos, e este acredita que foi proposital, para inutiliza-lo – e alimenta um desejo pela enfermeira responsável, Rosita Zibiaurre, incumbida, inclusive, em lhe dar banho. Netto começa, entre recordações e delírios provocados pela febre, a alimentar o plano para matar o tenente-coronel, fazer justiça a seu modo. E aí, Netto recebe uma visita: um velho parceiro de lutas, o negro Sargento Caldeira, que vem lhes trazer notícias do Rio Grande do Sul. A primeira parte termina quando Netto revela seus planos a Caldeira.
A segunda parte do livro, Reunião no Morro da Fortaleza, se passa em abril de 1840, na Guerra dos Farrapos. Começa em uma noite: Netto e um parceiro, o capitão Teixeira, acompanham o italiano Garibaldi em uma ação para evitar uma emboscada, enquanto este embarca em um navio. Depois de se despedirem, Netto e Teixeira vão se reunir a companheiros em um acampamento distante. Antes, resolvem passar em uma estância em busca de cavalos. Conseguir os cavalos foi difícil, por causa da mulher responsável pela estância, muito arredia. Mas bastou a intervenção de uma velha, também moradora da estância, de um escravo e a revelação de alguns nomes para que a negociação ficasse mais fácil. No caminho, Netto e Teixeira param para fazer uma refeição, e acabam abordados pelo escravo da estância, o jovem Milonga, que quer, espontaneamente, se juntar ao Corpo dos Lanceiros Negros. Em princípio, os dois dispensam os préstimos de Milonga, alegando ser ele muito jovem, mas acabam voltando atrás quando o negrinho foi decisivo quando os dois militares, que perderam um dos cavalos, são emboscados por índios charruas e guerreiros que queriam o cavalo restante. Os dois conseguem lutar e vencer os índios, mas Milonga é quem garante a vitória contra o último índio. Assim, Milonga se junta ao Corpo de Lanceiros assim que todos conseguem chegar ao acampamento, onde os aqueles também esperavam.
Na terceira parte, Dorsal das Encantadas, também passado na Guerra dos Farrapos, um novo retrocesso no tempo: se passa em 1836, em um acampamento militar, na véspera do ato da Proclamação da República Riograndense. Basicamente, diálogos entre Netto e alguns aliados no acampamento dos farroupilhas, praticamente cenas de bastidores do importante evento.
Quarta parte: Último Verão no Continente se passa em 2 de março de 1845, um dia depois da assinatura do tratado de paz de Ponche Verde, que firmou a paz entre os revoltosos farroupilhas e o governo imperial. Mas, naquele dia, alguém estava descontente, mais que qualquer outro: os remanescentes do corpo de Lanceiros Negros – incluso Milonga – que não tinham certeza quanto ao seu futuro após o fim da guerra, temiam voltar à condição de escravos e se sentiam traídos pelos brancos. Netto já confabula, entre os seus, de ir embora do Rio Grande do Sul. Milonga aparece de repente para matar o General, por se sentir traído por ele; e acabou morto pelo Sargento Caldeira, em defesa de Netto.
Quinta parte: Piedra Sola. Se passa no Uruguai, em 1861. Netto então desfrutava de um pouco de paz na propriedade rural que construíra nos arredores de Taquarembó. Constituíra família ao lado de Maria Escayola, filha de um proprietário rural uruguaio que conhecera em uma livraria. E, sempre que podia, Netto resolvia problemas para a população local, como caçar uma onça que atacava rebanhos. Vive com alguns empregados, entre estes Benedito, seu afilhado – em uma das cenas do capítulo, Benedito pede a Netto autorização para um casamento. Pouco depois, na casa do sogro, Netto tem um diálogo com um visitante, o embaixador inglês Edward Thornton, que expressa preocupação com os acontecimentos recentes no Paraguai – em breve, o presidente Solano Lopez iniciaria a série de eventos que levariam à Guerra do Paraguai. O capítulo termina com um longo diálogo entre Netto e sua esposa, na ocasião em que ainda namoravam.
E, na sexta e última parte, Corrientes, a história volta ao ponto onde começou, quando Netto e o Sargento Caldeira levam a cabo o plano do atentado contra o tenente-coronel Fointainebleux. O que se sucede, depois, nem o leitor tem certeza se é realidade ou delírio febril de Netto. Tudo o que se sabe é que, no dia seguinte, Netto não fica vivo.
Como um bom escritor que escreve sobre a Guerra dos Farrapos antes do revisionismo histórico do início do século XXI, Tabajara Ruas glorifica o movimento militar, dando aos personagens trejeitos e pensamentos nobres. Também assume o velho discurso a respeito da Guerra do Paraguai, segundo diz que esse país era desenvolvido antes do movimento militar, e que o conflito teria sido fomentado pelos interesses da Inglaterra na região – o atual revisionismo histórico diz outra coisa. Ainda assim, mesmo cometendo barrigadas na reconstituição da história, NETTO PERDE SUA ALMA é um belo romance, muito fácil de entender, graças à linguagem e ao ritmo cinematográfico. Mesmo quem não tenha visto o filme ainda pode imaginar os acontecimentos descritos.
Além do quê, não é um romance muito longo – a edição da Mercado Aberto tem 166 páginas, sem contar capa. Para quem aprecia romances históricos, é um entretenimento e tanto.

PARA ENCERRAR...
...só podia ser com novas páginas de minha HQ folhetinesca, O Açougueiro. Hoje são três páginas. E temo que a história está começando a perder o rumo, visto que eu retomei a produção depois de uns dois meses sem produzir novas páginas... e sem saber quando a história realmente terminará, e como. Mas, de todo modo, continuem acompanhando.
Na próxima postagem, NETTO PERDE SUA ALMA, o filme.
Até mais!

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