domingo, 10 de novembro de 2013

Livro: BUSSUNDA - A VIDA DO CASSETA

Olá.
Nestes dias que correm, da passagem de outubro para novembro de 2013, a grande polêmica no mundo cultural é a questão das biografias. Um grupo de personalidades, onde se inclui Caetano Veloso, Gilberto Gil e Roberto Carlos, se põe contra um projeto de lei que visa flexibilizar as regras para a publicação de biografias de gente famosa – o projeto prevê a derrubada do dispositivo que diz que as biografias devem ser publicadas apenas com a autorização do biografado e/ou de seus familiares, abrindo caminho para o mercado de biografias não-autorizadas. Uma grande discussão se abriu na oposição entre a liberdade de expressão garantida pela Constituição federal do Brasil e o direito à preservação da privacidade. Ainda há um ranço do caso da censura da biografia de Roberto Carlos publicada em 2007.
Bem, esta introdução é para situar os leitores dos atuais acontecimentos, e para justificar a escolha do livro do qual vou falar hoje. Escolhi uma biografia – autorizada, claro, e publicada já faz algum tempo.

O livro de hoje é BUSSUNDA – A VIDA DO CASSETA, de Guilherme Fiuza.
Esta biografia foi publicada em 2010, pela editora Objetiva, quatro anos depois da morte do icônico comediante Cláudio Besserman Viana, o Bussunda, a “alma” do não menos icônico grupo humorístico Casseta & Planeta, os grandes representantes da “geração do meio” do humor brasileiro.
O escritor, Guilherme Fiuza, é um grande conhecido do mercado. O jornalista carioca, atual comentarista de política da revista Época, da editora Globo, é famoso pelo seu primeiro livro, Meu Nome Não É Johnny, publicado em 2004 pela editora Record, e adaptado para o cinema em 2008 (o maior sucesso do cinema nacional daquele ano!), dirigido por Mauro Lima e com Selton Mello no papel do traficante de classe média João Guilherme Estrella. Antes de BUSSUNDA, Fiuza também publicou 3000 Dias no Bunker (Record, 2006), sobre os bastidores do Plano Real, e Amazônia, 20º Andar (Record, 2008), sobre uma seguidora do seringueiro Chico Mendes. Seu mais recente livro é de 2012, Giane – Vida, Arte e Luta (Editora GMT), sobre o ator Reinaldo Gianechini. Fiuza também foi coautor da minissérie O Brado Retumbante (2012), da TV Globo, junto com Euclydes Marinho, Denise Bandeira e Nelson Motta. Suas colunas da revista época podem ser lidas em seu blog: http://colunas.revistaepoca.globo.com/guilhermefiuza/.
Bão. Antes de falar sobre o livro, vou expressar alguns sentimentos pessoais: Casseta & Planeta era um dos meus programas de TV favoritos da minha adolescência. Assistia quase toda terça-feira à noite, na Globo – e só parei quando comecei a cursar a faculdade, e onde eu morei nos cinco anos de faculdade não tinha televisão. Tinha vezes em que me decepcionava com algumas piadas que saíam forçadas, e tinha vezes em que me divertia com as esquetes dos “sete rapazes de Liverpool”, os “sete caras feios” que “não conseguiam comer ninguém”, nem mesmo a apresentadora que há mais tempo ficou no comando, a ex-VJ da MTV Maria Paula. Mas eles sabiam fazer crítica social, satirizar novelas e programas de TV e interpretar personagens. Como não se deixar seduzir pelas maluquices de Cláudio Besserman Vianna (Bussunda), Cláudio Manoel Pimentel (Cláudio Manoel), Marcelo Garmatter Ribeiro (Marcelo Madureira), Roberto Adler (Beto Silva), Hélio Antônio do Couto Filho (Hélio de La Peña), Reinaldo Batista Figueiredo (Reinaldo) e Hubert de Carvalho Aranha (Hubert), e repetir bordões de seus mais célebres personagens, como o “Assim não pode! Assim não dá!” do presidente “Viajando” Henrique Cardoso; o “Você obviamente está duvidando da minha masculinidade... vai levá... porrada!” do pitboy Carlos Maçaranduba e seu fiel parceiro Hudson Montanha; o “Fala sério, aí!” do jogador de futebol Marrentinho Carioca, do Tabajara F. C., o “pior time do mundo”; o “Vamos, Fucker, mexa esse traseiro gordo!”, do policial estadunidense Sucker, da “dupla de dois tiras” Fucker and Sucker; ou cantar o jingle das Organizações Tabajara, ou repetir o linguajar o empresário picareta Seu Creysson; enfim. Casseta & Planeta marcou uma geração. Eu incluído.
Vocês que agora veem os fenômenos de humor dos stand-ups e da internet, possivelmente não sabem o que era o humor de 20 anos atrás. Casseta & Planeta integram a “geração do meio”, baseada principalmente em esquetes, personagens e bordões, previamente planejados durante uma semana. A geração que começou com a TV Pirata, em 1988, e teve seu ponto de transição para a nova geração do humor com a popularização do stand-up comedy, modelo norte-americano, no Brasil, a partir desta segunda década do século XXI.
Quem via o Casseta & Planeta na TV não fazia ideia de que, fora da telinha, os sete rapazes poderiam fazer muito pior – falavam palavrões e carregavam na escatologia. O embrião do grupo está nos anos 70, época de ditadura militar dando sinais de desgaste após um período de direitistas linha dura e esquerdistas caretas, que só pensavam em implantar o comunismo no Brasil. Pior que Bussunda foi criado nesse meio.
A intenção dos então universitários Beto, Marcelo e Hélio ao criarem o fanzine humorístico Casseta Popular nos corredores da UFRJ, em 1978, era protestar contra a falta de mulheres no Curso de Engenharia. Mais tarde, Bussunda e Cláudio Manoel entrariam no grupo, e se tornariam os principais ícones da revista. Mas encontrariam um rival à altura a partir de 1981: o jornal mensal Planeta Diário, editado por Reinaldo, Hubert (egressos do lendário O Pasquim) e Cláudio Paiva. A união dos dois grupos seria formalizada em 1988, quando todos foram convidados por José Bonifácio de Lima Sobrinho, o Boni, o “feiticeiro” da Rede Globo, para redigir o programa TV Pirata, que ajudou a renovar o humor brasileiro, que não encontrava nada original em uma década onde todos tinham poucos motivos para rir: planos econômicos fracassados, hiperinflação, as eleições diretas para presidente derrotadas... Enquanto produziam humor sem aparecer, os sete homens feios faziam shows humorístico-musicais e ampliavam seus negócios, que incluíram livros (como a célebre série As Melhores Piadas do Planeta... e Da Casseta Também!) e discos: Preto com um Buraco no Meio (1989), Pra Comer Alguém (1993) e The Bost of Casseta e Planeta (2002). Sem falar nos filmes: Casseta e Planeta: A Taça do Mundo é Nossa, de 2004, e Casseta & Planeta: Seus Problemas Acabaram!, de 2006. Mas só em 1992, graças a outra “ideia diabólica” de Boni, é que os “sete rapazes de Liverpool”, depois de serem testados em outros programas, ganharam seu próprio programa, o Casseta & Planeta Urgente – e nunca mais iriam parar de crescer, até 2009, quando eles resolveram sair do ar.
Bão. O texto de Guilherme Fiuza esmiúça, além da vida do icônico Bussunda, os bastidores da criação do grupo e sua trilha de sucesso, fazendo também uma rápida análise da época em questão. Tudo com muito bom humor, e usando dos palavrões que eles não usavam na TV. Como convém a alguém do porte de Bussunda.
A ideia para escrever o livro veio de um artigo escrito por Sérgio Besserman Vianna, irmão de Bussunda, pouco depois da morte deste, em 2006, traçando um breve perfil do humorista. A partir daí, Fiuza procurou reconstituir a vida do humorista através de entrevistas com amigos e familiares, documentos, imagens de arquivo... O livro ainda inclui fotos com momentos da vida de Bussunda.
E a imagem que aparece do biografado vai muito além do homem cabeludo, de dentes saltados e que já chegou a pesar 130 quilos. O caçula de uma família de três filhos, que nasceu magricela e começou a engordar por volta dos 10 anos, e que, na infância, tinha de disputar com a cadela da casa uma posição na cadeia alimentar, e na adolescência passava boa parte do tempo no quarto, criou-se em um ambiente “de esquerda” – os pais, Luís Guilherme e Helena Besserman, eram judeus e militantes comunistas. A mãe, típica mãe judia, criava os três filhos homens para serem os melhores na vida. Os irmãos, Sérgio e Marcos, que viviam alternando episódios de camaradagem e de picuinhas com o caçula, se tornaram homens “importantes”. O pequeno Cláudio, porém, estava resolvido a ser o pior, e em certo momento chegou a ser dado como um caso perdido: ele deixava de frequentar aulas de inglês para ficar dormindo na praça, driblava a mãe para ver televisão e acompanhar as novelas (dona Helena proibia a televisão por considera-la alienante) e conseguir perder o piano da família. E, desde pequeno, cultivava sua paixão máxima: o futebol, mais precisamente o Flamengo. E, apesar de gordo, era um excelente jogador de pelada.
Cursando a faculdade de Comunicação Social da UFRJ, Bussunda, que ganhou o apelido na colônia de férias da comunidade judaica carioca, a Kinderland, ao atuar como palhaço, foi, a partir de 1981, uma das lideranças da mais irreverente gestão do Diretório Acadêmico da ECO, que incluía um barril para estocar bebidas, jogos de futebol e passeios de ônibus “emprestado” pelo Brizola (então governador do Rio de Janeiro) para convenções de estudantes Brasil afora, algumas delas esculachadas pelos estudantes que preferiam trocar a caretice da militância de esquerda, que naquele instante praticamente só pensava na questão do Afeganistão, pela irreverência gratuita. Foi na UFRJ que Bussunda, que chegava a fazer papel de cego para arrecadar fundos no ponto de ônibus, começaria a fazer parte do corpo criativo da Casseta Popular. Bussunda saiu da faculdade com o título de “pior aluno” da ECO – confirmado através de um concurso.
No momento em que as turmas da Casseta Popular e do Planeta Diário foram convidadas para escrever na TV, Bussunda estava numa pior, disputando com Cláudio Manoel as moedas deixadas pelo colega de apartamento Beto Silva, o único ali que tinha trabalho estável numa empresa, saído de uma má sucedida experiência de intercâmbio na Europa e prestes a voltar para a casa dos pais. Até que veio a salvação.
Fiuza refaz, numa narrativa não-linear, toda a trajetória de Bussunda e do Casseta & Planeta. E levanta dados curiosos sobre o personagem: ele, antes de falecer devido a um ataque cardíaco, durante a cobertura da Copa do Mundo de 2006, já chegou a ser declarado morto duas vezes; foi uma das lideranças da campanha que promoveu um macaco, Tião, a candidato à prefeitura do Rio de Janeiro, em 1988; escreveu crônicas para jornais e livros solo; uma vez, comprou briga com feministas porque uma música que compusera, e que entrou no primeiro LP musical do grupo, Preto com um Buraco no Meio, tinha versos que aparentemente depreciavam as mulheres, mas que na verdade eram um grito de dor de cotovelo contra a mulher que, de paixão platônica, passaria a ser sua esposa e mãe de sua única filha; já foi ameaçado de morte pelo cantor Tim Maia, por causa da imitação que o gordo fazia daquele em um dos shows do grupo; já desejou trair a esposa com tortas de chocolate; já foi confundido com a atriz Malu Mader, tal a idolatria que passou a receber; e que, de apoiador do ex-operário Lula, o “Papai Noel da barba preta”, passaria a ser crítico do agora presidente, de quem se tornaria imitador oficial (“O companheiro vai querer o meu autógrafo?”). Além de ter sido o primeiro dublador brasileiro do personagem Shrek (os dois primeiros filmes).
A trajetória do Casseta & Planeta não ia ficar de fora: dos tempos das revistas, até um capítulo sobre a TV Pirata; as esquetes humorísticas no programa de entretenimento Dóris para Maiores (1991); a estreia do Casseta & Planeta Urgente, em 1992; as complicações, como as polêmicas com a apuração do Plano Collor, em 1992, e com a cantora Sandy, em 2001, quando gravava uma novela da Globo; a preocupação de Boni no momento da estreia do programa; a criação da empresa responsável por gerenciar os negócios do grupo, a Toviassú Produções Artísticas (“Todo Viado é Surdo” – vai saber o porquê desse nome, Guilherme Fiuza nem se dá ao trabalho de explicar); a vitoriosa cobertura da Copa do Mundo de 1994, que aumentou a fama do grupo; as sátiras aos presidentes da República; as criações das Organizações Tabajara, de Carlos Maçaranduba, do Tabajara F. C. e do Seu Creysson; o crescimento exponencial com as sátiras às novelas das nove horas da Globo, feitas em tempo real, e medida para combater a audiência dos outros canais; e a participação de personalidades no programa, pagando mico, como Xuxa, Gisele Bündchen e o ex-ministro Armínio Fraga.
Cada um dos cassetas também ganha o seu perfil na obra. Como Hélio de La Peña, que veio de família humilde e que chegou a ser considerado louco depois de dar um desfalque na firma onde trabalhava (e dessa crise ele conseguiu sair graças a Dona Helena, mãe de Bussunda); Marcelo Madureira, que lia Freud ainda na infância; e Reinaldo, que começou a trabalhar no Pasquim porque era vizinho da redação, e que chegou a ser menosprezado porque não estava caracterizado como um de seus personagens. Também entram perfis de Maria Paula, a moça de Brasília que precisou gritar para ver cumprida uma promessa paterna, sobreviveu ilesa de um acidente de carro e que penou após ser demitida da MTV e conseguir um espaço na Globo, até entrar para o grupo; o ex-parceiro de trabalho de Reinaldo e Hubert, Cláudio Paiva, até hoje redator de humor da Globo; a esposa de Bussunda, Angélica, uma moça geniosa que chegava a comprar briga com as professoras do colégio, demorou um pouco para entender a mensagem cifrada na referida canção de Bussunda e que chegou a atuar como empresária do grupo, até a entrada de Manfredo Garmatter, o irmão de Marcelo Madureira. E também do mais fiel diretor do programa, José Lavigne, que foi expulso do colégio mesmo sendo inocente de uma acusação de porte de drogas; do “oitavo integrante” do grupo, Emanoel Jacobina, o Mané Jacó, músico do grupo e futuro redator da novela adolescente Malhação; e do também principal encarregado da produção do programa, Mu Chebabi. E ainda há referências ao repórter picareta Agamenon Mendes Pedreira, personagem ficcional criado por Reinaldo e Hubert, que, além de livros-solo, ganhou um filme em 2012.
Saltam também histórias curiosas dos bastidores, como a vez em que Maria Paula serviu de cupido para o então separado Hélio de La Peña; das viagens de Bussunda ao exterior com a família, inclusive com a mãe, que insistia em estocar comida do hotel na bolsa; o relacionamento de Bussunda com a filha, que praticamente obrigou-o a cuidar da saúde; o desconforto que o grupo criou com o presidente do jornal O Globo, Evandro Carlos de Andrade, demonstrando que ninguém estava a salvo das sátiras do Casseta & Planeta; entre outras histórias que só não cito para não me estender muito.
Ficaram de fora, no entanto, fatos como a vez em que o grupo editou revistas em quadrinhos – a Toviassú editou, no Brasil, séries estrangeiras como Concreto, de Paul Chadwick, e Black Kiss, de Howard Chaykin. O grupo também ganhou seu próprio gibi, nos anos 90.
Do capítulo que relata as circunstâncias da morte de Bussunda, em 2006, até o final, o livro carrega um pouco na melancolia e na emoção. Afinal, foi o momento em que as coisas começaram a perder a graça. Um final melancólico para alguém que se orgulhava de ser um babaca, e venceu na vida assim mesmo.
BUSSUNDA- A VIDA DO CASSETA ainda pode ser encontrado com facilidade nas livrarias. Com sorte, com um bom desconto.
Bem. Para encerrar, os já tradicionais desenhos. O primeiro, visto acima, já foi publicado anteriormente aqui: da série Somente com Camisinha, uma esquete inspirada num trecho de uma das crônicas do Bussunda, compiladas no livro Alô, Rapaziada!
E a segunda foi retirada dos arquivos: um cartum inspirado em uma piada vista no livro As Melhores Piadas do Planeta... E da Casseta Também!, volume 1. Francamente, não entendi até hoje a resposta da mulher, mas está assim no livro. Notem que eu nem mesmo terminei o cartum – nem apaguei o lápis. Não sei bem por quê. Foi produzida antes do meu retorno a Vacaria, em 2008, em Santa Maria, ainda no “escritório” do Núcleo de Quadrinhistas de Santa Maria – Quadrinhos S. A.. A nossa própria Toviassú Produções Artísticas (sabe-se lá se a comparação é adequada, mas...).
Até mais!

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