terça-feira, 2 de abril de 2019

MACÁRIO - Capítulo 57: "Cachaça com mel e bombons de licor"

Olá.
Havia prometido, na última postagem, que iria publicar um novo capítulo de meu folhetim ilustrado para adultos, MACÁRIO, na semana passada. Não deu. O presente capítulo saiu depois de 15 dias do último. Mas saiu. Ainda vou tomar providências para a correção do cronograma de capítulos, que está bastante bagunçado...
ATENÇÃO: leitura não recomendada para menores de 18 anos. Contém cenas de consumo de bebidas alcoólicas e de atitudes pouco racionais.



Bastou um minuto esfriando a cabeça, enquanto vestia o uniforme de bartender. Ou não.
Parece que, aos poucos, a minha vida voltava à normalidade. Digo, à normalidade anterior ao pacto firmado com Luce. Entre a aparição dos Monstros pela primeira vez no bar que eu chamava de emprego, e o pacto firmado com Lúcifer no estacionamento daquela churrascaria.
Foi muita pressão para cima da minha pessoa. Foi não, é muita pressão.
Minha mente ainda não se recuperou totalmente daquele final de semana conturbado, em que houve mudança de residência, sexo, festa, sexo, desentendimentos, sexo, um olho roxo, sexo, outro olho roxo... e várias garotas querendo tirar satisfação.
Seis garotas, precisamente. Dessas seis, uma saiu chorando, outra brava, três se deram por satisfeitas por agora e a última estava diante de mim, sentada no balcão.
E o bar estava... vazio.
Fora Geórgia e eu, não havia mais ninguém no bar.
Onde estavam os Monstros?
Geórgia era a única cliente no bar naqueles minutos iniciais de trabalho.
Que estranho: há dias em que o bar já estava cheio na hora em que eu entrava no balcão. No mínimo, já havia um dos Monstros já sentado ao balcão, e os outros chegavam aos poucos.
Luce já terá saído do curso dele? Ele terá ido para o apartamento? Ele não viria hoje?
- O que foi, Macário? – pergunta Geórgia, ao me ver olhando constantemente para os lados.
- O que foi o quê?
- Quem você está procurando?
- Hã... ninguém em especial.
- E o Breevort, que horas vem? – Geórgia também procurava com o olhar.
- Geralmente ele já está aqui a esta hora.
- Deve ter ocorrido um imprevisto.
- Pode ser. Às vezes acontece... Quando acontece a gente acha estranho, se preocupa.
- É... e a cachaça, Macário?
- Ah, sim. Como vai querer? Pura? Com mel ou limão? Com mel e limão?
- Com mel.
- Perfeitamente.
Embora o forte do bar sejam as bebidas e os drinques mais caros, tínhamos um estoque de cachaça, uma bebida mais “simplória” comparada ao uísque, conhaque, etc. Tem quem a consuma pura, tem quem peça a típica caipirinha brasileira. Já faz tempo que a cachaça deixou de ser considerada um “refugo” de bebida, e ganhou um status similar ao do vinho, com regras para apreciação e tudo.
Cachaça com mel.
Mas no que será que Geórgia estaria realmente pensando?
Me sentia sitiado, com apenas ela, no bar.
Geórgia, que, há poucos instantes, tentara me colocar contra a parede. Tentara provar que eu só estive mentindo sobre o meu final de semana, em que mudei de apartamento sem avisar.
Será que ela já sabia da existência das criaturas noturnas? Será que sua amiga Eliane contou para ela? Será que aquele sonho que tive, de Eliane sodomizando Geórgia, era mesmo sonho, ou era portal mental?
Para tentar me acalmar, eu preparei a cachaça com mel sempre de costas para Geórgia. Mesmo sem olhar para ela, eu sentia que ela não parava de olhar para mim.
E o olhar dela de repente se multiplicou por vários. Onde estavam os outros para me ajudar? Eu estava sozinho com ela. Sozinho... E os outros garçons? Até eles me abandonaram aqui, os canalhas...
Estou sozinho com ela...
Mas, quando me virei, com o copo pronto, levo um susto – mas por pouco não largo o copo no chão.
Atrás de Geórgia, no balcão, os Animais de Rua pareciam ter se materializado como que por mágica.
- Oooi, Macário!! – os nove falaram em uníssono.
Até Geórgia se virou.
Estavam todos eles ali. Fifi, Eliane, Aura, Boland, Ringo, Gil, Richard, Fido, Pauley. E estavam sorridentes. Fazia mesmo tempo que eu não os via.
Como eles entraram sem fazer o mínimo de barulho?! Eu teria ouvido a porta do bar abrindo e fechando.
- Vocês! – exclamou Geórgia, surpresa. – De onde vocês apareceram?
- Pela porta, como todo mundo. – falou Fifi.
Não pode ser... eu devia estar mesmo muito distraído, ou tenso, ou ambos. Eu teria ouvido a porta do bar abrindo e fechando...
- Oi, Geórgia! Como vai? – pergunta Eliane, com alegria.
- Indo. – falou Geórgia, secamente, voltando seu olhar para mim, de soslaio. – Indo.
- Que é isso, gata. – falou Fido. – Que cara amarrada é essa? E logo no bar, que devia ser um local de alegria?! Brigou com o namorado?
- Deve ser porque ela ainda não começou a beber. – falou Aura. – Certamente é por isso.
- E olhem, o Macário já está servindo ela! – falou Gil, reparando que eu ainda segurava o copo de cachaça.
- Ei, Macário, como vai? – pergunta Richard.
- Vou indo. – respondo, meio sem jeito, deixando o copo diante de Geórgia. Esta mecanicamente o pegou, mas não bebeu imediatamente.
- Ah, outro que “vai indo”. – falou Pauley. – Corta essa! É assim que você recebe a clientela?
- Não é o Macário que a gente conhece. – falou Boland. – Qual é o problema?
- Cadê o restante do pessoal?! – pergunta Fifi. – Que vazio aqui! Deve ser por isso, o bar ainda está... vazio!
- Vazio não. – falou Richard. – Nós não contamos? A Geórgia e o Macário não contam?
- Isso me faz lembrar... – Gil se intromete. – Se Sansão consegue comer cinquenta ovos cozidos com o estômago meio cheio, quantos ovos ele pode comer com o estômago totalmente vazio?
- Ué, uns cem. – diz Fido.
- Não. Só um.
- Cem! Eu sei fazer cálculos...
- Não... Só um. – insistiu Gil.
- Cem!! Cinquenta com o estômago meio cheio, com o estômago inteiro é...!
- Não. Só um, porque, quando ele come o primeiro ovo, seu estômago não está mais totalmente vazio!
E todos acabaram se rendendo ao riso, até eu, que já conhecia essa piada. Talvez seja pelo jeito despachado de Gil, que parecia mesmo uma moleca.
- Tudo bem, já entendi. – disse Fifi. – Usei uma expressão clichê. Mas que está faltando gente aqui, está. E vamos preencher essa demanda!
- O pessoal deve passar aqui mais tarde. – falou Ringo. – O Luce deve ter os negócios dele. E o Claus, e a Andrômeda, e a Morgiana...
- Sorria, Geórgia. – falou Eliane, forçando o sorriso de Geórgia com os dedos em seus lábios. – Você é mais bonita sorrindo.
- Estou tentando... – falou Geórgia, com os dentes apertados.
- Conta pra sua velha amiga. O que aconteceu?
- Eu... hã... Ei, você andou bebendo antes de vir aqui?! – Geórgia falou de repente, sentindo o hálito de Eliane, o rosto muito próximo.
- Quem, eu?! Pô, como ousa. – Eliane fez beiço.
- Beber a gente vai beber agora. – falou Pauley. – Não é nada disso que você está pensando. Não estamos bêbados nem drogados. Como ousa. – e deu uma risada.
- Devem ter sido os bombons de licor que nós ganhamos de presente. – falou Aura.
- É verdade. – falou Boland. – Ganhamos um presente... Cada um de nós ganhou uma caixa de bombons...
- Quem iria imaginar. – falou Richard. – Caras como nós ganhando bombons.
- Quem somos nós para recusar um chocolate? – falou Fido. – Apesar de chocolate não ser freegan.
- Pensei que para você chocolate fosse um veneno. – falou Aura para Fido.
- Como assim?! Quem disse isso?!
- Chocolate não é veneno para cachorros? Hein, cachorrão?
- Não sei de onde você tirou essa ideia, sua magrela. – e pude ouvir Fido sussurrando: – Fala baixo.
- Cachorrão... au, au. Vem cá...
- Bailarina...
E os dois se abraçaram e, enquanto discutiam, trocavam beijinhos. Noto que Ringo olha para os dois com ciúme, embora a vida dos nove seguisse a regra do “ninguém é de ninguém”, o que era evidente.
- Pessoal, modos. – falou Fifi. – Tem gente olhando.
Aquela história estava estranha. Bem como a euforia dos Animais de Rua. Se bem que eles estavam realmente tornando o clima do bar menos melancólico que quando entrei.
- Ganharam bombons?! – perguntei. – De quem?
- De uns fãs. – foi Richard quem me respondeu. – Fizemos uma apresentação em uma biboca neste final de semana, e, ó, foi um sucesso. Teve uns fãs que resolveram nos presentear com umas caixas de bombons.
- Sim – Boland arrematou. – Até nós ficamos surpresos. E eram daqueles bombons recheados com licor, imagina só. Daqueles bombons finos. Que uns caras como nós não seríamos capazes de comprar.
- Deve ter sido o recheio dos bombons. – disse Eliane. – Se chegamos assim alegres, enquanto os outros estão tristes, deve ter sido por causa das substâncias presentes no chocolate, que estimulam as zonas de prazer no cérebro. Você não costuma comer muito chocolate, né, Macário?
Um sinal de alerta se acendeu no meu cérebro: tem dedo do Luce nessa história, ah, se tem.
- E aí, Macário, sai alguma coisa para nós? – pergunta Fifi. – Este final de semana foi bárbaro. Estamos na trilha do sucesso. Vamos conquistar as grandes gravadoras.
- Aí depende. – respondo. – Vocês que tem de pedir o que vão beber. Eu sou só o garçom. Não leio mentes.
Falei isso olhando para Geórgia, que sorria amarelo, chocada com as atitudes dos Animais de Rua. Eles não seriam capazes de enviar pedidos telepaticamente, diante de uma humana ali presente... seriam?
- Faz essa máquina aí funcionar e nos serve uns chopes. – Boland aponta para a máquina de chope instalada no balcão. – Chope para todo mundo.
- E nos vê as fichas para as mesas de sinuca, que hoje estou com a técnica afiada. Hoje ninguém vai ganhar de mim. – falou Ringo.
- Eu ganho. – disse Pauley. – Você sabe que eu ganho sempre.
- Sempre nada. Quem ganha mais na sinuca sou eu.
- Vai um chope também? – pergunta Eliane para Geórgia. – Eu pago.
- Não, obrigada. – responde Geórgia, educadamente. – Já estou tomando cachaça...
- Cachaça?! Você aguenta?!
- Aguento sim, olha.
E tomou a cachaça de uma só vez. Ela apertou os olhos e ficou momentaneamente vermelha, mas aguentou o tranco.
- Aaahhh... – Geórgia suspirou, o olho lacrimejando. – Viu só? Aguentei. – E dirigindo-se a mim: – Macário, enche mais um copo. Desta vez, pura.
Prontamente, pus mais uma dose no copo dela. Depois, fui servir os chopes.
Enquanto operava a máquina de chope e enchia os canecos, tentava prestar atenção na conversa entre Geórgia, que segurava seu copo, e Eliane, que distraía sua atenção.
- Sério? Vocês fizeram show neste final de semana? Você e sua banda?
- Sim. Foi em uma dessas boates na beira da rodovia. Foi uma festa daquelas. Alguém quis fazer uma festa de arromba e conseguiu.
- Como é que vocês...?
- Não é sempre que temos a sorte de conseguir uma apresentação em um lugar decente. Podemos ser despojados, mas sabemos agarrar as oportunidades com garras de águia.
- Mas como vocês foram tocar lá...?
- Tivemos de pedir uma carona. Para levar os instrumentos e o restante. Tivemos muitos perrengues, mas deu tudo certo.
- E como é que era lá?
- Era uma boate de beira de estrada. Mas tem quem se interesse em se deslocar da cidade para lá só para assistir ao show de uma banda mequetrefe de punk rock. Já temos uma boa propaganda de nosso trabalho, com essa apresentação, então... Praticamente ganhamos o mundo. Além do cachê fomos presenteados com bombons! Imagina quando o nosso CD ficar pronto.
- Puxa, estou feliz por vocês, amiga.
- Valeu.
- Sem dúvida. – intrometeu-se Aura na conversa. – Com uma beldade dessas no vocal, só podia ser mesmo sucesso. Tenho tanta inveja...
- Inveja de quê, se você também faz parte desse sucesso? – pergunta Eliane para a colega de banda.
Da banda dos Animais de Rua, só cinco faziam parte: Eliane no vocal, Richard na guitarra, Fido no baixo, Aura no teclado e Ringo na bateria.
- Mas eu não sou a vocalista. – falou Aura. – Ninguém presta atenção na tecladista, enquanto que a turma do gargarejo torce o pescoço para tentar ver a calcinha da vocalista que toca de vestido curto...
Me lembro daquele diálogo entre as duas na ocasião em que foi trazido, no portal mental, para o esconderijo delas.
- Sério mesmo? – Eliane retrucou irônica. – Pensei que estivessem prestando atenção à minha voz...
- Deixe de ser modesta, gata. – retrucou Aura. – Ah, obrigada, Macário. – ela agradeceu quando passei o caneco de chope para ela.
Foi só aí que Geórgia emborcou o segundo copo de cachaça, de um só gole. Ela ficou vermelha, e bufou. Enchi mais um copo para ela.
- Sabe, Macário – Fifi começou a falar, desviando minha atenção da conversa entre elas – Queria que você estivesse lá naquele show. Foi bárbaro. Um sucesso. Nyah.
Enquanto isso, os outros já estavam envolvidos no jogo de sinuca.
- Nem fiquei sabendo do tal show. – falei.
- Pois é. O Luce ficou alugando você, não é mesmo? Fiquei sabendo que vocês agora estão morando juntos.
- É verdade.
Fifi bebericou seu chope, limpou a boca na manga da camisa e continuou:
- E... estão dando muitas festas no apartamento novo?
- Neste final de semana foi só uma.
- Rolou orgia? – Fifi baixou o tom da voz.
- Hein?! – engoli em seco.
- Fala pra mim enquanto os outros estão distraídos. Rolou orgia? Sexo? Tchaca-tchaca na butchaca? Eu te conheço, Macário. Nyah.
- Bem... rolou.
- E está triste por quê?
- Hein?
- Posso ver, Macário. Estes olhos de gato penetram dentro das almas. Há tristeza em você.
- Por que acha que estou triste?
- Vamos, Macário. Você teve sexo no final de semana e está aí, amuado.
- Acabei tendo mais do que gostaria. – fiz muxoxo. – Não foi tão legal assim. Ter sexo demais não é tão divertido quanto...
- Ah, Macário, corta essa. Quanta gente no mundo queria ter a vida que você tem. Nyah. – e sorveu mais chope.
- Não é bem assim. Eu...
- Ei Macário! – minha atenção foi desviada.
Ah, os outros já começaram a aparecer, como que por mágica. Foi Beto Marley quem me chamou do balcão.
- E aí, Macário, tudo em cima?
- Tranquilo? – pergunta Jorge Miguel, atrás dele.
- Sairr um bebida hoje? – foi a pergunta de Flávio Urso, atrás dos dois.
E assim foi. Os Monstros, de novo, começaram a chegar aos poucos, e, dentro de instantes, o bar já não estava mais vazio. Já era o estômago de Sansão.
Mas houve faltas naquele dia.
Breevort veio. E isso já me deixou um pouco aliviado: sua presença distraiu Geórgia definitivamente. Dali em diante, ela só se voltava para mim para pedir mais cachaça. Mas nem foram tantas doses assim. Depois de algum tempo, os dois saíram – consigo reparar que Geórgia já parecia mais relaxada. Talvez pela cachaça, talvez pelo Breevort. Depois do que vi, não sei se conseguirei ver Geórgia da mesma maneira – mulher que aguenta firme o tranco da aguardente chega a assustar.
Enquanto isso, os Animais de Rua se distraíram totalmente na mesa de sinuca. Estavam felizes pelo sucesso do final de semana. Parecia mesmo que fazia tempo que não comiam chocolate – se é mesmo verdade a história que contaram.
Mas, como eu disse, faltou gente no bar.
Âmbar não veio – nem MC Claus. Imagino que a gostosa deve estar levando uma dura do seu “chefe” por causa da sua falta ao serviço. Será que MC Claus ficou sabendo que Âmbar transou com Luce e comigo?
Morgiana também não veio. Ele devia ter mesmo muito o que explicar para as irmãs.
Andrômeda também não veio.
Mas Luce veio.
- Ei, amigão, já está mais tranquilo?
Ele apareceu pouco depois que Geórgia e Breevort saíram. Talvez tenha feito de propósito – ele sabia que Geórgia estava por perto. Estive já pensando que ele não vinha, mas veio. E estava usando aquele casaco de gola alta com o qual eu o conheci.
- Luce. – procurei ser gentil. Ossos do ofício.
- E o trabalho? – ele sorria.
- Estava achando que você não vinha.
- Tive de fazer umas coisas antes.
- Pode ver que não está nada diferente dos outros dias.
- Também acho. Menos mal.
- E o curso?
- Ah, aquela chateação de sempre, explanação dos professores e tal. E o seu?
- Sabe que não lembro da aula de hoje, com toda esta confusão?
- Mas fique certo, Macário, que eu salvei você. Você esteve em uma saia justa, e eu salvei você. De agora em diante, somos primos.
- Primos... – suspirei.
- E, a propósito. Na volta para casa, vamos conversar uns assuntos.
O jeito como ele me olhou.

Algo me dizia que aquele casaco tinha a ver com esses tais assuntos.

Próximo capítulo, se tudo der certo, daqui a 7 dias, para correção do cronograma.
Até aqui, como está ficando a série? Continua boa? A qualidade do texto e/ou das ilustrações caiu? Devo continuar ou parar? Manifestem-se nos comentários!
Até mais!

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