Estive quase três meses desaparecido. Quase três meses sem atualizar o blog. Nem para dar uma mensagem de ano-novo. Bem, 2020 está aí. E vou tentando, mais uma vez, retomar o ritmo do blog. Em outra oportunidade tento me explicar melhor sobre o que aconteceu nesses três meses.
Para marcar meu retorno ao blog, trago hoje um episódio inédito de meu folhetim ilustrado para adultos, MACÁRIO. Já é alguma coisa.
ATENÇÃO: leitura não recomendada para menores de 18 anos. Contém cenas de hospitalização e de provocação intencional de ciúmes.
Até parecia, naquele momento, que Geórgia e
eu disputávamos quem estava pior. Estávamos ambos aflitos pelo que aconteceu
com Eliane, mas qual de nós dois estava pior? Talvez não tão piores quanto
Fifi, ou quanto os outros Animais de Rua, que junto conosco esperavam notícias,
ali, na entrada do Hospital Universitário.
Cerca de uma hora depois que Eliane foi levada
na ambulância, recolhida do local onde jazia, toda machucada e quase pelada, lá
estávamos nós, em frente ao Hospital Universitário, como já disse. Já havíamos
feito alguns primeiros socorros, com os recursos que eu trazia na minha mochila
– gaze, esparadrapo, antisséptico – mas meu equipamento se mostrou insuficiente
para tratar os inúmeros ferimentos que Eliane apresentava em seu corpo. Depois,
apareceram os paramédicos, que já procediam o restante. Não acompanhamos Eliane
na ambulância, mas corremos para o hospital – estávamos todos, ainda, no campus
da Universidade, então era perto.
Luce, Geórgia e eu começamos as tratativas
para a internação de Eliane. Naquele momento, éramos os únicos conhecidos da
paciente – nem sabíamos se os pais dela moravam na cidade. Enquanto isso, Fifi
teve de ir para o esconderijo dos Animais de Rua, buscar os documentos dela.
Pelo que entendi, Eliane, felizmente, deixara os documentos em casa. Eles
seriam necessários para a parte burocrática da internação.
Fifi voltou cerca de uma hora depois. E não
vinha sozinha. Todo o pessoal veio junto – Ringo, Aura, Boland, Gil, Pauley,
Fido, Richard. Mas eles todos não puderam entrar...
Antes vou contar o que aconteceu antes dos
Animais de Rua aparecerem no Hospital.
Geórgia conseguiu autorização para entrar
junto com Eliane na sala onde estavam sendo prestados os primeiros socorros. Luce
e eu ficamos na sala de espera, enquanto aguardávamos o retorno de Fifi. A sala
de espera estava quase vazia, felizmente.
É claro que, estando eu no local, quem me
aborda? Ela mesma, Maura, a enfermeira. Ela estava em outro setor do Hospital
quando Eliane deu entrada, então ela não viu o que aconteceu – felizmente. Mas,
é claro, só a minha simples presença no Hospital já a atraiu.
- Ei, Macário! Você por aqui de novo! – ela
se aproximou, sorrindo.
- Oi, Maura. – falei, emburrado.
- O que está fazendo aqui, Macário? E... ah,
olá, como vai? – Maura se dirige a Luce, que só observava.
- Vou bem, e você? – ele responde.
- Eu vou indo. – ela responde, e se volta
para mim. – Para quem é a consulta desta vez? Para você?
- Não. – respondo, secamente. – Eu estou
ótimo. Estou tão ótimo que desgraças estão acontecendo com as pessoas ao meu
redor.
- Desgra... Macário, quem foi desta vez?!
- Uma amiga minha. Que você não conhece
ainda.
- Amiga, sei... Hm... Você não quer dizer
amante?
- Eu não transei com ela.
Maura deu uma erguida de sobrancelha que
quase fez com que esta chegasse à linha do cabelo.
- Aham, sei...
Ok, era mentira eu ter dito que não transei
com Eliane. Ou melhor, era meia verdade, já que a transa ocorreu no plano dos
sonhos. Mas o que ela entende disso?
- Você não entende a gravidade do caso.
Ela... – eu já ia respondendo.
De repente, uma voz soou de um auto-falante.
Maura estava sendo solicitada. Ela teve de se afastar, mas não sem antes me
mandar uma “ameaça”:
- Ainda não acabei com você, Macário Monstro,
sei que tem dedo seu aí no meio...!
- Macário Monstro...? – Luce fez força para
não rir, fingindo estar distraído com uma revista.
- É o que sou. – respondi, sempre emburrado.
- Ah, que é isso... primo. Por que se sente
tão mal com isso?
- Enquanto uma garota era devorada por sei lá
o quê, eu estava dormindo tranquilo...
- Ah, Macário, pare de querer ser santo. Você
não teve culpa do que aconteceu com a Eliane. Não foi você quem deixou ela
quase toda estropiada.
- Mas e se eu tiver culpa, sim? E se o
agressor for... meu conhecido?!
- Hah, mas do que você está falando, Macário?
Vai dizer que você já sabe...?
- Quem sabe eu já saiba?
- É? Quem você desconfia que...?
Mas, antes que eu pudesse responder, Geórgia
reapareceu na sala de espera, com a expressão mais transtornada que conseguia.
Ela fazia um esforço enorme para chorar. Mas o choro estava preso na sua
garganta. O máximo que conseguia era lacrimejar e ganir feito um cachorro rouco.
Me levantei, cheguei perto, com cuidado – só
falta eu ser agredido em pleno hospital.
- Geórgia? Hã... Como ela está?
Ela tentou falar alguma coisa, mas
simplesmente não conseguia. Estava chocada. Mas eu meio que estava entendendo
só pelo seu olhar.
Tudo o que eu podia fazer era abraça-la para
consolar-lhe. E ela não recusou o abraço. Por alguns minutos, ela ficou soluçando e ganindo no meu ombro,
tentando recuperar a fala. Estava claro que há muito tempo ela queria isso,
estar nos meus braços. E estava claro que não era sob aquelas condições, não
era o momento mais apropriado, mas melhor que nada.
- Eu estou muito mal pelo que aconteceu. –
falei.
Afinal, Geórgia conseguiu soltar a voz:
- Está mesmo? – balbucia.
- Estou, sim. Como eu podia saber que isso
aconteceria? Ela... ela está...?
- Os... os ferimentos dela... estão sendo
tratados agora. Mas o jeito que ela ficou, Macário... Você viu?! Ela... Ela
teve de levar pontos, Macário... T-tiveram de costurar a pele dela... Ela está
feito uma múmia agora...
Acabei lembrando de Valtéria. E se Eliane
também foi atacada por cães e gatos ferozes?
- Ela... a Eliane vai morrer, Macário...
- Não, Geórgia, ela não vai. – respondo
automaticamente. – Ela vai ficar bem. Sei que vai.
- Será mesmo? Porque ela... A Eliane... Ela
quase virou carne moída!...
- Calma. Ela é forte. Ela é forte o bastante,
sabe, para viver aquela vida de privações, naquele pardieiro, e ainda assim
parecer tão saudável, por que ela não seria forte para escapar dessa situação?
Aquilo tudo me ocorreu assim, de repente. Eu
mesmo não havia pensado nisso naquele momento, enquanto corria para o Hospital.
Pelo jeito, Geórgia não havia considerado que o modo como Eliane vivia poderia
afetar a sua saúde.
- Hmm... talvez você tenha razão, Macário...
A Eliane... Ela largou tudo para viver naquele muquifo... No meio do lixo...
Passando fome e frio só de teimosa... (soluço) Achando que podia viver só de
“roquenrou”... (soluço) Mas agora... Olhe agora onde... (soluço) Ela não merecia
viver assim... Para morrer assim. Ela era tão linda... Podia conseguir outro
tipo de vida... Mas agora... (soluço)
- Vai ficar tudo bem, Geórgia, confie em mim.
– Procurei ser forte. – Salvamos a vida dela. Não sei como, mas salvamos. A
encontramos e salvamos. Ainda bem que eu estava com meu estojo de primeiros
socorros. Ainda bem que sou estudante de Medicina. Nós pudemos fazer alguma
coisa para ajudar.
- Mas Macário... E se ela contrair alguma
bactéria... Digo... Ela deve ter perdido muito sangue, e ainda estava com os
ferimentos expostos naquele chão sujo... Naquela floresta... E se lhe der
tétano? E se lhe der hidrofobia?! E se...
- Calma. Ela deve estar tomando antibióticos,
agora. É obrigatório.
- Oh, Macário... Mas eu estou com muito
medo... Ela é minha amiga de colégio... E ela... E se estes forem os últimos
minutos de vida dela?!...
Por algum motivo, eu tinha a crença de que
Eliane conseguiria se salvar. Afinal, ela é uma bruxa, conhecia sortilégios,
mas... Não, é pouco provável que ela consiga se curar sem suas poções. E, além
disso, pelo que me recordo, suas mãos estavam machucadas demais para que
pudesse fazer magias, como aquela que ela fez durante o rolê noturno, naquele
dia, em que ela conseguiu tirar toda a turma do campo de batalha contra os
Carniceiros – exceto eu. Mas eu sabia que ela, de alguma forma, ia se salvar.
Mas Geórgia estava abalada. Não sabia das
habilidades mágicas da amiga, decerto – Eliane nunca contou a ela tudo a
respeito de sua vida, e de seus companheiros, só a chamava para fazer
brincadeiras sexuais. Mas eu sentia que aquele abalo todo, na verdade, era
desculpa para ficar aconchegada nos meus braços, ali, na sala de espera do
Hospital. Eu já me sentia envergonhado. Luce nos olhava e sorria aquele sorriso
sacana. Insensível, filho da p(...).
Mas, de repente, Maura retornou. E também
estava chorando.
- Maura?! – pergunto. Até Geórgia olha para
ela.
- Maura!...
- Aai, Macário... Aaiii... (soluço) Aquela...
Aquela moça que entrou agora no Hospital... (soluço) A que estava na
enfermagem... (soluço) Eu vi, Macário... Aaiii, eu vi...
- Viu o quê?! – pergunta Geórgia.
- Era a tua amiga que você estava falando,
né? (soluço) Aaiii, mas que coisa horrível, Macário... (soluço) Ela está...
Está...!
- Está o quê?!
- Ela está com uma aparência horrível,
Macário... (soluço) Toda machucada... Toda mordida... Aaiii, Macário...
(soluço) Eu lembrei agora, Macário... Daquela tua loira... Aquela que está com
o corpo cheio de cicatrizes... (soluço)
Geórgia já estava incomodada de ter de
dividir o abraço com Maura, ficou ainda mais em saber da tal loira.
- Macário... Ela está com uma aparência
horrível... Ela está igual àquela tua loira, Macário... (soluço) Agora está
feito uma múmia... Igual aquele dia, Macário... Aahhh, Macáriooohhh... (soluço)
Engoli em seco. Maura passou um longo minuto
se debulhando em lágrimas no meu ombro, como se estivesse em um velório.
Geórgia me soltou.
- Bem, como ela está agora? Você sabe? –
pergunta Geórgia para Maura.
A enfermeira ergue a cabeça. E sua expressão
subitamente mudou.
- Ela... A menina já está em situação
estável. Está na cama, enfaixada... Inspira cuidados. (soluço) As próximas 24
horas vão dizer se ela vai precisar de mais medicação. Ela vai ficar bem, vai
sim... Tanto que ela vai fugir do Hospital.
- Fu...?
- Se é conhecida do Macário, ela vai acordar
e vai fugir do Hospital para procura-lo. – A expressão de Maura mudou para um
maligno sorriso amarelo. – Eu sabia, Macário Monstro... Quer ver que ela vai
fugir do Hospital?! Vai sumir do Hospital antes que...?
- Que fugir que nada. – foi minha
manifestação. – Ela está toda machucada. Fala como se fosse fugir do Hospital
esta noite. Mas para onde?!
- Eu sei lá... Mas já aconteceu uma vez,
Macário. Já aconteceu uma vez. Vai acontecer de novo...
E me lançou um olhar zombeteiro. Havia
lágrimas nos olhos, mas era um olhar zombeteiro. Aah, eu sabia: aquele choro
todo era apenas novela. E Geórgia só olhando, indignada.
Mas... Eu não duvidava que isso iria mesmo
acontecer. Eliane, mesmo toda machucada, acordar do coma induzido e fugir do
Hospital. Afinal... já aconteceu uma vez. E eu já dizia mentalmente, na
esperança que a telepatia funcionasse: “Eliane, não faça nenhuma loucura. Fique
aqui no Hospital... Não fuja... Não saia correndo...”
Maura havia me soltado bem na hora: Fifi
estava chegando, esbaforida, trazendo consigo uma carteira velha. Com os
documentos de Eliane. Nem chegou a ver aquela cena.
Atrás dela, vinha a turma dos Animais de Rua.
Todos muito preocupados, muito abalados com a notícia repentina. E todos
começaram a se acotovelar no balcão do recepcionista, fazendo algazarra,
chamando muita atenção dos demais pacientes. Foi preciso que um grupo de
médicos e enfermeiras retirasse os Animais de Rua dali, e os fizesse esperar
ali fora. Só Fifi que conseguiu ficar, mas Geórgia e eu tivemos de ajudar a
regularizar a documentação de Eliane. E Luce só olhando, fingindo distração.
Passou-se algum tempo, tivemos de esperar
algum tempo, até que os médicos autorizassem que passássemos no quarto para
vê-la. Mas tínhamos de ir de dois em dois por vez. Entrei junto com Fifi no
quarto.
O médico responsável pelo atendimento era o
mesmo que cuidou do meu caso, na ocasião que fui mordido. Bem, tive de
responder muitas perguntas. Mas, só para não me alongar, basta dizer que o
médico me autorizou a ver a paciente, seu estado atual.
Fifi e eu entramos. Eliane estava acomodada
em uma cama. Coberta. Adormecida. Cheia de curativos – a cabeça enfaixada,
Eliane com um gorro de gaze, e ainda tinha curativos nas bochechas. Com a bolsa
de soro atada no braço. E com um aparelho de respiração acoplado no nariz. Oh,
céus, devia ser mesmo grave.
Fifi esteve a ponto de chorar. Eu também, mas
fazia esforço para me conter. Já bastava eu ter chorado na ocasião em que
Valtéria fugiu do hospital.
- Eliane... – balbuciou Fifi.
Pus a mão no ombro de Fifi.
- Espero que ela fique bem. – falei.
- Ela ficará. – respondeu Fifi. – Ela é
forte, para uma humana. A mais forte garota humana que eu conheci. Eu só queria
saber quem fez isso com ela. Só isso. Nyah.
- Eu também. – falei. – Por que justo ela
tinha de ter sido atacada assim?
- É tão estranho, Macário. Tão estranho.
Algo me diz que havia algo errado nessa
história.
E eu tentando falar mentalmente com ela: “Eliane,
pode me ouvir? Fique aqui no Hospital... Não tente fugir... Fique aqui onde
você está segura... Faça o que fizer, não saia do Hospital...”
Não houve resposta. Não recebi nada.
Eliane estava em um profundo coma induzido.
Por favor, tenha recebido minha mensagem.
Me ajude, Pajé Mateus.
Tudo o que posso dizer é que o abalo com essa
história foi tão grande que o restante da noite passou muito rápido, na minha
percepção. Tão rápido que até esqueci a aula do curso, o trabalho no bar...
Será que eu assisti à aula? Será que eu trabalhei mesmo no bar? Ah, lembro que
trabalhei, pelo menos isso. Aliás, os Monstros não vieram naquela noite, disso
eu lembro também. Nenhum deles. Imagino que a notícia do atentado a Eliane
tenha se espalhado rapidamente.
Nem Luce apareceu. Aliás, ele havia
desaparecido do hospital depois que saí do quarto. Não deixou nem aviso de onde
ia. Decerto, esse tempo todo tratou do assunto como se não fosse com ele.
Nem Geórgia veio. Foi para casa, abalada.
Disse que ia mandar notícias se algo acontecesse.
Sabia que o dia tinha começado tranquilo
demais.
Como não foi obtido o contato dos pais de
Eliane, Geórgia e eu tivemos de dar nossos telefones para caso haja notícias da
parte de Eliane. Os Animais de Rua não dispunham de telefone. Ou será que
dispunham e eu não sabia? Afinal, como eles iam aos shows que faziam sem o
devido contato?
Ao fim do expediente, quase sem nenhum
cliente, atendendo só uns quatro ou cinco completos desconhecidos ébrios, volto
para o apartamento, sozinho. Ninguém veio me abordar, pelo menos.
É isso aí. Direto para a cama, como deveria
ser. Chego no apartamento, não encontro Luce, nem no seu quarto.
Algo me dizia para tirar aquele apanhador de
sonhos da cabeceira da minha cama – Luce havia colocado aquele enfeite para me
impedir de sonhar e que invadissem meus sonhos. Mas vá que Eliane, mesmo
inconsciente, resolvesse tentar se comunicar comigo por telepatia. Ela tentou
fazer isso ontem. E o resultado: não recebi seu pedido de ajuda, e agora, onde
ela está.
Não. Acho melhor não tirar o apanhador dali.
Tenho de me acalmar, de dormir o mais tranquilo que puder.
Mesmo sabendo que o apanhador de sonhos
bloqueava mensagens telepáticas, eu continuava dizendo em pensamentos para
Eliane: “Por favor, não saia do Hospital... Não fuja... Fique aí... Confie na
medicina dos homens”...
Quanto tempo será que dormi? Quanto tempo
terei passado naquela sensação inebriante de estar desmaiado, inconsciente, em
coma induzido, sem sonhos passando pela minha cabeça... Até o maldito telefone
tocar?!
O meu telefone celular, ao lado da minha
cama, tocando estridentemente, me tirou da necessária inconsciência.
Olho para o despertador: Três da tarde. Ah,
até que não foi tão cedo, nem tão tarde assim.
Atendo o telefone, ainda grogue.
E, ao ouvir a mensagem do outro lado da
linha, meu olho arregala, quase salta para fora, a remela salta.
Era do hospital, avisando que Eliane
desapareceu.
Próximo capítulo em breve. Não estipularei um dia exato. Mas fiquem atentos: a periodicidade dos episódios mudará.
Até aqui, como ficou a retomada do folhetim? E o folhetim em si, como vocês estão achando? Bom? Ruim? Continuo? Paro? Manifestem-se nos comentários!
E aguardem novidades para este ano.
Até mais!
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