Olá.
Hoje, volto a falar de CD. E trago a vocês mais uma coletânea de sucessos de músico famoso – os que eu prefiro comprar por praticamente esquadrinhar uma carreira brilhante, muito embora nem sempre com a qualidade desejada.
E a oportunidade não poderia ser melhor: ontem, dia 21 de agosto, foi a data de falecimento de um conhecido cantor brasileiro.
Estou falando de Raul Seixas, o eterno maluco beleza.
Ainda hoje, reverberam em shows de rock nacional os gritos de “toca, Raul!”. O que demonstra o quanto o barbudo e cabeludo foi influente na música brasileira.
Raul Seixas nasceu em Salvador, na Bahia, em 1945, e morreu em São Paulo, em 1989, depois de viver intensamente o lema “sexo, drogas e rock n’ roll”. Depois dele, só houve uma artista baiana que fez carreira na música nacional sem ser com axé ou forró: a roqueira Pitty.
Raulzito, como também é conhecido, é considerado um dos precursores do rock brasileiro, antes de este estourar nos anos 80. Ele também foi um dos primeiros a fazer uma fusão do rock – no Brasil, até então, restrito à produção ingênua da Jovem Guarda – com ritmos tipicamente brasileiros, como o samba e o baião (mas, ironicamente, Raul Seixas iniciou sua carreira junto à Jovem Guarda, à frente da banda Raulzito e seus Panteras, que gravou um único disco, em 1968). Alguns de seus maiores sucessos, que apareceram a partir de 1973, têm, junto com os tradicionais acordes de guitarra e bateria, incursões de batucada, acordeão e outros instrumentos inusitados. E as letras comportam tanto mensagens de misticismo, magia e religião, os quais o cantor e compositor era adepto, como também um pouco de crítica social e mensagens indiretas e diretas à sociedade conformista e alienada. E, visando a carreira internacional, ele até mesmo chegou a gravar versões em inglês de alguns de seus maiores sucessos. Boa parte de seus sucessos veio à luz graças às parcerias com gente mais tarde influente, dentre os quais o mais famoso se tornaria um dos escritores mais vendidos do mundo: Paulo Coelho. A parceria com Paulo Coelho nos deu algumas das melodias mais famosas do cancioneiro pop brasileiro (ver adiante).
E os grandes sucessos de Raulzito continuam sendo regravados por grandes nomes da atual música brasileira, dentre belíssimas versões até verdadeiros assassinatos. Prova de o quanto Raul Seixas é querido até hoje.
Bem. Os discos originais de Raul Seixas, embora tenham sido lançados em CD, não são tão fáceis de encontrar quanto as coletâneas com seus maiores sucessos – essas,existem aos montes, algumas de boa qualidade, outras nem tanto. É que é tão vasta a obra de Raul Seixas, e são tantas as músicas boas de ouvir, que a escolha de cerca de vinte músicas para compor uma coletânea é muito, muito, muuito difícil. No mercado, existem muitas opções de coletâneas, lançados por diversas produtoras.
Uma das melhores coletâneas já lançadas, e uma das mais procuradas, é a da série Millenium, da Universal Music (se não estou enganado), lançada em 1999. Eu tive esse certa vez. No entanto, a coletânea da qual vou falar – e que tem muita qualidade – é a da série Sem Limite, da Universal Music, lançada em 2008.
Essa coletânea é uma das melhores por, entre outras razões, se tratar de CD duplo: são dois CDs, trazendo 30 sucessos de Raulzito. E, claro, não podiam faltar os maiores sucessos, e entre eles as parcerias Seixas-Coelho.
O CD 1 começa muito bem: logo com as consagradas parcerias Seixas-Coelho Gîtâ (onde Raul dá a palavra ao próprio Deus) e Eu Nasci há 10 mil Anos Atrás (um resumo da história mundial segundo um velho tocador de violão). Essas são as mais executadas entre as músicas de Raul. A seguir dentre as que Raul compôs sem o auxílio de Coelho, vem outro grande sucesso: Metamorfose Ambulante, ou o porquê de tudo precisar mudar o tempo todo; a seguir, a sexualmente explícita Rock das “Aranha” (referência clara ao lesbianismo, escrita em conjunto com Cláudio Roberto) e a mística O Trem das 7 (a versão desta em inglês também é ótima). Voltando às parcerias Seixas-Coelho, Eu Também Vou Reclamar, sátira às músicas de protesto da época da ditadura, e a romântica (mas sem ser piegas) Medo da Chuva. De Raul sozinho, a seguir, vem Mosca na Sopa, combinação de rock com batuque (parece perfeita para uma sessão de candomblé) e a inusitada As Aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor, crítica à sociedade em formato de poesia repente (estilo de poesia cantada popular nordestina)! Voltando à parceria Seixas-Coelho, Não Pare na Pista e o rock pesado Rock do Diabo, que reafirma a ligação entre rock n’ roll e satanismo (uhuuu!). A seguir, um pout-pourri: um cover ao vivo de Rua Augusta e O Bom, ambas músicas da Jovem Guarda. A seguir, mais uma de Seixas-Coelho: Os Números, um forró pé-de-serra dos bãos; É Fim de Mês (Raul Sozinho), inusitada mistura de batucada, forró, rock e crítica à sociedade de consumo; e, encerrando com chave de ouro o CD 1, Loteria da Babilônia (Seixas-Coelho), um grito contra o conformismo da sociedade.
O CD 2 começa calmo, mas bem: nada menos que Maluco Beleza, onde Raulzito (em parceria com Cláudio Roberto) prega a loucura como forma de libertação; a seguir, Como Vovó Já Dizia (Óculos Escuros), de Seixas-Coelho, conselhos úteis para uma vida fútil; a seguir Ouro de Tolo (Raul sozinho), um soco no estômago contra o conformismo da sociedade de consumo; uma infantil: O Carimbador Maluco (Plunct Plact Zum), feita e interpretada especialmente para um especial infantil (homônimo) da TV Globo; a seguir, de Seixas-Coelho e Marcelo Motta, a mensagem de otimismo Tente Outra Vez; Al Capone é mais um aviso místico de Seixas-Coelho; A Maçã, mais uma romântica por demais (Seixas-Coelho-Motta), pregando o amor livre entre mais de duas pessoas; Sociedade Alternativa (Seixas-Coelho) afirma a grande influência do roqueiro Aleister Crowley (e sua máxima “Faça o que tu queres, será tudo da lei”) sobre a obra de Raul; a seguir, a psicodélica Metrô Linha 743 (Raul sozinho), com uma letra que pouca gente vai entender qual é a relação entre o título e a sangrenta historinha apresentada; a seguir, três parcerias Seixas-Coelho: As Minas do Rei Salomão, versão rock (a versão acústica, só com o violão, é melhor); Rockixe, mostrando um Raul Seixas que não tem medo de nada nem de ninguém; e a engenharia musical em forma de canção de amor de Tu És o MDC da Minha Vida (onde imperam os versos improvisados e de pé quebrado, numa verdadeira sátira às Love songs). A seguir, mais um pot-pourri ao vivo: Estúpido Cupido, Banho de Lua e Lacinhos Cor-de-Rosa é um tributo de Seixas a Cely Campello, a mãe do rock brasileiro; a seguir, mais um cover: o tema country Blue Moon of Kentucky, de Bill Monroe, onde Seixas também mete o primeiro verso de Asa Branca de Luiz Gonzaga; e, encerrando a coletânea com chave de ouro, o “rock-baião” (como Seixas definiu um de seus primeiros grandes sucessos) Let me Sing, Let me Sing (parece que esta é a primeira versão; há duas versões da canção, com arranjos diferentes entre si, mas com essência igual).
São 30 sucessos, mas faltaram músicas relevantes, como Cowboy Fora da Lei e algumas canções em inglês, como How Could I Know. Mas os dois CDs, que podem ainda ser encontrados com alguma facilidade no mercado, já são uma grande celebração ao nosso guru do rock.
Bem, os músicos de hoje em dia, que pretensamente fazem rock, forró e pop, têm (e precisam ter) reverência a Raul Seixas, o maior de todos. Ele praticamente abriu caminho para todos os que vieram a seguir, e tiraram o rock nacional do marasmo da ingenuidade romântica da Jovem Guarda (calcado no rock n’ roll americano da década de 50) para incorporá-lo como um jeito de ser nacional. Ouvir Raulzito, nos dias de hoje, ainda é uma celebração aos tempos em que éramos felizes e não sabíamos – apesar do aperto da ditadura nos anos 70 e doa planos econômicos fracassados nos anos 80. Viva o rock n’ roll de raiz!
Para encerrar, como uma singela homenagem a Raul, uma ilustração: Raulzito cantando no palco, e a platéia é formada pelos meus personagens – Letícia, Teixeirão, Os Dois, Bitifrendis e os Superanões. Todos reverenciando o guru do rock brasileiro. Não é para menos.
Até mais!
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