sábado, 31 de maio de 2014

PIRATAS DO TIETÊ, o gibi - exotismo gráfico incomparável!

Olá.
Hoje, continuarei falando sobre a obra-prima do cartunista Laerte Coutinho, os PIRATAS DO TIETÊ.
Vocês devem recordar: os PIRATAS DO TIETÊ nasceram em 1986, na revista Chiclete Com Banana # 4. Acabaram caindo no gosto dos leitores, e apareceram em outras publicações da Circo Editorial. Em 1990, num tempo arriscado para o mercado editorial brasileiro, Laerte resolveu lançar o gibi próprio dos PIRATAS, que durou 14 números. Em 1991, as tiras começaram a ser publicadas. E, em 2003, os PIRATAS ganharam sua própria peça de teatro.
Já apresentei a vocês os personagens, anárquicos, violentos, a escória da sociedade, a podridão favorita dos fãs de quadrinhos brasileiros. Hoje, vou falar da revista.


PIRATAS DO TIETÊ, O GIBI
Como eu falei, o gibi dos PIRATAS DO TIETÊ chegou às bancas brasileiras em 1990. Maio de 1990, para ser mais exato. E durou até 1992, num total de 14 números.
A trajetória editorial dos PIRATAS em forma de gibi foi peculiar. O gibi tinha formato americano, mas era publicado na horizontal, como um livro de tirinhas. Desde já, as histórias longas dos PIRATAS dividiam espaço com histórias avulsas de Laerte, assim como tirinhas da série O Condomínio, sempre no seu estilo – retratando o cotidiano de forma fantástica, surreal, com uma arte fortemente detalhada, mezzo caricatural, mezzo realista, fazendo o uso de referências fotográficas, onomatopeias exóticas e com finais surpreendentes.
Como a exposição na horizontal, apesar de aprovada pelos leitores, criava problemas na exposição nas bancas, a partir do número 3 começou a sair com a capa na vertical, mas o conteúdo interno continuava na horizontal. E Laerte ainda teve de ouvir reclamações da Nestlé, já que a capa do número 3 mostrava a moça do logotipo do Leite Condensado Moça com um seio de fora, gancho na mão e olhar malicioso – pirateada, em suma. Mas, segundo o próprio, “não passou disso”. Até o número 6, o gibi saía mensalmente.
A partir do número 7, o gibi dos PIRATAS ganhou formato magazine, como a revista Veja, o conteúdo interno passou a sair na vertical, e a periodicidade passou a ser bimestral. Em alguns números, foram republicadas as histórias que saíram nas revistas Circo e Chiclete Com Banana. E foi assim até o número 14, quando a publicação acabou encerrada.
No auge, as tiragens dos gibis eram de 30 mil exemplares, com vendas de 15 mil; no total, as vendas do gibi chegaram a 250 mil exemplares. Hoje, o gibi é muito procurado pelos colecionadores, assim como muitos outros gibis da Circo Editorial.
O conteúdo do gibi é até mais pesado com relação às tiras, com cenas mais “fortes” de violência, nudez masculina e feminina, escatologia e sexo. Mas revelando uma sofisticação em termos de roteiros. Nas histórias longas dos PIRATAS, há questões pontuais norteando os roteiros, como os planos econômicos do governo Collor e a Copa do Mundo de 1990. Tornando, desse modo, PIRATAS DO TIETÊ o retrato de uma época onde o Brasil era mais infeliz, e produzir quadrinhos era difícil, já que o futuro era incerto. Também há muitas referências à História do Brasil, sugerindo que os Piratas chegaram aqui junto com Cabral, e viveram até os dias atuais. Mais ainda, referências aos quadrinhos, como Batman e Fantasma. Laerte até arriscou em fazer uma HQ em continuação – uma série em três partes publicadas em três números do gibi. E também foi nos gibis que o principal inimigo dos Piratas, o caçador Silver Joe, faz sua estreia, sendo depois incorporado às tiras, junto com a filha Graziela. E tudo pontuado pelo nonsense e pelo humor anárquico.

PIRATAS DO TIETÊ, A COLEÇÃO DE LIVROS
Bão, os gibis já se esgotaram. Mas, em 2009, as editoras Devir e Jacarandá, que juntas lançaram várias coletâneas com personagens de Laerte, como Gatinhos, Suriá, Hugo e Overman, lançaram a coletânea PIRATAS O TIETÊ – A SAGA COMPLETA. Três volumes com 114 páginas cada, capa dura, e trazendo todas as histórias longas dos PIRATAS publicadas nos gibis da Circo Editorial. Tudo organizado pelo editor original de Laerte, Toninho Mendes.
As histórias, no entanto, não foram colocadas na ordem cronológica de publicação. Parece que se deu preferência à temática para encaixar cada história nos volumes. As histórias são ajustadas de acordo como foram publicadas em cada número: as das edições horizontais são colocadas na forma horizontal, exigindo que o leitor vire o livro para ler; as das edições verticais, na vertical, como é normal.
Além do conteúdo histórico, há mais: quase todas as histórias são comentadas, brevemente, pelo próprio Laerte. Na introdução de cada história, fotos de Laerte retratando os pontos da cidade de São Paulo onde se passam as histórias, junto com amostras de tiras dos personagens. Nas páginas de guarda (as páginas coladas nas capas duras), um storyboard de Laerte para um filme de animação dos PIRATAS ainda inédito, a ser dirigido por Otto Guerra (de Wood & Stock – Sexo, Orégano e Rock n’ Roll, que adaptou os personagens do colega Angeli para animação). E completam os livros muitas ilustrações dos PIRATAS.
Bem. O que contém cada volume? Todas as histórias, claro, com texto e arte de Laerte.

LIVRO 1
O livro começa com um perfil de Laerte escrito por Marcelo Alencar, cheio de fotos de diversas fases da vida do homenageado. Para daí começarem as histórias:
- Piratas do Tietê – A História que Deu Origem à Série (Chiclete com Banana # 4, 1986) – A história de apresentação dos personagens, e a primeira colaboração de Laerte na Chiclete com Banana. Nela, somos apresentados aos personagens, que se divertem arrasando com tudo o que encontram na frente: um escritório, um posto de gasolina, as ruas, num caminhão roubado, e uma orca amestrada do Playcenter.
- Origens dos Piratas do Tietê (Piratas do Tietê # 1, 1990) – Na história de estreia do gibi próprio, a história dos Piratas, contada por um professor para uma classe cheia de piratas, confundindo-se com a do Brasil. Desse modo, o Capitão e seus homens são vistos chegando ao Brasil junto com Cabral, interagindo com os bandeirantes (e mostrando que os “heróis fundadores” de São Paulo não era diferentes dos Piratas), no momento da Independência Brasileira, influenciando na renúncia do presidente Jânio Quadros em 1961, até os dias atuais, quando as autoridades resolveram se mexer para combate-los – mas não adiantou. O avesso da história “oficial” do Brasil.
- Shangri-lá (PDT # 14, 1992) – Numa história, feita por Laerte como vingança pelo “uso indevido” de seus personagens numa campanha publicitária, os PIRATAS mostram seu lado antiecológico. Ao encontrarem o Tietê despoluído, eles tratam de “repoluí-lo” novamente. Se depender dos Piratas, o Tietê permanecerá poluído, para desgosto dos politicamente corretos.
- O Jacaré do Tietê (PDT # 6, 1990) – Apesar de (aparentemente) mortalmente poluído, já foram documentadas aparições de jacarés vivos no Rio Tietê. Aproveitando-se disso, Laerte produziu esta HQ marcada pelo macunaimismo e pelo nonsense, ao contar o relacionamento entre o jacaré do Tietê e os piratas, com uma mistura de lendas indígenas, modernidade e sexo. Vocês já sabem: pirata quando morre vira jacaré.
- Os Bandeirantes do Pinheiros (PDT # 12, 1992) – Laerte resolve recontar, contrariando a versão oficial da História, a trajetória dos Bandeirantes no território de São Paulo. E mostram que os bandeirantes, ao contrário da versão “romântica” da História, não eram diferentes dos Piratas: movidos pela sede de ouro, pela violência ao próximo e pela ganância. E, chegando à atualidade, os Piratas vem cobrar dos modernos bandeirantes a sua parte...
- Tesouros do Japão (PDT # 5, 1990) – Com referências à cultura pop japonesa e às gravuras do japonês Hokusai, o “pai do mangá”, Laerte, com assistência de Fernando Rodrigues, contam uma das derrotas sofridas pelos Piratas. Ao atraírem os membros da embaixada japonesa para uma armadilha no navio, os Piratas precisam enfrentar um robô gigante. Pior de tudo: com o próprio navio transformado em mecha! De uma época em que as principais referências que o brasileiro tinha da cultura pop japonesa eram exclusivamente as séries tokusatsu, tipo Jaspion e Changeman.
- Dia de Pesca (Revista Circo # 1, 1986) – É a segunda HQ publicada dos Piratas. O tédio do navio quebrado quando um dos homens faz uma pescaria numa das pontes do Tietê – mas, em vez de peixes, ele pesca pessoas, posteriormente torturadas pelos Piratas: um economista, um publicitário e uma sexóloga.

LIVRO 2
Neste volume, o forte são as “participações especiais” de personagens conhecidos.
- A Terceira Margem (Chiclete com Banana # 21, 1989) – Uma das mais marcantes histórias dos Piratas, por um motivo maluco: a participação “especial” do Batman! O Homem-morcego, cansado de ser explorado comercialmente por ocasião de seus 50 anos, resolve se juntar aos Piratas para barbarizar a alta sociedade paulista. Muitos garotinhos se encrencaram com suas mães (este que vos escreve, inclusive), na época, quando resolveram revelar aos amiguinhos o “segredo do morcego”, como o próprio Batman revela nessa história...
- Vozes da Selva (PDT #s 2, 3 e 4, 1990) – Numa ambição maior de Laerte, ele produziu esta saga em três partes, com a participação do Fantasma de Lee Falk – o eterno caçador de piratas dos quadrinhos. Nela, os Piratas, em uma boate, acabam seduzindo Diana Palmer, esposa do Fantasma, a dançar uma dança alegre com eles. O pigmeu Guran, que vigiava a mulher de longe, convoca o Fantasma para dar um fim na anarquia. O Capitão acaba recebendo um tiro na cabeça e aparentemente morre – e, no além, enfrenta o primeiro Fantasma da linhagem. As coisas se complicam quando Diana Palmer vai para o além também – e a série de acontecimentos faz com que o Fantasma seja apagado da existência... cortesia dos Piratas!
- Piratas do Tietê, O Filme – Eis aqui o brinde especial do volume 2: o texto integral da peça encenada em 2003, pelo grupo teatral La Mínima, no Teatro Popular do Sesi. Entre abril e agosto de 2003, a peça foi vista por mais de 20 mil espectadores. Ainda tem fotos dos autores e texto introdutório. No texto, escrito por Laerte e Paulo Rogério Borges, numa trama que reproduz bastante as características das HQ, os Piratas, buscando aumentar seus tesouros e reformar o navio, resolvem produzir um filme, para concorrer ao prêmio “Minhocão de Ouro”. Entretanto, tudo não passa de um plano do caçador de piratas Silver Joe, a mando da governadora, para destruir os piratas. E ele conta com a ajuda de Rozy, a filha bastarda do Capitão – e ainda tem uma revelação surpreendente com relação ao passado do Capitão. Tudo foge do controle quando o puxa-saco de um figurão, baseado em boatos, resolve criar um prêmio “Minhocão de Ouro” de verdade! Apesar dos erros factuais com relação às HQ (segundo a peça, Rozy havia sido adotada por Silver Joe, enquanto que na HQ essa informação não existe), a peça é divertida, e não seria nada mau se fosse montada novamente – ou adaptada para o cinema.
- Revelação (PDT # 7, 1990) – Explorando o fundo do rio Tietê, os Piratas encontram uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, e a “Padroeira do Brasil” faz uma revelação a eles. Essa revelação deixa a cidade em polvorosa. Mas, quando os piratas (com o Capitão vestido de freira) conseguem um espaço na TV para fazer a tal revelação, eles fazem o que querem... menos a revelação! A parte do “coral dos piratas” é a mais divertida da história.
- O Poeta (revista Circo # 5, 1987) – Nesta aventura surreal, os Piratas sofrem sua segunda maior derrota – e para um poeta! Mas não qualquer poeta: ninguém menos que o português Fernando Pessoa, que recita seus próprios poemas por toda a história. E os piratas, sempre tentando matá-lo, mas ele sempre dá um jeito de voltar. Marcante pela movimentação de desenho animado e pelos cenários construídos com muitas referências fotográficas.
- Zelador – Uma HQ bem curtinha de Laerte (só uma página), com o principal personagem da série de tiras O Condomínio mexendo no escritório do artista.

LIVRO 3
Aqui, as histórias são mais curtas e menos sofisticadas, e nem todas tem comentário de Laerte. De brinde, um enorme pôster de Laerte. Histórias:
- Balada do Lobisomem (Circo # 2, 1987) – Num clima de terror puro, a criatura sobrenatural causa destruição na cidade, e uma força-tarefa da polícia sai à caça. É nessa HQ que o caçador Silver Joe faz sua primeira aparição. E o pirata só aparece no final, surpreendente e bem ao espírito – de porco – da série.
- Honra (Não comentada) – História curta. O Capitão resolvendo rapidamente um conflito entre os seus homens.
- Piratas game (não comentada) – com uma estrutura anticonvencional (quadrinhos mínimos, sem divisão), e com a participação especial de personagens célebres dos videogames, a historinha de duas páginas reflete a febre da época: o fliperama. Um pirata tenta jogar fliperama em paz, mas tudo se volta contra ele... E com texto de copyright no fim!
- O Obscuro Objeto do Desejo (PDT #6, 1990) – Com argumento de Miriam Lust, a HQ reflete o cilma de estarrecimento nacional com o governo Collor e a paixão da Ministra Zélia Cardoso de Mello. Na trama, o Capitão, apaixonado, só fica suspirando no navio. Seus homens o levam num “rolê” cheio de barbaridades para ver se ele se anima... e a revelação de quem é a paixão secreta do Capitão... é surpreendente.
- Horda! (Não Comentada) – Três páginas. Será que existe algo pior que os Piratas para arrasar com o nosso mundo pequeno-burguês?
- Motim (PDT # 8, 1991) – Numa trama emocionante, o Capitão enfrenta um pirata dissidente, líder de um motim da tripulação, em um duelo cheio de surpresas. E com uma referência oculta às Tartarugas Ninja!
- Piratas do Tietê do B – Motim! – Como a história anterior, Motim, foi publicada já na segunda fase do gibi dos PIRATAS, portanto na vertical, esta história, uma espécie de “protesto” dos próprios piratas por causa da mudança no layout da revista, sai na horizontal, com desenhos mais precários e impresso em marrom. Uma segunda versão de Motim, mas com a derrota do Capitão – mas não sua morte. Uma esquisitice gráfica muito divertida.
- Silver Joe, Caçador de Piratas (PDT # 9, 1991) – Segunda aventura com a presença de Silver Joe, o caçador de piratas – e desta vez em companhia da filha Graziela, seminua. Na trama, Silver Joe é assaltado pelos Piratas em sua própria casa, e precisa atender às exigências deles para que o conteúdo de sua geladeira seja poupado. E essas exigências vão envolver Graziela, que, ao contrário do pai, gosta de piratas...
- Inauguração (Não comentada) – Com duas páginas. Os Piratas indo cobrar um político por um servicinho...
- Quanto Vale Uma Saudade (Não Comentada) – Quatro páginas. Os amigos de um homem acabam sumindo, deixando-o triste. Não por vontade deles, mas por ter dedo dos Piratas no negócio...
- Sindicato (Não Comentada) – Cinco Páginas. Os Piratas recebem a visita do presidente do Sindirata – Sindicato dos Piratas, Corsário, Bucaneiros e Flibusteiros em Geral da Região Metropolitana – que vem inspecionar o navio. Quando tudo parece dar errado, eis que os Piratas sabem dar a reviravolta...
- Storyboard – Na íntegra, o storyboard para a animação, elaborado por Laerte para Otto Guerra, que enfeita as guardas dos três volumes dos livros.
- Destino de Sereia (PDT #10, 1991) – Na HQ que fecha a coleção, os Piratas encontram uma sereia devoradora de homens no Tietê. O Capitão tem uma ideia: criar um motel. Enquanto os homens são comidos pela Sereia, os piratas “comem” as mulheres que vem ao Motel. Até que um grupo de cientistas chega para acabar com a festa e tirar de lá a sereia já obesa. Mas os Piratas não vão deixar barato... e ainda mostram serem ingratos.

Já que não é fácil encontrar os gibis originais dos PIRATAS DO TIETÊ, com todas as histórias adicionais, esta coleção quebra o galho recuperando parte importante da história das HQ nacionais. Cada livro sai, em média, por R$ 49,00. Ainda é possível encontrar os três volumes nas livrarias. Imperdível!

Para encerrar outra megapostagem, eis aqui a sequência final da terceira temporada dos meus personagens praianos, os Bitifrendis. A tira número 300 já saiu no blog próprio deles – e está saindo aqui também. Em breve, começa a quarta temporada de tiras dos meus personagens praianos!
Enquanto isso, confiram o que vai sair nos próximos dias no blog deles: http://bitifrendisblog.blogspot.com.br/.
É isso aí, pessoal. Deu por agora.

Até mais!

Um comentário:

Anônimo disse...

ótima matéria.