segunda-feira, 4 de junho de 2018

MACÁRIO - Capítulo 36: "As Últimas 48 Horas Livre - parte 1"

Olá.
Passaram-se 15 dias desde segunda-feira da semana passada. Mas greve nenhuma pode segurar ou adiar este compromisso quinzenal, que é redigir, ilustrar e trazer aos meus 17 leitores mais um capítulo de meu folhetim ilustrado para adultos, MACÁRIO. Enquanto a internet estiver funcionando, este é um compromisso religioso.
ATENÇÃO: leitura não recomendada para menores de 18 anos. Contém cenas de provocação às mulheres, aparências que enganam e consumo de bebidas alcoólicas.



- Oh, Macário... Fale comigo!!!
- P(...) que pariu, Macário! Que fraqueza é essa, homem! Que deu em você, pra ficar desmaiando desse jeito!!!
Essas duas falas foram a primeira coisa que ouvi quando, finalmente, consegui recuperar a consciência e abrir as pálpebras.
Quanto tempo fiquei desacordado?
Fui abrindo os olhos, devagar.
A última coisa de que me lembro foi de ter sido abordado, na saída da faculdade, primeiro por Luce, depois por Morgiana, ambos dizendo que cursavam a mesma universidade que eu – mas cursos diferentes... eu acho.
As imagens estavam fora de foco. Só conseguia distinguir claramente os sons. As vozes.
- P(...), Macário, ultimamente você só tem dado vexame! Me desmaia na frente de uma garota!!! – uma voz masculina gritava, entre risos. – E agora está aí, desmaiado entre três garotas?!
- Luce, por favor! – manifestou-se uma voz feminina familiar.
- Por favor digo eu! – continuou a voz masculina, que eu reconheci como sendo a de Luce, o vampiro. – Não é o Macário que eu conheci! O que está acontecendo, o Macário ultimamente...
- Quieto, Luce! – vociferou outra voz feminina. – Está na cara que ele está passando por situações estressantes, e agora...
- Culpa da Morgiana aqui.
- Eu?! – exclamou a voz que eu sabia ser a de Morgiana, a sereia. – Mas o que foi que eu fiz?! Eu só apareci para ele e...
- Você o assustou!
- Não assustei!!
- Assustou sim.
- Eu não assustei!!! Assustador é você, seu... Aliás, o que você estava fazendo na faculdade... Você estava na verdade disfarçado como aluno para vigiar o Macário, não é?!
- Eu não estava. Eu sou aluno desta faculdade. Você que estava disfarçada de aluna para segui-lo.
- Não é verdade! Eu sou aluna desta faculdade! Você que...
- Comportem-se vocês dois! – gritou a terceira voz feminina. – Não vão brigar agora!
As imagens começaram finalmente a entrar em foco. Aonde eu estava deitado? Haviam três pessoas em minha companhia... não, quatro!
- Macário?
A primeira imagem a entrar em foco foi o rosto de Morgiana, com a boca aberta de estupefação, mostrando os dentes afiados.
- Macário, você está legal? Fale comigo, Macário!!
- Ooohh... onde estou?! – falei, sentindo a cabeça doer.
- Onde está, Macário? – foi a vez do rosto de Luce entrar em foco, e ostentando aquele sorriso sacana. – O que você tem de fraco você tem de sortudo, hein, seu... ah, ah, ah...
- Luce! – Morgiana se virou em direção a Luce, de cara feia.
- Insisto, onde estou?! – falei, grogue.
- Macário, você está bem? – falou a segunda voz feminina.
- Fale conosco, Macário. – falou uma terceira voz feminina.
Seus rostos finalmente entraram em foco. Surpreso, quase a ponto de gritar, distingui as feições de Moira e de Cliodna, as meias-irmãs de Morgiana.
Eu as havia conhecido em uma das minhas viagens através de portais mentais. Cliodna, a loira; Moira, a ruiva. Ambas tão doidas por sexo quanto Morgiana, a morena. Mas, na presente ocasião, elas não estavam de biquíni, sequer nuas: ambas vestiam roupas elegantes de executivas, terninhos. A roupa de Cliodna era mais escura, criando contraste com sua pele e seu cabelo, muito claros. Mas era muito difícil esconder as cabeleiras fartas. E, que estranho: seus dentes não eram serrilhados e nem afiados, eram dentes planos de gente!
As duas me olhavam com compaixão.
- C... Cli... Cliodna? Moira? – balbuciei.
- Oh, você ainda lembra de nós! – exclamou Moira, comovida.
- Este é o nosso primeiro encontro nesta dimensão desperta, Macário, mas em que condições! – falou Cliodna. – Ainda bem que estávamos passando no momento em que você desabou na calçada, nos braços de nossa irmã...
- O que vocês estão fazendo aqui?! Onde estou?! – insisti.
- Você está no banco traseiro da nossa van. – falou Moira.
Sentei. E fui distinguindo o ambiente em redor: realmente, era o interior de uma van. Era bem iluminado. Um dos bancos, onde eu estava deitado, havia sido reclinado, posicionado para me acomodar deitado. Um banco do meio. E, ao meu redor, de um lado, Cliodna e Moira; do outro, Luce e Morgiana. Parecia até que eu havia acordado em uma cama de hospital – de novo. Ou, no mínimo, em uma ambulância. Estranho uma van ter forte iluminação na parte de trás, mas as suas donas eram ricas. E, evidentemente, lá fora, era noite, estava escuro.
Assim que sentei, o banco foi reposicionado, quase que automaticamente, na posição sentada. Reclinei as costas e fiquei olhando, assustado, para os outros ocupantes da van.
- Van... – balbuciei – Estou em uma van de... de...
- Acalme-se, Macário – falou Moira. – Você teve um choque emocional. Conseguimos constatar, só de olharmos, que você passou por fortes emoções hoje. E nos dias anteriores.
- Sem dúvida. – falou Luce. – É sempre assim nos primeiros dias, mas você vai se acostumar. As novidades chegando todas de repente...
- Tome. – falou Cliodna, me passando um copo com água.
- O que é isso? – perguntei.
- Água com açúcar, Macário. Pode beber. Vaio te fazer bem.
- Ah... tá.
Me sentei, e bebi a água. Era água com açúcar mesmo, nenhum gosto esquisito. Eu já sabia que o efeito calmante da água com açúcar se devia puramente a efeito placebo, ou seja, água com açúcar acalmava porque a pessoa acreditava nisso – a sensação de bem-estar era proporcionada puramente pelo doce do açúcar, que ativava as regiões específicas do cérebro, responsáveis pela sensação de alívio. Ah, mas melhor que nada.
- Melhor agora, Macário? – falou Moira.
- Eu... eu vou ficar. – falei, um pouco nervoso. – Vou ficar. Como vocês disseram... bem... foi... foi só um choque emocional. As coisas acontecendo assim, tão rápido.
- Pô, Macário, p(...) que pariu. – retomou Luce. – Por que desmaiou? Foi o bafo da Morgiana, que chegou te beijando?
- Eu escovo os dentes, tá legal? – vociferou Morgiana para Luce e, depois, voltando para mim: – Eu que pergunto, Macário, por que você desmaiou só em me ver?
- Primeiro quero saber – fui falando – o que as suas irmãs fazem aqui, Morgiana. E de van.
- Oh. – falou Cliodna, sorrindo. – Viemos buscar a Morgiana, é claro.
- Ela... ela realmente... – balbuciei. – A Morgiana realmente faz faculdade também?
- Ué, ela não te contou? – falou Moira, sorrindo. – Ela cursa faculdade, sim. Há uns quatro anos.
- Quatro anos?! – falou Luce. – E eu estou aqui só há seis meses, e...
- Quatro anos?! – perguntei.
- É... pois é. – falou Morgiana, cabisbaixa. – É verdade, eu curso a...
- Que curso?! – perguntei.
- Biologia. – Morgiana respondeu em um fio de voz.
- Biologia... – balbuciei. – Bem... Como eu nunca te encontrei antes no campus universitário?
- Porque ela falta muito. – respondeu Cliodna, com um sorriso amarelo. – E ela tem mania de trancar cursos e iniciar novos, a nossa pequena rebelde.
- Se a gente não cuidar, ela trapaceia e nunca termina a faculdade. – falou Moira. – Nós que temos de cuidar, levar, buscar e, às vezes, questionar professores e colegas para saber se ela está indo. Tem sido assim desde a escola.
- Parem de mentir. – falou Morgiana, de cabeça baixa.
- Não estamos mentindo. – responde Cliodna. – Você ultimamente anda muito rebelde. Desde que você começou a andar com esse rapaz aí. – e, com o nariz, apontou para Luce, que nem se alterou.
- Temos de ficar a par de seus negócios, Morgiana, do que você anda fazendo. – completa Moira.
- Parem de mentir. – repetiu Morgiana, de cabeça baixa.
- É... é verdade isso?! – perguntei.
- Não. – falou Morgiana.
- Sim. – responde Luce, com um sorriso.
- Não é verdade, parem de mentir! – falou Morgiana, vermelha, alteando um pouco a voz.
- Seja sincera você, irmãzinha. – falou Moira.
- Admita que você não tem sido uma boa garota. – falou Cliodna.
- Agora que o Macário sabe disso, você vai ter de andar na linha de agora em diante. – Luce foi falando, ao pé do ouvido de Morgiana. – Você não tem sido uma boa garota. Falta aulas da faculdade, frequenta círculos de gente esquisita, usa substâncias esquisitas, persegue um pobre garçom tanto no plano da realidade quanto no dos sonhos... Isso é atitude de uma sereia?
- Já te falei que o que eu uso são remédios para dor de cabeça! – Morgiana falou entre dentes. – As “substâncias esquisitas” não são ilegais!
- Será mesmo? Mas por que sua cabeça está sempre doendo? Ooh... O que o Macário vai pensar de ti, menina má?
- Pare, Luce... Não fale mais nada... eu...
Estava evidente que Luce estava tentando provocar Morgiana, e ela estava muito incomodada com isso. E ele nem se incomodava de fazer isso diante de mim.
- Então, abra o jogo para o Macário, sereinha – continuou Luce, emendando com um risinho maligno – e vá contando toda a verdade sobre sua vida... o porquê de você faltar tanto, de você passar mais tempo com o seu primo punk, naquele pardieiro onde ele mora com aquela gangue, do que nos estudos...
- Luce, não comece! – repreendeu Cliodna.
- Puxa, o que foi que eu fiz?! – Luce respondeu, chateado.
- Morgiana. – dirigi-lhe a palavra. – É verdade que...?
Morgiana estava muito vermelha. De alguma forma, a presença das irmãs a intimidava. E eu sabia que o “primo punk” era o Richard, guitarrista dos Animais de Rua, a gangue liderada por Fifi.
- Macário, por favor, não me pergunte nada. Não na frente... delas. – e apontou as irmãs.
- Ho, por que não, Morgiana? Por que não na frente das suas lindas irmãs?! Ou por acaso é medo... do seu pai?
- Luce... – Morgiana já apertava os punhos.
- Então, desembucha, gatinha. Por que...?
- Chega, Luce! – gritou Moira, indignada. – Se vai ficar provocando a nossa irmã... Faça o favor de esperar lá fora da van, sim?!
Agora, quem se contrariou foi Luce, em ter sua “diversão” interrompida.
- Ah, está bem! – gritou Luce, abrindo a porta da van. – Eu vou mesmo! Eu deixo de incomodar vocês, tá?! Vocês tem muito o que resolver entre vocês, mesmo, e... Ah, com a licença de vocês! E, Macário... a gente de vê depois, no bar. E... – Luce falou entre dentes, e dando uma piscadela – Cuidado com elas, hein? Elas são cheias de más intenções.
E Luce saiu da van. Moira quase jogou uma garrafa de água mineral em Luce, mas foi contida por Cliodna.
- Que tipinho insuportável – falou Moira, entre dentes. – Que companhia você foi arranjar, Morgiana.
- Calma, irmã – falou Cliodna.
Engoli em seco. Pois estava praticamente em uma situação de perigo. Sozinho, em uma van, com três mulheres. Três lindas sereias. E... elas me olhavam com... más intenções. Digo... duas delas me olhavam com leve lascívia. Morgiana me olhava tristemente.
- Bem, com aquele intrometido tendo saído agora... – falou Cliodna, com um sorriso. – Podemos nos concentrar com o Macário.
- Sim. O coitado está passando por situações estressantes. – falou Moira. – Antes não tivessem revelado o segredo das criaturas noturnas a ele.
- A culpa foi do Luce. – falou Morgiana. – Ele que estava doido para contar sobre nós... para ele.
- É uma pena o que estão fazendo com ele, um moço tão bonito como ele... – falou Cliodna, olhando para mim como se eu fosse seu próximo alimento.
- Que gente mais malvada. Ele realmente não merecia passar pelo que está passando nas mãos dos vampiros... – falou Moira.
- Este aqui, sim, vale a pena. – complementou Cliodna.
Engoli em seco. Elas sorriam.
- O... o que... vocês vão... fazer comigo... agora? – perguntei, timidamente.
Temia que elas dessem um jeito de me seduzir ali mesmo, na van, estacionada perto da faculdade.
- Nos disseram que você trabalha em um bar, certo, Macário? – pergunta Cliodna.
- S... siiimmm... – respondi.
- Você já se sente melhor, mesmo? – pergunta Moira.
- Eu... eu só fiquei muito surpreso. Mas... eu estou bem. Eu... eu tenho de trabalhar. Eu estou bem!...
- Não seria melhor se a gente deixasse você em casa, e...
- N-não, meninas – eu estava trêmulo – eu estou em condições de trabalhar, é sério. Até prefiro ir para o trabalho.
- Se você diz, Macário. De todo modo, a gente planejava mesmo aproveitar e passar no bar onde você trabalha. – falou Moira. – Estamos muito curiosas para ver você em ação.
Arqueei a sobrancelha.
- Sim, Macário. Aproveitamos o ensejo de virmos buscar a Morgiana na faculdade para conhecer o seu trabalho. Dizem que você sabe preparar excelentes drinques, e...
Morgiana deu um sorriso amarelo.
- Bem... – fui falando, e tentei um desvio no assunto. – E... e no que vocês trabalham, meninas? Vocês tem trabalho, certo?
- Claro que temos, Macário. Somos médicas. – falou Cliodna.
- Mé... médicas? As duas?!
- Não. – falou Moira. – A médica é a Cliodna aqui. Eu sou dentista.
- Isso aí. – emendou Cliodna. – Nós temos consultórios particulares.
- Oh... – foi o que consegui falar.
- Mas nós saímos da linha de vez em quando. Como... agora. – falou Moira.
- Agora, que vamos passar a madrugada em um bar... mesmo sabendo que ainda temos trabalho, pacientes para atender, no dia seguinte. – Cliodna deu uma risada.
- E nosso encontro foi puramente casual, Macário... Nem a gente esperava por isso, juramos... Oh, puxa... – emendou Moira.
- Vocês são médicas... – falei. – Mas... como vocês...
- Como nós o quê, Macário?
- Bem... os... dentes de vocês. – apontei para a boca de Cliodna. – Se bem me lembro... naquele nosso encontro... seus dentes eram serrilhados como as da Morgiana, e...
- Oh. Bem, não há mais segredos entre nós e... Macário, promete que você não espalhará para todo mundo?
- S... sim. Ninguém ia acreditar em mim, mesmo. Ultimamente ando contando tantas lorotas...
Cliodna mexe na boca, e tira de dentro dela uma prótese, uma dentadura com dentes de formato humano. Depois, mostrou os próprios dentes afiados.
- Fui eu que fabriquei as próteses. – falou Moira, também mexendo na boca..
- Ainda bem que temos uma irmã dentista. – falou Cliodna, feliz. – Com isso podemos disfarçar nossa aparência em terra. Bem, os cabelos... eu costumo prendê-los muito bem.
- Eu também. – falou Moira, mostrando a sua prótese dentária.
Olhei desconcertado para as duas, segurando suas próteses. Depois, meu olhar se voltou para Morgiana. Ela não tinha uma prótese dentária, ostentava os dentes serrilhados.
- Morgiana, você...
- Eu tenho minha prótese, Macário, tenho sim. – falou Morgiana, mostrando uma caixinha verde. Dentro dela, uma prótese dentária.
- E por que não está usando-a, irmã? – pergunta Moira, recolocando sua prótese na boca. Cliodna fez o mesmo.
- Não estou perto de humanos, agora. – falou Morgiana. – Digo... o Macário já sabe. Ele é um caso especial. Além disso, nem todos escondem suas particularidades. A Andrômeda, irmã do Luce, por exemplo, exibe a língua de lagarto, e...
- E eu achava que você limava os dentes! – falei. – Tem gente que manda limar os dentes para deixa-los afiados, e...
- Sim. – falou Moira. – Eu sei. Também faço esse tipo de procedimento tanto para Monstros quanto para humanos excêntricos, adeptos da modificação corporal. Algo que eu mesmo não entendo por que há gente que faz. Mas ainda bem que esse procedimento é raro, pelo menos entre os humanos. Já as criaturas noturnas pedem apenas uma afiação das presas... Mas o correto é que, na rua, mesmo não estando perto de gente, nós usemos a prótese o tempo todo! Morgiana...
- Eu sei, irmãs, eu sei. – falou Morgiana, cabisbaixa. – Por favor, Macário, não me leve a mal por causa de tudo isso...
- Mas eu não estou levando a mal. – falei. – Eu só recebi as notícias mais rápido que eu podia absorvê-las. Tive só um choque e... bem, isso não é típico de mim, na verdade. Eu que tenho de pedir desculpas pelo vexame.
- Não, eu é que tenho de pedir desculpas por haver te atacado assim... à noite... eu só fiquei surpresa de ver você.
- Acho que ambos precisam pedir desculpas um ao outro. – falou Cliodna. – Mas quem mais precisa de desculpas é o Macário.
- Eu sei... – falou Morgiana, cabisbaixa. – Devo dar muitas explicações para você, não, Macário?
- Hã... bem, se você não quiser dar as explicações agora, Morgiana, está tudo bem. Sei que agora não é o melhor momento. Além disso, eu mesmo já devo estar meio atrasado para o meu trabalho, e...
- Obrigada, Macário... – falou Morgiana, cabisbaixa.
- Bem... Agora que o Macário sabe sobre as criaturas noturnas, e da nossa irmã... e de nós... – Moira me olhava tristemente – Você, Macário, consegue aceitar bem a nossa condição? Os nossos segredos?
- Eu consigo, meninas. Eu sei que vocês também são... sereias. Acho que sei da transformação de vocês, certo? Também se transformam em tubarões...
- Pois é, Macário. – falou Cliodna. – Tivemos de fazer aquilo, sabe... devorar você... para poder tirá-lo da dimensão do portal mental.
- Eu só espero que você não tenha uma imagem ruim das sereias... e, principalmente, dos tubarões... depois do que aconteceu entre nós. – falou Moira, com as bochechas vermelhas como seu cabelo.
- Fiquem frias, meninas. Hum... um dia acho que eu verei vocês com o rabo de peixe. A Morgiana eu já vi. Falta vocês.
As três soltaram uma risadinha.
- Você é mesmo um bom rapaz, Macário. A Morgiana fez uma boa escolha. – falou Cliodna, sorrindo.
Engoli em seco. O que será que ela quis dizer com “A Morgiana fez uma boa escolha”? Morgiana me olhava constrangida.
- Macário – falou Moira – será que, de agora em diante, você seria responsável pela nossa irmãzinha rebelde?
- Hein? – arqueei a sobrancelha.
- Pode ficar atento aos passos dela para que ela não crie problemas? – falou Cliodna. – Temos ouvido umas coisas preocupantes sobre o que a Morgiana está fazendo, em companhia do Luce e daquele nosso primo maloqueiro...
- Ei, o Richard pode ser maloqueiro, mas ele é um bom músico. – falou Morgiana. – E ele não usa drogas.
- Mas é o modo como ele vive que nos preocupa, irmãzinha. – continuou Cliodna. – Ainda mais você, menina de mansão. O que as pessoas pensariam se soubessem que uma menina rica fica andando com...
- Eu já tenho vinte e três anos, irmã.
- E fica se comportando como uma adolescente irresponsável...
- Vamos, Macário. – falou Moira, interrompendo a discussão. – A Morgiana está muito interessada em você, nós sabemos, nós já contamos. Então, quem melhor do que você para ficar atento aos passos dela?
Morgiana parecia contrariada de ouvir isso, tanto quanto eu.
- Irmãs, por favor. – ela falou, mordendo os lábios. – Eu sei me cuidar. Para quê designar o Macário como sendo a minha... babá? Não quero babá.
- Não estamos dizendo para ele ser babá, Morgiana. – falou Cliodna. – Ele não pode fazer isso o tempo todo, sabemos disso. Só estamos dizendo – e dirigiu-se a mim – que fique atento ao que ela anda fazendo enquanto está no grupo do Luce. Queremos estar atentas aos seus passos. Pelo menos, para tranquilizar o nosso pai.
- A nossa liberdade de movimentos aqui em terra – foi falando Moira – depende muito do que fazemos, e, se uma de nós acabar saindo da linha, Macário... sabe, o nosso pai...
Do jeito como estavam falando, elas deviam ter um pai muito severo. Lembrei, de repente, do pai d’A Pequena Sereia, filme que eu assisti tempos atrás. Ainda lembro o modo como o Rei Tritão repreendia a sereia Ariel. Será que...?
- Ahn... acho que entendo. Só... Contar para vocês o que ela anda fazendo, certo? Bem... até agora ela não fez nada errado, fora invadir os meus sonhos...
- É isso que estamos dizendo, Macário. Só... nos relate o que ela anda fazendo.
- E acho que estaremos todos entendidos, certo, Macário?
- Ce... certo. – falei. – Morgiana...
- Hum... tá, Macário... – falou Morgiana, sorrindo. – Se for você, eu não me importo...
Engoli em seco de novo. Era só o que faltava, ela ter me escolhido como... noivo!
- Bem... – falou Cliodna, com expressão aliviada – Acho que agora... podemos ir todos para o bar. O Macário tem de nos servir alguns drinques. Néééé? – e apertou de leve minha bochecha.
- Mas... – Morgiana balbuciou. – E o que... o que vocês vão fazer comigo?
- Você vai conosco, Morgiana, é claro. – falou Moira. – Afinal, temos de te levar para casa, também.
- Mas eu não... Mas eu assisti a aula de hoje, direitinho, e...!
- Nada de mas, mocinha. – falou Cliodna, em tom de repreensão. – Queremos constatar se o que falam a respeito do Macário garçom condiz com a realidade. Quanto a ti, conversamos melhor em casa. – e, dirigindo-se a mim: – Vamos, Macário?
- Hã... claro que sim. – falei, timidamente. – Eu... eu mesmo faço questão que vocês... venham experimentar os meus drinques, Cliodna e Moira. A sua irmã Morgiana adora. Então...
- Perfeito. Nós oferecemos uma carona, já que estamos de van. – falou Cliodna. – Com licença, vou passar para o banco da frente, afinal, quem dirige agora sou eu.
- Não, mana, deixe que agora eu dirijo. – falou Moira, educadamente. – Você já dirigiu até aqui.
- Não, irmã, deixe que eu dirija. Amanhã você assume o volante. Um dia de cada uma, lembra?
- Lembro, mas pode deixar que eu dirija até o bar. É bem perto. Não vai fazer muita diferença, na verdade.
- Hum, está bem. Pode dirigir até o bar.
Morgiana me dirigiu um olhar constrangido, diante do formalismo teatral que ambas suas irmãs mostravam. Acho que compreendo por que a morena não gostava muito de ficar perto das irmãs.
Mas eu me sentia aliviado: nenhuma delas tentou me seduzir. Apesar de ambas estarem de saia, Cliodna e Moira mantiveram, o tempo todo, as pernas juntas. E os terninhos ajudavam a disfarçar os seios.
Moira se levantou e abriu a porta da van. E tomou um susto: Luce ainda estava ali.
- Agh, Luce!!! Pensei que tinha ido embora!
- Só queria dizer que não guardo ressentimentos. – falou Luce, sorridente. – Além disso, você só me pediu para esperar do lado de fora, não que eu fosse embora. Já que estão indo para o bar, me dão uma caroninha, por favor?
- Ah, está bem, Luce. Entra. – falou Moira, suspirando. – Mas se comporte, viu? Não provoque a Morgiana!
- Mas eu me comporto, meninas. – falou Luce, entrando na van. – Sei me comportar. Basta pedirem. Além disso, já não fui suficientemente castigado, tendo de esperar no relento enquanto vocês terminavam a sua conversa?!
- O quanto você ouviu, Luce?! – vociferou Morgiana.
- Nem ouvi nada. Fiquei na esquina, encostado naquele poste.
- Também achei que você ia embora, Luce. – falei. – Você disse: “a gente se vê no bar”.
- Achei que você fosse dar um jeito de fugir da van, Macário. Pelo jeito, desta vez, você pagou para ver. As gostosas não atacaram você, hein? Hein?
- E por que atacaríamos? – pergunta Cliodna, de cenho franzido. – Neste momento?! Em que ele está emocionalmente frágil?! Nós sabemos esperar.
Engoli em seco.
Cliodna entregou minha mochila, na qual me abracei.
E Moira, já ao volante, pôs a van em movimento. Ela estava de sapatos de salto baixo, adequados para dirigir. Até chegarmos ao bar, em menos de cinco minutos, ninguém, ali nos bancos traseiros da van, falou nada. Todo mundo se comportou. Mas haviam olhares apreensivos. Morgiana encarava a própria presença de Luce como uma provocação, pelo que vejo.

Meia hora depois, no bar.
Lá estava eu, devidamente uniformizado, e já com os pedidos de drinques chegando telepaticamente. Outra noite em que os Monstros, em peso, compareceram ao bar. Quer dizer, hoje estava faltando gente.
Tudo apontava para que o resto da noite transcorresse tranquilamente. Tudo apontava para que nenhum fato inesperado acontecesse.
A única novidade, mesmo, foi a presença de Cliodna e Moira. Com seus tipos físicos incomuns, elas chamavam muita atenção: ambas com o cabelo chegando até a cintura. Cliodna, loira e muito pálida, estava praticamente iluminada pelas luzes do bar; Moira, ruiva, com o corpo sarapintado. As aparências incomuns contrastavam com os comportados terninhos de executivas. Elas pareciam recém saídas de uma reunião de negócios que terminou às dez da noite, e bastante animadas. E que contraste elas faziam com o pessoal do bar inteiro, e seus trajes de concerto de rock. Que contraste elas faziam com Morgiana, que se vestia mais despojadamente. Apenas um casaco por conta do frio da noite.
Porém, logo, a atenção inicial passou. Elas, logo, se tornaram apenas tipos excêntricos a mais, naquele ambiente.
Enquanto eu preparava os drinques que os clientes solicitavam, em voz alta ou telepatia, Cliodna e Moira, sentadas no balcão, só observavam ao redor. Elas conseguiram lugar no balcão, para me observar de perto. E, pelo rabo do olho, eu observava, atento, as reações dos outros clientes. Teve gente que veio puxar conversa com elas, mas ambas não deram bola. Cliodna e Moira mais observavam e eram observadas.
Morgiana estava sentada ao lado delas. Cabisbaixa. Quando finalmente atendi seus pedidos – Cliodna pediu marguerita, Moira pediu Manhattan, e Morgiana pediu um licor simples – Morgiana mal tocava no seu copo, enquanto Cliodna e Moira apreciavam as suas. As duas, de fato, estavam muito animadas. Fiz questão de caprichar em seus pedidos. Elas bebiam, se rasgavam em elogios – “aaah, delicioso”, “fazia tempo que eu não tomava um drinque assim”, “que boa escolha do local”, “realmente o Macário não desmente quem fala dele” – e riam. Observavam o ambiente em redor. Começaram a comentar os tipos quase humanos que passavam por ali.
Do grupo principal dos Monstros, haviam ausências. Andrômeda, Âmbar e MC Claus não vieram. Nem mesmo Anfisbena e Marto Galvoni. Mas os outros... Luce, sempre andando de um lado para outro, e me olhando quando eu o encontrava com o olho. Flávio Urso, ali bebendo, e só observando Morgiana cabisbaixa. Breevort, Beto Marley, Jorge Miguel, Flávio Dragão... até os Animais de Rua apareceram! Fifi, Richard, Boland, Gil, Fido... até mesmo Eliane. Mas nenhum deles dirigiu palavra a mim. Quem levou seus pedidos foram os garçons. A gangue ficou ali, nas mesas de sinuca.
Por sua vez, Cliodna, Moira e Morgiana fizeram de conta que Richard, o primo punk, nem estava ali – Morgiana, pude notar, estava constrangida de ter de dar gelo nele. Ele também fez de conta que não havia ninguém ali no balcão. Estava entretido no seu jogo de bilhar, na mesa mais distante do balcão.
Eu só fazia o meu trabalho. Apenas reparava na reação do pessoal e não prolongava conversas. Havia os clientes que bebiam e se exaltavam, porém, Cliodna e Moira se comportavam como damas. Quer dizer, elas riam e soltavam comentários a respeito de algo que avistavam de interessante, mas estavam na delas, no balcão. Elas não saíram do balcão. Pareciam, além de duas fiscais, duas comediantes discretas. Mas Morgiana não sorria. Sequer dirigia a palavra a alguém, nem mesmo a Flávio Urso, que tentava puxar conversa sem sucesso. Morgiana parecia uma bêbada depressiva. Mas estava bebendo menos que as irmãs.
As duas experimentaram diversos drinques diferentes. Cada uma tomou cinco doses. Mas pareciam aguentar firme. Não aparentavam estar bêbadas. Me fez lembrar de Âmbar, ela sim uma esponja. Mas me pergunto o que ela estava fazendo naquele momento. Por que ela não veio hoje? E por que Andrômeda não veio hoje?
Cerca de duas a três horas mais tarde, Cliodna e Moira fizeram sinal de que finalmente iriam embora. Morgiana suspirou, aliviada. Eu também. Compreendia o constrangimento da morena: a loira e a ruiva falavam muito, como duas comadres, e ignoraram o primo.
As duas me chamaram mais para perto delas, e começaram a falar, ao pé dos ouvidos:
- Realmente, Macário, você não desmente nossa irmã. – falou Cliodna.
- Por isso ela gosta tanto de você...
- Você é tããão atencioso... você sabe preparar drinques...
- A gente gostou muito daqui, viu?
- Sim, irmã, vamos voltar aqui outras vezes...
- Vamos, sim. Vamos voltar.
- Se depender de nós, ele continua sendo o nosso garçom.
- Que sorte a nossa de conhecer você, Macário...
- Pode crer, Macário, que nós vamos nos encontrar de novo. Neste ou no outro plano.
- Se você, aqui, faz “aquilo” tão bem quanto você faz drinques...
E as duas me beijaram nas bochechas.
A atitude quase provocou uma gritaria no bar.
Ambas sorriram. E saíram do bar, um pouco cambaleantes.
Morgiana não disse nada. Só acompanhou as duas. E me olhando constrangida.
Fiquei desconcertado. E o pessoal fazia comentários, baixinho.
Luce chegou junto ao balcão.
- Eu avisei você, Macário. – ele falou, sorrindo. – Elas são cheias de más intenções.
- Engraçado, não parecia... – falei, ainda desconcertado. – Elas até que se comportaram bem...
- Não se deixe enganar, Macário. Elas disseram que vão voltar aqui. Bem, elas vão ter é uma surpresa.
- Como assim? – arregalei o olho.
- Você verá, Macário. Aliás, você também terá uma surpresa. Espere e verá, amigo.
E se afastou do balcão, e continuou borboleteando pelo bar.
Agora, até eu fiquei apreensivo. Como assim, “eu também terei uma surpresa”?
Será que alguém mais ouviu essa conversa?
Depois disso, o trabalho seguiu normalmente. A noite seguiu como as outras, como o retorno à rotina depois de um assalto em plena rua.
E os Animais de Rua entretidos com o jogo de bilhar. Nenhum deles me dirigiu palavra.
Agora, eu só tinha certeza do temor pelo meu futuro.

Luce planejava mais alguma coisa para mim. Mas o quê?!

Próximo capítulo daqui a 15 dias.
Até aqui, como estou me saindo: vou bem? Vou mal? Continuo? Paro? Tenho de operar drásticas mudanças? Manifestem-se, ou continuarei fazendo as coisas do meu jeito, mesmo que o meu jeito seja o errado.
Até mais!

Um comentário:

Rogeblow disse...

Passei só pra dar uma olhada! Da hora!