terça-feira, 14 de janeiro de 2020

MACÁRIO - Capítulo 71: "Bruxa Ferida"

Olá.
Estive quase três meses desaparecido. Quase três meses sem atualizar o blog. Nem para dar uma mensagem de ano-novo. Bem, 2020 está aí. E vou tentando, mais uma vez, retomar o ritmo do blog. Em outra oportunidade tento me explicar melhor sobre o que aconteceu nesses três meses.
Para marcar meu retorno ao blog, trago hoje um episódio inédito de meu folhetim ilustrado para adultos, MACÁRIO. Já é alguma coisa.
ATENÇÃO: leitura não recomendada para menores de 18 anos. Contém cenas de hospitalização e de provocação intencional de ciúmes.



Até parecia, naquele momento, que Geórgia e eu disputávamos quem estava pior. Estávamos ambos aflitos pelo que aconteceu com Eliane, mas qual de nós dois estava pior? Talvez não tão piores quanto Fifi, ou quanto os outros Animais de Rua, que junto conosco esperavam notícias, ali, na entrada do Hospital Universitário.
Cerca de uma hora depois que Eliane foi levada na ambulância, recolhida do local onde jazia, toda machucada e quase pelada, lá estávamos nós, em frente ao Hospital Universitário, como já disse. Já havíamos feito alguns primeiros socorros, com os recursos que eu trazia na minha mochila – gaze, esparadrapo, antisséptico – mas meu equipamento se mostrou insuficiente para tratar os inúmeros ferimentos que Eliane apresentava em seu corpo. Depois, apareceram os paramédicos, que já procediam o restante. Não acompanhamos Eliane na ambulância, mas corremos para o hospital – estávamos todos, ainda, no campus da Universidade, então era perto.
Luce, Geórgia e eu começamos as tratativas para a internação de Eliane. Naquele momento, éramos os únicos conhecidos da paciente – nem sabíamos se os pais dela moravam na cidade. Enquanto isso, Fifi teve de ir para o esconderijo dos Animais de Rua, buscar os documentos dela. Pelo que entendi, Eliane, felizmente, deixara os documentos em casa. Eles seriam necessários para a parte burocrática da internação.
Fifi voltou cerca de uma hora depois. E não vinha sozinha. Todo o pessoal veio junto – Ringo, Aura, Boland, Gil, Pauley, Fido, Richard. Mas eles todos não puderam entrar...
Antes vou contar o que aconteceu antes dos Animais de Rua aparecerem no Hospital.
Geórgia conseguiu autorização para entrar junto com Eliane na sala onde estavam sendo prestados os primeiros socorros. Luce e eu ficamos na sala de espera, enquanto aguardávamos o retorno de Fifi. A sala de espera estava quase vazia, felizmente.
É claro que, estando eu no local, quem me aborda? Ela mesma, Maura, a enfermeira. Ela estava em outro setor do Hospital quando Eliane deu entrada, então ela não viu o que aconteceu – felizmente. Mas, é claro, só a minha simples presença no Hospital já a atraiu.
- Ei, Macário! Você por aqui de novo! – ela se aproximou, sorrindo.
- Oi, Maura. – falei, emburrado.
- O que está fazendo aqui, Macário? E... ah, olá, como vai? – Maura se dirige a Luce, que só observava.
- Vou bem, e você? – ele responde.
- Eu vou indo. – ela responde, e se volta para mim. – Para quem é a consulta desta vez? Para você?
- Não. – respondo, secamente. – Eu estou ótimo. Estou tão ótimo que desgraças estão acontecendo com as pessoas ao meu redor.
- Desgra... Macário, quem foi desta vez?!
- Uma amiga minha. Que você não conhece ainda.
- Amiga, sei... Hm... Você não quer dizer amante?
- Eu não transei com ela.
Maura deu uma erguida de sobrancelha que quase fez com que esta chegasse à linha do cabelo.
- Aham, sei...
Ok, era mentira eu ter dito que não transei com Eliane. Ou melhor, era meia verdade, já que a transa ocorreu no plano dos sonhos. Mas o que ela entende disso?
- Você não entende a gravidade do caso. Ela... – eu já ia respondendo.
De repente, uma voz soou de um auto-falante. Maura estava sendo solicitada. Ela teve de se afastar, mas não sem antes me mandar uma “ameaça”:
- Ainda não acabei com você, Macário Monstro, sei que tem dedo seu aí no meio...!
- Macário Monstro...? – Luce fez força para não rir, fingindo estar distraído com uma revista.
- É o que sou. – respondi, sempre emburrado.
- Ah, que é isso... primo. Por que se sente tão mal com isso?
- Enquanto uma garota era devorada por sei lá o quê, eu estava dormindo tranquilo...
- Ah, Macário, pare de querer ser santo. Você não teve culpa do que aconteceu com a Eliane. Não foi você quem deixou ela quase toda estropiada.
- Mas e se eu tiver culpa, sim? E se o agressor for... meu conhecido?!
- Hah, mas do que você está falando, Macário? Vai dizer que você já sabe...?
- Quem sabe eu já saiba?
- É? Quem você desconfia que...?
Mas, antes que eu pudesse responder, Geórgia reapareceu na sala de espera, com a expressão mais transtornada que conseguia. Ela fazia um esforço enorme para chorar. Mas o choro estava preso na sua garganta. O máximo que conseguia era lacrimejar e ganir feito um cachorro rouco.
Me levantei, cheguei perto, com cuidado – só falta eu ser agredido em pleno hospital.
- Geórgia? Hã... Como ela está?
Ela tentou falar alguma coisa, mas simplesmente não conseguia. Estava chocada. Mas eu meio que estava entendendo só pelo seu olhar.
Tudo o que eu podia fazer era abraça-la para consolar-lhe. E ela não recusou o abraço. Por alguns minutos,  ela ficou soluçando e ganindo no meu ombro, tentando recuperar a fala. Estava claro que há muito tempo ela queria isso, estar nos meus braços. E estava claro que não era sob aquelas condições, não era o momento mais apropriado, mas melhor que nada.
- Eu estou muito mal pelo que aconteceu. – falei.
Afinal, Geórgia conseguiu soltar a voz:
- Está mesmo? – balbucia.
- Estou, sim. Como eu podia saber que isso aconteceria? Ela... ela está...?
- Os... os ferimentos dela... estão sendo tratados agora. Mas o jeito que ela ficou, Macário... Você viu?! Ela... Ela teve de levar pontos, Macário... T-tiveram de costurar a pele dela... Ela está feito uma múmia agora...
Acabei lembrando de Valtéria. E se Eliane também foi atacada por cães e gatos ferozes?
- Ela... a Eliane vai morrer, Macário...
- Não, Geórgia, ela não vai. – respondo automaticamente. – Ela vai ficar bem. Sei que vai.
- Será mesmo? Porque ela... A Eliane... Ela quase virou carne moída!...
- Calma. Ela é forte. Ela é forte o bastante, sabe, para viver aquela vida de privações, naquele pardieiro, e ainda assim parecer tão saudável, por que ela não seria forte para escapar dessa situação?
Aquilo tudo me ocorreu assim, de repente. Eu mesmo não havia pensado nisso naquele momento, enquanto corria para o Hospital. Pelo jeito, Geórgia não havia considerado que o modo como Eliane vivia poderia afetar a sua saúde.
- Hmm... talvez você tenha razão, Macário... A Eliane... Ela largou tudo para viver naquele muquifo... No meio do lixo... Passando fome e frio só de teimosa... (soluço) Achando que podia viver só de “roquenrou”... (soluço) Mas agora... Olhe agora onde... (soluço) Ela não merecia viver assim... Para morrer assim. Ela era tão linda... Podia conseguir outro tipo de vida... Mas agora... (soluço)
- Vai ficar tudo bem, Geórgia, confie em mim. – Procurei ser forte. – Salvamos a vida dela. Não sei como, mas salvamos. A encontramos e salvamos. Ainda bem que eu estava com meu estojo de primeiros socorros. Ainda bem que sou estudante de Medicina. Nós pudemos fazer alguma coisa para ajudar.
- Mas Macário... E se ela contrair alguma bactéria... Digo... Ela deve ter perdido muito sangue, e ainda estava com os ferimentos expostos naquele chão sujo... Naquela floresta... E se lhe der tétano? E se lhe der hidrofobia?! E se...
- Calma. Ela deve estar tomando antibióticos, agora. É obrigatório.
- Oh, Macário... Mas eu estou com muito medo... Ela é minha amiga de colégio... E ela... E se estes forem os últimos minutos de vida dela?!...
Por algum motivo, eu tinha a crença de que Eliane conseguiria se salvar. Afinal, ela é uma bruxa, conhecia sortilégios, mas... Não, é pouco provável que ela consiga se curar sem suas poções. E, além disso, pelo que me recordo, suas mãos estavam machucadas demais para que pudesse fazer magias, como aquela que ela fez durante o rolê noturno, naquele dia, em que ela conseguiu tirar toda a turma do campo de batalha contra os Carniceiros – exceto eu. Mas eu sabia que ela, de alguma forma, ia se salvar.
Mas Geórgia estava abalada. Não sabia das habilidades mágicas da amiga, decerto – Eliane nunca contou a ela tudo a respeito de sua vida, e de seus companheiros, só a chamava para fazer brincadeiras sexuais. Mas eu sentia que aquele abalo todo, na verdade, era desculpa para ficar aconchegada nos meus braços, ali, na sala de espera do Hospital. Eu já me sentia envergonhado. Luce nos olhava e sorria aquele sorriso sacana. Insensível, filho da p(...).
Mas, de repente, Maura retornou. E também estava chorando.
- Maura?! – pergunto. Até Geórgia olha para ela.
E aí, Maura desaba em cima de mim. Se abraça a mim – mesmo com Geórgia ainda abraçada a mim.
- Maura!...
- Aai, Macário... Aaiii... (soluço) Aquela... Aquela moça que entrou agora no Hospital... (soluço) A que estava na enfermagem... (soluço) Eu vi, Macário... Aaiii, eu vi...
- Viu o quê?! – pergunta Geórgia.
- Era a tua amiga que você estava falando, né? (soluço) Aaiii, mas que coisa horrível, Macário... (soluço) Ela está... Está...!
- Está o quê?!
- Ela está com uma aparência horrível, Macário... (soluço) Toda machucada... Toda mordida... Aaiii, Macário... (soluço) Eu lembrei agora, Macário... Daquela tua loira... Aquela que está com o corpo cheio de cicatrizes... (soluço)
Geórgia já estava incomodada de ter de dividir o abraço com Maura, ficou ainda mais em saber da tal loira.
- Macário... Ela está com uma aparência horrível... Ela está igual àquela tua loira, Macário... (soluço) Agora está feito uma múmia... Igual aquele dia, Macário... Aahhh, Macáriooohhh... (soluço)
Engoli em seco. Maura passou um longo minuto se debulhando em lágrimas no meu ombro, como se estivesse em um velório.
Geórgia me soltou.
- Bem, como ela está agora? Você sabe? – pergunta Geórgia para Maura.
A enfermeira ergue a cabeça. E sua expressão subitamente mudou.
- Ela... A menina já está em situação estável. Está na cama, enfaixada... Inspira cuidados. (soluço) As próximas 24 horas vão dizer se ela vai precisar de mais medicação. Ela vai ficar bem, vai sim... Tanto que ela vai fugir do Hospital.
- Fu...?
- Se é conhecida do Macário, ela vai acordar e vai fugir do Hospital para procura-lo. – A expressão de Maura mudou para um maligno sorriso amarelo. – Eu sabia, Macário Monstro... Quer ver que ela vai fugir do Hospital?! Vai sumir do Hospital antes que...?
- Que fugir que nada. – foi minha manifestação. – Ela está toda machucada. Fala como se fosse fugir do Hospital esta noite. Mas para onde?!
- Eu sei lá... Mas já aconteceu uma vez, Macário. Já aconteceu uma vez. Vai acontecer de novo...
E me lançou um olhar zombeteiro. Havia lágrimas nos olhos, mas era um olhar zombeteiro. Aah, eu sabia: aquele choro todo era apenas novela. E Geórgia só olhando, indignada.
Mas... Eu não duvidava que isso iria mesmo acontecer. Eliane, mesmo toda machucada, acordar do coma induzido e fugir do Hospital. Afinal... já aconteceu uma vez. E eu já dizia mentalmente, na esperança que a telepatia funcionasse: “Eliane, não faça nenhuma loucura. Fique aqui no Hospital... Não fuja... Não saia correndo...”
Maura havia me soltado bem na hora: Fifi estava chegando, esbaforida, trazendo consigo uma carteira velha. Com os documentos de Eliane. Nem chegou a ver aquela cena.
Atrás dela, vinha a turma dos Animais de Rua. Todos muito preocupados, muito abalados com a notícia repentina. E todos começaram a se acotovelar no balcão do recepcionista, fazendo algazarra, chamando muita atenção dos demais pacientes. Foi preciso que um grupo de médicos e enfermeiras retirasse os Animais de Rua dali, e os fizesse esperar ali fora. Só Fifi que conseguiu ficar, mas Geórgia e eu tivemos de ajudar a regularizar a documentação de Eliane. E Luce só olhando, fingindo distração.
Passou-se algum tempo, tivemos de esperar algum tempo, até que os médicos autorizassem que passássemos no quarto para vê-la. Mas tínhamos de ir de dois em dois por vez. Entrei junto com Fifi no quarto.
O médico responsável pelo atendimento era o mesmo que cuidou do meu caso, na ocasião que fui mordido. Bem, tive de responder muitas perguntas. Mas, só para não me alongar, basta dizer que o médico me autorizou a ver a paciente, seu estado atual.
Fifi e eu entramos. Eliane estava acomodada em uma cama. Coberta. Adormecida. Cheia de curativos – a cabeça enfaixada, Eliane com um gorro de gaze, e ainda tinha curativos nas bochechas. Com a bolsa de soro atada no braço. E com um aparelho de respiração acoplado no nariz. Oh, céus, devia ser mesmo grave.
Fifi esteve a ponto de chorar. Eu também, mas fazia esforço para me conter. Já bastava eu ter chorado na ocasião em que Valtéria fugiu do hospital.
- Eliane... – balbuciou Fifi.
Pus a mão no ombro de Fifi.
- Espero que ela fique bem. – falei.
- Ela ficará. – respondeu Fifi. – Ela é forte, para uma humana. A mais forte garota humana que eu conheci. Eu só queria saber quem fez isso com ela. Só isso. Nyah.
- Eu também. – falei. – Por que justo ela tinha de ter sido atacada assim?
- É tão estranho, Macário. Tão estranho.
Algo me diz que havia algo errado nessa história.
E eu tentando falar mentalmente com ela: “Eliane, pode me ouvir? Fique aqui no Hospital... Não tente fugir... Fique aqui onde você está segura... Faça o que fizer, não saia do Hospital...”
Não houve resposta. Não recebi nada.
Eliane estava em um profundo coma induzido.
Por favor, tenha recebido minha mensagem.
Me ajude, Pajé Mateus.

Tudo o que posso dizer é que o abalo com essa história foi tão grande que o restante da noite passou muito rápido, na minha percepção. Tão rápido que até esqueci a aula do curso, o trabalho no bar... Será que eu assisti à aula? Será que eu trabalhei mesmo no bar? Ah, lembro que trabalhei, pelo menos isso. Aliás, os Monstros não vieram naquela noite, disso eu lembro também. Nenhum deles. Imagino que a notícia do atentado a Eliane tenha se espalhado rapidamente.
Nem Luce apareceu. Aliás, ele havia desaparecido do hospital depois que saí do quarto. Não deixou nem aviso de onde ia. Decerto, esse tempo todo tratou do assunto como se não fosse com ele.
Nem Geórgia veio. Foi para casa, abalada. Disse que ia mandar notícias se algo acontecesse.
Sabia que o dia tinha começado tranquilo demais.
Como não foi obtido o contato dos pais de Eliane, Geórgia e eu tivemos de dar nossos telefones para caso haja notícias da parte de Eliane. Os Animais de Rua não dispunham de telefone. Ou será que dispunham e eu não sabia? Afinal, como eles iam aos shows que faziam sem o devido contato?
Ao fim do expediente, quase sem nenhum cliente, atendendo só uns quatro ou cinco completos desconhecidos ébrios, volto para o apartamento, sozinho. Ninguém veio me abordar, pelo menos.
É isso aí. Direto para a cama, como deveria ser. Chego no apartamento, não encontro Luce, nem no seu quarto.
Algo me dizia para tirar aquele apanhador de sonhos da cabeceira da minha cama – Luce havia colocado aquele enfeite para me impedir de sonhar e que invadissem meus sonhos. Mas vá que Eliane, mesmo inconsciente, resolvesse tentar se comunicar comigo por telepatia. Ela tentou fazer isso ontem. E o resultado: não recebi seu pedido de ajuda, e agora, onde ela está.
Não. Acho melhor não tirar o apanhador dali. Tenho de me acalmar, de dormir o mais tranquilo que puder.
Mesmo sabendo que o apanhador de sonhos bloqueava mensagens telepáticas, eu continuava dizendo em pensamentos para Eliane: “Por favor, não saia do Hospital... Não fuja... Fique aí... Confie na medicina dos homens”...

Quanto tempo será que dormi? Quanto tempo terei passado naquela sensação inebriante de estar desmaiado, inconsciente, em coma induzido, sem sonhos passando pela minha cabeça... Até o maldito telefone tocar?!
O meu telefone celular, ao lado da minha cama, tocando estridentemente, me tirou da necessária inconsciência.
Olho para o despertador: Três da tarde. Ah, até que não foi tão cedo, nem tão tarde assim.
Atendo o telefone, ainda grogue.
E, ao ouvir a mensagem do outro lado da linha, meu olho arregala, quase salta para fora, a remela salta.

Era do hospital, avisando que Eliane desapareceu.

Próximo capítulo em breve. Não estipularei um dia exato. Mas fiquem atentos: a periodicidade dos episódios mudará.
Até aqui, como ficou a retomada do folhetim? E o folhetim em si, como vocês estão achando? Bom? Ruim? Continuo? Paro? Manifestem-se nos comentários!
E aguardem novidades para este ano.
Até mais!

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