sábado, 17 de setembro de 2011

Filme: COMO ERA GOSTOSO O MEU FRANCÊS

Olá.
Hoje, vou falar de filme. Pois justo hoje, tive a oportunidade de ver um clássico do cinema brasileiro – mas, por favor, antes de julgarem este filme por ser brasileiro, leiam este artigo até o fim.
O filme de hoje se chama COMO ERA GOSTOSO O MEU FRANCÊS.
Produzido em 1970, pelos estúdios Condor Filmes e Riofilme, foi dirigido por Nelson Pereira dos Santos (também autor do roteiro), um dos cineastas precursores do movimento do Cinema Novo brasileiro, ou o estilo cinematográfico caracterizado pela denúncia da realidade brasileira das décadas de 50 e 60. Nelson Pereira dos Santos também tem, no currículo, outros filmes importantes, tais como Rio 40 Graus (1955), Boca de Ouro (1962, adaptação de uma peça de outro Nelson, o Rodrigues), Vidas Secas (1963) e Memórias do Cárcere (1984) – estes dois últimos, importantes adaptações de obras de Graciliano Ramos.
COMO ERA GOSTOSO O MEU FRANCÊS teve uma trajetória tortuosa, tal como muitos filmes de nosso cinema: ele foi proibido pela censura, por conta das numerosas cenas de nudez, masculinas e femininas – seus personagens principais são índios e brancos que convivem com eles. Mais tarde, o filme foi liberado, com cortes, pois a nudez do filme não pode ser considerada pornográfica, faz parte do contexto. Em tempos recentes, o filme foi restaurado para lançamento em DVD. E, mesmo sofrendo censura, o filme foi premiado: foi indicado para o Leão de Ouro do Festival de Berlim em 1971, recebeu os prêmios de melhor roteiro, melhor diálogo e melhor cenografia no Festival de Brasília, no mesmo ano, e recebeu o Troféu APCA em 1973, para melhor Atriz Revelação (Ana Maria Magalhães).
Apesar de a censura do filme ser para maiores de 18 anos, alguns especialistas em educação apontam este filme como bom apoio para aulas de História, por retratar com fidelidade um aspecto específico da História do Brasil.
COMO ERA GOSTOSO O MEU FRANCÊS trata de um aspecto de nossa história que ao pode ser ignorado: os primeiros contatos entre os brancos europeus, conquistadores, e os indígenas, que nos séculos seguintes sofreriam o diabo: conquistados, escravizados, convertidos à fé cristã (tendo de abrir mão de sua própria cultura), massacrados, submetidos às doenças dos brancos e, por fim, marginalizados.
O filme se passa no século XVI, mais precisamente em 1594, no contexto das invasões francesas ao litoral brasileiro – os franceses, que nos primeiros tempos contrabandeavam pau-brasil das costas brasileiras, disputavam com os portugueses uma parte de nosso território, até serem definitivamente expulsos, em 1615. O roteiro foi baseado nos relatos dos viajantes Hans Staden e Jean de Léry (respectivamente, alemão e francês), que viveram situações semelhantes a do personagem principal – fizeram contato com tribos indígenas que habitavam o litoral brasileiro. Os diálogos do filme são em francês e em tupi (devidamente legendados), mas com algumas falas em português arcaico, e uma narração inicial em português (voz de Célio Moreira). E, em vários momentos do filme, a narrativa é cortada por textos, trechos de relatos de viajantes e missionários estrangeiros sobre os índios brasileiros.
O personagem principal é um aventureiro francês (interpretado por Arduíno Colassanti), que fora condenado à morte por indisciplina, e jogado ao mar amarrado a pesos. Porém, ele consegue escapar da morte, e é capturado por um grupo de portugueses, para os quais é obrigado a operar pequenos canhões. E, pouco depois, durante um ataque, é novamente capturado, desta vez por índios tupinambás, tidos como canibais. O ritual antropofágico, aliás, é característico da cultura de algumas tribos indígenas, que acreditavam que, comendo a carne de prisioneiros de guerra valorosos, estariam incorporando suas qualidades, como a bravura e as habilidades guerreiras.
Justamente por isso que o francês não é devorado imediatamente: ele possui conhecimentos de artilharia – sabe lidar com pólvora e canhões. Por isso, ele passa algum tempo cativo dentro da tribo, sendo bem tratado (até o momento de sua execução) e até mesmo lhe é designada uma esposa, a índia Seboipepe (Ana Maria Magalhães).
O filme retrata alguns costumes dos indígenas de acordo com o que foi descrito por Staden e Léry – entre esses costumes, os rituais de antropofagia, que, felizmente, não são mostrados no filme de modo explícito. Esse costume, entretanto, horrorizava os europeus colonizadores, seguidores da fé cristã.
Outro aspecto que é retratado no filme é o modo como os franceses faziam contato e buscavam apoio dos indígenas: ao invés de escravizá-los simplesmente, como faziam os portugueses, os franceses tratavam de conquistar a amizade dos indígenas, através da troca de presentes. Ou seja, em troca de objetos de pouco valor para os europeus, como colares de contas, espelhinhos e panos – que fascinavam os indígenas – os franceses obtinham favores dos índios. Isso é retratado através do contato entre um explorador francês, que trocava pau-brasil e pimenta com o chefe da tribo, Cunhambebe (Eduardo Imbassahy Filho), por baús cheios de colares e espelhos. E é esse explorador que põe o prisioneiro francês a par de sua situação, visto que ele sabe a linguagem dos índios - que o prisioneiro aprenderá pouco depois.
E, realmente, nos oito meses de vida que lhe restam, o francês incorpora alguns hábitos dos índios – como o de andar nu, cortar a barba e o cabelo à maneira tupinambá, cultivar plantações de mandioca com as mulheres e construir casas à maneira indígena. Mas, em troca, ele deverá “fabricar” pólvora (na verdade, pegá-la dos depósitos que os navegadores deixam nas praias) e disparar canhões.
Através da índia, o prisioneiro francês toma conhecimento de um tesouro enterrado, que ele utiliza como objeto de barganha com o explorador – o que não dá muito certo.
Algumas vezes, o francês tenta a fuga, e numa delas tenta convencer Seboipepe a fugir com ele – mas ela se recusa. Além de tudo, a índia faz de tudo para manter o prisioneiro na tribo – uma vez que, quando ele for executado, ela ficará com o pescoço dele para comer (sim, um dos costumes indígenas retratados também é o do chefe decidir, previamente, com que partes do prisioneiro cada um dos índios da tribo vai ficar).
Mais tarde, os tupinambás entram em guerra contra uma tribo inimiga, os tupiniquins – aliados dos portugueses. O francês toma parte na guerra, disparando seus canhões. E, após a guerra, Cunhambebe marca a data da execução: o ritual antropofágico será parte das comemorações pela vitória. É a última chance do prisioneiro tentar escapar...
COMO ERA GOSTOSO O MEU FRANCÊS é marcado justamente pelo exotismo, através do retrato dos índios antes da conquista dos brancos, e pela ousadia, vista a quantidade de gente pelada e pintada que anda pela tela. Mas, como eu disse, faz parte do contexto. Em alguns trechos, o filme chega a lembrar Dança Com Lobos, de Kevin Costner – mas o contexto é bem diferente (são índios brasileiros, enquanto que no outro filme são índios norte-americanos, que sequer eram canibais), e as relações entre brancos e índios de COMO ERA GOSTOSO O MEU FRANCÊS não são marcadas pela cordialidade – as coisas acabam mal para o prisioneiro francês. Sem falar que este filme foi produzido bem antes de Dança com Lobos (produzido em 1990).


A cenografia também é muito boa, com a câmera acompanhando os movimentos dos personagens, alternando com grandes planos gerais do cenário à beira-mar, ainda inóspito. O figurino de época também é bem-feito, os cenários são os mais simples que podem haver. Já o pecado do filme fica por conta do som, conduzido pelo músico Zé Rodrix (do trio Sá, Rodrix e Grarabyra), falecido em 2009. Solos de violão, chocalhos, tambores e canções indígenas, que tocam incessantemente e de uma forma repetitiva, monótona e irritante, mas ao mesmo tempo hipnotizante, tornando COMO ERA GOSTOSO O MEU FRANCÊS um dos filmes mais barulhentos do cinema brasileiro.
A edição do filme também é cheia de saltos de tempo, entre passado e presente – e, às vezes, fica difícil entender a trama do filme, visto que, às vezes, uma cena que se passava há minutos atrás volta após outra passada imediatamente.
Apesar dos defeitos, COMO ERA GOSTOSO O MEU FRANCÊS garantiu seu lugar entre os clássicos no nosso cinema. E é também um filme preferencial dos historiadores brasileiros, devido ao retrato fiel de uma época distante de nossa história. Vale a pena ver. Mas não espere entender a trama logo na primeira assistida. Ah: e desconto para os índios pelados que circulam pela tela.
Para encerrar, um desenho com índios, mas num clima mais ameno. É um indiozinho tentando conquistar o coração de uma indiazinha, presenteando-a com frutas que ele teve de ir buscar bem longe. Não sei se vocês vão gostar da pintura, a lápis de cor. Buá! Até mais!

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