Olá.
Hoje
vou falar novamente de quadrinhos. E este era um que eu estava devendo resenha,
pois só agora consegui comprar.
Entre
outubro de 2012 e novembro de 2013, durante as comemorações dos 50 anos de
criação da personagem Mônica de Maurício de Sousa, o Brasil acompanhou a
chegada da coleção Graphic MSP, onde os clássicos personagens dos Estúdios
Maurício de Sousa ganharam histórias longas e de teor mais adulto, feitos por
nomes proeminentes do quadrinhismo brasileiro. Os álbuns da primeira leva deram
mais fama a seus respectivos autores.
Em novembro de 2013, foi anunciado que haverá uma segunda leva de álbuns da série. Os personagens contemplados nessa segunda leva são: Bidu, Papa-Capim, Penadinho e Turma da Mata. E dois álbuns da primeira leva ganharão continuação!
Bem:
vamos recordar: o primeiro álbum da série foi o aclamadíssimo Astronauta – Magnetar, de Danilo Beyruth.
Depois, em maio de 2013, veio o melhor álbum da série, o sensível Turma da Mônica – Laços, de Vítor e Lu
Caffaggi; em agosto, veio Chico Bento –
Pavor Espaciar, de Gustavo Duarte; e, em novembro, foi a vez de Piteco – Ingá, de Shiko. Pois Magnetar e Laços serão os álbuns que ganharão continuação, e por seus
respectivos autores. A continuação de Magnetar
está anunciada para chegar ainda em 2014.
Pois
hoje, vou falar do álbum que até este mês faltava na minha coleção Graphic MSP:
CHICO BENTO – PAVOR ESPACIAR.
APRESENTANDO...
Antes
de falar do álbum, vou apresentar, a quem ainda não conhece, o autor do álbum,
Gustavo Duarte.
Nascido
em 1977, em São Paulo, Gustavo Duarte mudou-se, ainda na infância, para Bauru –
SP, onde começou sua carreira. Formado em Design Gráfico, ele iniciou como
cartunista e ilustrador no jornal Diário de Bauru, de 1997 a 1999; depois,
mudando-se para São Paulo, em 2000, trabalhou na Editora Abril, como designer
gráfico e depois como ilustrador para diversas publicações. Aí começou a desenvolver
seu traço, impactante e exageradamente caricatural, com muito humor.
Paralelamente, trabalhou na agência de publicidade W/Brasil.
Ele
só começou a enveredar nos quadrinhos a partir de 2009. E já começou bem:
lançou de forma independente Có!, que,
além de ganhar o HQ Mix, apresentou ao Brasil e ao exterior seu estilo: com
traço impactante e histórias bem conduzidas e sem textos, com muitas
referências à cultura pop espalhadas nas cenas.
No
mesmo ano de 2009, Duarte participou da coletânea MSP 50 – Maurício de Sousa por 50 Artistas, com uma história onde
apareciam Chico Bento, Louco, Jotalhão, Horácio, Penadinho, Bidu e Bugu.
Em
2010, sai, também de forma independente, seu segundo álbum, Táxi; no ano seguinte, também
independente, Birds; e, em 2012, pela
editora Companhia das Letras, selo Quadrinhos na Cia., sai o álbum Monstros!. Todos premiados – no total,
Duarte tem oito HQ Mix.
Em
2013, além de lançar CHICO BENTO – PAVOR ESPACIAR, Duarte lançou o livro de
ilustrações 13, reunindo boa parte de
seu trabalho.
E,
no início de 2014, foi lançado, nos Estados Unidos, pela editora Dark Horse, o
álbum Monsters! and Other Stories,
reunindo, para o público estadunidense, os álbuns Monstros!, Có! e Birds.
Desse modo, o público de Duarte já aumentou.
E
foi anunciado para 2014 um novo álbum: a Quadrinhos na Cia. anunciou que
publicará outra coletânea dos trabalhos de Duarte, Có! e Outras Histórias – provavelmente reunindo os três primeiros
álbuns.
Conheçam mais do trabalho de Duarte em seu blog pessoal: http://mangabastudios.blog.uol.com.br/.
CHICO BENTO...
Quem
conhece o universo de Maurício de Sousa, já conhece Chico Bento. O caipirinha
já dispensa apresentações, e seu universo é bem conhecido.
Mas
sua personalidade oscilou com o tempo. Outrora, Chico Bento era um menino
caipira atrapalhado, com um jeito simples de enxergar a vida, preguiçoso e que
não gostava de estudar; seus maiores interesses, mesmo, eram dormir sob o sol,
nadar no riacho, passar um tempo com a namorada Rosinha e apanhar as goiabas do
pomar de Nhô Lau, sob o risco de levar tiro de sal no traseiro – não
necessariamente nessa ordem. Com o tempo, os roteiristas das histórias de Chico
Bento lhe deram uma personalidade mais responsável: defensor da natureza, mais
estudioso e responsável, valorizando o trabalho no campo, mas ainda atrapalhado
e com dificuldades de se adaptar às tecnologias da cidade. Mas não que isso o
livre de confusões, de reclamações com a professora, Dona Marocas, ou da mãe,
Dona Cotinha.
Chico
Bento foi criado em 1963, baseado em um tio-avô de Maurício, de quem o futuro
cartunista ouvia muitas histórias. Caipira na melhor tradição do Jeca Tatu de Monteiro Lobato, as suas
mudanças de personalidade podem ser explicadas como frutos da mudança de
mentalidade no Brasil: anteriormente, havia muito descaso com o homem do campo,
o que favorecia o êxodo rural – a mudança de populações do campo para a cidade.
Entre os anos 50 e 90, ainda era nítida a diferença entre o homem do campo e o
da cidade, pelos costumes, pelo jeito de ser e pelo conhecimento da tecnologia
– o que, por si só, já rendia material para piadas e histórias humorísticas.
Pouco depois, foi promovida uma política gradual de integração entre o campo e
a cidade, o que possibilitou a inserção do homem rural na “modernidade” –
reparem que já tem “caipiras”, em plena zona rural, usando até telefone celular
e com antenas parabólicas em suas tevês, o que nas décadas de 80 e 90 ainda era
luxo exclusivo das populações citadinas.
Chico
Bento, evidente que foi “integrado” na ideologia da inclusão do homem do campo,
o que pode ser evidenciado no apreço que o personagem demonstra pela educação,
hoje fator fundamental para integrar o homem do campo à sociedade. O estudo,
todo mundo sabe que é importante – mas Chico Bento demorou um pouquinho para
descobrir isso.
Bem.
Como eu disse, Chico Bento foi criado em 1963, mas vocês sabiam que ele
apareceu como coadjuvante? Na época, os protagonistas da tira de humor caipira
de Maurício, publicada na revista Coopercotia,
eram o responsável e inteligente Zé da Roça e o japonesinho Hiro (a tira se
chamava Hiroshi e Zezinho). Chico
Bento nasceu com uma aparência diferente da atual: mais magrinho e com um nariz
pequeno, mas com um dente fora da boca, como a Mônica (criada no mesmo ano).
Ainda em 1963, a tira começou a sair no jornal Diário de São Paulo. E, em 1964, ele já “roubou” a tira, depois de
passar por uma plástica, já próxima da atual. E, em 1982, ele ganha seu próprio
gibi, se tornando, desse modo, um dos cinco “grandes” dos Estúdios Maurício de
Sousa – ao lado de Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali, cada um com um gibi
próprio.
Com
o tempo, o universo do personagem só fez crescer: Zé da Roça e Hiro
permaneceram na tira, na condição de coadjuvantes. Aí também apareceram: Zé
Lelé, o primo abobalhado; Rosinha, a fiel namoradinha; o já citado Nhô Lau,
dono do pomar de goiabeiras que vive sendo assaltado pelo menino; a professora
Dona Marocas; os pais de Chico, Seu Bento e Dona Cotinha; a avó, Dita; o primo
da cidade, que garante muitas histórias baseadas no choque cultural entre campo
e cidade; e os coadjuvantes animais, sendo os mais frequentes o porco Torresmo
e a galinha Giserda (ou melhor, Giselda), às vezes demonstrando serem mais
inteligentes que o próprio Chico.
Tudo
em um típico humor caipira, valorizando a natureza e as coisas simples da vida
e seu contraste com a “corrupção” da cidade grande. E com a presença constante
de perigosos bichos do mato (como onças-pintadas), lendas populares (como
sacis, curupiras e iaras) e forte sotaque caipira carregado, o que já garante
ao leitor um exercício de português – o trabalho é corrigir as falas dos
personagens à norma culta.
Ah:
no mesmo mês em que o álbum CHICO BENTO – PAVOR ESPACIAR foi lançado, chegou às
bancas o gibi Chico Bento Moço, finalmente
mostrando o personagem e sua turma adolescentes, e em estilo mangá – até então,
ele não integrava o universo da Turma da
Mônica Jovem. No novo gibi, Chico Bento, além de ser visto crescido, já
está na faculdade, na cidade.
AGORA SIM, O PAVOR ESPACIAR
Bão.
Como dito, de todos os autores do selo Graphic MSP, Gustavo Duarte foi o único
a ter desenhado, anteriormente, para o projeto MSP 50, o personagem escolhido –
Beyruth, antes de desenhar Astronauta, fizera uma história com o Penadinho; os
irmãos Caffaggi, antes de desenhar a Turma da Mônica, trabalhara com Chico
Bento; e Shiko, antes de desenhar Piteco, desenhara o Astronauta.
No
seu projeto, ao invés de fazer um aprofundamento nas características
psicológicas dos personagens e produzir uma história mais dramática, Gustavo
Duarte optou por fazer uma historinha mais simples, com poucos personagens,
carregando no humor, na ironia, no suspense... e tudo com toques de ficção
científica. Sim, porque ele optou por fazer uma aventura de Chico Bento
envolvendo alienígenas.
Caso
não saibam, histórias com alienígenas também integram o repertório de causos
populares presentes no interior. E, com as aparições do chupa-cabras
documentadas nos anos 90 do século XX, mais ainda. Cultura popular não se
limita apenas ao que vem da Terra. O próprio Chico Bento, em seu gibi regular,
já interagiu diversas vezes com seres de outros planetas em suas histórias.
A
trama de CHICO BENTO – PAVOR ESPACIAR dá pra ser resumida em poucas palavras:
numa noite, os pais de Chico Bento saem para ver um parente, e deixam o garoto
e o primo Zé Lelé sozinhos em casa, em companhia do porco Torresmo e da galinha
Giselda. Mas, pouco depois, quando Chico vai pegar água na cozinha, acaba
deparando com um alienígena, e dos bem clássicos – despido, com cabeça grande e
enormes olhos pretos. Ao fugir, Chico só tem tempo de ver Zé Lelé sendo levado
por um gigantesco robô. O garoto, Torresmo e Giselda fogem dos alienígenas se
refugiando no milharal, mas são encontrados e abduzidos. A partir daí, a luta
de Chico Bento passa a ser libertar seus amigos dos alienígenas, que conduzem
experiências assustadoras com eles, e encontrar uma saída da nave espacial. A
pior delas foi, certamente, terem trocado os corpos de Zé Lelé e Torresmo, o
que gera um divertido diálogo entre ele(s) e Chico: por momentos, enquanto vasculham
a nave espacial, Chico tem por companhia o primo, no corpo do porquinho. E
achar uma maneira de trocar os corpos do primo e do porquinho de volta é outra
prioridade de Chico. Já a galinha Giselda vai revelar sua importância para a
trama, mesmo, no final do álbum.
Como
o álbum tem poucos textos e as ilustrações tem muitos espaços vazios – que são
imprescindíveis em se tratando de Gustavo Duarte – a leitura de CHICO BENTO –
PAVOR ESPACIAR é rápida. O tempo que você certamente despendeu para ler os
outros álbuns, o que sobra você pode usar para admirar os detalhes do traço
impactante e caricatural de Duarte – incluindo os personagens, com bocas enormes
e “cheias de dentes” – e encontrar as muitas referências à cultura pop e
mistérios da humanidade escondidas.
Vasculhando
a nave espacial, Chico e Zé Lelé / Torresmo passam por muitos cenários
diferentes, e vão encontrando muitos objetos que fazem referência a filmes,
livros, música e ao próprio universo de Maurício de Sousa. Então, quem for ler
CHICO BENTO – PAVOR ESPACIAR, tentem encontrar: o elefante Jotalhão; um
esqueleto do dinossauro Horácio; um traje do Astronauta; um jogo de xadrez
tridimensional e um sabre de luz de Star Wars; capas de gibis clássicos e de
álbuns do próprio Gustavo Duarte; objetos egípcios, que fazem referência ao
lendário faraó Akhenaton; um Michael Jackson; referências a famosos casos de
aparições de alienígenas, como Varginha e Rosswell; possíveis referências às
desaparições de aviões e navios no Triângulo das Bermudas; e referências até ao
time de futebol ao qual Duarte torce, o Esporte Clube Noroeste de Bauru (por
isso, Duarte desenhou as páginas com lapiseira de grafite vermelho, conforme
revelam as páginas dos bastidores).
Outra
coisa digna de nota é que os próprios animais chegam a ser mais espertos que os
humanos. É Torresmo, no corpo de Zé Lelé, quem salva a vida de Chico, que a
certo momento corre o risco de ser “operado” pelos aliens. E Giselda surpreende
no final da narrativa.
A
quadrinização é constituída de quadros grandes, alguns de página inteira, e os
cenários são reduzidos apenas aos detalhes necessários, dando à história um
visual dinâmico, clean, que não cansa os olhos do leitor. Nada muito rebuscado.
O roteiro da história é bem simples, dinâmico e vai direto ao assunto, sem
perder muito tempo. Desenvolve-se com calma, e evita o final apressado. Imagina
se ganhasse uma adaptação para desenho animado? Quem já está acostumado ao
trabalho de Gustavo Duarte poderá dizer que este é um raro trabalho com textos
do autor.
Apesar
de tantos pontos positivos, CHICO BENTO – PAVOR ESPACIAR ainda não tem muito
que possa superar Turma do Mônica – Laços
como o melhor álbum, até o momento, do selo Graphic MSP. Mas já ganha pela
simplicidade e por oferecer um alívio para as tramas excessivamente dramáticas
dos outros álbuns. Ganha de Piteco – Ingá
e Astronauta – Magnetar por evitar
derrapar no final.
O
álbum de 84 páginas, contando capa, completa-se com as já tradicionais páginas
presentes nos outros álbuns: introdução de Maurício de Sousa, páginas com o
making of do álbum, um texto explicativo sobre o personagem retratado e
biografia do autor. O posfácio é de Roger Moreira, líder da banda Ultraje a
Rigor.
Preços:
R$ 29,90 versão com capa dura, R$ 19,90 com capa cartonada. Completem sua
coleção, assim como eu!
Para
encerrar, os já tradicionais desenhos meus. Um deles é
uma HQ, já publicada, sobre alienígenas. Afinal, para que uma pergunta que há
muito incomoda a humanidade ser respondida, só se for pelo pretexto de que vale
a “sobrevivência do universo”... me baseei, nessa história, numa esquete do
desenho animado Freakazoid, onde
alienígenas vem à Terra só para perguntar... como é o nome da irmã da boneca
Barbie!
E a
segunda é uma leva de tiras do meu personagem “caipira”, o Teixeirão – gaúchos
dos pampas, que ainda vivem na rudeza da “lida campeira”, já equivalem aos
“jecas” do interior de São Paulo e Minas Gerais. Estas tiras iniciam um dos
mais recentes arcos de “aventuras” do meu gauchão, inéditas aqui, no Estúdio
Rafelipe. Confiram mais tiras no blog próprio dele: http://naestanciadoteixeirao.blogspot.com.br/.
Aguardem
novidades para os próximos dias.
Até
mais!
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