Olá.
Hoje
é mais um dia em que falo de quadrinhos – e brasileiros. E, desta vez, pegando
pesado.
Aos
que ainda não conhecem o homem do qual falarei, mas o qual já devo ter citado
diversas vezes, saibam que sua arte é justamente pegar pesado, e sem ter pena
de ninguém.
Apresento-lhes
Allan Sieber.
O CRIADOR
Allan Sieber, nascido em Porto Alegre, RS, em 1972, consolidou há muito uma carreira de quadrinhista, ilustrador, cartunista, editor e animador. Desde o início dos anos 90 do século XX, ele faz uso de um humor corrosivo, niilista, iconoclasta, cheio de crítica social e comportamental, num traço característico de cartum. Ou, segundo a apresentação de um de seus álbuns, “se a função do humorista é mostrar que o rei está nu, Allan vai além e diz que o piiih do rei é pequeno. Não há perdão e não se fazem prisioneiros (...). A metralhadora atinge todas as classes sociais, profissões, religiões ou sexos (inclusive alguns criados recentemente), sem problemas de virar o cano contra si mesmo”.
Como
cartunista e ilustrador, ele já colaborou com muitas revistas e jornais
nacionais e estrangeiras. Só para citar alguns: jornais O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e Pasquim21, revistas Trip,
Bundas, SET, General, Superinteressante, Mundo Estranho, Playboy, Sexy, Lápiz
Japonés e Suelte-me! (estas,
ambas da Argentina), Comix 2000
(França), Complot (México) e Vacuum (Finlândia).
Sua
primeira experiência como editor foi a criação da revista Glória, Glória, Aleluia!, publicada pela editora ADM (Agentes do
Mal) em 1993. Os outros três números, de um total de quatro, foram publicados,
até 1997, pelas Edições Tonto. Glória,
Glória, Aleluia! foi vencedora de dois HQ MIX, em 1995 e 1997.
Em
1996, ele começa a publicar uma de suas principais tiras, Bifaland, no Caderno Zap
do jornal O Estado de São Paulo. Bifaland foi publicada até 1997, e em
2001 começou a sair pelo jornal Folha de
São Paulo, pelo qual também começa a publicar, mais tarde, a série Preto no Branco (que, como o nome
entrega, é em preto-e-branco e com um humor mais ácido e violento, contrastando
com o restante de seu trabalho, colorido mas não menos violento).
Em
1997, pela Edições Tonto, de Porto Alegre (RS) que ele ajudou a fundar, ele
publica, pela coleção Mini Tonto, o seu primeiro álbum solo, As Piadas Vagabundas do Steven. Dentro
da coleção, ele ainda publica, no ano 2000, o mini-álbum As Últimas Palavras. Ainda em 1997, Sieber ganha seu primeiro HQ
Mix, como Desenhista Revelação (entregue junto com o segundo HQ Mix para a
revista Glória, Glória, Aleluia!).
Em
1999, no Rio de Janeiro (onde reside até hoje), Sieber, junto com Denise
Garcia, cria a produtora de desenhos animados Toscographics, responsável por
fazer vinhetas animadas para programas da Rede Globo e curtas animados escritos
e dirigidos por ele. Ainda em 1999, Sieber lança seu primeiro curta-metragem
animado, Deus é Pai, que recebe o
prêmio da crítica e do júri do Festival de Cinema de Gramado, RS.
No
ano 2000, ele lança, dentro do caderno Folheteen
do jornal O Estado de São Paulo, a
série Vida de Estagiário. Em 2005, é
lançada a primeira compilação das tiras pela editora Conrad. Ainda no Folheteen, Sieber lança a tira The Mommy’s Boys. Ainda em 2000, ele
lança seu segundo curta-metragem pela Toscographics, Os Idiotas Mesmo.
Em
2001, outro curta-metragem animado: Onde
Andará Petrúcio Felker.
Em
2002, ele colabora na coletânea Dez na
Área, Um na Banheira e Ninguém no Gol, lançado pela Via Lettera – 11
artistas produzindo histórias sobre futebol.
Em
2003, a Toscographics lança o curta-metragem de documentário Jonas, escrito e dirigido por Sieber. E
o cartunista ainda dirige os trechos de animação do cult-movie O Homem que Copiava, de Jorge Furtado.
Em
2004, mais um curta de documentário, Superstição.
E, em formato independente, junto com Arnaldo Branco e Leonardo, Sieber lança a
Revista F., humorística. Durou quatro
números bimestrais – sendo o último editado pela editora Conrad, que, no mesmo
ano, lança o primeiro álbum compilando as tiras de Preto no Branco.
Em
2005, além do álbum de Vida de Estagiário,
Sieber lança, pela editora Casa XXI, o álbum Sem Comentários, vencedor do HQ Mix de Melhor Livro de Cartum.
Nesse mesmo ano, Sieber assina a direção de arte do documentário Sou Feia, Mas Tô na Moda, dirigido por
Denise Garcia, sobre as mulheres do funk carioca.
Em
2006, sai seu primeiro álbum de cartuns pela editora Desiderata, Assim Rasteja a Humanidade. E um novo
curta de animação pela Toscographics, Santa
de Casa, baseado em conto de Aldir Blanc, que também fez a trilha sonora.
Em
2007, pela Desiderata, outro álbum, Mais
Preto no Branco. E abocanha mais um HQ Mix, de Melhor Cartunista.
Em
2008, outro curta de animação, Animadores.
E, para o Canal Brasil, Sieber e amigos produzem o programa de variedades Negão Bolaoito Show, que durou 52
episódios.
Em
2009, mais um álbum pela Desiderata, É
Tudo Mais ou Menos Verdade, vencedor do HQ Mix do ano seguinte de Melhor
Publicação de Humor.
Em
2010, um novo álbum, menos humorístico: Ninguém
me Convidou, feito em parceria com o pai, Joulralbo Sieber. E colabora no
álbum MSP + 50 – Maurício de Sousa por
Mais 50 Artistas (Panini), segundo volume do projeto em homenagem aos 50
anos de carreira de Maurício de Sousa.
Em
2011, Vida de Estagiário ganha uma
adaptação para uma série de TV, pela Produtora Glaz e exibido inicialmente pela
TV Brasil – e, em 2013, os 13 episódios passaram a ser veiculados pelo canal
Warner Channel. Ainda em 2011, Sieber e amigos produzem para o Canal Brasil o
programa Trash Hour.
Em
2012, para o Canal Brasil, a Toscographics produz os 13 episódios da série Tosco TV, adaptando séries de cartuns de
colegas cartunistas.
Seus
mais recentes álbuns foram lançados agora em 2014, pela Mórula Editorial: A Vida Secreta dos Objetos, novo álbum
da série Preto no Branco, e Perca Amigos, Pergunte-me Como. Enquanto
isso, está produzindo a websérie A Última
Loja de Discos, para o site GShow.
Está
em fase de finalização – bem, não sei se já foi lançado – o documentário Pereio, Eu Te Odeio, sobre o ator Paulo
César Pereio, escrito e dirigido por Sieber.
A CRIATURA ESCOLHIDA (SÓ QUE NÃO)
Bão.
Para falar de Allan Sieber, a coletânea que escolhi foi justamente o álbum VIDA
DE ESTAGIÁRIO, lançado pela Conrad em 2005, compilando alguns dos cartuns
publicados pelo jornal Folha de São Paulo,
dentro do caderno Folheteen.
Dos
personagens fixos de Allan Sieber – onde também se incluem os mimados músicos
de The Mommy’s Boys e o boa-vida Afrânio Mendes, publicado na revista Playboy – o pobre estagiário Oseias é o
mais marcante. Porque Sieber o utiliza para criticar o ambiente corporativo das
empresas, situação pela qual ele próprio já passou – bem, na verdade não como
estagiário, mas como office-boy, o que é praticamente a mesma coisa, segundo a
introdução do álbum.
Bem,
nos dias de hoje já existe uma legislação com o intuito de conceder mais
benefícios aos estagiários em empresas. Mas não em 2005, quando a tira foi
lançada.
Segundo
Sieber – e não está longe da realidade, infelizmente – o estagiário ocupa a
base da cadeia alimentar corporativa: é ele quem arca com a maior parte do
serviço, é ele o faz-tudo da empresa, é ele quem leva a maior parte dos xingões
dos chefes, é ele o mais verme por ainda não ter diploma. Naquela base: 99
acertos, nenhum elogio; um erro, gritos e risco de demissão. E ainda ganhando
uma mixaria no fim do mês, isso quando recebe alguma remuneração. Mas o coitado
precisa passar por pelo menos três anos dessa provação – e lamber os dedos – se
quiser ser efetivado na empresa e assim se igualar aos outros. Sem falar na
tremenda injustiça presente no ambiente corporativo, onde os que ganham mais
seguiram dois caminhos: ou bajulam o chefe, ou dormem com ele.
Bem,
eu também já passei por isso, amigos, pela provação chamada estágio. Na
faculdade, para cumprir a carga horária de curso; e no serviço público, como
concursado. Bem, não como descrito acima, pois meu estágio foi em um colégio,
como professor, onde em tese não há a parte da bajulação aos chefes ou dos
xingões – professores, antes de tudo, são uma classe unida quando o assunto é o
descaso do governo. E hoje eu tô feliz, mais do que feliz, pois agora consegui
a estabilidade no serviço público. Mas já senti na pele o que é não ter
regalias por carregar na testa o selo de “estagiário”.
Pois
bem. Oseias de Souza, o personagem principal da tira, com seu topete e sua
barbichinha, nasceu para sofrer, parece ter nascido para ser verme. Nascido, em
suma, pra se piiih. Ou ao menos é o
que pensam seus colegas de trabalho da agência de publicidade Almeida, Bronson
e Lewis (AB&L), onde o coitado trabalha feito um condenado, leva horas para
xerocar uma pilha de folhas, leva mais horas para sair da fila do banco, é
vítima de zombarias por parte dos colegas (se não pela agência inteira) por não
ter diploma, ganha uma ninharia no fim do mês e está à mercê do chefe, o
troglodita Almeida, sempre com o charuto na boca. Se reclamar, se não levar um
grito, Oseias corre o risco de ter a cabeça afundada na privada do banheiro.
Pior
de tudo: o coitado diariamente só recebe palavras desmotivacionais dos colegas,
inclusive do cupincha de Almeida, Paulinho, como se ele nunca tivesse a chance
de evoluir. A palavra de Oseias nunca conta para os outros. Sua opinião não
interessa ninguém. Só lembram dele na hora de ir buscar o café. Além de faz
tudo, o pobre Oseias serve como saco de insultos dentro da empresa. O tipo de
cara que ninguém quer ver se dar bem – no mínimo, antes dos outros.
Eu
disse NINGUÉM. Porque, na condição de estagiário, Oseias não tem chance de
fazer sucesso com as mulheres, e leva zombaria até de quem não faz parte da
empresa, incluindo o próprio pai e o irmão mais velho, e o pai da namorada,
Juliana. Talvez a alma mais condescendente com o coitado seja a namoradinha,
Juliana. Apesar de ser praticamente a única a dar palavras de incentivo a
Oseias, ela não parece confortável em sair com um estagiário...
Ara,
não se preocupem, não: a vida de Oseias não é feita só de sofrimento. Afinal,
estamos falando de uma tira cômica. Ele reclama, sim, mas sabe levar as coisas
na esportiva – inclusive os almoços à base de fast food em restaurantes pouco
higiênicos. Há situações em que ele pode se sentir feliz e útil dentro da
empresa – ainda que seja só para buscar o café. E, apesar das frases
desmotivacionais, ele alimenta o sonho de se dar bem como quadrinhista,
rabiscando pequenas HQ nos intervalos do extenuante ambiente de trabalho. E
mais: dando pequenas e cafajestes dicas de como se dar bem no ambiente de
trabalho. Mas se o próprio Sieber tivesse pena de Oseias... possivelmente a
tira perderia toda a graça.
Em
certos momentos, a tira é realmente engraçada. Mas em outras, não tem como não
sentir pena de Oseias – daquelas tiras que você lê uma vez e pula quando
folheia de novo o álbum. Tudo para que Sieber consiga desmontar aquela máxima
passada de que o trabalho enobrece o homem. Talvez já tenha havido uma época em
que essa frase era verdadeira, em que o ambiente corporativo parecia menos uma
selva.
O
álbum, medindo 23 x 21 e com 104 páginas (sem contar capa) reúne parte das
tiras publicadas até 2005. Como tem mais tiras depois desse ano, Sieber já está
devendo um segundo volume. E nem todas as tiras tem o mesmo layout. Nas
primeira tiras, sempre começa com o “logotipo” da série, um quadrinho com
Oseias no chão, após escorregar numa casca de banana, e pessoas a seu redor
rindo dele. Pouco depois, Sieber brinca com o título da série, a la Will
Eisner, escrevendo o nome da tira de diferentes maneiras – dentro de quadrinhos
numa página de HQ, entalhado numa árvore, escrito com maionese, dentro de
dentes numa grande boca, com a cabeça de Oseias no lugar de uma das letras... E
ainda algumas das tiras são feitas na forma de uma página de passatempos, com
pequenas atividades absurdas com soluções “surpreendentes”. E ainda podemos ver
pequenas amostras dos “quadrinhos” feitos por Oseias. E sua história de
“origem”, exclusiva para o livro, contando o que Oseias fez quando entrou para
a AB&L. E, no final, um caderno de esboços de Sieber para a série.
Oh:
o álbum também reúne pequenas colaborações. Sieber colheu depoimentos
engraçados de gente que era estagiária na época de lançamento do livro, com os
nomes trocados para proteger a identidade dos colaboradores – e textos cheios
de palavrões. Confirmando que as situações vividas por Oseias não estão longe
da realidade. E também uma pequena colaboração do pai de Allan, Joulralbo
(antes do álbum Ninguém me Convidou). Foi este quem desenhou os cartuns da
série Estagiários Históricos, mostrando os estagiários de grandes
personalidades.
É
Sieber como a gente conhece bem: traço humorístico e feito com calma,
engraçado, cheio de vida e movimento. E quase todo feito à mão. Sieber, ainda
hoje, é um dos poucos cartunistas que não se entregou à patifaria do Comic
Sans: faz os balões e textos a mão.
Oh:
como eu disse há pouco, VIDA DE ESTAGIÁRIO também ganhou uma série de TV! Os 13
episódios, estrelados por Thomas Huszar (Oseias) e Fábio Esposito (Almeida),
foram produzidos pela produtora Glaz, veiculados inicialmente pela TV Brasil,
em 2011, e depois, cumprindo as cotas de programação nacional da TV paga, pela
Warner Channel, em 2013. Não sei dizer agora se ainda está passando em um
desses canais.
Bem,
é isso a dizer. O álbum ainda pode ser encontrado com alguma facilidade. Fique
atento às prateleiras de descontos da sua livraria.
Para
encerrar, não tendo mais o que colocar, vou deixar aqui mais uma sequência das
tiras mais recentes do Teixeirão, gaúcho assim como Sieber. E, assim como ele,
não me entrego facilmente à patifaria do Comic Sans: no computador, só faço os
retoques no desenho e as cores. As letras e balões, prefiro fazer à mão – com
isso, a história fica menos artificial. Funciona com outros cartunistas, mas
não comigo.
E
estas tiras não estão sendo – eu próprio reconheço – as minhas melhores tiras.
Ultimamente, para fechar os arcos mais recentes, sinto que esteja desandando
meu humor... buá!
E,
por enquanto, estamos conversados.
Até
mais!
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