domingo, 18 de junho de 2017

MACÁRIO - Capítulo 11: Pesadelo Repetido

Olá.
Só esta semana consegui me "desenrolar" dos trabalhos que peguei nos últimos meses. Enquanto preparo material para publicar no blog e compensar o tempo perdido... Bem, um material, para movimentar o blog, já foi preparado: um capítulo inédito de meu folhetim ilustrado quinzenal, MACÁRIO. É o terceiro capítulo seguido. Mas vou tentar ajeitar isso.
AVISO: leitura não recomendada para menores de 18 anos. Contém cenas de sexo, referências implícitas à masturbação e cenas de vampirismo e agressão.



Quanto tempo estava fazendo que Maura e eu estávamos fazendo amor? Quatro, cinco horas? Perdi a noção do tempo. Até mesmo o quarto onde estávamos sumiu, só havia o colchão e as cobertas ao nosso redor, nenhuma parede, nenhuma mobília. Nem me importava, na verdade. A única coisa da qual estava ciente, ao meu redor, era da janela, por onde entrava a luz do amanhecer, através das venezianas fechadas. Fora isso, só estava ocupado em beijar cada centímetro do corpo da bela enfermeira. Estava com tanta saudade daquele corpo, daqueles seios se esmagando contra meu tórax, daquela cintura fina, daqueles cabelos pretos, daquelas pernas torneadas apertando meu quadril na posição de lótus, daqueles braços me envolvendo e me espremendo. E ela gemia, gemia, me apertando forte contra ela, sussurrando:
- Aaah, Macário... Eu te amo...
- Maura, aaahhhh... – respondi.
O prazer não demorou a vir. Abro os olhos, desvio um momento meu olhar dos olhos de Maura...
E vejo, assustado, na beira da cama, um vulto. Um vulto negro, alto, parecendo um gigantesco morcego. Eu consegui reconhecer: era o mesmo vulto negro que me atacara há quase uma semana! O vampiro! Maura também se vira e leva um susto.
A figura estava envolta em escuridão e vapores. Duas coisas eram distinguíveis no meio daquela massa negra e ereta: dois olhos vermelhos e um cabelo claro. Aí, uma terceira coisa começou a brilhar: os dentes pontiagudos, evidentemente sedentos de sangue.
De entre os dentes, saiu uma voz cavernosa, dizendo:
- Não esqueça que às seis horas você tem de estar no bar, Macário. Ou então...
E, no segundo seguinte, a massa escura saltou para cima de nós dois, antes que pudéssemos reagir. Maura soltou um grito agudo. Eu só tive tempo de gritar um “NÃÃÃÃÃOOOOOOO...” antes de sentir duas agulhadas no pescoço... e...

Abri os olhos.
Estou deitado em uma cama, e é o que podia dizer naquele segundo.
Viro a cabeça. Visualizo um relógio – que não é meu, e eu conheço bem o meu despertador. E ele marcava 16:00, em ponto – quatro horas da tarde.
Levanto assustado. Onde eu estou? Eu estou... cadê?! Maura?! Onde você...
Começo a distinguir o local onde eu me encontrava, sob uma forte luz que vinha de uma janela ao lado da cama, as venezianas escancaradas, mas com cortinas fechadas filtrando o excesso de claridade. Não parece ser o meu quarto! Parece ser a...
A memória começa a funcionar como deve funcionar. Ah, é, a Maura me convidou para vir ao apartamento dela! Primeira vez que eu ia, com a garota, para uma cama que não era minha. Então este deve ser o quarto dela!
Fico em pé. Estava nu, minhas roupas estavam no chão, minha mochila encostada em um canto do roupeiro. Mas nem Maura, nem as roupas dela, estavam ali. Ela deve ter saído, afinal eram quatro da tarde, e me deixou dormindo, ciente que ela era de meus hábitos noturnos. Na primeira vez que saímos, revelei meus hábitos sem censura. Aí, escuto: bem perto, um barulho de água escorrendo. Ah, a Maura deve estar no banho. Bem, eu não me vesti imediatamente: antes fiquei olhando para o quarto, cada elemento distinguível na luz diurna.
O quarto de Maura era muito diferente do meu. Havia os elementos de costume, cama, guarda-roupa, uma pequena cômoda onde se apoiava um rádio-relógio, escrivaninha com uma cadeira; mas os modelos eram diferentes. Era tudo revestido com uma pintura azul, com variações de tonalidade – um azul mais escuro na armação do roupeiro, por exemplo, destacando o azul clarinho das portas. Azul, como a calcinha que ela me mostrou, “sem querer”, ontem, na rua. Azul como a roupa que ela estava usando ontem. Até a cadeira na escrivaninha foi pintada de azul-celeste. E até o piso revestido era azul.
As paredes, para contrastar, eram brancas, e havia pôsteres pregados. Retratos de artistas de tevê – mais típico de adolescentes. Mas Maura tinha um jeito de moleca, de mulher recém-saída da adolescência alienada... Em contraste aos retratos, havia, na parede, sobre a escrivaninha, um grande pôster com a anatomia humana. Diversas partes do corpo humano, com seus respectivos órgãos especificados em legendas. Sistema muscular, esqueleto, sistema digestivo, sistema circulatório, sistema excretor, sistema reprodutor... Sim, aquilo tudo é familiar para mim, que sou estudante de medicina. E devia ser natural que Maura tivesse esse interesse em ter diagramas anatômicos em seu quarto, contrastando com os pôsteres de artistas; afinal, ela trabalhava no hospital, era enfermeira. E os desenhos anatômicos eram feitos por um artista de competência, retratando cada detalhe mínimo da anatomia humana com perfeição – embora o quadro fosse destinado a estudantes dos ensinos fundamental e médio, só o básico de cada organela era especificado nas legendas.
Fiquei um tempo olhando para aquele diagrama, sentindo, não sei por quê, um pequeníssimo espasmo no baixo ventre (uma vontade de ir ao banheiro se manifestando?), talvez porque, desviando um momento os olhos do quadro, havia um livro aberto sobre a escrivaninha, em uma página onde aparecia uma mulher nua – também era um guia ilustrado de anatomia – quando ouço uma voz que atinge meus ouvidos pelo lado, e me assusta:
- Gostou do meu diagrama do corpo humano, Macário?
Olho para o lado. Era Maura, na porta do quarto, de calcinha e sutiã, ambos azuis (mas evidentemente não os mesmos que estava usando ontem) e um sorriso gaiato, com o ombro apoiado na beira da porta, e um braço para cima, em pose sensual.
- Ah, Maura. – foi o que consegui responder. Aí lembrei que eu estava completamente nu, de pé, no quarto de uma garota. Tinha apenas as mãos para cobrir a virilha.
- Acordou, afinal, Macário. São quatro da tarde, sabia?
- Eu sei. – disse, olhando para o relógio sobre a cômoda. – Que horas você acordou?
- Eu estou de pé desde as dez da manhã, e fiz um monte de coisas – até almoço. Deixei um pouco para você, aliás. Mas e você? Dormiu até as quatro da tarde, na minha cama! E só porque fiquei com pena de te acordar...
- Mas quatro da tarde é normal para mim. Eu trabalho durante a madrugada.
- Ah, é mesmo. Macário, a criatura da noite, o quase vampiro. No meu apartamento. E isso que hoje é sábado.
- Veja só quem fala de criaturas noturnas... Você, que foi capaz de sair de casa, de madrugada, mesmo sabendo que poderia ser atacada, só para me procurar.
- Eu é que devia estar te censurando, por estar aí, peladão, de pé no meu quarto, com as mãos no “pirulito”...
Já estava tendo uma leve ereção, mesmo, mas não me atrevi a mostrar a Maura.
- E você, que está aí, só de lingerie, às quatro horas da tarde?
- Estava no banho. – de fato, ela estava com o cabelo úmido e exalando um agradável perfume de sabonete. – Além do mais, que problema tem? O apartamento é meu, só meu, não divido com mais ninguém, fico como quiser. É só fechar as cortinas.
- É assim que você passa os fins de semana? Bem à vontade?!
- Não tão à vontade quanto você está. Peladão, feito um índio, as mãos aí no “peru”. Talvez prestes a “descascar uma mandioquinha” em me ver assim, à vontade. Vai mesmo sujar o chão do meu quarto de p(...)? – retruca, dando uma risada maliciosa.
Índio? Aí, olho para meu peito, e me dou conta de uma coisa:
- Onde está o meu colar?
- Ah, o teu colar do índio? Está aqui.
E me alcança, de cima da escrivaninha, o colar, que eu não tinha visto, apesar de estar bem na minha frente. O apanhador de sonhos que ganhei do pajé a quem salvei a vida. Ela mesma coloca em meu pescoço. Me lembro, então, de Viridiana. Ela fez a mesma coisa comigo ontem.
- Já passa de quatro horas da tarde. – diz Maura.
- Só falaram para você. OK, vou me vestir.
Procurei por minha roupa espalhada pelo quarto. E Maura ficou me olhando colocar a cueca e a calça. Quem sabe ela que não estivesse agora “descascando uma cebolinha” enquanto estava me vendo nu, e agora me vestindo. Só para trocarmos frases de duplo sentido.
Uma lembrança voltou à minha memória: preciso estar no bar às seis da tarde. Não porque o vampiro do meu sonho – terá sido sonho mesmo? – falou. O patrão é que falou que eu ia ser treinado para operar uma máquina de chope que a gangue dos “monstros” ofertou ao bar. Eles fazem questão que eu seja o responsável por encher as canecas.
Fiquei me perguntando também se o que acontecera antes, no sonho, também foi sonho: nós dois fazendo amor há horas, Maura dizendo que me amava... A cada dia, a cada garota com quem me deitava, minha sanidade estava sendo cada vez mais questionada.
- E aí, Macário, já vai indo? – Maura diz, me abraçando por trás, pressionando os seios em minhas costas, quando eu só havia pego a camisa do chão para vestir.
- Lembrei de uma coisa, Maura. O dono do bar disse para eu estar lá às seis horas.
- Seu trabalho, né? Ah, mas o bar é perto, não? Por que não fica mais um pouquinho aqui? Ainda é cedo, dá pra ficar mais uma horinha...
- Se me permitir tomar um banho no seu banheiro, e se tiver algo para eu comer neste apartamento... – disse, me recordando que sequer tomei café, meu estômago roncava.
- Que tal eu? – sussurrou Maura no meu ouvido.
- Você?!
- Ah, Macário, eu tive tão pouco até esta manhã... Você apagou depois da terceira... – disse, já tentando colocar a mão dentro de minha calça.
- E não se satisfez?!
- Nããããão...
- Pô, Maura. Eu trabalhei muito na noite passada, e agora vão me colocar para trabalhar hoje, também...
- Pô, Macário. Teu compromisso é às seis, então dá tempo de...
E, dizendo isso, tirou o sutiã.
- E aí, não sou gostosa o bastante para ser comida?! – falou, se oferecendo. – Precisa de sal?!
Acabei sugando os lábios, como sempre fazia quando uma garota linda se desnudava diante de mim.
É, dá tempo. Não era nisso que eu estava pensando quando perguntei se tinha algo para comer, mas... ela tinha razão. Eu estava me imaginando, me masturbando na frente daquele quadro anatômico, olhando a Maura naquela lingerie azul, tão sexy e oferecida. Sujando o quadro com meu “leite”.
Não, que quadro, o quê. Vou soltar “leite” nessa mulher, mesmo. Espero que tenha sobrado camisinhas, Maura, se não gastamos todas as que você tinha durante a madrugada...
Joguei Maura na cama. E a calça que eu tinha recém posto, foi novamente ao chão.
- Chega de estudar anatomia nesses diagramas sem graça, Macário. Aqui tem um corpo melhor para você “estudar” mais um pouco...
Oh sim. SIM!

Era a quarta em um espaço de... quanto tempo mesmo? Perdi de novo a noção do tempo.
- Aaah, Macário... Eu te amo... – gemia Maura, em meus braços, em estado de orgasmo.
- Maura... – falei, beijando mais uma vez os seus seios.
Quanto tempo ficamos nessa? Será que já anoiteceu? Será que já é noite?! Escuro está, mas é o crepúsculo ou é a noite total?
Lembrei que tinha de ir para o bar, e...
Ah, que se dane o bar, vou ficar aqui, neste apartamento, neste quarto, fazendo amor com a Maura até segunda-feira, enquanto os artistas dos pôsteres ficam “descascando a mandioquinha”, nos olhando. Porque a Maura, antes de tudo, é gostosa, tem pele macia, e...
Mas aí, vejo, de novo, o vulto ao lado da cama. O mesmo cabelo claro, os mesmos olhos vermelhos, mas desta vez expressando fúria. Os dentes pontiagudos brilharam naquela massa escura, mas, desta vez, saiu uma voz:
- Como ousa nos deixar esperando?!
E o vulto avançou, primeiro para cima de Maura, a “culpada” por tudo. Ela solta o grito agudo.
- E tudo para quê?! Pra ficar f(...) com a garota!!
- Macário, s...c...rr... – falava Maura, com dificuldade, tendo seu pescoço apertado por uma mão branca.
- Nós marcamos às seis Macário! Às seis!!! – gritou o vulto.
- Macário, socorro!!! – conseguiu gritar Maura, mas o vulto cravou os dentes no pescoço dela. Ela deu um grito gorgolejante.
Fiquei olhando, paralisado.
Depois, Maura foi sumindo, aos poucos, nua, no meio da massa escura, sendo devorada por aquele monstro.
- Solta ela, seu...!!! – finalmente reagi.
Avancei para cima do vulto, mas este estendeu duas mãos brancas e frias no meu pescoço e começou a me estrangular.
- Nós marcamos às seis, Macário! Como ousa nos deixar esperando?! Por que não veio servir chope para nós?! Sabe o trabalho que tivemos para instalar aquela máquina?!
O ar começou a faltar. Já estava sentindo meu pescoço ser arrebentado por aquelas mãos fortes como aço... Ele vai arrancar a minha cabeçaaaaahh...
A última visão que tive era a do cabelo dele, loiro, repicado em cima, estranhamente familiar...

Abro os olhos, assustado.
Onde estou? Eu estou morto?! Eu estou...
- Macário, que houve?!
Olho em redor. Oh! O mesmo quarto de móveis azuis, os pôsteres de artistas... Não havia vulto nenhum na beira da cama. E Maura estava... estava deitada sobre mim, nua, e inteira. Não fora devorada. E eu... estava vivo! Suado, assustado, mas vivo! Minha cabeça ainda estava no corpo! Eu ainda estava respirando!
- Macário, que houve?! – repete Maura.
- N... nada... eu... eu tive um pesadelo. Eu...
- Pesadelo, Macário? Mesmo com o colar no seu pescoço? Isso aí deveria era te ajudar a evitar pesadelos, não é?
Eu tinha feito amor com a Maura novamente, e usando o colar do pajé.
- Olha, Macário... eu estava deitada em cima disso aí, e olha só...
Maura me mostrou seu colo. No espaço entre o pescoço e os seios, estava a marca do apanhador de sonhos. Aquelas marcas que ficam na pele quando ficamos muito tempo com um objeto pressionado sobre ela. Logo sumiria. E ficou bem marcado, ali, a argola, a teia de barbante, a pedrinha no meio. Mas já tem seu significado, o fato de eu ter deixado uma marca sobre a pele daquela garota.
- Esqueci de tirar o colar, Maura...
- Está tudo bem, Macário.
- Que horas são?
Olho para o relógio: cinco da tarde em ponto.
- Oh! Quanto tempo ficamos...?
- Puxa vida! Só cinco horas?! – diz Maura. – Foi tão rapidinho, Macário...
Ela começou a se abraçar a mim, querendo mais. Mas algo dentro de mim dizia que eu tinha de ir agora. Começo a lembrar do pesadelo: eu tenho de estar no bar às seis. Me levantei, e procurei minha roupa.
- Macário?
- Tenho de estar no bar às seis, Maura. Vou ter de ir.
Ela me olhou com um olhar triste.
- Puxa, Macário, mas pra que a pressa?! Quer logo se livrar de mim?! Eu sou apenas a garota da semana?!
Vi uma lágrima em seu rosto.
- N-não, Maura. – tentei manter a calma. – Não é que eu queira... hum... me livrar de você. Foi uma noite agradável, não posso negar. Devíamos fazer mais vezes. Ao menos sei onde você mora, posso vir te procurar. Mas... eu tenho de ir, mesmo. Algo me diz que vou estar encrencado se eu não estiver no bar às seis.
- Bem, você é quem sabe, Macário. Mas essa sua atitude é muito estranha.
- Estranha, como?
- Você não está agindo como o Macário que eu... hum... conheci.
Olhei para Maura, ali, nua, sentada sobre os pés, na cama, e não resisti em dar uma resposta dura ao que ela disse:
- Você que não esteve agindo como a Maura que eu conheci.
- Eu?! – ela pareceu ter sido agredida.
- Anh... desculpe, Maura. – perdi o jeito. – Aconteceram tantas coisas, ultimamente. O ataque do tal vampiro, a Valtéria machucada, os “monstros” que estão frequentando o bar... Eu mesmo estou com minha vida virada numa “coisa” só. E sem tempo para colocar a cabeça no lugar. Em outro momento a gente conversa melhor, tá legal? Talvez eu volte aqui mais tarde, talvez não... mas voltaremos a nos ver, viu?
- Ah... claro, Macário. Entendo. Digo, eu sou só uma enfermeira, não sou psiquiatra, mas devo entender que não está sendo fácil para você. Quem sou eu para me meter nos assuntos de meus pacientes?
- Hum.
- E as marcas das dentadas no seu pescoço, Macário... estão aparentes. Bem aparentes.
- É, eu sei.
- Estão meio mal cicatrizadas, estão bem visíveis.
- É, eu reparei.
- E são marcas de dentada, Macário. Há um vampiro à solta na cidade.
- Acredito, Maura. E como acredito.
- E, sei que pode parecer esquisito, Macário. Se você ainda não se transformou em vampiro... talvez o vampiro volte para completar o “serviço”. Ele pode ter sugado só uma parcelinha do teu sangue. E, se ele ver que você sobreviveu, ele vai... ele vai voltar para te pegar de novo.
As lágrimas começaram a escorrer.
- Pode parecer loucura, Maura, mas acho que você tem razão. Também andei pensando nessa possibilidade.
- Macário...
E ela se joga em mim, e me tasca um beijo. Um beijo prolongado. Eu vestido, ela nua. Ao fim de um longo minuto com os lábios colados aos meus, ela olha em meus olhos, triste, temerosa.
- Por favor, Macário. Se cuide.
- Vou me cuidar, Maura. Vou sim.
- Eu te amo. Diz que vai voltar pra mim. Diz que não vai morrer...
Eu queria, por dentro, responder que também a amava, mas resisti. Estaria indo longe demais.
- Não se preocupe comigo, Maura. Eu sei me cuidar. Além do mais, eu só vou para o bar, aqui perto. Ainda é dia. E nada de mau haverá de acontecer, os “monstros” são bem-educados, ordeiros, acho que dificilmente deixariam as coisas saírem do controle.
- Macário...
- Obrigado pela noite. Não haverei de esquecê-la. Foi tão agradável quanto aquela primeira vez, embora você não tenha vestido aquela roupinha de enfermeira.
Ela deu um meio sorriso.
- Se voltar aqui hoje, eu visto. Ainda estou com ela.
- Maura.
E ela volta a me olhar com o olhar tristonho.
- Eu te amo...
- Posso te pedir uma última coisa? – interrompi.
- Pede...
- Me sirva uma comida? Estou faminto. E... comida de mastigar e engolir. Também me permite usar seu banheiro?

Maura estava temerosa por mim. E eu estava temeroso por ela. Digo, fiquei temeroso por ela ao lembrar os pesadelos que tive entre os cochilos.
Maura, vestida de calcinha, sutiã e avental, esquentou para mim o restante do almoço de hoje: bife acebolado e fritas. As batatas aquecidas no micro-ondas ainda tinham crocância, mesmo às cinco da tarde (evidentemente fritas ao meio-dia, amolecendo com o correr das horas). Mesmo que tivessem ficado moles, não iria recusar – afinal, acordei às quatro, não havia almoçado, ter sido “puxado” para a cama pela sensual Maura me dera mais apetite, para fome não existiam caprichos. E eu tinha de sair para trabalhar. Até tomei um rápido banho antes, com a concordância da anfitriã, em seu banheiro.
Fui mastigando, distraído. Estava ótimo, Maura sabia cozinhar. E fiquei também observando-a, sentada próxima, me olhando com um olhar temeroso. Como se eu tivesse sido condenado à morte, a ser executada no momento em que eu pusesse o pé fora da kitchenette.
Ela havia voltado a se apaixonar por mim. Será que era desde que fiquei hospitalizado? Afinal, ela era a enfermeira responsável enquanto estive inconsciente, depois de ter sido atacado. Foi a primeira pessoa que avistei depois que acordei. Me reconheceu e eu reconheci, depois de um ano de nosso primeiro e breve encontro. Embora também tivesse zombado, levemente, de meu estado de saúde, ela estava preocupada comigo.
Mas eu não poderia corresponder a esse amor, se é mesmo amor o que ela sentia por mim, diferente dos sentimentos que observei com Viridiana e Valtéria. Não poderia dizer que também a amava. Porque não era da minha natureza. Eu, tão acostumado a deitar com uma garota a cada fim de semana, não poderia corresponder ao amor de uma, mesmo que tivéssemos saído mais de uma vez. E essas relações estão envolvendo uma anormal quantidade de sexo – essas garotas estão se enroscando em mim de uma maneira que até me assombrava. Não que eu esteja reclamando, só acho estranho as garotas, ultimamente, virem a mim tão sedentas de sexo. Só espero que nenhuma das camisinhas que usamos esteja furada, Maura.
Havia uma razão de ser nessa afeição de Maura, e na minha preocupação com ela. Nas duas vezes que cochilei após a transa, tive pesadelos. O vampiro voltara para me pegar, e também pegara Maura. A cada vez, as feições da criatura começavam a ficar mais nítidas. Eu sei que já havia visto aquele cabelo claro em algum lugar. Onde? Eu sei que já havia visto aquele penteado em algum lugar. Mas agora não consigo lembrar direito...
Talvez mais algumas noites de pesadelos, e eu conseguiria distinguir as feições da criatura que estava conduzindo minha vida à desgraça (?). Sei que seu cabelo era claro, e estava penteado repicado em cima, um meio mullet.
Será que o vampiro fazia parte da gangue dos “monstros”?! Talvez seja isso, pois o vampiro me atacou porque eu não servira chope para ele. E ele me lembrou do compromisso das seis horas. Então... não. Talvez seja só uma mistura de imagens mentais. Há mesmo vezes em que mais de uma imagem, fixada em nossa mente, se manifesta em nossos sonhos, mesmo que de maneira aleatória, fora do contexto de uma ou outra. Podia ser isso. Talvez precisasse procurar um psiquiatra. Tantas coisas estavam acontecendo.
Não se preocupe, Maura. Não fique me olhando com esses olhos tristes. Eu vou ficar bem. Vou servir chope no bar e... o que pode dar errado?

Termino de comer. Agradeço e saio com pressa da kitchenette de Maura, mas não sem um último beijo, e uma promessa de que voltaria ainda hoje para vê-la. E corro para o bar, que fica a poucos passos do prédio. A luz do sol do crepúsculo tentava desviar dos prédios.
Apareci na porta do bar. Já eram quase seis horas em ponto. E havia gente dentro do bar. As cadeiras viradas sobre as mesas, o bar não havia aberto. Mas havia gente.
Uma delas era o patrão.
- Ah, Macário, aí está você, rapaz. Venha logo. Os rapazes já terminaram a instalação da máquina. E parecem apressados, e ansiosos para te ver.
Fui para o balcão, onde estavam concentradas diversas pessoas. Reconheci: eram da gangue dos “monstros”. Não haviam feito questão sequer de mudar o estilo de vestir, os penteados...
Sobre o balcão, foi instalado um sistema com três alavancas ligadas a torneiras e mangueiras – o reservatório do chope ficaria embaixo do balcão. Bem naquele estilo que eu já vi em fotografias de pubs ingleses. Pensar que esse equipamento foi presente dos “monstros”, eles então deveriam ser ricos.
Os próprios “monstros” cuidaram da instalação do equipamento. Um deles ainda tinha uma ferramenta na mão, e a roupa com manchas de graxa. Desde que horas eles estavam lá?
Estavam lá: o sujeito com o “smile” esculpido com cabelo na nuca; o grandalhão barbudo; o gorducho do hip-hop, acompanhado da garota do cabelo colorido, que eu sabia que se chamava Âmbar; o sujeito do dreadlock que se mexia; o cara da barbicha; o sujeito com a tatuagem no rosto; a mulher do mullet cor-de-rosa; a moça do cabelo preto; e... o sujeito de cabelo arrepiado. Hoje, seu cabelo estava colorido de um vermelho intenso. Ao me verem entrando, todos me cumprimentaram.
- Oooi, Macário!
- Hã... oi.
- Que bom te ver, meu rapaz! – dirigiu-se a mim o cara do cabelo vermelho, apertando minha mão com força. – Você que tem nos proporcionado excelentes momentos nestas noites tão escuras e frias!
- Hã... obrigado. – respondi, sem graça.
- Permita que eu me apresente. Meu nome é Luce.
- Lúcio?
- Não, Luce. Me chame, por hora, apenas de Luce.
- Está bem... Luce.
Apenas a cor do cabelo mudava: o estilo de pentear era o mesmo. E tive uma sensação esquisita: o penteado do cara era muito parecido com o do vampiro do meu sonho! Além do mais, ele vestia um casaco com uma gola bem alta, cobrindo parte da nuca. Mas não tinha muito jeito de vampiro: sua pele estava levemente bronzeada, não era pálida, e o aperto de mão era quente. Engoli em seco.
- E aí, Macário, gostou do meu cabelo hoje?
- Hããã... sim, sim. Hum... combina com você.
- É mesmo? – disse, encabulado. – Deixa eu apresentar o restante do pessoal a você, rapaz. Vem cá. Este aqui é o Flávio Urso – apontou para o grandalhão – Este é o Flávio Dragão – apontou para o sujeito do “smile” no cabelo – Este é o MC Claus – apontou para o gorducho do hip-hop – e esta é a Âmbar – apontou para a garota – Este é o Breevort – apontou para o sujeito da tatuagem no rosto – Este é o Beto Marley – apontou para o sujeito do dreadlock – Este é o Jorge Miguel – apontou para o cara da barbicha – Esta é a Andrômeda – apontou para a moça do mullet – E esta é a Morgiana. – concluiu apontando para a mulher do cabelo preto.
Cada um que ele apontava, dizia “olá” e me cumprimentava. E parecerem bem simpáticos, apesar de alguns serem ameaçadores.  Tive uma impressão diferente diante de cada um deles.
É, Flávio “Urso” combinava com o jeito do grandalhão. Ele tinha mesmo um jeito de homem das montanhas, com o casaco surrado e a barba d os cabelos desgrenhados.
Será que o Flávio “Dragão” era irmão dele? Mas não se pareciam. Que ideia. O que significava o “smile” esculpido na nuca? Pensei em perguntar, mas senti que não era o melhor momento.
E, bem, o MC Claus tinha mesmo jeito de que lidava com ritmos musicais “da moda”, que empresariava cantores de rap ou coisas assim. Mas nem pareceu se importar porque Âmbar insistiu em um cumprimento mais “formal” – ofereceu as costas da mão para que eu beijasse. Beijei, para não parecer mal-educado. E ela ainda perguntou como estava meu nariz hoje. Respondi que estava bem, ainda preso ao rosto. Até rimos, os três.
O Breevort tinha um aperto de mão forte, ele tinha um jeito de praticante de luta-livre, mas com aquelas unhas compridas, não sei se permitiriam sua presença em um ringue.
Ainda tinha dúvida quanto ao Beto Marley: os dreadlocks dele estavam realmente se mexendo?! Mas jeito de cantor de reggae ele tinha.
O Jorge Miguel agora não estava com os olhos vermelhos e bifurcados: seus olhos agora eram quase totalmente negros, a pupila cobria quase totalmente a superfície do globo ocular. Então, aquele olho vermelho devia ser uma lente de contato personalizada...
Andrômeda e Morgiana repetiram o gesto de Âmbar e me fizeram beijar suas mãos; até soltaram suspiros. Nem disfarçaram que: Andrômeda tinha língua bifurcada, e Morgiana os dentes afiados e serrilhados.
Quanto a Luce, não tive tempo de ter alguma impressão.
- Venha, Macário – me disse Luce, me conduzindo, pelo ombro, até o balcão. – Antes que o restante do pessoal comece a chegar. Temos de deixar tudo perfeito antes dos outros chegarem.
- Sim! – disse Âmbar. – Os rapazes praticamente sofreram instalando esta máquina de chope! Tivemos de sacrificar espaço no balcão para a instalação, mas o seu chefe até que foi compreensivo...
- Sacrifício mesmo foi o preço pago por esta aparelhagem... – retrucou MC Claus. – Não foi barata.
- Ah, não vem com pão-durismo – falou Flávio Dragão. – O Luce aqui seria capaz de doar uma adega climatizada inteira se ela coubesse no porta-malas do carro dele...
- Menos, pessoal, menos. – falou Luce.
- Claro. Ah, é claro. – falei. – Esperem aí que eu vou lá dentro me trocar.
- Não demore. – falou Andrômeda.
- Vamos sentir saudade. – falou Morgiana.
Bem, perguntas eu teria de deixar para depois. Entrei no vestuário para colocar as roupas do bar. Tinha de ser treinado para servir chope para aqueles “monstros” simpáticos... ou eles não seriam “simpáticos” comigo.

Ainda sentia em meu pescoço as marcas das mãos do vampiro do meu sonho.

Próximo capítulo, daqui a 15 dias. Mudanças estão sendo estudadas na periodicidade. Vocês terão notícias em breve.
Como está até aqui? Seria bom um feedback positivo, afinal, dá trabalho escrever e revisar o texto e ainda esboçar e arte-finalizar as ilustrações, com o risco iminente de que não fiquem boas...
Pelo menos isso ainda não parou. Aguardem novidades.
Até mais!

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