Olá.
Fazia
tempo que não recebíamos notícias de uma publicação que foi notícia entre o
final do ano passado e o início deste ano. Demorou, mas finalmente saiu.
Em
dezembro de 2018, foi lançado um dos mais interessantes projetos de resgate da memória
das HQB: a revista Gibi X, projeto do
selo 20age Comics (Vintage Comics), de Rogério Casacurta, publicado em Caxias
do Sul, RS, e viabilizado através de campanha de arrecadação no site Catarse.
Pois
agora, em agosto de 2019, saiu, finalmente, a segunda edição, amarrando as
pontas que ficaram soltas no número 1!
Este
GIBI X # 2, que em princípio deveria ter saído no primeiro semestre de 2019,
também foi viabilizado através de campanha no Catarse, aberta pouco depois do
lançamento do # 1, e com o patrocínio de diversas empresas locais. Está à venda
em algumas bancas da região Nordeste do Rio Grande do Sul, mas é possível
adquirir exemplares junto ao Sr. Casacurta, para qualquer parte do Brasil.
Bem.
A GIBI X é um projeto que nasceu com o intuito de resgatar a memória das HQs
brasileiras, com mais destaque para artistas da região de Caxias do Sul,
importante polo industrial do Rio Grande do Sul – as amostras de artistas de
outras partes do Brasil vieram no bojo, em links quadrinhísticos. Tudo em
edições finamente impressas em papel couché, 60 páginas contando capa, quase
totalmente colorido, e trazendo, além dos quadrinhos, matérias. Tudo editado
por Casacurta, com a ajuda de colegas – mas é dele a maior parte do trabalho.
O #
2 continua o trabalho iniciado no # 1: trazer para as futuras gerações o
trabalho de um importante artista da região de Caxias do Sul, o quadrinhista
Altair Gelatti, criador da revista Albatroz
e do super-herói Homem Força.
No #
1, foram publicadas, além de três episódios clássicos do super-herói, uma
matéria apresentando a história de Gelatti, que, além de artista foi
empreendedor, e a primeira parte da galeria de capas (os 23 primeiros números)
da Albatroz, que este comandava
praticamente sozinho. Além disso, foram publicados: a primeira aventura do
herói Flama, do paraibano Deodato
Borges, publicada originalmente em 1963, e algumas tiras do Radicci de Iotti (caxiense da gema).
Pois,
neste número 2, agora é publicado: além de mais duas aventuras do Homem Força; uma HQ de ficção científica
de Gelatti – também publicada anteriormente na Albatroz; uma matéria sobre a trajetória da citada revista Albatroz; a segunda parte da galeria de
capas da publicação; no link quadrinhístico da vez, uma HQ do pernambucano
Watson Portela; e mais uma participação especial do Radicci.
Bão.
A revista abre com a segunda parte da matéria sobre a vida e obra de Altair
Gelatti, quadrinhista nascido em Flores da Cunha (RS) e residente em Caxias do
Sul. Desta vez, contando a trajetória da revista Albatroz, editada pelo próprio Gelatti entre junho de 1967 e abril
de 1971, num total de 46 números publicados. Essa revista era distribuída
gratuitamente nos cinemas da cidade, mas sua publicação era viabilizada pelo
patrocínio de empresas locais, que publicavam anúncios na mesma. Gelatti, cuja
trajetória artística sempre foi marcada pelo aprendizado, já era famoso em
Caxias do Sul pelas histórias que desenhava e publicava nas revistas de guerra
das editoras Outubro, Taika e Dado, da região Sudeste – condição que ele
conseguiu depois de perambular bastante entre editoras dali; ele, inclusive,
quase teve uma adaptação literária para HQ publicada pela histórica editora
EBAL. Nos primeiros números, a Albatroz
tinha periodicidade semanal, era impressa em papel-jornal, com 8 páginas em
preto-e-branco e histórias seriadas; mais tarde, a partir do número 7 (setembro
de 1967), a revista passa a mensal, o número de páginas foi aumentado para 20,
impressas em papel de melhor qualidade, capa a cores, e histórias completas.
Mas a partir do número 23 (maio de 1969), as capas passam a ostentar
ilustrações mais coloridas. Foi na edição 8 (outubro de 1967) que foi publicada
a primeira aventura do Homem Força –
além das aventuras do herói, Gelatti publicava HQs de diversos gêneros. Inicialmente,
também, era impressa em gráficas de amigos, até que Gelatti consegue adquirir
seu próprio maquinário, e monta sua própria gráfica – o artista se torna, de
quebra, pioneiro na arte gráfica de Caxias do Sul, pois foi quem introduziu na
cidade o sistema de impressão offset, então um sistema de qualidade superior ao
que se fazia até ali. A Albatroz
número 35 (maio de 1970) foi a primeira edição impressa nessa gráfica própria –
as capas, no entanto, continuavam sendo feitas na gráfica dos amigos. No
entanto, a montagem da gráfica acabaria decretando o fim da Albatroz, já que a carga de trabalho de
Gelatti acabou aumentando – com isso, a revista foi encerrada no número 46, e,
desde então, Gelatti desenhou poucos quadrinhos, dedicando-se fundamentalmente
aos serviços gráficos. Foi inspirado na aventura da Albatroz que Casacurta criou a Gibi X.
A
revista segue com a galeria de capas da Albatroz
– do número 24 à 46.
E
vamos aos quadrinhos: começando com duas aventuras do Homem Força – na realidade, são três aventuras, mas a primeira foi
publicada originalmente em duas partes. Mas ambas trazem o herói, identidade
secreta do empresário Peri Simões, que havia sido agraciado por marcianos com
superforça e inteligência aumentada, distribuindo sopapos em inimigos em defesa
dos mais fracos e injustiçados, em uma época em que imperava o modo pueril de
combater o crime, dentro de uma tradicional visão maniqueísta (quando era
possível diferenciar o bem do mal, a virtude do vício, etc.), havia um ingênuo
otimismo pelos avanços da ciência, e ainda era possível pensar em boas relações
humanas, apesar do avanço dos regimes ditatoriais em diversos países – Brasil
incluído. Tudo em roteiros bastante ingênuos, e com muitas “viagens na
maionese”, mas uma arte bem elaborada e neoclássica.
Homem Força Contra o Cruel Tirano saiu
originalmente nos números 15 e 16 da Albatroz
(setembro e outubro de 1968). Somadas as duas partes, a trama, no total, tem 18
páginas, a mais longa aventura do herói. Na trama, Peri Simões / Homem Força
começa investigando um naufrágio ocorrido na costa (meio que Gelatti consegue
imaginar Caxias do Sul, onde as aventuras do herói são supostamente
ambientadas, com saída para o mar, em licença poética...); ao resgatar a única
sobrevivente do naufrágio, uma bela moça estrangeira que acaba contratada como
sua secretária, o Homem Força fica a par da seguinte situação: a nação dela
havia sido tomada por um tirano, que estabelece um opressivo regime de exceção.
O Homem Força resolve interferir na situação, e parte para a tal nação
governada pelo autointitulado Supremo, com fama de imortal por ter sobrevivido
a vários atentados. Uma vez na nação, o herói consegue penetrar em suas defesas
(usando a força, é claro), entra em contato com um grupo de resistência ao
tirano, e, por fim, descobre que o tal tirano, que nem humano é, é conhecido de
uma aventura anterior – logo, alguém duvida que o Homem Força vença facilmente?
Nas
páginas centrais, um pôster do Homem-Força ilustrado por Gelatti.
No
seguimento, a aventura Os Cogumelos
Gigantes, estrelada pelo Homem Força, de apenas seis páginas. Publicada
duas vezes na Albatroz – a primeira
no número 12 (junho de 1968) e a segunda no número 44 (fevereiro de 1971).
Essas duas vezes se explicam porque, na primeira vez, a impressão não havia
ficado muito boa, já que a história havia sido desenhada em técnica de aguada
(meios-tons) – aquarelado em tons de cinza, adaptados para revistas impressas
em preto-e-branco. Na segunda impressão, Gelatti extraiu os meios-tons,
deixando apenas o traço de nanquim. Para a presente ocasião, Casacurta optou
por publicar a versão com a arte original em meios-tons, que conferiram um belo
efeito tridimensional aos desenhos – faz lembrar a arte de artistas como André
LeBlanc, dos tempos da EBAL. Bem, o forte da trama é mesmo a arte, porque o
roteiro é uma verdadeira viagem: o Homem Força se junta à galeria dos
super-heróis brasileiros que, ainda nos anos 1960, embarcaram em espaçonaves e
viveram aventuras no espaço (dessa galeria também fazem parte o Raio Negro e a Patrulha do Espaço, ambos de Gedeone Malagola), dentro do clima de
otimismo gerado pela corrida espacial entre EUA e URSS na mesma época – o
Brasil já sonhava em enviar seus próprios astronautas, ou, pelo menos, os
artistas de HQ brasileiras sonhavam. A trama começa quando estranhos cogumelos
gigantes aparecem em uma propriedade rural, absorvendo animais e humanos;
aparentemente são indestrutíveis, também. O Homem Força consegue resolver
temporariamente o problema, mas os tais cogumelos retornam ao espaço; então, o
teimoso super-herói, que pelo jeito não gosta de deixar as coisas pela metade
ou de cantar vitória antes do tempo, decide pedir autorização ao governo
brasileiro para ir investigar a Lua. O que ele consegue sem problemas: logo, o
Homem Força parte da Barreira do Inferno (a célebre base espacial do Nordeste
brasileiro) em direção à Lua, onde não tem dificuldades em resolver o problema
com os cogumelos – na realidade, seres transmorfos com pretensões de conquista
do nosso planeta, é claro. Participação especial do Presidente brasileiro da
época, o general Costa e Silva.
Ainda
no clima das aventuras espaciais, chegamos agora a uma história de ficção
científica também produzida por Gelatti: O
Planeta Morto, publicada na revista Albatroz
em fevereiro de 1970. A trama de dez páginas, curiosamente, foi desenhada
entre abril e maio de 1969, cerca de três meses antes do pouso do homem à Lua,
ocorrido em julho do mesmo ano (por coincidência, o evento completou 50 anos em
2019). Desse modo, a imaginação de Gelatti se adiantou, porque a trama cita a
missão Apolo 8, ocorrida pouco tempo antes, e, ao que parece, a missão Apolo 11
nem tinha cobertura da imprensa antes de seu lançamento! Na trama, iniciada no
ano de 2025, um casal de astronautas (imprescindível ainda que sejam amantes) é
designado para explorar novos planetas em uma missão de três anos. A viagem é
marcada por um defeito na espaçonave que impede o avanço da mesma; o pouso em
um planeta que comporta vida, mas se mostra hostil aos visitantes; e uma
desagradável surpresa no regresso à Terra. Uma trama de ficção científica que
apresenta muitos elementos caros tanto ao estilo de sua época quanto o dos dias
atuais: uma tecnologia avançada que, pelos critérios atuais, hoje parece
datada; a presença de criaturas baseadas em elementos da Terra; doses de
romance e suspense; a heroína sensual (imagine só, explorar planetas usando
minissaia); e um final surpreendente e trágico que soa estranhamente
premonitório, evocando O Planeta dos
Macacos.
No
intercâmbio quadrinhístico da ocasião, em seguida, a GIBI X publica uma
história curta desenhada por Watson Portela, conhecido por suas tramas que
combinam erotismo, terror e má-educação, um dos primeiros artistas-ídolos
brasileiros dos anos 1980, conhecido pelas séries Paralelas e Vôo Livre.
Após uma breve matéria sobre sua vida e carreira, segue a história: Identificação, publicada anteriormente
na revista Historieta, de Press
Editorial, em 1986. O roteiro é de Gilberto Camargo. A história era em
preto-e-branco, mas foi colorida por Rogério Casacurta especialmente para a
Gibi X. A trama, de apenas cinco páginas, se passa em um futuro distópico, onde
seres humanos passam a caçar seus semelhantes para se alimentar. Nesse
contexto, um jovem casal empreende uma fuga desesperada para não ser devorado.
A lei geral seria a do “cada um por si”, sem preocupação com o companheiro,
porém a trama acaba tendo uma reviravolta, com uma surpreendente demonstração
de generosidade e acolhida entre os homens. Se o trabalho de colorização de
Casacurta ficou legal, vale a vocês julgarem – afinal, é raro um trabalho
colorido de Watson Portela, ainda mais por alguém além do próprio. Será que ele
autorizará novamente que alguém mexa na sua arte original?
No
encerramento do gibi, Carlos Henrique Iotti coloca seu personagem Radicci às voltas com o universo dos super-heróis,
em uma sequência de tiras recentes – estimuladas, sem dúvida, pelo Homem Força.
Aliás, quando Radicci foi criado, em 1983, a ideia era que o colono beberrão
fosse um super-herói – ideia que persistiu por apenas duas tiras, amostras já
publicadas anteriormente na Gibi X # 1; mas, agora, a ideia foi retomada:
Ambrósio Marcon volta a encarnar o Capitão Radicci. Ainda que temporariamente –
e apresentando “superpoderes” estapafúrdios, como o uso de seus gases.
E,
assim, aí está a GIBI X # 2. Aguardem: em breve deve ser aberta a campanha para
o financiamento do número 3. Já está prometido que a GIBI X # 3 trará, além de
mais aventuras do Homem Força e mais Radicci: uma trama inédita de ficção
científica de Altair Gelatti, desenhada em 1977 e nunca publicada em nenhum
lugar antes; uma história da Velta de
Emir Ribeiro; e uma sequência produzida pelo patrono das HQB, Ângelo Agostini,
em 1879. Fiquem atentos ao link: www.catarse.me/gibi_x_3.
A
GIBI X # 2 custa R$ 15,00, e pode ser adquirida: em algumas bancas da região
nordeste do Rio Grande do Sul (é mais fácil procurar nas bancas de Caxias do
Sul, obviamente); ou entrando em contato com Rogério Casacurta pelo e-mail contato@vintagecomics.com.br; e
pelo Facebook www.facebook.com/20ageComics. O
website www.vintagecomics.com.br já
está precisando de uma atualizada.
Todo
apoio às HQB feitas com a melhor das intenções!
Para
encerrar, uma ilustração arte-finalizada a caneta esferográfica e lápis. Foi
feita pensando tanto no conteúdo da presente GIBI X quanto na atual questão da
Amazônia brasileira, que, todos concordam, precisa ser salva, ou...
Até
mais!
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