domingo, 21 de novembro de 2010

Livro: ENTERREM MEU CORAÇÃO NA CURVA DO RIO

Olá.
Hoje, volto a falar de livro. Livro de História.
O livro desta semana é um dos mais contundentes já publicados - pelo menos na sua época, ajudou a despertar consciência no país onde foi publicado pela primeira vez: os Estados Unidos.
Estou falando de ENTERREM MEU CORAÇÃO NA CURVA DO RIO - A dramática história dos índios norte-americanos, de Dee Brown.

Esta edição que vocês veem foi publicada pela editora L&PM, em 2006, dentro de sua célebre série L&PM Pocket. Tradução de Geraldo Galvão Ferraz, que assina inclusive a apresentação.
ENTERREM MEU CORAÇÃO NA CURVA DO RIO (no original, Bury my Heart at Wounded Knee) foi publicado pela primeira vez em 1970, época em que os norte-americanos estavam passando uma série de questionamentos acerca de seu próprio país - por causa da Guerra do Vietnã. A campanha militar no Sudeste Asiático estava gerando protestos em todo o mundo, inclusive nos Estados Unidos, onde muitas pessoas questionavam a validade de promover matanças para manter o "modo de vida americano". Esse questionamento estendeu-se também para dentro do país, quando já estava mais do que na hora de questionar um dos mitos mais caros à formação dos Estados Unidos: a Conquista do Oeste e o lugar dos índios nesse processo.
Ora: por muito tempo, até os anos 70, a imagem que os americanos tinham da "Conquista do Oeste" era a divulgada pelo cinema local - aquela coisa da luta entre mocinhos e bandidos, caravanas de pioneiros contra índios hostis, que eram massacrados pela cavalaria. As histórias que embalavam gerações de crianças que vibravam com os heróis fundadores do Oeste americano. Sim: por muito tempo, os índios eram tidos como os "vilões" do processo de formação do país. A versão do homem branco era a que contava, nunca a do índio, que tinha motivos para lutar: defender sua gente, sua família, sua terra.
A bem da verdade, a sociedade regida pelo capitalismo nunca entendeu a ligação dos índios com a natureza, e o respeito para com ela. Pelo menos, entre o século XVIII e início do século XX.
Entendam melhor:
O processo de expansão dos EUA começou a partir do fim da Guerra de Independência (1775 - 1781). Os índios que viviam na parte leste dos EUA foram sendo exterminados aos poucos - embora existam histórias da convivência pacífica entre colonizadores europeus e índios, como a célebre história que deu origem ao Dia de Ação de Graças. Como o país fosse crescendo para o oeste, e os conflitos ente os ocupantes originais fosse constante, foi resolvido pelo governo americano o seguinte: em 1830, o presidente Andrew Jackson decretou que as terras a oeste do Rio Mississipi, que não tinham interesse - ainda - para os brancos, seriam reservadas aos índios, e garantidas a eles para sempre. Muitas tribos, a contragosto, concordaram em se mudar para o oeste.
No entanto, esses tratados pouco duraram. Após a Guerra da Secessão dos EUA (1861 - 1865), iniciou-se a marcha para o Oeste. Pelos seguintes motivos: a descoberta de ouro na Califórnia; a necessidade de assegurar a ocupação dos territórios comprados das nações europeias; e a necessidade de evitar a superpopulação do leste. Sendo assim, o "território índio" foi sendo ocupado por levas de carroções de colonos e de exércitos que montavam fortes e acampamentos. Seguiram-se novos conflitos entre nações índias, como os Cheyenne e os Sioux, contra garimpeiros, comerciantes de peles e o exército. Foram quatro décadas de combates equilibrados entre brancos e índios. Os indígenas venceram em Little Big Horn, em 1876, onde pereceu o general Custer, por exemplo (esta é a batalha mais lembrada pelos brancos); porém, a batalha que selou o destino dos índios para sempre foi o massacre de Wounded Knee, em 1890, na qual morreram mais de 300 índios. Os índios sobrevivente acabaram sendo "pacificados" e confinados em reservas, onde seus descendentes vivem até hoje, estrangeiros em sua própria terra.
É certo que a situação econômica dos índios americanos hoje é melhor: eles conseguiram autorização para operar cassinos - que são o grande negócio das regiões inóspitas do Oeste Americano - e até mesmo coordenaram a construção de um mirante suspenso no Grand Canyon! Mais: tal como a maioria dos americanos, muitos índios estão sofrendo com a obesidade. Fruto da incorporação de certos hábitos da cultura americana, nem todos saudáveis. Mas ainda é grande o empenho para a preservação de sua cultura. Se hoje os índios americanos podem desfrutar desse novo modo de vida - mas não que estes sejam os melhores tempos já vividos por eles - , foi resultado de muitas lutas.
E é a maioria dessas lutas que é retratada no livro de Dee Brown (1908 - 2002), um dos maiores especialistas na história do Oeste Americano.
Ele fez uma extensa pesquisa através de documentos oficiais, livros e jornais de época, mas não foi moleza: muitos dos relatos existentes sobre os índios, publicados entre os séculos XIX e início do XX, nada mais eram que caricaturas, a visão predominante era a do homem branco, não raro deturpando o que os índios realmente disseram. Eram tempos de eugenia, de suposta "superioridade" do homem branco, defendida inclusive pela ciência para justificar o preconceito com índios, amarelos e negros.
O livro de Dee Brown dá voz a muitos personagens antes relegados à nota de rodapé da história: Cochise, Gerônimo, Nuvem Vermelha, Cavalo Doido, Victorio, Touro Sentado... essas são as traduções literais dos nomes indígenas desses personagens, legítimos defensores de seus direitos enquanto índios.
Dee Brown relata, com riqueza de detalhes - ainda que esses detalhes não sejam de todo compreensíveis para o público médio, inclusive o brasileiro - alguns dos episódios mais notórios das guerras entre brancos e índios, com ênfase no modo cruel como os combatentes brancos não raro massacravam tribos inteiras, mastando até mesmo velhos, mulheres e crianças.
Dentre os episódios mais importantes da obra, quase todos concentrados exclusivamente no século XIX; destacam-se: no início, alguns relatos breves dos primeiros contatos entre brancos e índios na América; as primeiras guerras promovidas pelas tribos Navajo e Cheyenne; a invasão do Rio Powder; a origem do famoso aforisma americano "o único índio bom é um índio morto", a partir de uma frase proferida pelo general Sheridan; a ascensão e a guerra de Donehogawa ou Eli Parker, o primeiro índio a assumir um cargo importante no governo - no caso, o Ministério de Assuntos Índios do governo Ulysses S. Grant; as lutas dos Apaches liderados por Cochise; as guerras para salvar as grandes manadas de búfalos da ação predatória dos brancos; a batalha pelo território das montanhas Black Hills; as batalhas promovidas pelo célebre chefe Touro Sentado (que inclusive chegou a fazer parte do circo itinerante de Buffalo Bill); a batalha de Gerônimo, o último chefe Apache; a batalha de Little Big Horn; e, finalizando com a batalha de Wounded Knee, cujo desfecho foi realmente dramático.
Percebe-se, inclusive, que em relação à guerra contra o branco, alguns índios tinham modos diferentes de pensar. Há os que preferiam o diálogo antes da luta, como o chefe Chaleira Preta dos Sioux; outros não tinham medo de arriscar suas próprias vidas nos confrontos diretos, como o então jovem chefe Nuvem Vermelha, também Sioux.
A edição brasileira não contou com uma conclusão, sequer com alguns trechos de interesse puramente local - com a autorização do autor. Mas é ilustrado com desenhos bico-de-pena (o autor não foi identificado).
Essa história, embora se refira aos índios dos Estados Unidos, espelha a história de índios de outras nações, como o México, a América Central, a América do Sul e o Brasil, onde os massacres foram ainda mais dramáticos. ENTERREM MEU CORAÇÃO NA CURVA DO RIO é um livro para pensar. Dee Brown já deu sua contribuição na tomada de consciência americana.

ILUSTRAÇÕES DE HOJE
As ilustrações deste post são de índios norte-americanos - como eu tentei representá-los. Alguns detalhes não correspondem plenamente à realidade, pois me baseei na forma como muitos artistas representam os índios norte-americanos em quadrinhos - e olha que eu sou formado em História. Buá!
Até mais!

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