Hoje, volto a falar de quadrinhos. Mais de quadrinhos do que de política.
Sim, um pouco de política também, já que o título não poderia remeter a outro assunto. Mas também de quadrinhos.
Explico: hoje vou falar de um dos lançamentos mais controversos do quadrinho nacional: o livro LULA - LUIZ INÁCIO BRASILEIRO DA SILVA, a biografia do presidente Lula em HQ, levada a cabo por Toni Rodrigues (roteiro) e Rodolfo Zalla (desenhos). A publicação é da estreante editora Sarandi, inaugurando a série História do Brasil em Quadrinhos.
Esta publicação, apesar de ser bastante controversa, tem suas qualidades. A primeira delas foi trazer de volta aos holofotes das HQ Brasileiras o artista Rodolfo Zalla, um dos mais expressivos mestres dos quadrinhos brasileiros - apesar de ele ter nascido (1930) e iniciado sua carreira na Argentina.
Zalla, que começou no estúdio do artista conterrâneo Carlos Clémen, em 1953, veio ao Brasil em 1963, devido à crise pela qual as HQ na Argentina passaram na época, obrigando muitos artistas a tentar a carreira no exterior. Quando muitos artistas tiveram por destino preferencial a Europa e os EUA, Zalla optou pelo Brasil, onde também trabalhava seu amigo, o também desenhista José Delbó.
Aqui chegando, ele produziu, para o jornal Última Hora, a tira de aventuras Jacaré Mendonça, em 1964. A primeira editora para a qual trabalhou foi a Outubro (antiga Continental, posteriormente Taika). Lá, ele colaborava com revistas como Targo (uma "cópia" brasileira do Tarzan, criado por Helena Fonseca e Francisco de Assis) e O Escorpião.
Aliás, essa é uma história muito interessante, a do Escorpião: afinal, Zalla ajudou a salvar esse personagem de ser cancelado. Quando O Escorpião, criação de Wilson Fernandes, estreou pela editora Outubro/Taika, o herói não passava de uma cópia do Fantasma de Lee Falk e Ray Moore, com a diferença de que o cenário era a amazônia brasileira. Na época, era muito comum os editores brasileiros encomendarem cópias dos heróis estrangeiros aos artistas brasileiros, já que estes heróis vendiam mais. Algumas dessas cópias, entretanto, conseguiram se firmar nas HQ brasileiras por seus artistas, com o tempo, conferirem a esses heróis vida própria, afastando-se um pouco dos conceitos originais. bons exemplos são o já citado Targo e o Raio Negro de Gedeone Malagola, criado com base no Lanterna Verde da DC Comics.
Voltando ao Escorpião. O problema é que, já com duas edições publicadas, esse herói foi alvo de uma disputa judicial por plágio - a King Features Syndicate, representada aqui pela RGE (atual editora Globo) detinha os direitos do Fantasma. Qual foi a solução para impedir o cancelamento da revista do Escorpião? Francisco de Assis e Zalla reformularam completamente o personagem, afastando seu conceito do Fantasma. O terceiro número, com a nova roupagem do herói, foi um sucesso de vendas. E garantiu a continuidade da revista por mais 10 edições. O Escorpião, mais tarde, reapareceria em outras publicações nacionais, atuando ao lado de outros heróis - uma das mais famosas aparições do Escorpião foi ao lado do herói Cometa, de Samicler Gonçalves.
Zalla trabalhou em quase todas as editoras de HQ de São Paulo, como a Outubro/Taika, a GEP e a Jotaesse. Em 1967, Zalla, em parceria com o colega ítalo-brasileiro Eugenio Colonnese, cria o Estúdio D-Arte, para cumprir prazos de produção de HQ para as editoras. Os artistas do Estúdio chegaram a produzir, no auge, 300 páginas de HQ por mês! Porém, o Estúdio foi encerrado em 1969.
1967 também foi o ano em que Zalla começou a produzir ilustrações para livros didáticos. Ele foi um dos pioneiros a introduzir a linguagem das HQ nos livros didáticos, tornando-os mais atraentes aos alunos. Para a IBEP, ele ilustrou livros das mais diversas matérias escolares.
Zalla retomaria o Estúdio D-Arte em 1981, desta vez como uma editora. E ele imprime seu nome na história das HQ Brasileiras de terror, com os títulos Calafrio e Mestres do Terror, que marcaram época. Zalla também desenhava para essas revistas. E não apenas isso: ele também produziu faroestes como Johnny Pecos e outros gêneros. A editora durou até 1993.
Ainda nos anos 80, Zalla trabalharia nos Estúdios Disney brasileiros, desenhando histórias do personagem Zorro (cujos direitos, à época, pertenciam à Disney, que produzia o seriado do espadachim mascarado).
Zalla, até agora, alternou seu trabalho com a publicidade e as ilustrações para livros didáticos - como a grande maioria dos artistas brasileiros, ele não pôde viver exclusivamente de HQ no Brasil. Mas em tempos recentes saíram publicações com material produzido por ele. A extinta Opera Graphica, por exemplo, lançou os livros Calafrio - 20 anos depois, republicando material da saudosa revista, e O Desenho Magnífico de Rodolfo Zalla, onde ele dá lições de desenho aos iniciantes.
O traço de Zalla é realista e inconfundível. Seu traço bonito também é cheio de linhas, às vezes dando a impressão de que os personagens vão se "dissolver" na folha de papel.
LULA traz o artista de volta, e é bom ver que seu traço continua firme e forte.
LULA - O LIVRO
A iniciativa da Editora Sarandi é boa: contar episódios da História do Brasil em quadrinhos. Para começar, lançou uma biografia do presidente Lula - que já está de saída da presidência - em quadrinhos. No exterior, as biografias em HQ ultimamente viraram moda.
Fosse em época de eleições, o lançamento de LULA - LUIZ INÁCIO BRASILEIRO DA SILVA teria despertado muito mais polêmica. Mas não, sabiamente o livro foi lançado após as eleições, logo o livro não seria tachado de "eleitoreiro" - uma forma de arrecadar votos a favor de Dilma Rousseff, a candidata eleita apoiada pelo presidente Lula. Tal como foram algumas críticas ao recente filme Lula - o Filho do Brasil, este sim lançado perto da época das eleições.
Luiz Inácio Lula da Silva termina seu mandato como presidente com um dos mais altos índices de popularidade da história da República do Brasil. Não é para menos: seu governo foi pautado em um amplo programa social, incluindo iniciativas como o Fome Zero e o Bolsa Família; foi em seu governo que a economia brasileira viveu seu melhor momento, com a quitação da dívida externa; e, ainda por cima, com geração de empregos e aumento da renda. Mas, como nada nem ninguém é perfeito, o governo Lula também foi marcado por muitos e muitos escândalos de corrupção (alguém pensou nos mensalões?) - só não foi pior que na era Collor porque o presidente conseguiu provar que nunca esteve envolvido em nenhum deles. Além disso, em alguns discursos, Lula demonstrou não estar ciente de que a situação social e ética no Brasil ainda é um tanto grave - ainda temos gente vivendo abaixo da linha da pobreza, sem saneamento básico... E Lula já perdeu muitos colaboradores de seu governo, substituídos por desvios éticos.
Críticas e elogios à parte do governo do ex-"sapo barbudo", como o falecido Leonel Brizola o chamava nos anos 80, eis aqui LULA - LUIZ INÁCIO BRASILEIRO DA SILVA, uma biografia - mas não total - do "melhor presidente que o Brasil já teve".
LULA centra-se mais na biografia pessoal - e pouquíssimo na política - de Luís Inácio. A história vai desde seu nascimento em Garanhuns, sertão de Pernambuco, em 1945, filho de Aristides Inácio da Silva e Eurídice Ferreira de Melo, a Dona Lindú. Relata a infância pobre do homem, ao lado dos sete irmãos, no sertão seco; a mudança para o estado de São Paulo, onde morava o pai; a difícil convivência com o mesmo, que inclusive não queria que os filhos estudassem - mas, por insistência de Lindú, Luiz Inácio e os irmãos Ziza (mais tarde conhecido como Frei Chico) e Maria se matricularam. A timidez crônica do garoto Luís Inácio (quem diria, o presidente falastrão era um garoto tímido!), que ele teve de superar com o passar do tempo, e um novo parto difícil para Dona Lindú; A separação entre Aristides e Lindú; a vida em São Paulo, quando Lula e os irmãos precisavam estudar e trabalhar; o período em que Lula vai estudar para torneiro mecânico no Senai - e nesse período conhece as lutas trabalhistas nas quais ia se envolver; de quando conheceu sua primeira esposa, Lourdes; de quando perde o dedo mingo em um acidente de trabalho; de quando começa a se envolver com o sindicalismo, por pressão do irmão Frei Chico, ativista do então clandestino PCB (Partido Comunista Brasileiro); de quando perde a esposa Lourdes, morta de complicações do parto de seu filho (que também morre) e a depressão na qual Luiz Inácio mergulha nos três anos seguintes, até conhecer a atual esposa, Marisa Letícia. De quando é eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, SP; de quando Frei Chico é preso e torturado pelos agentes da Ditadura Militar, o que abre ainda mais os olhos de Lula para a realidade; e a partir daí, quando se torna a principal liderança trabalhista e sindical do operariado paulista. Essa atuação o levaria a ser preso, e na cadeia ele perde a mãe, dona Lindú; quando é libertado, ele inicia sua carreira política, perdendo três eleições pelo partido que fundara, o PT (Partido dos Trabalhadores) até ser eleito presidente, em 2002.
O roteiro de Toni Rodrigues se detém mais na trajetória pessoal de Lula, no intuito de retratar como um menino pobre do sertão nordestino chegou a ser Presidente da República. Passa por alto os fatos de sua trajetória política até o fim de seu mandato presidencial. É mais o retrato do homem sob a faixa verde-amarela - por isso, é controverso, pois ficam de fora as agressivas campanhas políticas empreendidas nas eleições de 1989, 1993 e 1997; a atuação do homem na campanha das Diretas-Já, de 1984; a mudança de imagem para as eleições de 2002 (a fase "Lulinha Paz e Amor"); os feitos e fatos de seu governo, inclusive a forma como ele enfrentou os escândalos de corrupção. Por assim dizer, segue uma estrutura parecida com a do filme. Mas não temos como saber se é tudo verdade, porém, se tratando de uma biografia em HQ, temos de acreditar que corresponde à realidade.
Talvez o mérito do roteiro também seja o de caracterizar o Brasil da época da juventude do Presidente. A trajetória de Lula também se confunde com a do Brasil pré, durante e pós-ditadura militar - o homem viu e participou da história recente de nosso país. E a sua liderança à frente da classe trabalhadora não deixa dúvidas de que a vida de trabalhador no Brasil era - e ainda é - difícil. Mas na época de Lula, parecia pior, já que os sindicatos estavam sob vigia do Estado Brasileiro. E tudo é sintetizado numa história de 44 páginas (sem contar algumas páginas internas, que fazem o livro totalizar 48 páginas, sem contar as capas), com muitas caixas de texto (falas de um narrador anônimo) e poucas falas dos personagens.
A arte de Rodolfo Zalla é bem reconhecível. É o artista como o conhecemos nas décadas de 60, 70, 80 e 90. O defeito desta quadrinização é que, de um quadrinho para outro, a aparência dos personagens varia muito: ora aparecem velhos, ora aparecem jovens, ora com aparência de velhos novamente. E isso que se trata de gente que realmente existiu! E, às vezes, é difícil saber quando um dos personagens que fizeram parte da vida de Lula é o mesmo que foi caracterizado algumas páginas atrás. O livro é colorizado em um tom pastel, ora com os personagens e cenários numa única cor, ora totalmente coloridos. Fora alguns defeitos, Rodolfo Zalla agora está sendo reapresentado às novas gerações. Se isso puder despertar nos mais novos o interesse em procurar as obras dele, não sei, mas até que não seria má ideia.
A edição ainda inclui uma mensagem do presidente Lula aos leitores - sinal de que o presidente aprovou esta adaptação da biografia dele. Com os devidos cortes, é claro.
LULA - LUIZ INÁCIO BRASILEIRO DA SILVA está disponível no mercado, ao preço módico de R$ 4,95. Já é um incentivo às HQ brasileiras, não é? E maneirem nas críticas! Não ficou tão ruim assim!
OS DESENHOS DE HOJE
Para ilustrar esse post, duas ilustrações que fiz do citado herói Escorpião. A primeira vocês puderam ver acima, o Escorpião tal como foi concebido; e aqui, o herói como foi reformulado por Assis e Zalla.
Prestigiem o quadrinho nacional!
Prestigiem o quadrinho nacional!
Até mais!
Um comentário:
Rafa, tu tens algum personagem de super-heróis tipo este desenho aqui?
Gostei muito dele!
Abraço
Jô
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