terça-feira, 27 de agosto de 2013

Charles Chaplin e os infindáveis TEMPOS MODERNOS

Olá.

Hoje finalmente consegui encontrar algo diferente para falar. Algo que não seja quadrinhos. Hoje, vou falar de filme.
Não se trata, no entanto, de sucesso recente do cinema. É de filme mais antigo.
Bem. Hoje eu escolhi falar de um filme de um cineasta reconhecido até os dias de hoje. Atualmente não há quem não seja reverente a este artista e apóstolo da paz.
Hoje vou falar de um filme de Charles Chaplin.


CARLITOS, ALIÁS, CHAPLIN
Charles Spencer Chaplin. Nascido em Londres, na Inglaterra, em 1889; falecido em Vevey, na Suíça, em 1977. Ator, diretor, roteirista, músico, criador de personagens. Fez carreira dentro dos Estados Unidos a partir de 1913. Criador do icônico vagabundo (The Tramp), conhecido mundialmente como Carlitos, o engraçado, desalinhado e comovente vagabundo com modos de cavalheiro. Com um repertório não apenas de filmes, mas também de frases e pensamentos onde demonstra uma profunda preocupação com a cultura da paz – uma preocupação com o que ele viu do longo século XX, com duas grandes guerras mundiais, um conflito ideológico entre capitalismo e socialismo... uma era onde o pacifismo não soava ingênuo. Soava perigoso.
Bom, o que mais se pode dizer de Chaplin? Seus filmes falam por si. Na época em que sua produção cinematográfica era constante, ele enfrentou duras críticas não apenas pelas mensagens contidas em alguns de seus filmes. Hoje, quem vê os filmes de Chaplin não tem do que reclamar. Há quem considere a atuação de Chaplin como Carlitos assombrosamente próxima à perfeição. Ou talvez eu esteja exagerando. Pois os filmes mais famosos de Chaplin são cheios de elementos de significado, que não podem ser considerados por si só. Cada filme contém várias cenas que disputam seu lugar como as mais antológicas do cinema. Tudo feito com maestria, praticamente sem erro algum.
Ainda hoje, não conheci ninguém que não ria ou se emocione com o andar de Chaplin. Alguém que sabia fazer comédia como poucos, totalmente com o gestual, não com as palavras, já que ele era filho do cinema mudo. Mas Chaplin, apesar de suas próprias restrições, conseguiu fazer a transição entre o cinema mudo e o falado sem percalços. Que o diga sua obra prima, O Grande Ditador (1940).
Embora a imagem de Carlitos, com seu andar desengonçado com os pés quase virados para os lados, seu fraque, seu chapéu-coco e sua bengala flexível, seja icônica até hoje, ninguém mais usa o seu famoso bigodinho. Tudo por culpa de outra pessoa, de influência nefasta, que adotou esse estilo: Adolf Hitler.
Imitadores de Carlitos também é o que não falta. Uma das atuações de atores, que não Chaplin, que entraram na pele de Carlitos, mais lembradas talvez seja a do comediante mexicano Roberto Bolaños, que encarnou Carlitos em alguns episódios do Chapolin Colorado. E com maestria.
O primeiro filme de Chaplin data de 1914. Carlitos estreou uma série de curtas-metragens, só depois passou para os longas. E deixou clássicos, como O Garoto (1921), Em Busca do Ouro (1925), O Circo (1928), Luzes da Cidade (1931), Tempos Modernos (1936), O Grande Ditador (1940), Monsieur Verdoux (1947), Luzes da Ribalta (1952)... só para citar alguns.
Chaplin foi acusado, injustamente, de ter simpatia com o comunismo soviético, então um mal a ser combatido dentro dos Estados Unidos. Ele foi um dos muitos artistas que entraram na lista negra do macarthismo, e, por isso, deixou os Estados Unidos em 1952, indo viver na Suíça. Só voltou para receber um Oscar honorário pelo conjunto de sua obra, em 1972.
Carlitos também aprontou das suas também nos desenhos animados, ou melhor, nas aparições que fez em diversos desenhos animados – por exemplo, em um deles, jogou polo equestre com a turma do Mickey Mouse, ao lado de Stan Laurel e Oliver Hardy (a dupla O Gordo e o Magro) e Harpo Marx, dos Irmãos Marx. Em tempos recentes, ele ganhou um desenho animado de computação gráfica (exibido no canal por assinatura Gloob).
E uma cinebiografia já ganhou também, em 1992, dirigida por Richard Attenborough. Nessa cinebiografia, Chaplin foi interpretado por Robert Downey Jr. (sim, a atual cara do Homem de Ferro, no cinema). Concorreu a 3 Oscars.
Não conhecemos ninguém que não se comova com o seu famoso discurso pacifista proferido no final do filme O Grande Ditador. Ou com a crítica que ele fez à sociedade de seu tempo em Tempos Modernos.

TEMPOS MODERNOS
Bem, o filme de Chaplin que escolhi para falar, hoje, foi justamente TEMPOS MODERNOS, de 1936. Seu filme mais cheio de elementos para análise. E o que mais deu dores de cabeça para seu diretor, Chaplin.
O filme custou US$ 1.500.000,00, e arrecadou “só” US$ 1.800.000,00. Não foi o maior sucesso de bilheteria de Chaplin, portanto. Isso porque a recepção dentro dos EUA foi fria (foi, assim como Luzes da Cidade, esnobado na premiação do Oscar), e na Alemanha nazista e na Itália fascista, o filme foi proibido. Mas no restante da Europa, o filme fez um considerável sucesso.
TEMPOS MODERNOS foi um dos filmes que fez com que Chaplin entrasse na lista negra do macarthismo, sendo tachado de comunista – por causa da aguçada crítica que ele fez do sistema capitalista, que começava a “desumanizar” os trabalhadores. Não adiantou muito o próprio Chaplin negar que estivesse fazendo apologia ao socialismo.
TEMPOS MODERNOS também pode ser considerada uma obra de transição entre a fase muda e a fase falada da cinematografia de Chaplin. Pela primeira vez, se ouve a voz do ator-diretor. O filme ainda apresenta as legendas de tela inteira, típicas dos filmes mudos, e durante boa parte do tempo, ouvem-se vozes e ruídos. As vozes humanas vem todas através de máquinas – rádios, gramofones, comunicadores. Só perto do final é que vemos uma voz vinda de uma boca: a do próprio Chaplin.
O que mais podemos dizer como introdução? Ah, sim: foi também o último filme onde Chaplin encarnou o célebre Carlitos. O vagabundo vive uma série de desventuras, ao longo da fita, no mundo capitalista e urbano que foi construído a partir da concepção de trabalho de Henry Ford, o magnata da indústria de automóveis que introduziu o sistema de linha de montagem.
A ideia do filme nasceu de uma série de artigos escritos pelo próprio Chaplin, durante sua turnê mundial para a divulgação de seu filme Luzes da Cidade, no início dos anos 1930. Nesses artigos, Chaplin criticava as contradições que encontrou nas sociedades modernas. Ele defendia, inclusive, que os EUA deveriam acabar com a propaganda contra a União Soviética. Isso, aliado ao fato que Chaplin recusou a cidadania norte-americana (alegando ser um “cidadão do mundo”), deixou-o de mal com a CIA e com a Comissão de Atividades Antiamericanas, o principal comitê da “caça às bruxas” macarthista.
TEMPOS MODERNOS, conforme expõe o texto de introdução, “é uma história sobre a indústria, a iniciativa privada e a humanidade em busca da felicidade”. Os elementos icônicos, todos colocados no filme a fim de fazer crítica ao sistema capitalista, não foram colocados a esmo. O primeiro desses elementos é um relógio, que aparece atrás do texto introdutório – o relógio já começava a regular a vida dos trabalhadores, dentro da concepção fordista (o mais irônico é que o filme, quando foi produzido, demorou bastante, em relação a outros filmes da época, para ser concluído: as filmagens começaram em outubro de 1934 e terminaram em agosto de 1935!). Em seguida, um rebanho de ovelhas dentro de um corredor, todas brancas – aí, passa uma ovelha negra entre elas. Essa ovelha seria Carlitos, que, durante todo o filme, demonstra não estar adequado ao trabalho alienante na indústria e na vida urbana – na condição de um “vagabundo”, Carlitos não é do tipo que é aceitável numa sociedade que glorifica o trabalho e o homem que trabalha, ainda que essa concepção de trabalho não signifique que todos se beneficiem, há os que ganham mais, há os que ganham menos, e o mais importante é o lucro. Só aí é que o filme começa.
Para uma melhor compreensão do filme, podemos dividi-lo de acordo com as suas sequências temáticas:
1) A sequência da indústria, até quando Carlitos é preso;
2) A sequência da prisão e a trapalhada no estaleiro;
3) Quando Carlitos encontra a órfã;
4) O trabalho de Carlitos como vigia numa loja;
5) O trabalho de Carlitos como ajudante de uma indústria;
6) O trabalho de Carlitos e da órfã em um restaurante;
7) O final.
O filme começa mostrando o trabalho dentro de uma típica indústria fordista, com maquinários gigantescos (uma dessas máquinas custou 500 mil dólares para ser montada) e engrenagens enormes. Não se sabe que tipo de produto essa indústria produz, mas pelo nome, Electro Steel Corp., se deduz que seja uma fábrica de produtos elétricos. O que se sabe é que a função de Carlitos é apertar parafusos em uma esteira de rolagem, que cada vez mais vai aumentando sua velocidade. Nessa parte, Chaplin critica o sistema de montagem, que acaba fazendo o trabalhador repetir uma mesma tarefa mecanicamente, sem se importar com o que está fazendo, desde que demonstre rendimentos para a indústria, o que lhe resulte, talvez, em aumento de salário. A atividade dos trabalhadores ainda é orquestrada, segundo o sistema taylorista, pelo relógio, pelo tempo cronometrado. Pois Carlitos praticamente vai à loucura com esse sistema, trabalhando numa escravidão disfarçada. Aperta tantos parafusos, e a tal velocidade, que praticamente enlouquece. Ainda por cima, é vigiado, através de monitores, pelo presidente da fábrica (Al Ernest Garcia), até quando vai ao banheiro. O tal presidente da fábrica passa boa parte do tempo em sua sala lendo jornal ou montando quebra-cabeças, enquanto monitora o trabalho da fábrica por aparatos que parecem grandes televisores. Ainda mais, Carlitos acaba servindo de cobaia para um grupo de cientistas que querem demonstrar uma “máquina de comer”, que promete aumentar a produtividade eliminando o horário de almoço. A geringonça acaba pifando e “castiga” Carlitos. Na volta ao trabalho, Carlitos acaba sendo engolido pela máquina (daí a célebre imagem de Carlitos, prensado numa engrenagem gigante, apertando os parafusos da roda) e, mesmo quando é tirado de dentro dela, deixa nítido o seu colapso nervoso, apertando tudo o que vê pela frente com suas chaves, provocando um tumulto de grandes proporções na fábrica, batendo o ponto na fábrica mesmo perseguido pela polícia e, afinal, é internado.
Depois de sair do hospício, e já desempregado após o fechamento da fábrica, Carlitos tem mais azar: uma bandeira vermelha cai de um caminhão, e o vagabundo corre atrás do mesmo para devolvê-la, justo quando, atrás de si, aparece um piquete de grevistas. Carlitos acaba sendo detido como líder da greve. Enquanto isso, conhecemos a outra personagem importante do filme, a garota órfã (interpretada por Paulette Goddard, então esposa de Chaplin – os dois ficam casados de 1932 a 1940 – e que também participou de O Grande Ditador). No início, ela é apenas órfã de mãe, tendo de roubar comida dos barcos da zona portuária para alimentar ela, as duas irmãs e o pai desempregado (Stanley Blystone). Mais tarde, o pai da garota morre durante uma manifestação grevista. As meninas estão prestes a ser encaminhadas a um abrigo de menores, mas a garota escapa e passa a viver nas ruas.
Na sequência da prisão, Chaplin foi bastante ousado. Os prisioneiros são regidos por um regramento rígido semelhante ao dos trabalhadores da fábrica. Mas a ousadia de Chaplin foi a forma como abordou a questão das drogas, na época uma preocupação menor da sociedade. Na cena em que Carlitos almoça no refeitório da prisão, um traficante, sentado ao lado do vagabundo, troca o sal do saleiro na mesa por cocaína em pó, para despistar os agentes da lei. Acidentalmente, Carlitos coloca a cocaína na comida e, ingerindo-a, fica meio enlouquecido. E, nessa condição, meio que sem perceber o que está acontecendo, impede uma fuga de outros prisioneiros da prisão. E passa a receber um tratamento melhor dentro da prisão, o que o faz gostar do lugar. Mas, um dia, Carlitos recebe a notícia que foi libertado, com uma carta de recomendação para que consiga procurar trabalho. Em vários momentos do filme, Carlitos faz de tudo para voltar à prisão. Algumas vezes consegue.
O primeiro emprego de Carlitos fora da prisão foi em um estaleiro, uma oficina de fabricação de navios. Mas ele não dura muito aí: ao procurar uma madeira pedida por um mestre-de-obras, Carlitos consegue lançar ao mar um navio que estava sendo construído.
É aí que os caminhos de Carlitos e da órfã se cruzam. A jovem, faminta, rouba um pão de um veículo de uma padaria, e é perseguida por um policial. Carlitos, presenciando a cena, resolve inocentar a garota, assumindo a culpa pelo roubo. Mas uma grã-fina, que presenciara o roubo, acusa a garota, e os dois, Carlitos e a órfã, vão para o camburão. Mas, a seguir, os dois caem do camburão, após uma manobra brusca do veiculo, e fogem. E decidem viver juntos, sonhando com uma vida mais regalada: o casal vivendo em uma bela casa, com comida farta. Mas é claro que, para alcançar esse padrão de vida, dentro do capitalismo, é preciso ter trabalho. E o máximo que o casal consegue, o mais próximo da vida que sonham, é quando os dois ocupam, mais adiante no filme, um barraco na zona portuária, caindo aos pedaços. “Não é o palácio de Buckingham”, diz a órfã, mas os dois vivem como um típico casal de classe média dentro daquele “lar”.
Antes de ocuparem o barraco, Carlitos consegue um trabalho como vigia de uma loja de departamentos (uma inovação da época é a presença de escadas rolantes na mesma!). Mas até para cuidar de uma loja Carlitos mostra incompetência: ele leva a órfã para dentro da loja, consome produtos, brinca de patinar em uma sacada, com habilidade incrível, e não consegue impedir um assalto. É encontrado no dia seguinte, dormindo debaixo das roupas de um balcão.
Depois de ocuparem o barraco – e depois de uma cena cômica de mergulho no cais – Carlitos lê, em um jornal, uma notícia sobre a reabertura das fábricas, e vai, orgulhoso, procurar emprego ali. Se emprega como ajudante de um mecânico (Chester Conklin). Mais uma mostra de incompetência do vagabundo: ele prensa o relógio de seu chefe em uma máquina; consegue fazer com que o homem acabe engolido pela máquina; tenta alimentá-lo enquanto ele está preso pela máquina; e consegue destruir o estojo de ferramentas dele. Mas, depois, estoura uma nova greve na fábrica, e Carlitos acaba preso de novo, depois de, sem querer, ter acertado uma pedrada na cabeça de um policial.
Saído de novo da prisão, Carlitos consegue um novo emprego, desta vez, por intermédio da órfã: a moça consegue , após se exibir nas ruas dançando, emprego em um restaurante como dançarina, e recomenda o vagabundo como garçom. Mas ele mostra incompetência mais uma vez, quando tenta servir um pato assado para um cliente impaciente, justo no momento em que o salão está ocupado por pessoas dançando (ele sofre para se movimentar, com um pato assado e um garrafão de vinho, no meio da multidão, e ainda por cima consegue prender o pato no lustre do restaurante). Mas esse é o momento apoteótico do filme: Carlitos é chamado para cantar e dançar no mesmo salão. Esquecendo a letra, anota-a nas mangas da camisa, mas, perdendo as “colas”, ele decide, incentivado pela órfã, improvisar, com uma letra nonsense, misturando francês, inglês de italiano, e muitos gestos, uma canção. É essa a parte onde se ouve a voz de Chaplin pela primeira vez. Nesse número musical, Carlitos encontra sua verdadeira vocação: a atividade artística.
Entretanto, os agentes do abrigo de menores aparecem para levar a órfã. E o casal é obrigado a fugir.
A cena final é emocionante. Antes, é preciso contar: Chaplin havia filmado outro final para o filme. Nele, a órfã vai para um convento, e Carlitos parte sozinho. No final que ficou, o casal se encontra na beira de uma estrada. A órfã está se lamentando da sorte, dos fracassos até agora observados. Com um único gesto, Carlitos incentiva a garota a levantar a cabeça e a acreditar em dias melhores. E os dois partem em direção ao campo, abandonando a vida alienante e massacrante da cidade. Ao som da belíssima canção orquestrada “Smile”.
Bem, não fez mal contar o fim do filme, né? Porque é importante para dar uma ideia de quanto é icônico este filme. Mas isso não os livra de precisarem assistir esse filme. Porque é um clássico. Porque o caráter desse filme é universal, apesar de ser dos anos 30.
Não é difícil encontrar o filme em DVD. Mas cuidado: escolham, de preferência, um DVD que traga o áudio original do filme. Há versões distribuídas a baixo preço por algumas distribuidoras que inserem um áudio criminoso que “apaga” as partes faladas do filme, inclusive a trilha sonora.
Em breve, se me for possível, Chaplin pode voltar a pintar por aqui.
Para encerrar, os já tradicionais desenhos meus. O primeiro vocês já viram acima, uma caricatura mais recente de Chaplin. Vocês não sabem quantas vezes já fiz caricaturas desse cara...
E, abaixo, a minha tentativa de reproduzir, em traços mais simples, a mais icônica cena de TEMPOS MODERNOS: a cena de Carlitos prensado numa engrenagem, apertando os parafusos da roda. Não ficou tão legal quanto eu gostaria, admito.
Acho que eu sou mais ou menos como Chaplin: sei me expressar melhor pelo icônico e pelo gestual que pelas palavras de minha boca. A escrita é minha melhor forma de expressão, mais que o que eu falo. E, para me ajudar, os meus desenhos. Nisso, sou parecido com o Sr. Chaplin.
Até mais!

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