segunda-feira, 25 de abril de 2016

MUTTS - O mundo "xegundo" os cães e os gatos

Olá.
Hoje, tudo parece calmo. Ao menos no momento em que escrevo. É propício, então, para falar de assuntos leves. Daqueles que não estragam nosso dia.
Hoje, então, vou tratar de quadrinhos (ah, novidade!). Mas, hoje, vou falar de um quadrinho diferente, disponível em álbum de editora conhecida.
Hoje vou tratar de MUTTS, considerada uma das obras primas do quadrinho mundial em tiras.
SEU AUTOR...
MUTTS é uma dessas séries que acumulam adjetivos positivos. Genial, poético, simplório (no bom sentido), minimalista, divertido, na medida para fãs de cães e gatos. Eu mesmo comprovo.
Bem. A tira chamada MUTTS, que no Brasil atende pelos nomes Os Vira-Latas ou Au, Miau, foi criada em 1994 por Patrick McDonnell, que já tinha alguns anos de experiência como cartunista e ilustrador antes de se dedicar a essa tira altamente elogiada, e que angariou fãs famosos.
McDonnell nasceu em Edison, Nova Jersey, EUA, em 1956. Ele é graduado na Edison High School, de sua cidade, e na School of Visual Arts de New Jersey. O cartunista, que também é vegetariano e ativista de diversas associações de direitos dos animais, antes da criação de MUTTS, já tinha uma carreira estabelecida como ilustrador e cartunista, desde 1978, desenhando para revistas como Village Voice, Sports Illustrated, Reader’s Digest, Forbes, Time e New York Times, onde ilustrou a coluna Observer, do jornalista Russell Baker, de 1978 a 1993. Já para a revista Parents Magazine, fez, por dez anos, a tira mensal Bad Baby.
Ele ainda é escritor de livros infantis, atividade que exerce à parte do trabalho como quadrinhista – seus principais livros são: The Gift of Nothing (2005), Art (2006), Just Like Heaven (2006), Hug Time (2007) e o premiadíssimo Me... Jane (2011). E também ficou conhecido como coautor de um livro sobre a clássica tira Krazy Kat, de George Herriman (Krazy Kat: the Comic Art of George Herriman, publicado em 1986, pela editora Harvey N. Abrams, e escrito por McDonnell, Karen O’Connell e Georgia Riley de Havenon). Krazy Kat também pode ser apontada como uma das grandes influências no trabalho de McDonnell, notável em MUTTS.
A criação de MUTTS representou uma grande mudança na vida de McDonnell. Em 1994, ele submetera à megacorporação King Features Syndicate (a mesma que distribui as tiras de Recruta Zero, Hagar o Horrível, Popeye, Fantasma e outros clássicos) uma tirinha chamada inicialmente de Zero, versando sobre cães e gatos. A tira acabou rebatizada como MUTTS, e logo se tornou cult: atualmente, é publicada em cerca de 700 jornais em todo o mundo, em cerca de 20 idiomas. E foi altamente premiada ao longo dos anos: dentre os prêmios recebidos pelo autor, estão o Reuben, da National Cartoonists Society, de Cartunista do Ano; o Max und Moritz Award, da Alemanha, de melhor tira internacional; a Estatueta Adamson, da Suécia; cinco Harvey Awards de Melhor Tira em Quadrinhos; dois Genesis Awards da The Ark Trust, de estímulo à consciência da mídia; o HSUS Hollywood Genesis Award de compromisso contínuo; e o Sierra Club Award.
E MUTTS também angariou, como já dito, fãs famosos: entre eles, Matt Groening, o criador dos Simpsons, e o saudoso Charles Schulz, criador de Peanuts (Charlie Brown e Snoopy), que considerava MUTTS “uma das melhores HQs de todos os tempos”, já que, segundo ele, McDonnell “continua tendo ideias que eu gostaria de ter tido”.
McDonnell mora com a esposa, Karen, e seus dois mascotes, a cadela Amelie e o gato Not Ootie.
McDonnell continua produzindo a tira até hoje, compilada atualmente em coletâneas. No Brasil, conhecemos duas edições de coletâneas de MUTTS: uma da editora Devir, lançada em março de 2009 (Mutts – Os Vira-latas), e uma da editora Pixel Media, selo do grupo Ediouro (Mutts – Cães, Gatos e Outros Bichos), lançada em agosto de 2015. Esta última é a base desta postagem, e vocês podem ver a capa abaixo.

...E SUAS CRIATURAS
Bem. MUTTS, em princípio, não oferece muita novidade em matérias de tiras com cães e gatos como protagonistas. Quer dizer, são centenas as tiras com bichos, como Garfield, Krazy Kat, a fauna de Walt Disney, Pogo... A diferença maior de MUTTS é a abordagem, o tom poético das histórias, baseadas na visão de mundo de dois bichos de estimação, um cão e um gato não-antropomorfizados.
MUTTS, em inglês, é o nome como são conhecidos os animais vira-latas, geralmente os cães e gatos de rua. Nome, portanto, apropriado.
Earl, um cachorrinho terrier (inspirado na mascote da gravadora RCA Victor, o icônico cachorrinho sentado em frente a um gramofone), e Mooch, um gato de raça desconhecida, moram com seus respectivos donos em um subúrbio de New Jersey, e convivem com eles, e outros bichos, descobrindo seu pequeno mundo com a inocência de duas crianças. McDonnell não fala de guerra ou violência na tira, e meio que raramente faz críticas sociais. Ele prefere falar dos ciclos da natureza, e das atividades básicas de qualquer ser vivente, isto é, comer, dormir, vadiar, passear, brincar. Algumas situações apresentadas, com ou sem texto, são bastante triviais para quem já está muito acostumado às tiras de quadrinhos em geral, sem grandes sacadas filosóficas ou tiradas surpreendentes, mas tudo compensado por um traço minimalista, sem grandes detalhes no desenho, basicamente limitado ao essencial, muito pessoal. Como já dito, McDonnell certamente foi bastante influenciado pelo Krazy Kat de George Herriman, tanto no traço quanto no texto.
Well. Earl, o cachorro (também conhecido no Brasil como Duque), mora com seu dono, o solteirão de trinta e poucos anos Ozzie. Ambos são a maior companhia um do outro, e Earl é do tipo que fica sentido quando Ozzie demora para voltar para casa... e dá algum trabalho para ele quando Ozzie está. Curiosidade: foi Charlie Schulz quem aconselhou McDonnell a dar ao cachorrinho o nome do próprio cão de estimação de então. O Earl real viveu cerca de 18 anos com McDonnell e faleceu em novembro de 2007.
Mooch (também chamado de Chuchu), por sua vez, mora com uma família de velhos, o casal Millie e Frank. Ainda vive na casa um peixinho de aquário, Sid.
Quando Earl e Mooch se juntam, as diferenças entre eles se acentuam – mas nada daquele conflito clássico entre cães e gatos que estamos acostumados a ver. Não, Earl não costuma perseguir Mooch aos latidos. Mas isso não quer dizer que o cachorrinho se irrite, às vezes, com o gatinho: enquanto Earl é mais inteligente, sensato e ativo, Mooch é mais preguiçoso, cheio de ideias malucas (e, não raro, furadas) e um tantinho vaidoso. Earl tem um pouco de dificuldade em compreender as ideias e os atos excêntricos do amigo, e também em convencer Mooch a se levantar de onde está deitado para brincar. Earl ainda adora passear de carro, enquanto Mooch fica nervoso só de entrar no veículo. Ah: Mooch ainda se destaca pelo modo peculiar de falar, com a língua meio presa, pronunciando os “S” com som de “X” e os “Z” com som de “J” – mais ou menos um linguajar infantil. Quer dizer, quando ele fala com Earl e os outros bichos – só os humanos da série não entendem o que eles falam.
Em suas andanças, Earl e Mooch praticamente aprendem sobre o mundo por tentativa e erro. Não raro, vivem se acidentando. Seja em suas casas, seja tentando caçar ratos; seja se perdendo embaixo de um lençol, seja no jardim; Seja interagindo com um espelho ou com um bicho de pelúcia, seja com uma família de coelhos ou uma de passarinhos; seja andando com outros cães ou gatos, seja tentando conseguir um pedacinho de carne com o dono do açougue Snax, onde eles passam horas até, não raro, serem chutados para fora; seja numa temporada na praia, seja tentando pescar; seja se perdendo no depósito de lixo (depois de passar horas remexendo em latas de lixo), seja tentando ajudar um amigo que se perdeu de seu dono.
O peixinho Sid, por sua vez, praticamente sofre dentro de seu microcosmo, limitado a um minúsculo aquário, onde ele nada sozinho, sem muitas oportunidades de interagir com outros personagens além de Mooch e do velho Frank.
Outros bichos que frequentemente aparecem na tira são o grandalhão e muito bravo cão de guarda, que, mesmo limitado a uma corrente, cumpre seu papel; a família de coelhos; os passarinhos; os gatos de rua com os quais Mooch costuma andar, “cantando” nos muros à noite; um golfinho, um caranguejo (que passa boa parte do tempo apertando o nariz de Mooch); e o desorientado gatinho que Earl e Mooch chamam de Pudim Fedido (mas que na verdade se chama Jules, e mora com uma família rica). Cada um com sua tirada, sua chance de brilhar na tira.
Algumas vezes, Earl e Mooch tem dificuldade de compreender o pensamento dos outros bichos com os quais interagem – cada um tem seu modo de pensar, que nem sempre bate com o que um cão e um gato pensam. Uma coelha já teve 87 filhotes e ainda acha pouco? Um caranguejo com um senso particular de tempo e de velocidade – leva seis meses para reencontrar Mooch em sua casa, depois de conhece-lo na praia, e ainda diz que veio “correndo”? Um rato que praticamente estimula o consumismo humano porque o lixo que estes produzem se torna depois um tesouro? Bem, o mundo só continua sendo um lugar encantador graças à diversidade de modos de pensar de cada espécie...
Algumas tiras da série também são organizadas em arcos de tirinhas. E isso está presente no álbum da Pixel.

O ÁLBUM DA PIXEL
MUTTS – CÃES, GATOS E OUTROS BICHOS, base para esta postagem, como já dito, foi lançado em agosto de 2015, pela Pixel Media, no mesmo formato de outros álbum especiais que a editora lançou, e continua lançando. 128 páginas (sem contar capa), em papel couché, colorido. Sendo tira distribuída pela megacorporação King Features Syndicate, recebeu o mesmo tratamento dos álbuns de Recruta Zero, Hagar o Horrível, Fantasma, Mandrake, Popeye; e também os de outras distribuidoras, como os de Luluzinha, Garfield... Com texto introdutório de Otacílio “Ota” d’Assunção, veterano editor e pesquisador.
MUTTS é uma seleção de melhores tiras de todas as épocas, não sendo, logo, uma edição nacional de alguma das compilações originais da série. E as tiras são separadas por temas, vários deles já referenciados acima. Ainda reúne tiras dominicais e ilustrações. Tudo saído da pena do Sr. McDonnell. Ah: eles optaram em manter os nomes originais em inglês dos personagens – Duque e Chuchu foram adaptações do álbum da Devir.
O primeiro capítulo, Meu Ozzie, trata do relacionamento entre Earl e Ozzie. Nenhum conflito forte, só o bom e velho relacionamento entre o homem e seu cão – os momentos de maior tensão são mesmo quando Ozzie leva Earl para passear.
Momentos de óxio (assim mesmo, imitando o linguajar de Mooch) trata das situações caseiras envolvendo Earl e Mooch: o cachorrinho tentando convencer o gatinho a levantar da almofada e sair para brincar (mas o gato, claro, é muito “compliqueiro”); Mooch passando por um momento de nervosismo, ou perdido embaixo de um lençol; ou abusando dos favores de Earl.
Calor! nos traz mais situações variadas depois da situação-título: como os bichos convivem com o tempo quente; um conflito de ideias entre cães e gatos sobre como cada espécie reage ao mundo; Mooch mostrando que não é muito competente na hora de caçar um rato; o gatinho interagindo com um espelho; Earl abusando de seus brinquedos de borracha, e da boa vontade de Ozzie na hora de pedir comida; e aceitando alguns conselhos furados de Mooch para tirar o cheiro de um gambá.
Paxeando por aí traz mais interações de Earl e Mooch com o mundo. Aqui, quem ganha maior espaço são os passarinhos, tentando apresentar seu número de canto, uma lagarta meio nervosinha em processo de metamorfose em borboleta, uma tartaruguinha se intrometendo na estapafúrdia tentativa de Mooch pescar usando o rabo... e o capítulo termina com alguns passeios de Earl e Mooch no açougue Snax, namorando a carne na prateleira.
Um Peixe nos traz algumas situações com Sid e seu mundinho limitado a seu aquário. Mesmo quando ganha um companheirinho – um caracol nervosinho – ele não fica lá muito feliz. O capítulo ainda traz algumas tiras com Earl e Mooch interagindo com o cão de guarda – sua versão de verdade, e outra de pelúcia.
Perdidos na Noite nos traz Earl e Mooch interagindo com outros gatos. Na verdade, começa quando Earl tenta descobrir o que Mooch faz à noite, quando o cachorro está na sua casa – e quase se mete em apuros.
Em Nexe mato tem coelho, Earl e Mooch interage com a família de coelhos. Mais de 80 filhotes, para uma coelha, nunca é demais...
Em Férias!, temos algumas situações de nossos amigos na praia. Ozzie e Earl vão ao litoral junto com Frank, Millie e Mooch. E o mundo dos dois bichinhos amplia-se – principalmente quando conhecem uma ostra irritadiça, um pelicano, um caranguejo e um golfinho que se gaba de sua inteligência. Ruim é voltar quando a gente já estava se acostumando...
Um estranho no ninho é praticamente um arco de tiras solo dos passarinhos. Primeiro, vendo o filhote nascendo; depois, tentando convencê-lo a voar para o sul. Com alguma resistência por parte dos envolvidos...
Um novo amiguinho ou: a chegada do pudim fedido no traz a primeira aparição do desorientado gatinho perdido na vida de Earl e Mooch. Ele aparece sem que se saiba quem é (foram Mooch e Earl que lhe deram o nome de Pudim Fedido), e a dupla tem de tentar achar seu dono. Mas o pobre Pudim Fedido (que passa a maior parte do tempo dizendo “eu não sei” ou “eu sei”) não parece muito bem da cabeça, porque, apesar de ter aceito a acolhida na casa de Mooch, acaba se perdendo em uma nevasca. E, para que o final feliz ocorra, o Papai Noel acaba entrando na história (o arco foi feito para a época natalina). A revelação da verdadeira identidade de Pudim Fedido segue um modelo consagrado de narrativa, mas ainda funciona.
No lixo põe Earl e Mooch em uma situação nada agradável: ao mexerem em latas de lixo, acabam, sem querer, parando no depósito de lixo. E, ao encontrarem um rato que vê no consumismo humano uma bênção para sua vida, eis uma rara oportunidade para McConnell fazer uma crítica sobre a humanidade. O capítulo termina com um breve arco em que o caranguejo – o mesmo da praia – resolve fazer uma visita a Mooch devido a uma desilusão em seu casamento. Ele ainda vai ter uma chance de se reconciliar com a amada – e quem sofre com essa complicação toda é o nariz de Mooch.
Em A esfinge que tudo xabe, Mooch tem outra ideia absurda: bancar um ser mitológico. É, a toalha na cabeça ajuda na caracterização, mas falta ao gatinho talento para se passar por um ser que sabe de tudo.
No fundo do poxo ou: a volta do fedido encerra o volume. Earl e Mooch voltam a interagir com Jules “Pudim Fedido”, o gatinho perdido, que caiu em um poço. E agora, como ajuda-lo?
Um quadrinho bom para desestressar de tudo o que temos visto nas bancas de revista. Para quem cansou de super-heróis e mangás. Temos sentido falta de boas coletâneas de tiras de jornais – e, de preferência, acessíveis ao grande público. Ainda mais depois que suspenderam o gibi do Recruta Zero...
O álbum da Pixel custa R$ 24,90. É acessível ao grande público, sim, é só não ficar gastando com cachaça, cigarros e propinas.

PARA ENCERRAR...
Tendo eu falado de uma série de tiras, eu acompanho a postagem com... tiras minhas. Faz tempo que não publico tiras da minha menina, a Letícia, então, vai ela desta vez, em um trecho de seu atual arco de tiras. Ainda me falta a simplicidade característica do Sr. McDonnell. Por mais conselhos que tenho recebido, não consigo me livrar da prolixidade textual – só consigo fazer as minhas tiras assim, com excesso de texto. O que já apontaram-me como um problema, em um país que ainda lê pouco.
Mesmo assim, vejam as tiras mais recentes da personagem em http://leticiaquadrinhos.blogspot.com.br/. E não esqueçam da página do Facebook: www.facebook.com/leticiatirinhas.
E vamos esperando novidades. Para o mundo, para o Brasil, para este blog.

Até mais!

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