Chega um momento na vida em que a gente deve abandonar todas as nossas fantasias da infância, o nosso mundo até então perfeito e sem riscos, e começar a encarar o mundo lá fora, suas dificuldades e riscos, para encontrarmos nosso lugar ao sol. Temos de começar a conquistar o nosso espaço, a nossa independência, temos de parar de depender de outros. Temos de traçar o nosso próprio caminho. E não podemos escapar disso.
É mais ou menos sobre isso que trata o livro hoje recomendado: A INFÂNCIA ACABOU, de Renato Tapajós, publicação da Editora Ática.
Tapajós é escritor e cineasta. Dele, também é fácil encontrar Queda Livre e Carapintada. Os livros de Tapajós, dirigidos ao público adolescente, tratam dos temas que interessam a eles, com um estilo onisciente e detalhista, mas dinâmico e cheio de emoção. Um dos méritos de sua obra são as análises psicológicas dos seus personagens, sempre em tempo real, e eles precisam, a todo instante, fazer escolhas. Para quem não é muito habituado, a leitura pode parecer meio chata. Mas nada que impeça de curtir suas obras.
A INFÂNCIA ACABOU tem como pano de fundo a cidade de São Paulo, e trata da história de Marcos, um garoto que precisa traçar seu destino. Até aqui, não é grande coisa, não é? Mas saquem o contexto:
Marcos pertencia à classe média alta, e ele tinha tudo na mão. Até que, um dia, seu pai perde o emprego e não consegue encontrar outro. Marcos e sua família acabam experimentando um decréscimo de nível social. Seus pais se separam, ele passa a viver com o pai, a cada dia procurando um emprego, ele está prestes a ter de mudar de colégio (de seu colégio, particular, onde estão seus amigos, para uma escola pública), ele está apaixonado pela "patricinha" do colégio, fica mal diante de seus amigos ainda "ricos", e, para completar a desgraça, logo no início do livro, seu tênis é roubado.
Bom. Diante da perspectiva de ter de mudar de colégio, Marcos precisa urgentemente se virar, arrumar um serviço para continuar pagando o colégio. Nem tudo, no entanto, é desgraça na vida do garotão. Ele e seu inseparável amigo, Pedro, montam um fanzine, Marcos se envolve com o mundo da música (ele consegue, no decorrer da narrativa, um bico como baterista em uma banda) e da informática (o livro foi publicado nos anos 90, pouco depois do início da popularização da Internet), descobre o sexo através de uma vizinha mais velha, e o amor, através de sua colega Flávia (mas ele próprio demora a perceber que, desde o início, a colega gostava dele!).
O ritmo da história transcorre dinamicamente, entre uma alegria e uma decepção de Marcos. Além do rock, Tapajós também faz um panorama do Rap (em uma das passagens, Marcos visita uma favela em companhia de outro amigo dele, o rapper Jorge, e inclusive presencia a morte de uma pessoa lá), do nascente mundo da informática (através do personagem Velho, sempre cercado de computadores, que elabora um site do fanzine de Marcos e Pedro), das diferenças sociais (como as gritantes diferenças entre Marcos e a fútil Priscila, a já citada "patricinha") e as formas de conseguir a ascensão (como é o caso da personagem Bete, que se envolve com Marcos apesar de estar namorando um homem bem mais velho, que paga seu apartamento).
Nesse panorama, Marcos precisa encontrar seu caminho, fazer seu destino. Como o próprio título do livro sugere, sua infância acabou. Mas o encanto da vida está apenas começando.
E é nesse encanto que cada descoberta de Marcos acaba deliciando o leitor, de cada alegria dele que vai para a tristeza, de cada tristeza que vai para a alegria. Porque Marcos, na verdade, é um pouco de nós todos: todos nós passamos por situações semelhantes às vividas pelos personagens do livro. Até o final, quando Marcos se reconcilia com o pai (eles têm uma briga feia no meio do livro, e até o final da narrativa, mal se falam), muita emoção vai rolando.
O destaque, mesmo, fica por conta da amizade entre Marcos e Pedro. Este, aliás, é o personagem principal do outro livro de Tapajós, Queda Livre, do qual eu falarei em breve.
Recomendo, portanto, A INFÂNCIA ACABOU. Um livro fundamental para a adolescência. Encantador, como a vida, por mais sofrida e #&%* que ela pareça ser.
Perdão se não foi muito conciso. Mas enfim.
Para terminar, mais duas ilustrações da minha famigerada série "Somente com Camisinha".
Um comentário:
ooi , sobre o livro estou fazendo um trabalho sobre ele , gostaria de saber como marcos se sentiu a ser roubado ? como o pai de marcos tratou após o assalto ?
Postar um comentário