quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Duas vezes Laerte, sempre Laerte

Olá.
Ser autor de histórias em quadrinhos no Brasil é muito complicado - não pela arte em si, mas pelo reconhecimento do público. O problema do brasileiro é que ele é dado a desconfiar dos próprios conterrâneos. Mesmo quando os artistas brasileiros fazem quadrinhos de qualidade, capazes de fazer frente aos melhores quadrinhos estrangeiros.
Existem, é claro, os quadrinhistas que não se rendem, continuam produzindo apesar das vicissitudes, porque acreditam na sua arte. E que não se impõem às exigências do mercado.
O melhor exemplo desse tipo de quadrinhista brasileiro é Laerte Coutinho. Ele é um dos mais importantes quadrinhistas brasileiros, mais importante do que eu, do que você, até. Não concorda? Então dê uma lida nesse artigo do site Universo HQ que prova por que ele é mais importante que todos nós:
Está certo. Recentemente, adquiri duas - ou melhor, três - coletâneas de tiras de personagens desse autor. Digo duas, por se tratarem de coletâneas de dois personagens distintos. Dois volumes de um, um de outro. Já explico.
A primeira é dos Piratas do Tietê. Os dois volumes de tiras lançados pela coleção L&PM Pocket. Existe ainda as coletâneas em três volumes com as histórias longas, editados pela Devir, que é claro que comprarei assim que tiver oportunidade. Por hora, tenho as coletâneas de tiras.
Pela L&PM Pocket, também já saíram as coletâneas de Fagundes e Striptiras, esta com Gato e Gata e Condôminos. Mas nos detenhamos em Piratas do Tietê.
Os personagens apareceram pela primeira vez por volta de 1986, na revista Chiclete com Banana. Em 1991, ganharam as tiras de jornais, em 1994 ganham uma revista própria, pela editora Circo Sampa. E, em 2003, uma peça teatral - Piratas do Tietê, o Filme - pelo teatro Popular do Sesi.
Os Piratas são anárquicos, violentos, iconoclastas, mal-educados, beberrões, o próprio lado podre do tecido social. E se orgulham disso. Como o próprio nome diz, eles aterrorizam os arredores do rio Tietê, em São Paulo, o rio mais poluído do Brasil (sem ofensa, mas é a idéia geral que se tem). Os Piratas são piratas à moda antiga, com as vestimentas típicas, o navio típico, sempre enterrando e desenterrando tesouros, bebendo rum e saqueando nossas instituições. Mas a idéia é que, nessa matéria, eles não são piores que alguns políticos e empresários e outras pessoas influentes de nossos dias, que também "saqueiam" o país sem dó. É a violência dos piratas integrada com os dias que hoje correm. E continuam - pior que continuam - muito atuais! Tanto que acabam atraindo seguidores dentro do próprio universo. Afinal, na realidade de hoje, ser pirata ajuda.
São vários os personagens que aparecem, alguns de aparição meteórica. Dentre os mais importantes, estão o Capitão, o barbudo e caolho bárbaro do Tietê, e seu imediato, o narigudo e (um tanto) inocente Jack. Nas tiras, também aparecem o mulherengo Aníbal, o Conquistador, o caçador de piratas Silver Joe e sua filha Graziela (que, ao contrário do pai, adora piratas) e Rozy, a (suposta) filha do Capitão.
No volume 1 da coleção, A Escória em Quadrinhos, ainda há as tiras em que Capitão e Jack são metamorfoseados em crianças, a série Piratas Baby (é divertido ver o Capitão, ainda garoto, de barba, e aprontando no reformatório junto com Jack); no volume 2, Histórias de Pavio Curto, Rozy entra em cena, querendo acertar contas com o (suposto) pai. E ainda há a participação especial de Hugo, outro famoso personagem de Laerte. Nos dois volumes, a presença de Silver Joe e Graziela.
Então, Iô-ho-ho, quinze homens com a arca de um morto e uma garrafa de rum... É curtição que não acaba mais. Para quem gosta de quadrinhos de humor negro, mas que não firam - pelo menos não gravemente - a inteligência do leitor.
Agora, passemos ao outro personagem: Overman. A coletânea do personagem foi publicada pela editora Devir, em parceria com a Jacarandá. (Pela Devir também saiu uma coletânea de Hugo).
Este personagem surgiu dentro das Striptiras de Laerte em 1997, de forma despretensiosa. E conquistou o posto de personagem principal de uma série só sua. E fez Laerte abiscoitar, no ano seguinte, o HQ MIX de melhor personagem. Ganhou ainda os desenhos animados, dentro do bloco de animação adulta do canal Cartoon Network.
Overman é uma sátira aos super-heróis e ao gênero quadrinhístico por excelência. Um herói genérico - capa e músculos, na definição do autor - mas com mais defeitos que virtudes. Ele não possui um esconderijo secreto cheio de parafernálias tecnológicas, ele mora em um quartinho de pensão junto com Ésquilo, parceiro de confusões do herói - ainda que contra sua vontade. E Ésquilo tem seu próprio bordão: "Mal, aí". Overman também é beberrão, gosta de se autopromover (faz questão de tocar seu tema musical antes de sair em missão), e passa por poucas e boas para garantir o "cumprimento do dever". Ah: e não cruze seu caminho às sextas-feiras: é o dia em que ele sai em busca de sexo, atacando tudo o que vê pela frente. Sua identidade secreta é um mistério para todos - até para ele, que tentou criar uma identidade secreta para si... Ah, sim, também não é para falar mal de sua capa ou máscara, nem obrigá-lo a tirá-las, sob pena de ser estraçalhado.
Este volume apresenta um pouco das aventuras do personagem, que, como eu disse, fazem uma grande sátira ao gênero super-herói. Conhecemos o lugar onde ele mora e seus diálogos com Ésquilo. Ele combate vilões esquisitos, como o pequeno e malcheiroso Maníaco Flatulento e a gostosona Pane, que com seu olhar pode impedir que qualquer aparelho ou máquina funcione. Já serviu de guarda-costas para uma modelo, mas não impediu seu sequestro. Criou uma identidade secreta para si. Acabou vendendo o próprio corpo para sustentar seu vício em fliperama. Já se tratou com um psiquiatra. Já ganhou uma parceira de aventuras, Pâmela, a mulher-cachorro - que acaba ganhando mais destaque que o próprio herói. Já posou nu para uma revista masculina - mas sem tirar a capa e a máscara. Já trocou o uniforme amarelo e roxo por um uniforme negro, já que passou por uma grave crise de depressão - e o velho uniforme foi vestido por Ésquilo, que tornou-se Loverman, o herói cheio de amor para dar. Overman ainda já virou barata devido a um coquetel de remédios, já atuou como punisher na campasnha de racionamento de energia elétrica... Enfim. A tira de baixo é só uma amostrinha.
Pena que do presente volume ficaram de fora sagas como a da Louva-Deusa, a vilã que o próprio Overman criou. Mas, para conhecer o personagem, está de bom tamanho. Além disso, o que não está nos livros, pode ser lido no website do autor: http://www.laerte.com.br/.
Para quem gosta de quadrinhos brasileiros, Laerte é um sujeito excepcional. Im-per-dí-vel! Não é à toa que ele continue sendo o que é até hoje. Bem, é claro que hoje ele está numa fase mais intimista, mais complexa que as tiras que ele produziu décadas atrás. Mas ainda assim, continua sendo Laerte Coutinho. O Laerte que sempre conhecemos e amamos. O Laerte autêntico.
Para encerrar, mais um arco (desta vez, pequeno) de Letícia. Ainda estou longe de ser como Laerte. Mas pelo menos estou tentando.


Até mais!

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