domingo, 9 de junho de 2013

UMA PATADA COM CARINHO - Aaah, Chiquinha, le freak, c'est chiq

Olá.
Hoje, vou falar de novo de quadrinhos. (Mas Rafael, você não fala de outra coisa nesse blog? Só quadrinhos?! Calma, para breve vou tratar de outros temas, vou voltar a falar de filmes, de livros e de animes, em breve. Só terminar o estoque de quadrinhos que eu tenho na estante...)
Já faz algum tempo, alguns anos aliás, que falei de uma quadrinhista brasileira célebre, a Chiquinha.
Seu verdadeiro nome é Fabiane Bento Langona, não Francisca. O seu pseudônimo, Chiquinha, ela própria nos conta que vem da adolescência, quando ela tinha um visual parecido com o da amiga do Chaves (Pois é, pois é, pois é). Nascida em junho de 1984 (um mês antes de eu nascer), em Porto Alegre, RS, ela começou desenhando “em flyers e guardanapos em mesas de boteco pela vida”. E, de publicação em publicação (revistas como MAD, F, Eca Magazine, Caros Amigos, Imprensa, Vip, Gloss, Bravo!, Sexy Premium, Mundo Estranho e a eslovena Stripburger; jornais como Diário da Manhã de Goiânia, Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, Diário Catarinense de Santa Catarina, Zero Hora e Jornal do Comércio de Porto Alegre e a Folha de São Paulo de São Paulo), Chiquinha firmou seu lugar no competitivo mundo do humor gráfico. Junto com outras mulheres, como Samanta Floor, Mauren Veras (ambas também gaúchas) e Cibele Santos, Chiquinha garantiu seu lugar no mundo do humor gráfico, até então exclusivo dos homens – eram raras as mulheres que conseguiam, até o início do século XXI, se destacar no humor gráfico, sem a maldição dos “desenhos fofos”. Aliás, quando se pensa em desenhistas mulheres, se pensa logo nas que desenham personagens fofos e bonitinhos como crianças. Não, Chiquinha está bem longe disso: com um traço propositalmente tosco (e por isso engraçado à primeira olhada), em alguns momentos fazendo seus personagens ficarem feios, com cores chapadas e berrantes, tudo combinando com um humor ácido, irônico, criticando todos os aspectos da sociedade, da mídia... É a nossa Claire Brétecher.
Bem, tive sorte de conhecer essa mulher pessoalmente, durante um evento de quadrinhistas de Santa Maria, RS. E ela continua publicando seus desenhos no seu blog (http://chiqsland.uol.com.br/home).
Bão, depois de  tantos anos publicando desenhos em revistas, só em 2011 ela realiza o sonho de todo desenhista: publicar um livro solo. E, pelo (hoje já extinto) selo Barba Negra da editora Leya, eis aqui UMA PATADA COM CARINHO – AS HISTÓRIAS PESADAS DA ELEFOA COR-DE-ROSA.
Apesar de ter outros personagens fixos, como o Urso Bobão e o garanhão Asdrúbal, a Elefoa Cor-de-Rosa é, sem dúvida alguma, mais que a principal personagem do universo de Chiquinha: é a sua porta-voz.
Não fosse o fato de ser uma elefanta – ou melhor, uma elefoa, agora não sei ao certo qual é o correto para feminino de elefante – a Elefoa Cor-de-Rosa é uma garota como tantas outras: gordinha, preocupada com a silhueta, azarada no amor, constantemente vitimada pelos machos canalhas, inteligente, irônica, e acuada por um mundo que valoriza mais o físico da mulher do que seus neurônios. Às vezes, ela dá conselhos em um duvidoso consultório sentimental. A Elefoa está longe de estampar capas de revista de biquíni, mas já ganhou seu próprio livro, o que é o maior dos consolos.
A Elefoa já apareceu, em forma de tiras, nos jornais Zero Hora e Diário de Pernambuco, e vez por outra faz aparições na internet, inclusive no blog da autora.
Bem. Para criticar a sociedade de consumo e o culto ao corpo, que bicho seria melhor que o elefante, o menos sutil dos animais? E ainda mais cor-de-rosa?!
E o que impede os homens de também apreciarem este livro? Bem, é certo que é um livro feito por uma mulher, com um humor evidentemente dirigido para mulheres, o que espantaria os leitores masculinos – ainda mais com essa berrante capa cor-de-rosa. Mas que preconceito é esse?! UMA PATADA COM CARINHO não é só um livro para mulheres, é para aqueles que gostam de um humor sofisticado, irônico, como poucos sabem fazer hoje em dia. Nada de modelo “Zorra Total”.
Pesa a favor do livro o fato de ter sido publicado pelo selo de quadrinhos da (hoje extinta) editora Barba Negra, pelo qual também saíram obras como MundinhoAnimal de Arnaldo Branco, de Jean Galvão e O Relatório Ota do Sexo, de Ota. Impressão de qualidade, material bom. Lançado em 2011.
Em 128 páginas, o corpinho esférico e sensual da Elefoa Cor-de-Rosa passa por cima de tudo e de todos, criticando o que precisa ser criticado, sem censura nem qualquer maquiagem, seja rímel, batom ou rouge. Ou quase. O amor, a ditadura da beleza, depilação com cera fria, feminismo, disputa entre beleza e inteligência, bonecos infláveis, Jorge Mautner, atitude de desapego a objetos velhos, Paul McCartney, cocô alheio...
Em vários momentos, a Elefoa se vê discutindo com suas duas melhores amigas: Gisbelle, uma girafa meio amalucada, e o mais próximo do atual padrão de beleza; e Janete, uma ursa ecologicamente consciente mas problemática. Ambas dão o apoio necessário às aventuras hormonais e mentais da nossa heroína, mostrando a todos que as nossas paranóias, anseios e inquietações são mais comuns do que parece.
Tudo isso no estilo de desenho que consagrou a sua autora: um desenho propositalmente tosco, com personagens que nunca mantém a mesma proporção o tempo todo, com partes do corpo que aumentam e diminuem de tamanho constantemente; desenhos que ocupam todo o espaço dos quadrinhos, e às vezes tem de brigar com os balões de fala por espaço (Chiquinha é adepta da prolixidade textual, ou seja, texto demais, esmagando os personagens); caixinhas que chamam a atenção para detalhes que escapam aos olhos do leitor; citações a aspectos do mundo pop que às vezes nem mesmo ouvimos falar. Não é para crianças nem para adultos comuns que só assistem novela.
A Elefoa Cor-de-Rosa passa por poucas e boas: tem de suportar uma torturante sessão de depilação com cera quente para ficar mais atraente – e agüentar gozações dos machões, canalhas e ignorantes; discute com Janete pelo direito de poder usar seus blusões velhos e esfarrapados; busca consolo para a solidão em um boneco inflável; discute com uma vendedora (ao som da canção She, de Charles Aznavour) por causa de lingeries com o tal bojo para turbinar as medidas; dá dicas de como fazer aquele homem que a gente pegou só para espantar a solidão ir embora de nossas vidas; conversa com Gisbelle sobre o lugar da mulher na sociedade, adotando um discurso feminista; sofre os efeitos das mudanças hormonais com a menstruação; deixa os pudores de lado e discursa sobre o modo como tratamos as fezes dos outros (o que é nosso é nosso, e o dos outros é sempre pior, né?); entende o sentido da vida depois de tomar seus remédios; ouve umas conversinhas por aí; discute com Gisbelle sobre o que é mais lucrativo: a linguagem corporal ou a linguagem verbal; promove um concurso de aberrações (quem é mais assustador: os que contraíram doenças bizarras, daquelas que causam deformações nojentas, ou gente saudável que tem manias que nem o mais maluco dos malucos seria capaz de ter?); arranja, finalmente, um namorado; descobre, depois, que nem tudo é perfeito depois que encontra o amor; etcétera, etcétera.
Ainda inclui dois “clipes gráficos” de música: Lágrimas Negras, de Jorge Mautner (reparem que o clipe é todo em negativo, linhas brancas sob fundo preto) e My Love, de Paul McCartney. E, no fim, Chiquinha conta, em quadrinhos, um pouquinho sobre sua vida e carreira. E quem comprar o livro, ainda leva de brinde uma aulinha básica de italiano e uma linda bonequinha da Elefoa para vestir.
Ah: o prefácio do livro é do colega Allan Sieber, e o posfácio é de Ota, o padrinho de Chiquinha na revista MAD (Chiquinha já escreveu o prefácio do Relatório Ota do Sexo, portanto já é uma troca de favores).
Well, quem quiser conferir, ainda tem oportunidade, ainda está disponível nas livrarias. Eu tive sorte.
Para encerrar, duas ilustrações. A primeira já foi publicada antes: quando falei da Chiquinha no blog pela primeira vez, usei este desenho para ilustrar: um porquinho feito no Paint. Um exemplo de desenho propositalmente tosco.
O segundo é uma página de reflexões. Às vezes, eu penso assim: tem tanta gente aí que desenha mal e se dá bem, enquanto tem tanta gente que desenha bem e não tem nenhuma chance. É o meu caso. Modéstia à parte, eu desenho muito melhor que tanta gente famosa, como Fernando Gonsalez, o criador do Níquel Náusea, o Ota e a própria Chiquinha; entretanto, apesar de eu estar publicando meus desenhos na internet, nunca saí do underground. Por alguma razão, sinto que ainda não sou bem-vindo na grande imprensa – não é por falta de tentativas de fazer contatos com jornais, revistas... Toda vez que pinta uma oportunidade, em breve acabo frustrado, porque os contratos não duram muito e a visibilidade prometida não vem; enfim. Acho que estou vivendo no lugar errado, que não oferece oportunidades para quem desenha bem. Um texto bom eu até tenho, se é isso que falta. E, como vocês já devem ter visto nas minhas tiras – Letícia, Teixeirão e Bitifrendis – sou semelhante à Chiquinha pela prolixidade textual, eu “aperto” meus personagens em grandes quantidades de texto. Enfim, é esse sentimento que tento expressar no quadrinho abaixo.
Eu não desenho a Elefoa Cor-de-Rosa melhor que a Chiquinha, preciso admitir. Ela sequer lembra das conversas que tivemos no Cartucho de 2007. Ela sequer deve lembrar de mim. Portanto, não posso sequer ser indicado para continuar a Elefoa quando algo grave acontecer com a Chiquinha. Pra desenhar a Elefoa, só a Chiquinha, a única capaz de manter a personalidade forte da moça. Posso desenhar melhor que a Chiquinha, mas não sou a Chiquinha. Sou apenas o Rafael Grasel, professor e desenhista entusiasta ordinário. É como professor que ganho dinheiro. E é como desenhista que ganho... hã... algum reconhecimento. Só.
Será que um dia essa situação vai mudar?

Bão... até mais!

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