Olá.
Como,
no momento em que escrevo, temos dois dias dedicados a fatos históricos do
Brasil – dia 21 de abril, Dia de Tiradentes, e dia 22, Descobrimento do Brasil
– hoje vou escrever sobre História do Brasil. Melhor dizendo, resenhar um livro
de História do Brasil. Mas pisando no terreno do proibido.
O
livro de hoje foi um best-seller há alguns anos atrás. A bem da verdade, é um
livro recente, lançado neste século XXI.
Hoje,
vou falar sobre HISTÓRIAS ÍNTIMAS.
Mary
Del Priore, historiadora nascida no Rio de Janeiro, em 1952, se tornou,
praticamente, uma historiadora pop, pois vários dos seus mais de 27 livros
lançados, entre obras escritas por ela e outras que ela apenas organizou,
tratam de temas de interesse geral, e não específico, com o levantamento,
inclusive de curiosidades e fatos pouco conhecidos, tornando a história um ramo
atraente para o grande público. Isso em um país que tem fama de ter pouco
apreço pela sua história, pelo seu patrimônio, pelo seu passado. E o currículo
de Del Priore é respeitável: ex-professora de História da USP e da PUC / RJ,
pós-doutoranda na École des Hautes Etudes em Sciences Sociales, de Paris, na
França, atualmente lecionando na Pós-Graduação de História da Universidade
Salgado de Oliveira.
Sua
trajetória literária, e altamente premiada, iniciou com a publicação de sua
tese de doutorado, História da Criança no
Brasil, de 1991, pela editora Contexto. A mesma editora publicou História das Mulheres no Brasil (1997) e
História do Amor no Brasil (2005). O Príncipe Maldito (editora Objetiva,
2007) iniciou uma série sobre a vida pessoal da Família Real Brasileira, à qual
se inclui Condessa do Barral, A Paixão do
Imperador (Objetiva, 2008, vencedor do prêmio da APCA), A Carne e o Sangue (Rocco, 2012, sobre a
relação entre D. Pedro I e a Marquesa de Santos) e O Castelo de Papel (Rocco, 2013, sobre o relacionamento da Princesa
Isabel e o Conde D’Eu). E tem ainda: Matar
para Não Morrer (Objetiva, 2009, sobre a morte do escritor Euclides da
Cunha), Histórias Íntimas (Planeta,
2011) e sua obra mais recente, Do Outro
Lado – A História do Sobrenatural e do Espiritismo (Planeta, 2014). Dentre
os prêmios que conquistou, está dois prêmios Casa Grande e Senzala, da Fundação
Joaquim Nabuco (1998 e 2000), o Jabuti, categoria Ciências Humanas (1998), o
Personalidade Cultural do Ano (1998) e o prêmio da Fundação Biblioteca Nacional
(2009). Del Priore também colabora com revistas e outras publicações do Brasil.
Conheçam mais sobre ela no seu site oficial: http://marydelpriore.com.br/.
Bão.
HISTÓRIAS ÍNTIMAS faz um apanhado, resumido, daquele assunto que desperta o
interesse dos leitores: sexo através da História do Brasil, desde os tempos do
Descobrimento até as tendências atuais. Tudo em uma linguagem acessível,
bem-humorada, na linha histórica da “História Vista Por Baixo”, a que
reconstrói o modo de vida das pessoas que, tradicionalmente, não são
favorecidas pela História.
O
livro é dividido em cinco capítulos, e cada um deles é dividido em pequenos
capítulos.
Bem,
todos aqueles que estudam história, mesmo que “por cima”, já devem ter ouvido
falar de como era a sexualidade nos tempos antigos. Todo mundo sabe que foram
os europeus, e sua tradição católica, que trouxeram para as Américas os
conceitos de pudores, de pecados, do proibido e do permitido, e também algumas
doenças venéreas. Do sexo, e de falar sobre sexo, ninguém escapa, é fato, mas o
que muda, com o tempo, é a forma como tratamos do assunto. Desde os tempos em
que os escritores mais “educados” tinham de usar eufemismos – termos mais
“inocentes” – para se referir à genitália humana, até os tempos em que nos
referimos às mesmas com os mais sujos palavrões. “Bunda”, há tempos, deixou de
ser um desses sujos palavrões, mas... não, não vou usar palavrões. Este é um
blog de família!
A
época dos pudores começou no momento em que os portugueses determinaram que se
cobrisse a nudez dos indígenas – ora vista como sem-vergonhice, ora como
consequência da pobreza dessas populações. E medidas para conter a sexualidade
livre dos mesmos não faltaram. A tentação da carne era grande nos tempos
coloniais, tempos em que os casados só podiam “se tocar” se fosse para procriar
– para se divertir, não. Mulheres tinham de se enfear, e os homens, dormir de
lado, nunca de costas, para não excitar os órgãos sexuais com “A concentração
de calor na região lombar”. Beijos? Difícil em tempos em que não se conhecia higiene
bucal, e banhos eram apenas nos finais de semana. Intimidade, em tempos em que
portas com chave eram artigos de luxo, era algo difícil: a solução era ir para
o mato. Namorar era um exercício de criatividade para driblar a vigilância dos
pais e dos padres. Até os negros tinham um palavreado próprio para se referir,
ou mesmo convidar, para os “atos libidinosos”. Naqueles tempos, não havia
sensualidade nos seios nus das mulheres – o conceito do que era excitante ou
não também foi uma construção cultural. E, acreditem: as igrejas, logo a
instituição que mais reprimia a sexualidade, eram os locais ideais para
namoricos e encontros mais íntimos. E sem falar, certamente, das escapadas dos
brancos com as índias e as negras. Mulheres com furor sexual eram mal vistas;
homens com tal furor, não.
Depois
do capítulo sobre o Brasil Colonial, Del Priore dedica um capítulo sobre o
século XIX, o “século hipócrita”. Os pudores do Brasil colonial continuavam,
mas só as fontes históricas fora dos gabinetes governamentais e das igrejas
revelam: corria solta, no século XIX, a homossexualidade, a ninfomania e a
prostituição. Houve casos em que a iniciação sexual dos rapazes foi no ambiente
dos internatos, e por colegas mais velhos. Porém, homossexualismo era visto
como uma doença mental, passível de ser tratada em manicômios. Isso sem falar
nos famosos casos de infidelidade, tanto os casos dentro das famílias como os
bem relatados casos dentro da Família Real (alguém aí falou em D. Pedro I?).
Doenças venéreas, como sífilis? Os supostos males causados pela masturbação? O
fantasma da impotência? A circulação de livros pornográficos, ou dos “livros
para se ler com uma só mão”? Há capítulos dedicados apenas a elas...
Na
virada do século XIX para o XX, segundo Del Priore, foram constatadas as
“primeiras rachaduras nos muros da repressão”. Todo mundo sabe que só na
segunda metade do século XX é que a sexualidade seria amplamente discutida, com
os estudos mais aprofundados sobre intimidades, doenças venéreas e as primeiras
tentativas de uma sincera educação sexual. Mas no início do século XX é que
percebemos algumas tentativas de se falar abertamente sobre o assunto,
principalmente com a circulação de um periódico evidentemente pornográfico, O Rio Nu, na cidade do Rio de Janeiro, entre
1900 e 1916, com textos, poemas, piadas e desenhos sugestivos. Repressão, claro
que havia, e só se podia falar em sexo, claro, através de eufemismos. Ah: sabia
que já houve gente, nos anos 40, que defendia o casamento gay, ou algo
equivalente?
O
século XX assistiu a transformação na intimidade. Del Priore aborda todos os
aspectos possíveis dessas transformações: matrimônio, traição, inevitabilidade
de se abordar sobre sexo, doenças venéreas, a ascensão do homossexualismo como
bandeira de afirmação – e as medidas para contê-lo, demonstrações de
masculinidade por parte dos homens, perversões como pedofilia, o apogeu e a
glória das pornochanchadas nos anos 70, a evolução das revistas de “mulépelada”
desde o abrandamento da censura do Regime Militar, a ascensão das revistas com
colunas de “conselhos aos leitores”, onde assuntos tabus eram abordados sem
pudor, as mudanças na moda de usar na praia, crimes passionais, mudanças na
forma de se ver a prostituição, o surgimento dos anticoncepcionais, que
possibilitaram a liberação feminina, mas fizeram-nas baixar a guarda quanto às
DSTs... os tabus iam caindo à medida que as décadas transcorriam, o Brasil
sempre acompanhando a tendência internacional. A censura do Regime Militar bem
que tentou fazer o país retornar aos níveis do Brasil Imperial, mas, como diz a
banda Ultraje a Rigor, “pelado todo mundo gosta, todo mundo quer, pelado todo
mundo fica, todo mundo é”. O jeito foi tentar se adaptar, mas com medidas para
resguardar os mais jovens e inocentes do mundo das perversões.
Mas
o saldo negativo da experiência também não fica de fora da abordagem: a
ascensão da AIDS e a obsessão por um certo tipo de modelo de beleza. Sim, vocês
sabem do que falo. Em uma entrevista, Del Priore afirmou: “foi depois que a
Xuxa apareceu que as mulheres ficaram obcecadas em serem loiras e magras”.
A
obra ainda contém um caderno de imagens, mas meio “pobre” para uma obra desse
porte – a maior parte das imagens é de extratos do já citado O Rio Nu. Podia ter mais exemplares de
imagens do século XX... Mas livro de história serve justamente a esse
propósito: instigar o leitor a procurar mais obras relacionadas, fazê-lo querer
saber mais sobre o assunto, enfim, fazê-lo querer mais. Como uma revista de
“mulépelada”.
O
prefácio do livro é do saudoso Moacyr Scliar.
Para
encerrar, já que falamos no assunto sexualidade, vamos falar um pouco sobre...
sexualidade no Brasil Colonial. Através dos cartuns.
A
inspiração para os cartuns foram outros, do Ota, publicados no seu livro
Relatório Ota do Sexo. Como historiador que sou, senti que os cartuns originais
mereciam uma arrumadinha no sentido historiográfico...
...e,
mesmo assim, sinto que também defequei na História, em nome do humor. Já sei
que vão dizer que está tudo errado, que não é assim que aconteceu... Mas já
foi. E não foi por falta de pesquisa.
À
medida que os dias transcorrerem, mais livros de história serão resenhados para
vocês, aqui, neste Blog Informativo, Cultural e Artístico.
Até
mais!
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