domingo, 24 de junho de 2018

Livro: A DAMA DA LAGOA


Olá.
Hoje, para esquecer um pouco a Copa do Mundo e a política nacional, vamos tratar de livro novamente.
Mais um livro do atual especialista na história de Porto Alegre, Rafael Guimaraens.
Nesta ocasião, retrocederemos um pouco no tempo, em relação ao último livro dele, do qual tratamos aqui.
É mais um livro sobre um crime célebre ocorrido na capital do Rio Grande do Sul. Desta vez, um aparente crime passional, porém de grande repercussão em sua época – e, claro, tratado na forma de romance, tal como foi em Tragédia da Rua da Praia.
Hoje, então, trataremos de A DAMA DA LAGOA.


A DAMA DA LAGOA foi lançado em 2013, pela editora Libretos – que publicou todas as obras do autor. Quem acompanha o blog, sabe que já falei de outros livros escritos e/ou organizados por Rafael Guimaraens, e todos publicados pela Libretos. Tragédia da Rua da Praia, tanto o romance quanto a versão em quadrinhos, desenhada por Edgar Vasques; Rua da Praia – Um Passeio no Tempo; Mercado Público, Palácio do Povo; e O Sargento, o Marechal e o Faquir. Agora, este A DAMA DA LAGOA.
Em tom de romance policial, com a marcação dos diálogos, detalhada reconstituição histórica e ilustrações – reproduções de fotografias de periódicos da época, em pontilhismo – Rafael Guimaraens reconstitui, em narrativa não linear e fragmentada, a comoção gerada pela morte de uma jovem na Porto Alegre dos anos 1940, época do Estado Novo de Getúlio Vargas, e quando o Brasil estava prestes a se envolver na Segunda Guerra Mundial.
Os personagens principais são dois jovens de famílias grã-finas da capital gaúcha, ambos descendentes de alemães. A trágica história de amor entre Heinz Schmeling e Maria Luíza Häussler, que ganhou ares dramáticos quando a moça morreu sob circunstâncias misteriosas, na madrugada entre 17 e 18 de agosto de 1940.
O livro começa na madrugada do dia 18 de agosto. Um rapaz cansado, e meio desorientado, pede para abastecer o seu carro, um Ford V8, em um posto de gasolina do bairro Passo da Mangueira. O jovem abastece o carro duas vezes na mesma madrugada, e no mesmo posto. Na tarde do dia 18, o rapaz é encontrado em um armazém do bairro Belém Velho, dormindo em uma cadeira de balanço, com a autorização do dono. O rapaz acaba sendo apreendido pela polícia ali mesmo, pois o mesmo portava um revólver. E ainda estava desorientado, e ainda por cima com um ferimento de bala. Mas as coisas começam a se complicar para ele, Heinz Schmeling: deveria haver uma moça com ele, e ambos estavam sendo procurados desde a madrugada.
Tudo começa antes da noite de sábado, 17 de agosto. No salão da Sociedade Germânia, espaço muito requisitado para festividades na época, ocorreu, é claro, um grande Baile dos Estudantes. Nesse baile, em companhia de amigas, compareceu Maria Luíza Häussler, apelidada de Lisinka pela família. Maria Luiza era enteada do inglês Arthur Haybittle, então gerente do British Bank em Porto Alegre, e sua vida era bastante controlada pela mãe, Erika Dörken. Há alguns dias atrás, Maria Luiza havia rompido seu relacionamento amoroso com Heinz Schmeling, também filho de família abastada, e tido como playboy.
Heinz já havia manifestado intenção de se casar com Maria Luiza, mas a mãe da moça se opunha ao relacionamento – entre outros motivos, porque Heinz, apaixonado por veículos e velocidade, teria matado um menino em um acidente de automóvel.
Tanto Erika Dörken quanto a mãe de Heinz, Friedel Wiedmann, eram desquitadas e casadas em segundas núpcias – na época, o divórcio era comum entre famílias de religião protestante. Mas Erika não suportava o comportamento mais liberal de Friedel, outro motivo porque desaprovava o namoro de Maria Luiza com Heinz.
Maria Luiza havia, por orientação de Erika, mandado uma carta a Heinz pedindo o rompimento – na verdade, um tempo na relação, porém estava evidente que ambos não aceitavam o fim do namoro. Maria Luiza havia até mesmo iniciado relacionamento com outro rapaz, aprovado pela mãe.
Bem: Heinz, dirigindo o Ford V8 emprestado do padrasto, Eithel Fritz Schmeling, apareceu no baile da Sociedade Germânia, tendo decidido ir em última hora. Lá, encontra Maria Luiza, e os dois decidem sair para conversar. É aí que acontece a tragédia.
Heinz ainda se encontra abalado. E a polícia, na figura do delegado Armando Gadret, exerce muita pressão sobre o rapaz – ele é violentamente interrogado mesmo internado no hospital. Que é feito da moça?
Paralelamente, o leitor acompanha os passos de outro personagem do livro, o jornalista Paulo Koetz, do Correio do Povo, um dos jornais que cobriram amplamente o caso. Koetz é opositor do governo Vargas e do Estado Novo (1937 – 1945), uma era de contradições na vida pública brasileira – apesar das políticas em benefício da classe trabalhadora, havia repressão, censura, perseguição, e em breve, com a definição da posição brasileira na Segunda Guerra Mundial, iniciaria a perseguição aos descendentes de estrangeiros. Bem, Koetz acaba encontrando paralelos com o caso da “Dama da Lagoa” com o cinema, notadamente dois filmes sucessos de bilheteria da época, o francês Hôtel du Nord e Rebecca, de Alfred Hitchcock.
Foi na terça-feira, 21 de agosto, que afinal o corpo de Maria Luiza foi encontrado: estava no fundo da Lagoa de Barros, amarrado a pedras. Ela foi morta por um tiro no peito.
Heinz alegava que fora Maria Luiza quem atirou nele, e depois teria se matado. Mas tanto a polícia quanto a imprensa estão certos de que foi o contrário: Heinz teria premeditado matar Maria Luiza, fracassou na tentativa de se suicidar e deu sumiço ao corpo. Uma detalhada perícia foi feita, e chegou a escancarar hipocrisias. As rotas seguidas pelo Ford V8, o interrogatório do frentista do posto de gasolina do Passo da Areia. Até mesmo a origem de um dos tijolos encontrados amarrados ao corpo da moça foi questionado; e até mesmo a virgindade de Maria Luiza foi questionada, em busca de indícios de agressão sexual. Uma parte controversa da perícia foi a avaliação das amostras de pólvora nas mãos dos envolvidos. O caso acabou cercado de controvérsias. Mas, de todo modo, a opinião pública se voltou contra Heinz Schmeling, que passou, até o seu julgamento, parte do tempo hospitalizado, parte internado em um sanatório. Ele já havia sido indiciado pelo delegado Gadret ainda antes de o corpo de Maria Luiza ser encontrado.
O julgamento de Heinz Schmeling ocorreu na tarde de 17 de dezembro de 1942. O julgamento foi caracterizado por um grande bate-boca – a defesa de Heinz ficou a cargo do advogado Waldyr Borges. Mas, no fim, Heinz conseguiu evitar a pena máxima, por assassinato. Mas ficou, sim, preso por algum tempo.
O caso é reconstituído em detalhes por Guimaraens, até mesmo as referências ao cinema. Ele se preocupa, inclusive, em reproduzir, com os devidos recursos de ficção, o que aconteceu no tribunal durante o julgamento de Heinz. E é um romance que deve ser lido com atenção: um mínimo detalhe descrito pode fazer a diferença, tanto na absolvição quanto na condenação. As certezas são desmontadas o tempo todo, o que deve ter sido um excelente exercício de storytelling para Rafael Guimaraens, mesmo na reconstituição de um caso real. Só a falha do romance foi não ter informado o destino de todos os personagens. Há quem possa achar que os trechos com Paulo Koetz são supérfluos. E não deixa claro se Heinz Schmeling realmente teve culpa na morte de Maria Luiza Häussler. O leitor que tire suas conclusões...
Um outro ponto controverso do livro é o tratamento das ilustrações, que, ao tentar reproduzir o pontilhismo da impressão em offset comum na época, tira a definição das fotos da época. Só de lembrar dos livros anteriores, com ilustrações mais nítidas...
De todo modo, A DAMA DA LAGOA é romance para mexer com a mente do leitor, fazê-lo questionar tudo. Tão questionador quanto o melhor romance policial que um dia já foi publicado. Vale procurar e ler.

Para encerrar, retrocedendo um pouco no tempo.
Claro que, para acompanhar esta postagem, coloco mais páginas de minha HQ folhetinesca, O Açougueiro. Faz quase dois meses desde que produzi e publiquei páginas inéditas da narrativa. Desta vez, consegui concluir quatro. Vou tentar aos poucos retomar o ritmo de produção – e devolver a história ao ritmo que deveria seguir desde o início.
Em breve, novo livro de Rafael Guimaraens para vocês.
Até mais!

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