Olá.
Hoje,
para esquecer um pouco a Copa do Mundo e a política nacional, vamos tratar de
livro novamente.
Mais
um livro do atual especialista na história de Porto Alegre, Rafael Guimaraens.
Nesta
ocasião, retrocederemos um pouco no tempo, em relação ao último livro dele, do
qual tratamos aqui.
É
mais um livro sobre um crime célebre ocorrido na capital do Rio Grande do Sul.
Desta vez, um aparente crime passional, porém de grande repercussão em sua
época – e, claro, tratado na forma de romance, tal como foi em Tragédia da Rua da Praia.
Hoje,
então, trataremos de A DAMA DA LAGOA.
A
DAMA DA LAGOA foi lançado em 2013, pela editora Libretos – que publicou todas
as obras do autor. Quem acompanha o blog, sabe que já falei de outros livros
escritos e/ou organizados por Rafael Guimaraens, e todos publicados pela
Libretos. Tragédia da Rua da Praia, tanto
o romance quanto a versão em quadrinhos, desenhada por Edgar Vasques; Rua da Praia – Um Passeio no Tempo; Mercado
Público, Palácio do Povo; e O
Sargento, o Marechal e o Faquir. Agora, este A DAMA DA LAGOA.
Em
tom de romance policial, com a marcação dos diálogos, detalhada reconstituição
histórica e ilustrações – reproduções de fotografias de periódicos da época, em
pontilhismo – Rafael Guimaraens reconstitui, em narrativa não linear e
fragmentada, a comoção gerada pela morte de uma jovem na Porto Alegre dos anos
1940, época do Estado Novo de Getúlio Vargas, e quando o Brasil estava prestes
a se envolver na Segunda Guerra Mundial.
Os
personagens principais são dois jovens de famílias grã-finas da capital gaúcha,
ambos descendentes de alemães. A trágica história de amor entre Heinz Schmeling
e Maria Luíza Häussler, que ganhou ares dramáticos quando a moça morreu sob
circunstâncias misteriosas, na madrugada entre 17 e 18 de agosto de 1940.
O
livro começa na madrugada do dia 18 de agosto. Um rapaz cansado, e meio
desorientado, pede para abastecer o seu carro, um Ford V8, em um posto de
gasolina do bairro Passo da Mangueira. O jovem abastece o carro duas vezes na
mesma madrugada, e no mesmo posto. Na tarde do dia 18, o rapaz é encontrado em
um armazém do bairro Belém Velho, dormindo em uma cadeira de balanço, com a
autorização do dono. O rapaz acaba sendo apreendido pela polícia ali mesmo,
pois o mesmo portava um revólver. E ainda estava desorientado, e ainda por cima
com um ferimento de bala. Mas as coisas começam a se complicar para ele, Heinz
Schmeling: deveria haver uma moça com ele, e ambos estavam sendo procurados
desde a madrugada.
Tudo
começa antes da noite de sábado, 17 de agosto. No salão da Sociedade Germânia,
espaço muito requisitado para festividades na época, ocorreu, é claro, um
grande Baile dos Estudantes. Nesse baile, em companhia de amigas, compareceu
Maria Luíza Häussler, apelidada de Lisinka pela família. Maria Luiza era
enteada do inglês Arthur Haybittle, então gerente do British Bank em Porto
Alegre, e sua vida era bastante controlada pela mãe, Erika Dörken. Há alguns
dias atrás, Maria Luiza havia rompido seu relacionamento amoroso com Heinz Schmeling,
também filho de família abastada, e tido como playboy.
Heinz
já havia manifestado intenção de se casar com Maria Luiza, mas a mãe da moça se
opunha ao relacionamento – entre outros motivos, porque Heinz, apaixonado por
veículos e velocidade, teria matado um menino em um acidente de automóvel.
Tanto
Erika Dörken quanto a mãe de Heinz, Friedel Wiedmann, eram desquitadas e
casadas em segundas núpcias – na época, o divórcio era comum entre famílias de
religião protestante. Mas Erika não suportava o comportamento mais liberal de
Friedel, outro motivo porque desaprovava o namoro de Maria Luiza com Heinz.
Maria
Luiza havia, por orientação de Erika, mandado uma carta a Heinz pedindo o
rompimento – na verdade, um tempo na relação, porém estava evidente que ambos
não aceitavam o fim do namoro. Maria Luiza havia até mesmo iniciado
relacionamento com outro rapaz, aprovado pela mãe.
Bem:
Heinz, dirigindo o Ford V8 emprestado do padrasto, Eithel Fritz Schmeling,
apareceu no baile da Sociedade Germânia, tendo decidido ir em última hora. Lá,
encontra Maria Luiza, e os dois decidem sair para conversar. É aí que acontece
a tragédia.
Heinz
ainda se encontra abalado. E a polícia, na figura do delegado Armando Gadret,
exerce muita pressão sobre o rapaz – ele é violentamente interrogado mesmo
internado no hospital. Que é feito da moça?
Paralelamente,
o leitor acompanha os passos de outro personagem do livro, o jornalista Paulo
Koetz, do Correio do Povo, um dos
jornais que cobriram amplamente o caso. Koetz é opositor do governo Vargas e do
Estado Novo (1937 – 1945), uma era de contradições na vida pública brasileira –
apesar das políticas em benefício da classe trabalhadora, havia repressão,
censura, perseguição, e em breve, com a definição da posição brasileira na
Segunda Guerra Mundial, iniciaria a perseguição aos descendentes de
estrangeiros. Bem, Koetz acaba encontrando paralelos com o caso da “Dama da
Lagoa” com o cinema, notadamente dois filmes sucessos de bilheteria da época, o
francês Hôtel du Nord e Rebecca, de Alfred Hitchcock.
Foi
na terça-feira, 21 de agosto, que afinal o corpo de Maria Luiza foi encontrado:
estava no fundo da Lagoa de Barros, amarrado a pedras. Ela foi morta por um
tiro no peito.
Heinz
alegava que fora Maria Luiza quem atirou nele, e depois teria se matado. Mas
tanto a polícia quanto a imprensa estão certos de que foi o contrário: Heinz
teria premeditado matar Maria Luiza, fracassou na tentativa de se suicidar e
deu sumiço ao corpo. Uma detalhada perícia foi feita, e chegou a escancarar
hipocrisias. As rotas seguidas pelo Ford V8, o interrogatório do frentista do
posto de gasolina do Passo da Areia. Até mesmo a origem de um dos tijolos
encontrados amarrados ao corpo da moça foi questionado; e até mesmo a
virgindade de Maria Luiza foi questionada, em busca de indícios de agressão
sexual. Uma parte controversa da perícia foi a avaliação das amostras de
pólvora nas mãos dos envolvidos. O caso acabou cercado de controvérsias. Mas,
de todo modo, a opinião pública se voltou contra Heinz Schmeling, que passou,
até o seu julgamento, parte do tempo hospitalizado, parte internado em um
sanatório. Ele já havia sido indiciado pelo delegado Gadret ainda antes de o
corpo de Maria Luiza ser encontrado.
O
julgamento de Heinz Schmeling ocorreu na tarde de 17 de dezembro de 1942. O
julgamento foi caracterizado por um grande bate-boca – a defesa de Heinz ficou
a cargo do advogado Waldyr Borges. Mas, no fim, Heinz conseguiu evitar a pena
máxima, por assassinato. Mas ficou, sim, preso por algum tempo.
O
caso é reconstituído em detalhes por Guimaraens, até mesmo as referências ao
cinema. Ele se preocupa, inclusive, em reproduzir, com os devidos recursos de
ficção, o que aconteceu no tribunal durante o julgamento de Heinz. E é um
romance que deve ser lido com atenção: um mínimo detalhe descrito pode fazer a
diferença, tanto na absolvição quanto na condenação. As certezas são
desmontadas o tempo todo, o que deve ter sido um excelente exercício de storytelling para Rafael Guimaraens,
mesmo na reconstituição de um caso real. Só a falha do romance foi não ter
informado o destino de todos os personagens. Há quem possa achar que os trechos
com Paulo Koetz são supérfluos. E não deixa claro se Heinz Schmeling realmente
teve culpa na morte de Maria Luiza Häussler. O leitor que tire suas
conclusões...
Um
outro ponto controverso do livro é o tratamento das ilustrações, que, ao tentar
reproduzir o pontilhismo da impressão em offset comum na época, tira a
definição das fotos da época. Só de lembrar dos livros anteriores, com
ilustrações mais nítidas...
De
todo modo, A DAMA DA LAGOA é romance para mexer com a mente do leitor, fazê-lo
questionar tudo. Tão questionador quanto o melhor romance policial que um dia
já foi publicado. Vale procurar e ler.
Para
encerrar, retrocedendo um pouco no tempo.
Claro
que, para acompanhar esta postagem, coloco mais páginas de minha HQ
folhetinesca, O Açougueiro. Faz quase
dois meses desde que produzi e publiquei páginas inéditas da narrativa. Desta
vez, consegui concluir quatro. Vou tentar aos poucos retomar o ritmo de
produção – e devolver a história ao ritmo que deveria seguir desde o início.
Em
breve, novo livro de Rafael Guimaraens para vocês.
Até
mais!
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