Se passaram quinze dias desde a última postagem do blog. Por conta de assuntos complicados (sem relação com os resultados da Copa do Mundo), não deu para colocar no ar uma nova postagem antes de um novo episódio de meu folhetim ilustrado para adultos, MACÁRIO. Desse modo, acontece novamente de haver dois episódios seguidos, colados um ao outro, em um intervalo de duas semanas. Mas tenho meus motivos.
E, de todo modo, está no ar mais um episódio.
ATENÇÃO: leitura não recomendada para menores de 18 anos. Contém cenas de transmutação humano-animal, ameaça psicológica, consumo de bebidas alcoólicas e chantagem emocional.
A água do chuveiro caía farta sobre mim. Água
quente, e límpida. Melhor que a água do esgoto onde, há alguns instantes,
estive quase imerso, segundo me contaram.
Flávio Dragão me emprestara até um sabonete e
um xampu para eu tirar o odor de esgoto do corpo. E ficou, inclusive, de me
emprestar uma roupa para eu poder voltar para casa – se é que ele realmente me
permitiria voltar para o meu apartamento.
Quanto tempo fiquei sob aquele chuveiro,
tomando um banho de “descontaminação”?
Ah, mas eu já estava me sentindo bem melhor
depois daquele banho.
Porém, não muito.
Não com essa preocupação me incomodando.
A preocupação com o que aconteceu aos Animais
de Rua.
Tentando resumir rapidamente: quando eu
voltava para casa, depois do trabalho, a gangue dos Animais de Rua me tirou
para dar uma volta pela cidade. O passeio deles era, basicamente, catar restos
de comida das lixeiras dos restaurantes e das lanchonetes. Eles me convidaram
para participar de um “piquenique” de restos de comida em plena madrugada, a
alguns instantes do dia nascer – contribuí com um pacote de salgadinho pela
metade, achado em uma lixeira. Mas, durante a “refeição”, fomos atacados por
Carniceiros, o nome “oficial” dos cães demoníacos que já haviam me atacado
diversas vezes antes. Eu tentei entrar na briga, defende-los; acabei caindo em
um córrego contaminado por esgoto, ao brigar com o alfa da matilha. No auge da
briga, Eliane, a bruxa da gangue, fez um feitiço, e todos, exceto eu,
desapareceram do local. Os Animais de Rua, os Carniceiros, todos sumiram,
exceto eu, que desmaiei... e fui encontrado e salvo por Flávio Dragão e sua
gangue, os Dinossauros que Sorriem, acho que o nome que ele deu é esse mesmo.
E, agora, eu estava na casa que servia de sede da gangue, sob um chuveiro, me
lavando.
Ao sentir que o cheiro de dejetos e a
urticária na pele já haviam saído, desliguei o chuveiro e me sequei com a
toalha ali deixada, pendurada na cortina (o chuveiro ficava atrás de uma cortina
de lona, não era box, como no banheiro do meu apartamento – que, em breve,
deixaria de ser meu no momento em que eu começar a dividir apartamento com
Lúcifer, vulgo Luce, o vampiro).
O banheiro era espaçoso. Chuveiro, vaso
sanitário, pia e um bidê. E estava razoavelmente limpo, o que era surpreendente
para uma gangue, ou o que quer que sejam os Dinossauros que Sorriem. Decerto,
havia sido limpo no dia anterior. Haviam toalhas molhadas, mas o piso estava
limpo, o vaso estava limpo, e cheiro, apenas um leve odor da umidade das
paredes – o banheiro não era revestido com azulejos. Sinais de que haviam só
tomado banho até agora, antes de mim. Aliás, perto da janela, haviam várias
garrafas de xampu e condicionador, mas, lembrando que Flávio Dragão e os outros
tinham cabeça raspada, estava me perguntando quem usava aqueles xampus.
Saí de trás da cortina, e dei de cara com um
dos parceiros de Flávio Dragão, me esperando com uma muda de roupa nas mãos.
Tomo um pequeno susto. Ele me sorria reptilianamente. E ele tinha uns poucos
fios de cabelo na cabeça, que ele diligentemente penteava para trás,
arredondando sua cabeça. Apesar disso, ele devia ser usuário de um daqueles
xampus.
- Terminou, Macário? – ele perguntou.
- Acho que sim. – respondo, apreensivo. – Não
estou cheirando esgoto?
- Não. Digo, só um pouquinho, agora. Mas deve
sair em um novo banho. Ainda vamos entender como foi que você caiu naquele
córrego sujo.
- Eu já disse. Eu estava enfrentando os
Carniceiros, e eu fui derrubado. – expliquei, enquanto eu me cheirava.
- Bem, acho que estas roupas devem servir em
você. São do Rosauro. Vão ficar meio grandes, mas deve ser suficiente até você
chegar na sua casa.
- Obrigado.
Ele deixou as roupas em cima da tampa do vaso
sanitário e saiu do banheiro.
Era um conjunto de calça, camisa de manga
comprida, cueca, meias e um casaco. Porém, tudo era um ou dois números maior
que o meu. Quem quer que seja Rosauro, ele é alto, mas não é gordo. A roupa
ficou grande, e eu tive de dobrar as mangas da calça e da camisa. O incômodo
maior seria com relação à cueca, que eu já sentia caindo de minha cintura,
dentro da calça – pior que o elástico parecia lasseado.
Por último, ponho o apanhador de sonhos,
pendurado em um cabide de toalhas, no pescoço. Saí do banheiro, calçando um
chinelo de borracha sobre as meias.
A casa dos Dinossauros que Sorriem tinha uma
aparência melhor que a do “cafofo” dos Animais de Rua. Havia mais preocupação
com a limpeza, com o recolhimento do lixo. De fato, a casa parecia de uma
família comum e caprichosa, do tipo que varria o chão todo dia. Até poderia
dizer que Flávio Dragão, na verdade, morava com a mãe – se a casa era, de fato,
dele. Mas a mobília também era despojada, sem muitos elementos além dos
essenciais, e tudo tinha aparência de antigo – o armário, a mesa, as cadeiras,
a tevê...
Sob as cortinas fechadas da janela, dava para
ver que o dia já amanhecia. E os Animais de Rua haviam prometido que eu estaria
no meu apartamento antes do amanhecer... Mas eles sumiram...
Na sala, estavam reunidas cinco pessoas,
entre homens e mulheres. Todos os homens tinham cabeça raspada (exceto aquele
que penteava os poucos fios de cabelo para trás) e casaco de couro, com aquele
“smile” estranho estampado.
As duas mulheres ali presentes tinham
aparências... exóticas. Mais exóticas que as dos homens. Uma tinha cabelos
coloridos, rosto de traços fortes, como que maltratados pelo tempo, usava
maquiagem pesada, os lábios grossos realçados pelo batom vermelho, unhas
compridas e esmaltadas, braceletes vistosos nos pulsos e até o vestido era
feito de couro. E, nesse momento, ela fumava um cigarro. Parecia uma prostituta
recém chegada da rua, com o perdão da palavra. Eu lembrava dela: no primeiro
dia em que os Monstros começaram a frequentar o bar, ela havia me puxado e me dado
um beijo na bochecha, e dito que eu era o melhor bartender do mundo.
A outra mulher era mais jovem e seu rosto era
mais suave, mas tinha aparência vistosa: metade de sua cabeça estava raspada,
na outra metade caía um volumoso tufo de cabelo vermelho. E seus olhos grandes
e fortemente expressivos estavam fortemente maquiados.
- Oi, Macário. – cumprimentou Flávio Dragão,
com um sorriso. – Melhor agora?
- Melhor. Obrigado, Flávio. – agradeci. – Boa
aparência, a do seu... esconderijo.
- Pensava que fosse como, Macário? – retrucou
um dos caras. – A gente cuida do nosso lar.
- Um de nossos lares, na verdade. – falou o
terceiro.
Então esse era apenas um de seus locais de
reunião? Será que cada um deles tinha sua própria casa, e se reuniam ora na
casa de um, ora na de outro? Tanto a perguntar, mas era eu que tinha perguntas
para responder agora.
- E aí, Macário, como está? – perguntou a
mulher do cabelo colorido, sorrindo para mim, tirando o cigarro dos lábios. – O
nosso bartender favorito, olhe como ele foi encontrado.
- Você passou por poucas e boas hoje, não
foi, Macário? – perguntou a moça do cabelo raspado. – Você chegou aqui sujo e
parece ter saído de uma briga.
- E parece que a roupa do Rosauro ficou
grande em você... – falou Flávio, com um olhar avaliativo.
- É... Já me advertiram disso – falei. – Onde
está minha roupa?
- Pusemos para lavar. – falou a mulher do
cigarro. – Mas não sabemos se a sua roupa pode ser usada novamente... Vai
depender do que podemos fazer. Mas essa roupa aí vai ter de servir até você
chegar em casa.
- Sim. – falou um dos outros caras, o ligeiramente
mais alto e que parecia mais jovem. – Depois você me devolve, viu? Eu gosto
dessa calça.
Pelo jeito, esse é o Rosauro.
- Hum... pode deixar. Eu vou cuidar bem das
suas roupas. – falei. – Se não acontecer mais nada de esquisito hoje, se
ninguém mais me tirar para dar um “rolê” inesperado, eu devolvo estas roupas
limpas e lavadas.
Rosauro sorriu.
- Ah, Macário, deixa eu apresentar os outros,
que eu acho que você ainda não conhece. – falou Flávio, apontando com o polegar
para o rapaz alto à sua esquerda: – Este aqui é o Rosauro. Aqui à minha direita
é o Delano. – este acenou: o que veio me trazer a roupa – Esta é a Jussara – Flávio
apontou para a mulher do cigarro – e esta é a Sulídea – e apontou para a garota
do cabelo raspado. – E você sabe que eu sou o Flávio. Flávio Dragão socialmente,
porque no grupo do Lúcifer tem outro Flávio. Mas aqui eu sou apenas o Flávio.
- Prazer em conhece-los. – respondi, com
cordialidade. – Digo, conhece-los melhor.
- Encantada. – falou Sulídea. – Você é tão galante,
sabia?
- Que é isso. – respondi.
- O que mais pode se esperar do homem que nos
presta tão bom atendimento à noite? – fala Jussara, com um gesto coquete.
- Bem, esta aqui, Macário, é uma parte da
nossa família. – continuou Flávio.
- Tem mais gente no grupo? – pergunto.
- Tem. – respondeu Delano. – Os Dinossauros
que Sorriem são cerca de dez, doze membros.
- Somos doze. – respondeu Flávio.
- Hum... e... por que... Dinossauros que
Sorriem? – perguntei, inocentemente, embora já soubesse. Já havia visto a
verdadeira forma de Flávio Dragão.
- Bem, Macário, você é capaz de guardar
segredo? – pergunta Rosauro.
- S... sim, sou. – respondo, timidamente. –
Eu já estou guardando muitos segredos, mas eu posso guardar os de vocês
também...
- Que bom – respondeu Delano – porque o
efeito da poção de transmutação já vai acabar, e aí... Ungh...
Dizendo isso, Delano começou a se contorcer, como
se tivesse um mal súbito, e, quase em um piscar de olhos, todos também
começaram a se contorcer, e a se transformar diante de mim.
Todos ali adquiriram aparências de lagartos.
Ou de dinossauros. Ou de... dragões. Difícil definir o que eles eram, de fato.
Mas, de repente, eu estava diante de uma versão punk da Família Dinossauros.
Pelo menos, os homens: eles adquiriram aparência reptiliana, mãos com escamas
coloridas e garras, uma cauda saindo de dentro da calça, e ostentavam inclusive
chifres, na cabeça e na ponta do focinho. Os de Flávio Dragão eram maiores,
então devo supor que ele que era o líder do grupo. Porém, suas roupas não se
rasgaram: eles mantiveram a estatura e o porte humanos. Só Rosauro que ficou
com um pescoço comprido, ficando mais alto. E o cabelo deles também cresceu:
aquele “smile” esculpido nas nucas cresceu até se transformar em uma comprida
crina.
As mulheres não ficaram assustadoras. Não
muito. Mesmo a aparência sáuria parecia suave. Focinhos compridos, que lhe
davam uma aparência canina; chifres; corpo humanoide, mantendo inclusive a forma
dos seios... e uma cauda de lagarto. Mas ambas mantiveram os cabelos e as
roupas. Jussara tinha agora uma crina bicolor que caía dos dois lados, e
Sulídea tinha uma crina vermelha que caía só de um lado de sua cabeça.
Eu estava assustado, mas procurei não
demonstrar.
- Por favor, Macário, não nos odeie ao nos
ver assim... – pediu Jussara, com uma expressão triste. Sua voz não se alterou
junto com a aparência.
- Vocês são... dinossauros? – perguntei.
- Não. – responde Flávio, com o mesmo tom de
voz da aparência humana. – Somos Dragonianos.
- Drago...?
- Híbridos de humano e dragão. – responde
Delano. – Em algum momento, em circunstâncias peculiares, houve o cruzamento
entre humanos e dragões, gerando assim um povo à parte...
- ...que necessita de recursos especiais para
poder andar incógnito sobre a Terra, entre a raça humana dominante! – fala
Rosauro. – Pense em nós como aqueles que poderiam ter dominado a Terra se os
dinossauros não tivessem sido extintos... como a evolução dos dinossauros para
a forma “civilizada”, se os macacos não tivessem passado na nossa frente...
- Só assim, camuflados como humanos, para não
levantar suspeitas... – falou Sulídea. – Só em casa, sob as cortinas fechadas,
para ficarmos à vontade...
- Mas preferimos o epíteto de Dinossauros
porque... bem, quem nos vê, dirá logo que somos... dinossauros. – falou Delano.
– Não achamos ruim, mas não nos devem confundir com simples dinossauros.
- Mas calma – falou Flávio – nós não soltamos
fogo pela boca... esse poder não temos.
Porém, Flávio soltou um grande arroto. Acabou
repreendido por Jussara:
- Flávio! Isso são modos?!
- Pô, desculpe. Foi involuntário.
Segure o esfíncter, Macário... a cueca e a
calça são emprestados...
- Eu... eu... eu vou guardar segredo! –
falei, apreensivo. – Não vou contar nada para ninguém!
- Não vai mesmo, Macário? – pergunta Flávio.
– Podemos confiar em você?
- O... o que vocês vão fazer comigo se eu...
hã... trair a confiança?
- Aí vamos devorar você!!! – quase gritou
Flávio, abrindo a enorme boca cheia de dentes afiados. Estive, por um momento,
diante de um crocodilo.
Arregalo o olho. Ele não podia estar falando
sério!! Aah, agora sim eu mijo na calça!!
De repente, os outros dois machos começaram a
rir.
- Flávio!! – interveio Jussara novamente. –
Não assuste-o assim!!
- Ah, desculpe, Jussara, foi só para dar um
aviso para ele! – falou Flávio, risonho. – Mas você entendeu, certo, Macário?
- Não ligue para ele. – falou Jussara, para
mim. – Para esse... monstro. Só porque ele é um dragão, ele fica assustando
todo mundo assim...
- Mas é assim que se consegue mais facilmente
a confiança das pessoas, você não acha? – falou Flávio. – Deu certo com o
Lúcifer.
Eu estava tremendo. Por pouco não urinei na
calça emprestada.
- Acha mesmo que enganou o Luce, senhor Dragão?
– falou Sulídea. – Seremos mesmo capazes de devorar um vampiro?
- Pelo menos garantimos que ele não vai nos
sacanear. – falou Delano. – Não se engana um dragão, sequer um Dragoniano.
- E pelo menos, sabemos que o Macário não vai
nos sacanear. – falou Rosauro, olhando para mim. – Vai nos atender bem lá no
bar, e não vai nos dedurar para os humanos.
- E... e... eu... eu juro... eu juro que não
vou contar para ninguém... – falei, tremendo, quase chorando. – Mas... mas
vocês... vocês comem... gente?
- Só de vez em quando, Macário. – falou
Flávio. – Somos carnívoros, mas em boa parte do tempo, comemos carne de
animais, assim como vocês.
- Humanos, Macário... só quando eles traem a
confiança de um dragão. – falou Delano.
- E, entre humanos, é muito difícil achar
alguém em quem podemos confiar um segredo. – falou Rosauro. – Por isso, nossa
companhia tem sido a dos Monstros, que se camuflam como humanos para andar
entre eles.
- Somos, Macário, criaturas noturnas também.
– falou Jussara. – Nossos hábitos são essencialmente noturnos, porque assim
ficamos mais à vontade...
- Por isso, estamos andando nessa verdadeira
babel que é o grupo do Luce. – disse Flávio. – E veja como as coisas são,
Macário, eu estou, por algum motivo especial, entre os principais membros do
grupo. Sabe, os que estão no círculo principal junto com Lúcifer, Andrômeda e
Claus.
- Sim, eu sei... – foi minha resposta.
- Não sabemos direito por que o Luce se
interessa tanto em reunir a maior quantidade possível de Monstros em um único
grupo, dos mais humildes aos mais ricos. – falou Delano. – Decerto, deve estar
planejando um ataque dos Monstros aos humanos, pelo domínio mundial.
Engoli em seco.
- Mas é claro que eu posso estar enganado. –
prosseguiu Delano. – Aquele vampiro não é certo da cabeça, acredite. Seus
objetivos podem ir da simples zoeira aos planos mais nefastos.
- Acredite, Macário, eu conheço bem o Lúcifer,
há anos convivemos. – falou Flávio. – Já vi muitas coisas que ele aprontou, mas
eis uma coisa que ainda não ficou clara: qual é o interesse dele em você?
- Sim, Macário – falou Rosauro – Por que todo
esse entusiasmo dele em revelar a você, um humano, a existência dos Monstros,
das Criaturas Noturnas? Se fosse eu, tentaria manter o segredo o máximo que
puder.
Engoli em seco de novo.
- Eu também me pergunto... – respondi. – Só
porque eu durmo de dia e trabalho e estudo à noite? Mas não é apenas o Luce que
tem interesse em mim. As garotas também. Digo, as garotas monstras, se é que eu
posso chamar assim... e... tem várias garotas doidas para fazer... fazer “aquilo”
comigo.
- Não! Sério?! – Sulídea arqueou uma
sobrancelha.
Mas eu podia sentir que elas duas, Sulídea e
Jussara, também estavam doidas para transar comigo.
- Nós podemos mesmo confiar nossos segredos a
você, Macário? Sério mesmo? – pergunta Jussara.
- Por favor... – pediu Sulídea, com um olhar
pidonho.
- Eu não vou contar para ninguém... acreditem
em mim... – eu respondo, agora eu mesmo fazendo um olhar triste. – Não me
comam...
- Acreditamos em você, Macário. – falou
Flávio. – Claro que acreditamos. Você é diferente. Todos nós sentimos no
momento em que entramos naquele bar. Sentimos que nossa prioridade é proteger
você...
- Aliás, Macário... será que você pode nos
ajudar agora, assim como ajudamos você? – pergunta Delano.
- Ajudar? No quê? – perguntei, temeroso.
- A preparar a nossa poção.
- Po... poção?! – arregalei um olho.
- Nossa poção, que garante a nossa aparência
humana. – falou Sulídea.
- Mas... mas... eu não sei fazer poção... –
comecei a tremer.
- Calma, Macário, é simples. A gente ensina
você. – fala Rosauro, com um sorriso. – Vai ser como se você estivesse
preparando um drinque para nós. Simples.
- Dr... drinque... – engoli em seco.
- Preparem tudo para ele. – ordenou Flávio. –
Estamos pedindo como um favor, que hoje você prepare a poção.
Engoli em seco mais uma vez. Melhor concordar
com aquilo. Vai que eles queiram mesmo me devorar. Eu apertava o apanhador de
sonhos sob a camisa: me proteja, Mateus.
Os Dinossauros colocaram sob a mesa da
cozinha algumas garrafas. Ora: eram garrafas de bebida alcoólica normal.
Aguardente, conhaque, vermute, licor. Havia também uma coqueteleira. Da
geladeira ali próxima, tiraram uma forma de gelo. Também colocaram ali um
açucareiro cheio, uma tábua de cortar carne, uma faca e alguns limões. Tudo o
que eu comumente utilizava na minha função no bar – exceto por um ramo de ervas
estranhas e uma garrafa com um líquido verde claro e viscoso.
- É só fazer como se você estivesse no bar,
Macário. – disse Flávio. – Coquetéis batidos para cada um de nós. Mas só
acrescente nas nossas doses um pouco destas folhas – e apontou para as ervas –
e meio copinho deste líquido – e apontou para a garrafa de líquido verde.
- Esses ingredientes que são os essenciais –
disse Delano – mas o efeito deles é potencializado se forem misturados com
bebida de álcool. Entendeu?
- Geralmente, nós preparamos as nossas poções
sem problemas – falou Sulídea – mas desta vez queremos que você prepare para
nós, como você faz no bar. Pode?
- Hm... es... está bem. Entendi. – respondi,
com apreensão. – Como vocês vão querer suas bebidas?
Era só o que me faltava. Em plena madrugada,
eu ter de preparar drinques para um grupo de meio-dragões em uma casa. Quem
visse, diria que essa história de poção era só desculpa para beber de manhã
cedo. Mas estava em jogo uma confiança recíproca, que não podia ser traída. Que
fazer? Fazer drinques, é claro. E colocaram até copos.
Fiz tudo direito. Procurei fazer tudo
direito, pelo menos, conforme me instruíram. Preparei os drinques conforme eu
sabia fazer, com as bebidas, os limões, açúcar; mas acrescentando, conforme
eles instruíram, aquelas substâncias que nem eu sabia o que eram. Para cada
drinque, uma pitada daquelas ervas picadas, que pareciam salsa, e meio copo
pequeno daquele líquido viscoso, que cheirava a menta.
O primeiro drinque a ficar pronto foi o do
Flávio Dragão – ele testaria para ver se dava certo o meu preparado. Ele
despejou o conteúdo do copo dentro da bocarra e engoliu; cerca de cinco
segundos depois, ele começou a se transformar novamente; e reassumiu a forma
humana que me era familiar.
Uma a uma, saíam as doses de cada um naquela
sala. Procurei agir como sempre agi, da forma como eles me conheceram. E,
quinze minutos depois, já estavam todos novamente transformados em humanos.
- Eu sabia! – gritou Flávio. – Podemos sim
confiar no Macário!
- Uma salva de palmas para ele! – gritou
Delano, e todos ali aplaudiram.
- Você salvou o dia novamente, Macário... –
falou Jussara, me puxando e me dando um beijo.
- Você é mesmo o melhor bartender do mundo,
Macário! – falou Sulídea, desta vez ela me beijando.
- Você agora é um Dinossauro que Sorri
honorário! – exclamou Rosauro. – Com direito a jaqueta e tudo! Em breve, nós
lhe presentearemos com uma jaqueta exclusiva!
- Acredite, Macário: você ganhará mais sendo
um Dinossauro que Sorri que com outras gangues... – falou Flávio – que sendo,
por exemplo, como os Animais de Rua.
- Aqueles sujeitos são tão... do contra. –
falou Jussara, acendendo um cigarro. – Não sei como eles suportam viver daquele
jeito, na sujeira, catando lixo para comer...
- Pois é. – falou Sulídea. – Não sei por que
o Lúcifer permite a presença deles. Um monte de garotos e garotas bonitos e
saudáveis, se estragando daquela maneira...
Noto que os Dinossauros também veem os Animais
de Rua com certo preconceito. Decerto, também são rivais deles – e apenas os
toleravam por causa de Luce.
- Eu queria saber o que aconteceu com eles...
– eu falei. – Com os Animais de Rua. Eles desapareceram depois da luta com os
Carniceiros...
- Bem, eu não posso dizer que sim, mas também
não posso dizer que não... – falou Flávio – mas acho que eles não sobreviveram.
Se é verdade que eles tiveram outra briga com os Carniceiros... possivelmente,
onde quer que tenham ido... não creio que tenham sobrevivido, Macário. Bem...
havia marcas de sangue lá onde encontramos você, e...
- Lamentamos muito, Macário. Mas com os
Carniceiros não dá para brincar. – falou Delano. – Nós sabemos disso. Também
conhecemos os Carniceiros e seus hábitos.
Comecei a ficar triste. Não pode ser... não
pode ter acontecido... e eu podia ter impedido, mas não consegui...
- Ah, Macário, não fique triste por causa
disso. – falou Jussara, tentando me consolar. – Isso acontece com muita gente. Nós
mesmos já perdemos muitos de nossos companheiros em brigas.
- Além do mais – falou Sulídea – foram eles
mesmos, tanto os Animais de Rua quanto os Carniceiros, que escolheram viver
dessa forma... e talvez morrer dessa forma. Como vira-latas.
Já estava começando a me irritar com aquele
modo que estavam tratando os Animais de Rua.
- Ah, Macário, fique com a gente... – pediu
Sulídea.
- Seja um de nós, Macário... – falou Jussara
– A gente dá um jeito, mas seja um Dinossauro...
Arregalei o olho. Que proposta é essa?!
- Mas... Mas eu sou humano... – comecei a
falar, timidamente.
- A gente dá um jeito, Macário. – falou
Flávio, com a mão em meu ombro. – Mas você terá muitas vantagens se você passar
a ser um de nós... Como dragões, nós entendemos melhor a vida que os vampiros,
as ninfas...
- Que os Animais de Rua!
Aí, todos começaram quase a falar ao mesmo
tempo. Estava evidente que todos estavam levemente bêbados, já que ingeriram
álcool...
- Junte-se a nós, Macário...
- Não importa que você seja só um humano...
- Vamos ensinar a você nossos truques de
magia...
- Vamos preparar um casaco pra você, assim
como o nosso, raspar a sua cabeça, e aí...
- Portarás nosso símbolo com orgulho...
Arregalei o olho. O quê?! Era só o que
faltava... Eu, com a cabeça raspada, só deixando o “smile” esculpido na nuca?!
O que meus pais vão dizer se me virem desse jeito?! O que as garotas vão dizer
se...
Mas, de repente, antes que algum deles
dissesse mais alguma coisa...
Ouviram-se fortes batidas na porta,
sobressaltando a todos.
Quem seria a essa hora da manhã? Sulídea foi
atender.
Era Andrômeda, a vampira, fazendo um horrível
beiço.
Seu cabelo prateado brilhava à luz do sol
nascente.
Próximo capítulo daqui a 15 dias.
Como está ficando até o momento? Continuo? Paro? A história está boa para uma eventual publicação em livro? Ou não? Manifestem-se!
Até mais!
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