segunda-feira, 2 de julho de 2018

MACÁRIO - Capítulo 38: "As Últimas 48 Horas Livre (Parte 3)"

Olá.
Nesta segunda, enquanto escrevo, o Brasil está em êxtase com a sua atuação na Copa do Mundo. Mas a minha preocupação foi outra: terminar, a tempo, mais um episódio de meu folhetim ilustrado para adultos, MACÁRIO. Devido a muitos encargos que peguei durante a semana, quase que não deu para escrever e fazer as ilustrações a tempo de entrar no ar ainda na segunda-feira... Mas está aí.
ATENÇÃO: leitura não recomendada para menores de 18 anos. Contém cenas de metamorfose animal, agressão a animais, poluição do meio ambiente e magia negra.



Era só o que faltava para aquela madrugada ficar realmente estranha. O dia, desde que levantei da cama, foi movimentado; e a madrugada, mais ainda.
Mas, era só o que faltava.
Os cães demoníacos.
De onde eles vinham? Não sei.
O que eles eram, afinal? Também não sei.
Mas os Animais de Rua, a gangue, sabiam.
Os nove “monstros” que me impediram de ir para casa, e com os quais estava agora dividindo uma “refeição”, de restos de comida catados nos depósitos de lixo de lanchonetes e restaurantes, estes sabiam quem eles eram.
Fifi, Ringo, Aura, Pauley, Gil, Boland, Richard, Fido e Eliane se puseram em posição de alerta. Estavam se preparando para fugir. Mas não deu tempo.
A matilha saiu lentamente de trás das árvores, rosnante, salivante.
E eram muitos. A cada aparição, os cães pareciam se multiplicar, como coelhos. Desta vez, eram mais de dez cães.
O que iria acontecer?
Na nossa frente, estavam os cães; atrás, um córrego, um esgoto a céu aberto, separando o local onde estávamos da avenida. E haviam cães bloqueando a ponte mais próxima. E, atrás, haviam mais cães bloqueando as saídas possíveis. Estávamos cercados. A única possibilidade de fuga seria pular no córrego contaminado...
- Os cães demoníacos!... – murmurei.
- Você já cruzou com eles antes, Macário? – pergunta Eliane.
- Hã... Três vezes. – respondi.
- E como você se livrou deles, Macário? – pergunta Gil.
- Hã... Como eu...? Hã... depois eu digo.
- Por que depois, Macário? – falou Ringo. – Fale agora... Não vai ter depois, depois que eles...
Eles realmente sabiam de coisas que eu não sei. Eu sentia que eles estavam intimidados.
- Peraí... vocês conhecem os cães demoníacos? – pergunto.
- É assim que você os chama, Macário? – pergunta Fifi.
Não entendi essa.
- Hã... e como vocês os chamam?
- Carniceiros. – responde Richard. – Esses são os Carniceiros. Não são simples... cães.
Agora fiquei ainda mais apreensivo. O nome já assustava. E, de fato, nem pareciam cães, parecem coiotes.
- Estão entre os nossos piores inimigos, Macário. – falou Boland. – Mais que uma matilha, eles são uma gangue. Disputam espaço vital conosco.
- Não bastam as gangues rivais, também tem os Carniceiros disputando com a gente! – falou Ringo.
- Agora diga, Macário, como você fez para se livrar deles nas três vezes que você se encontrou com eles! – falou Fido.
- Bem, eu...
Mas não consegui falar. Tinha a impressão que os Carniceiros, se assim mesmo se chamavam, estavam olhando diretamente para mim. Era a mim que eles visavam.
E comecei a me lembrar das três vezes que esses cães cruzaram meu caminho. Na primeira, eu estava em um beco com Viridiana, inspecionando o local onde supostamente Valtéria atacara cães e gatos; eu, com o cérebro cheio de adrenalina, simplesmente dei um grito, que os intimidou, e os espantei.
No segundo encontro, eles estavam perseguindo Geórgia. Eles a cercaram no mesmo beco. Eu também os espantei com um grito.
No terceiro encontro, eu estava sob efeitos de um coquetel de drogas, ou o que tenha sido, que me fizeram acreditar que eu havia me transformado em um vampiro. Os cães apareceram em uma construção, onde eu havia me refugiado. E me atacaram. Lutei valentemente com eles, e até matei uns dois ou três, e suguei seu sangue. Só de lembrar que bebi sangue de cachorro, já fico com o estômago revoltado.
Mas... e agora? Será que eu consigo espantar os cães com um grito, novamente?
Estava claro que não. Estava claro que aqueles cães aprendiam com experiências anteriores. Então, gritos não os intimidariam.
Os cães olhavam diretamente para mim. Estava claro que eu era o seu alvo. Até podia entender o que eles estavam pensando.
Oi, Macário.
Eu só olhava nos olhos daquele que parecia ser o Alfa do grupo, o maior deles, o que estava mais à frente.
Que está fazendo ao lado dos vira-latas, Macário?!
E o Alfa estava falando comigo, por telepatia!...
Pensa que esquecemos que você matou membros da nossa família, Macário? Que você tomou o sangue deles?
Pensa que vai escapar desta vez, Macário?! Ouvi a voz de outro cão.
Não, Macário, você não vai escapar. “Falou” um terceiro.
E os seus amigos vira-latas vão com você. “Falou” um quarto.
Consigo mandar uma resposta para eles, nas condições em que estou?
Pare de chamar meus amigos de vira-latas, seu filho de uma cadela... Eu que vou trucidar vocês... Não pensem que eu não sou capaz...
Sentia meu corpo estremecendo.
- Deixem o Macário em paz, seus monstros! – gritou Fifi para o Alfa.
- É ele que vocês querem, não? – foi a vez de Fido gritar. – Vão ter de passar pela gente!!
Os cães pareceram ter se assustado com os rompantes deles. Mas não recuaram. Não foi mais que um passinho para trás. Depois, os Carniceiros retomaram a posição de ataque. E continuaram rosnando. E eu continuava ouvindo o que eles “pensavam”:
Saiam da frente, vira-latas...
Este é o nosso confronto final...
Por que estão protegendo ele?!
Vira-latas...
Vira-latas?! Olhem quem estava “falando”!
- Preparem-se, pessoal! – falou Fifi. – Pelo jeito vai ter briga de novo!
E eu senti que havia excitação entre o pessoal, como se brigar com uma matilha de coiotes fosse algo corriqueiro, diversão de final de semana.
- Oba! – Boland até sorriu, dando um passo para a frente. – Estava mesmo querendo um pouco de... movimento.
- Boland! Não! – quase gritou Gil.
- Eu vou ficar bem, meu amor. Eu te protejo. – Boland sorriu. – Você sabe, Gil.
- Sim, mas por que estou sentindo que desta vez...? – Gil interrompeu a frase, como um mau presságio.
- Talvez porque esta é a primeira briga que o Macário vai ver – falou Eliane.
- Temos de proteger o Macário! – falou Aura. – É ele que eles querem.
- Então vamos jogar... – falou Fifi.
E, dizendo isso, ela se metamorfoseou para a forma felina. As orelhas saíram de seu cabelo, o rosto e os braços se encheram de pelos, garras saíram de seus dedos.
Ao mesmo tempo, Fido também mudou: sua cabeça se transformou na de um cachorro. Foi uma surpresa para mim. E, a seguir, mas ainda mantendo a roupa do corpo, Fido assumiu a forma completa de um cão, sobre as quatro patas.
Boland assumiu a forma de javali – cabeça, braços. Mas não ficou de quatro.
Richard também se transformou: assumiu uma forma híbrida de piranha e ser humano, se transformando em um tipo de monstro aquático. Assim ficava muito assustador.
E Aura se metamorfoseou, assumindo a forma de um... Carniceiro. Ela se transformou em uma cópia de um dos cães demoníacos. E sorria.
Ringo gerou mais quatro braços a partir de seu corpo. Ficou com seis braços. E, pelo jeito, era o que ele conseguia fazer.
Somente Eliane, Pauley e Gil não assumiram formas alternativas, nem posições de ataque. Digo, Pauley sacou um canivete, e só.
- Fica frio, Macário – falou Pauley, confiante. – Fiquem frias, meninas. A gente não perdeu até agora. Sabem como somos bons no pique-bandeira.
- Se a situação apertar, Eliane, você já sabe. – alertou Fifi.
Sabendo que Eliane era uma bruxa, capaz de lançar algum tipo de sortilégio – ela que garantiu – é bem possível que ela era vista como um trunfo no caso de algo dar errado. Mas isso não me deixou mais tranquilo. Evidente que a mais frágil do grupo era Gil, que, apesar dos braços extensíveis, mal sabia se defender de brigas. E o que dizer de Eliane, que, antes de ser uma bruxa, é uma humana... como eu?
Me senti tão inútil. O que eu poderia fazer para ajuda-los? Eu sentia que deveria ajuda-los, não podia ficar na posição de donzela em perigo, junto com Gil e Eliane. Não posso ser simplesmente a donzela em perigo, à mercê dos cães.
Mas não dava mais tempo de pensar...
É assim que querem, vira-latas? Assim será!
Os cães já processaram o primeiro ataque. Saltaram sobre nós.
Mas os Animais de Rua eram bons defensores. Como gangue que atuava nas ruas, claro que eles sabiam brigar.
Conseguiram repelir o primeiro ataque.
Fifi atacava com suas garras, e valentemente. Os cães nem eram maiores do que ela, nenhum deles ultrapassava o tamanho de um pastor alemão. Com as garras, Fifi conseguia manter os cães a certa distância dela. E ela era ágil. Dois cães que passaram pelas suas garras afiadas fugiram, um terceiro tentava uma oportunidade de pegá-la de surpresa.
Boland também brigava bem. Eu já havia ouvido falar que os javalis eram animais violentos e briguentos. Já agarrara dois cães pelo pescoço, e os jogara contra o chão.
Fido lutava como um cão, claro. Ele e Aura eram os que estavam de igual para igual em relação aos adversários, atacando às mordidas, embora só pudessem atacar um inimigo de cada vez, enquanto Boland e Ringo conseguiam atacar mais de um.
Ringo também tinha a vantagem de poder dominar dois cães, cada um com dois braços.
Fido e Aura se atracaram com um cão cada um, e estavam em vantagem. Eram experientes, mas os adversários não ficavam atrás.
Um cão ainda estava em posição de ataque, aguardando o momento mais propício para atacar Richard, que, pelo jeito, era o mais letal. Ele simplesmente arreganhava os dentes, simulava mordidas.
Fiquei impressionado. Para eles, parecia ser apenas mais uma briga como tantas outras que já enfrentaram antes.
Até o momento, nenhum cão tentou atacar Pauley, Eliane, Gil e eu.
Os Animais de Rua conseguiram manter certa vantagem... por um minuto.
Porque, de trás das árvores, começaram a surgir mais cães, como uma segunda bateria de ataque.
- Oh-oh! – falou Eliane. – Parece que hoje eles estão dispostos a tudo!
- Eles trouxeram mais reforços! – manifestou-se Gil.
De fato, já eram mais de vinte cães, agora, não sei ao certo, eles se movimentavam muito, e perdi a conta.
Aí, a vantagem mudou de lado.
Atacando em bando, os Carniceiros começaram a dificultar as coisas para Fifi. Ela agora estava cercada. Conseguiram evitar que Boland estrangulasse os cães que haviam pego, saltando sobre suas costas. Agora, ele lutava com dois ou três cães que saltavam em cima dele. Ringo, Fido e Aura também começaram a ficar em apuros. Pelo jeito, Aura não conseguia nem enganar os Carniceiros, se passando por um deles: devia ser por causa do cheiro, que ela não conseguia disfarçar, assim, se havia dois Carniceiros atacando um terceiro, esse terceiro era Aura. O ataque surpresa também dificultou as coisas para Richard, até então na defensiva.
A briga, dentro de poucos instantes, iria se transformar em carnificina, tanto de cães quanto de monstros. Mordidas começaram a ser distribuídas, além de sopapos, chutes... Os defendidos olhavam horrorizados para essa batalha campal. O sangue já pingava.
- Boland, não... – murmurou Gil, ao ver Boland lutando contra agora quatro ou cinco cães que tentavam devorá-lo. – Eu sabia...
Pauley até tentava fazer algo, com seu canivete, ameaçando um cão que tentava avançar nele.
- Se afaste! Arreda! Xô! – gritava ele, esticando o braço com o canivete toda vez que o cão fazia que ia atacar.
- Pauley! – falou Eliane. E, olhando para o outro lado: – Gil! Atrás de você!!
Pelo outro lado, já avançou um cão, saltando em cima de Gil.
- Aaah! – foi o grito.
Não!!!
Por instinto, movimento reflexo, consegui agarrar o cão pelo pescoço.
- Macário! – gritou Eliane.
Algo começou a gritar dentro de mim. Não, não posso ficar simplesmente olhando! Estão surgindo cada vez mais Carniceiros, e estes aproveitavam brechas na defesa para atacar! Eu tenho de fazer alguma coisa! E daí que não são cães comuns?! Eu já os enfrentei uma vez! Posso enfrenta-los de novo! Claro que posso!! E é o que vou fazer!!!
Devo ter algum poder latente dentro de mim. Eu não estava sob efeito de drogas quando espantei aqueles cães aos gritos. Deve haver alguma substância fazendo efeito em mim, que me possibilite entrar em briga com os cães demoníacos! É o que vou fazer! Eu posso!!
Agarrei o cão pelo pescoço, bem na hora do salto, e, com um movimento rápido, joguei-o dentro do córrego. O cão afundou quase completamente no lodo cinzento, cataploft! A seguir, a minha mochila escorregou de meus ombros e caiu no chão.
- Macário!! – gritou de novo Eliane.
- Eu vou proteger vocês! – gritei.
- Macário, não!!
Mas ignorei os gritos. Coloquei a mão no peito, para sentir o apanhador de sonhos sob a camisa. Proteja-me, Mateus. E aí, me joguei em cima dos cães que brigavam com Fifi.
- Macário!! – ela gritou.
Agarrei um pelo rabo. E fiz os outros avançarem em cima de mim. Repeli um com um pontapé. Outro também foi para o córrego, com um movimento do meu braço.
- Macário, o que está fazendo?! – ouvi alguém gritar.
- Deixem meus amigos em paz! – gritei. – Passa! Xô, cães demoníacos!!
Aí, os cães saíram de cima dos outros, e voltaram suas atenções para mim, que já empurrava mais um para o córrego, com um chute. Em menos de um minuto, toda a matilha agora estava me cercando. Eu olhava para o Alfa.
- Macário!! – Pauley gritou. – O que está fazendo?!
- Macário, não se arrisque! Não os enfrente!! – gritou Fifi, acudindo um ferimento no braço.
- Deixe que a gente cuida deles! – gritou Ringo. – A gente pode cuidar deles...
- Não posso ficar sem fazer nada! – gritei. – É a mim que eles querem, não é? Olhem eu aqui, cães do inferno! – gritei para a matilha, com um gesto teatral. – Se deixarem meus amigos em paz, podem ficar comigo!!
- Oh, Macário... – murmurou Gil.
Todos ali paralisaram, surpresos com meu gesto.
De repente, o Alfa deu um uivo, e todos pararam. Ele deu um passo à frente, e sempre olhando nos meus olhos, “disse”:
Vocês todos, cuidem dos outros; o Macário aí é meu. Deixem comigo.
Mas você viu o que ele fez com três dos nossos?!, “falou” outro.
Ele só os jogou no riacho, mas olhem, eles estão bem, e ainda tem mais de nós para enfrentar o que vier... Deixem o Macário comigo; ele agora é apenas um humano!
Eu estremecia. Não conseguia parar de olhar para o Alfa.
Você, Macário, agora é apenas um humano. Não está sob efeito de nada. Não pode fazer nada! Veja agora seus amiguinhos vira-latas serem devorados pelos meus...
- Você não vai devorar ninguém! – e já avancei em cima do alfa.
Nos engalfinhamos. Agarrei-o, e ele começou a se debater. E a batalha prosseguiu, mas agora, eu, concentrado em minha luta contra o Alfa, não conseguia ver o que acontecia ao meu redor. Estava mais concentrado em evitar que o Alfa cravasse seus dentes em mim.
Mas aí, não deu para evitar: um movimento em falso, e o Alfa e eu acabamos caindo para dentro do córrego. Ou melhor: o Alfa me empurrou para o córrego, e eu agarrei em seu pelo, arrastando-o comigo para dentro da água suja.
- MACÁRIOOOOO!! – ouvi alguém gritando.
Não foi uma queda grande, felizmente. A cova do córrego, escavada na terra, era íngreme, de terra macia e com capim crescendo. E o córrego não era muito fundo, nem muito raso, sem pedras no fundo, apenas um pouco de lodo, de modo que não deu para alguém se machucar. Aquele momento, não corria muita água. Mas foi o suficiente para eu me molhar, ficar cheio daquele lodo cinzento, e, além disso, a água estava suja, espumosa e malcheirosa. Outra vez aquela sensação de que mijavam em cima de mim.
O alfa também pareceu surpreso. Agora ambos estavam molhados, sujos, enquanto a batalha se desenrolava lá em cima.
Tive apenas uns poucos segundos para me recuperar do grande susto, porque agora eu estava cercado: estavam quatro cães ali naquele córrego.
Seu Macário de uma figa!!
Nos jogou nesta água suja!!
Mas agora você também está na água suja, e não vai escapar!
Lá de cima, ouvi Eliane gritar.
- Macário!! Você está bem?!
- Eu não sei!! – foi minha resposta.
Não pude dar outra resposta: o Alfa avançou para cima de mim. E agora, ambos voltamos a nos engalfinhar, agora, sob o fio d’água, sob o lodo.
Tenho de terminar logo esta luta! Já estou por demais sujo e já sentia minha pele coçar por causa das substâncias que poderiam estar em suspensão naquela água... e os outros dois cães prontos para me atacar também, três contra um...
O mais que eu podia fazer era tentar estrangular o Alfa. Eu estava com as mãos em seu pescoço, apertando-o, os braços esticados para evitar que ele avançasse em meu rosto... ele não é maior que um pastor alemão... mas seus dentes eram afiados... com outro movimento, consegui jogar o Alfa para a água... boa ideia, tentar afogar aquele cão demoníaco...
Mas aí, os outros dois cães saltaram em cima de mim...
Ouvi vozes falando ali em cima:
- Parece que é a sua deixa, Eliane...
- Hora da gente vazar...
- Tente salvar o Macário também...
- Cubram os olhos...
E, justo nesse momento, quando os cães já iam me derrubar na água, houve um clarão vindo do campo de batalha lá em cima, e uma fumaça saindo... Uma fumaça colorida e psicodélica.
E tive a rápida visão de Eliane, agitando os braços, e era dela que saía o clarão e a fumaça colorida.
Sabia que Eliane estava, naquele instante, fazendo um sortilégio. Talvez defensivo. Que tipo de sortilégio?
Não deu tempo para pensar.
A fumaça colorida, acompanhada de uma ventania, encobriu-me logo no momento em que os cães iam avançar sobre mim...
E tudo ao meu redor desapareceu.
Perdi os sentidos. A última coisa que senti foi o vento me jogando para trás, dentro da água suja...

A fumaça se dissipou.
Ao menos, era o que parecia.
Não lembro de mais nada depois que fui envolto naquela fumaça, no momento em que estrangulava o Alfa dos Carniceiros, e os outros dois cães saltaram para cima de mim.
Quando a fumaça se dissipou, e minha consciência voltou, eu me sentia suspenso em alguma coisa. Algo ou alguém me segurava no ar.
Não sentia água nem lama ao meu redor. De alguma forma, eu havia saído do córrego. Mas... onde eu estava agora?
Eu ficara desacordado depois que fui envolvido naquela fumaça? Por quanto tempo?
- Você está bem, Macário? – ouvi uma voz grossa.
Minha visão voltou ao foco, após sofrer o ofuscamento por conta do clarão e da fumaça. E distingui um rosto familiar.
- Macário, você está bem? – a voz insistiu.
Aquele rosto era o de Flávio, o Dragão.
- F... Flávio?! – murmurei. – Flávio Dragão?!
- Ah! Afinal acordou. Oi, Macário! Estávamos preocupados.
Eis o que vi quando abri os olhos: eu estava sendo erguido nos braços por Flávio Dragão, membro do bando de Luce. E ele era forte, eu não era mais que um manequim de loja em seus braços.
E havia mais gente ao meu redor.
Haviam mais pessoas de aspecto severo, assim como Flávio. Reconheci-os: eram frequentadores do bar, também.
- Eu... onde... onde estou? – atordoado, balbuciei.
- Olhe, Macário, nós salvamos a sua mochila! – falou o homem ao nosso lado, segurando minha mochila.
- E olha só, a sua carteira, o seu celular... – disse um terceiro. – Se o celular estiver funcionando, já é uma boa coisa.
Minha carteira e meu celular estavam nos meus bolsos no momento da briga. A carteira parecia intacta, e nem havia caído de meu bolso, decerto, nem suja estava. Mas o celular deve ter molhado. O que vou dizer para a Âmbar?
- O meu celular caiu do bolso? – perguntei.
- Bem, sua carteira não caiu do bolso, mas o seu celular... por um triz não caiu dentro da lama. Você tem sorte, hein!
Os sujeitos ao nosso redor sorriam de uma forma que os faziam lembrar lagartos. Ou dinossauros.
- O que aconteceu, Macário?! – pergunta Flávio. – Como foi que você se jogou aí, no córrego?!
- Eu...
Olhando além das pessoas e dos meus pertences, o cenário ao redor era o mesmo. O espaço entre as árvores e o córrego, à beira da avenida, onde os Animais de Rua e eu paramos para comer dos restos de comida achados no lixo, quando os cães nos atacaram. Mas os Animais de Rua não estavam mais ali, nem os Carniceiros.
- Tudo bem com você, Macário? – tornou a repetir Flávio.
- Eu... eu acho que sim, mas...
- Consegue andar, Macário?
- Acho que sim... me... me ponha no chão...
Flávio, suavemente, me pôs no chão. Minhas pernas tremiam, mas consegui me colocar em pé. Sentia as pequenas dores de contusões, mas nenhum osso quebrado. E fui distinguindo as pessoas em redor. Eram três homens, contando Flávio.
- Quem... quem são vocês?! – perguntei.
- Ué, Macário, não nos reconhece? – perguntou um deles. – Nós também frequentamos o bar onde você trabalha...
- E sou eu, o Flávio Dragão, sou da patota do Luce...
- S... sim, eu sei... – respondi. – Mas... mas vocês todos são de qual gangue, digo, de qual grupo?
De fato, todos ali usavam jaquetas escuras, iguais à que Flávio usava.
- Ah. – responde Flávio. – Pode nos chamar de... Dinossauros que Sorriem.
E todos viraram de costas, para mostrar o símbolo em suas jaquetas: o estranho “smile”. E, pior, também tinham o “smile” esculpido em seus cabelos! A cabeça de todos eles estava raspada, exceto pelo “smile” em suas nucas.
- Perdão, Macário, se eu não havia apresentado minha turma para você antes. – disse Flávio, voltando-se para mim novamente. – Parece que só agora você conseguiu se desocupar do Luce e dos outros, hein?
- Mas em que condições encontramos você, Macário... – disse outro deles. – O que você estava fazendo, jogado dentro do córrego, desmaiado?!
- Desmaiado? Dentro do... Oh! Os... Os Carniceiros! Os Animais de Rua!
- Os Animais de... Macário, você estava com os Animais de Rua?! – Flávio arqueou uma sobrancelha.
- Onde eles estão?! Todos sumiram! Até os cães!! – eu olhava freneticamente em redor.
- Um momento, Macário. – pediu Flávio. – Pode explicar o que houve? Do porquê de você estar no córrego?!
- Eu... – procurei me acalmar – eu estava voltando do bar e... e os Animais de Rua... você deve conhecer os Animais de Rua... a Fifi, o Richard... – Flávio acenou a cabeça positivamente. Ele os conhecia. – Bem...os Animais de Rua me tiraram para dar um passeio... fomos catar comida no lixo, e...
- Você, Macário?! Esteve catando comida junto com os Animais de Rua?! – perguntou um dos Dinossauros.
- Estive. E aí paramos aqui para comer... Oh, olhem ali, ainda está aqui a “toalha” com os restos... E aí os Carniceiros... Conhece também os Carniceiros?! – Flávio acenou a cabeça positivamente de novo. – Eles nos atacaram, e aí eu consegui derrubar o chefe deles no córrego aqui...
- Ah, você caiu e desmaiou, foi isso? Foi acidente.
- É, foi... acidente. Caí, mas não desmaiei... eu continuei lutando, e aí a Eliane fez alguma coisa, soltou fumaça, e... e aí tudo ao redor apagou.
Todos me olhavam de sobrancelha arqueada.
- Meio difícil de acreditar, cara.
- Mas talvez seja a explicação mais lógica para você estar aí, jogado no rio. Ainda bem que estávamos passando por aqui.
- Mas... mas e os outros? Onde estão todos? – perguntei.
- Se tinha mais alguém aqui, Macário... todos sumiram feito mágica. Nem Animais de Rua, nem Carniceiros. Todos sumiram. Só você ficou aqui.
- E olha só... todo sujo, fedorento... Mas pelo menos, não tem ferimentos. Que milagre, cara.
- Vem conosco, Macário. Nossa casa é aqui perto. Vem se lavar e se recompor.
Suspirei. Melhor ir com eles. Mas será que era seguro aceitar a gentileza daquele grupo? Acho que não há outra saída... Eu estava realmente imundo. Que bela maneira de terminar um dia tão estranho.
Mas, enquanto era conduzido pelos Dinossauros que Sorriem até a casa deles, eu fiquei preocupado. Não há dúvidas que Eliane, ao tentar fazer alguma coisa a respeito, fizeram todos sumirem, tanto os Carniceiros quanto os Animais de Rua. Mas... por que eu também não desapareci? Por que eu fiquei ali, jogado no córrego?! E... para onde eles foram?!

E... será que estavam bem?

Próximo episódio daqui a 15 dias.
Até aqui, como estou me saindo? A história vai bem? Vai mal? Continuo? Paro? Manifestem-se, deixem um comentário, ou continuarei fazendo o que bem entender.
Até mais!

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