Nesta segunda, enquanto escrevo, o Brasil está em êxtase com a sua atuação na Copa do Mundo. Mas a minha preocupação foi outra: terminar, a tempo, mais um episódio de meu folhetim ilustrado para adultos, MACÁRIO. Devido a muitos encargos que peguei durante a semana, quase que não deu para escrever e fazer as ilustrações a tempo de entrar no ar ainda na segunda-feira... Mas está aí.
ATENÇÃO: leitura não recomendada para menores de 18 anos. Contém cenas de metamorfose animal, agressão a animais, poluição do meio ambiente e magia negra.
Era só o que faltava para aquela madrugada
ficar realmente estranha. O dia, desde que levantei da cama, foi movimentado; e
a madrugada, mais ainda.
Mas, era só o que faltava.
Os cães demoníacos.
De onde eles vinham? Não sei.
O que eles eram, afinal? Também não sei.
Mas os Animais de Rua, a gangue, sabiam.
Os nove “monstros” que me impediram de ir
para casa, e com os quais estava agora dividindo uma “refeição”, de restos de
comida catados nos depósitos de lixo de lanchonetes e restaurantes, estes
sabiam quem eles eram.
Fifi, Ringo, Aura, Pauley, Gil, Boland,
Richard, Fido e Eliane se puseram em posição de alerta. Estavam se preparando
para fugir. Mas não deu tempo.
A matilha saiu lentamente de trás das
árvores, rosnante, salivante.
E eram muitos. A cada aparição, os cães
pareciam se multiplicar, como coelhos. Desta vez, eram mais de dez cães.
O que iria acontecer?
Na nossa frente, estavam os cães; atrás, um
córrego, um esgoto a céu aberto, separando o local onde estávamos da avenida. E
haviam cães bloqueando a ponte mais próxima. E, atrás, haviam mais cães
bloqueando as saídas possíveis. Estávamos cercados. A única possibilidade de
fuga seria pular no córrego contaminado...
- Os cães demoníacos!... – murmurei.
- Você já cruzou com eles antes, Macário? –
pergunta Eliane.
- Hã... Três vezes. – respondi.
- E como você se livrou deles, Macário? –
pergunta Gil.
- Hã... Como eu...? Hã... depois eu digo.
- Por que depois, Macário? – falou Ringo. – Fale
agora... Não vai ter depois, depois que eles...
Eles realmente sabiam de coisas que eu não
sei. Eu sentia que eles estavam intimidados.
- Peraí... vocês conhecem os cães demoníacos?
– pergunto.
- É assim que você os chama, Macário? –
pergunta Fifi.
Não entendi essa.
- Hã... e como vocês os chamam?
- Carniceiros. – responde Richard. – Esses
são os Carniceiros. Não são simples... cães.
Agora fiquei ainda mais apreensivo. O nome já
assustava. E, de fato, nem pareciam cães, parecem coiotes.
- Estão entre os nossos piores inimigos,
Macário. – falou Boland. – Mais que uma matilha, eles são uma gangue. Disputam
espaço vital conosco.
- Não bastam as gangues rivais, também tem os
Carniceiros disputando com a gente! – falou Ringo.
- Agora diga, Macário, como você fez para se
livrar deles nas três vezes que você se encontrou com eles! – falou Fido.
- Bem, eu...
Mas não consegui falar. Tinha a impressão que
os Carniceiros, se assim mesmo se chamavam, estavam olhando diretamente para
mim. Era a mim que eles visavam.
E comecei a me lembrar das três vezes que esses
cães cruzaram meu caminho. Na primeira, eu estava em um beco com Viridiana,
inspecionando o local onde supostamente Valtéria atacara cães e gatos; eu, com
o cérebro cheio de adrenalina, simplesmente dei um grito, que os intimidou, e
os espantei.
No segundo encontro, eles estavam perseguindo
Geórgia. Eles a cercaram no mesmo beco. Eu também os espantei com um grito.
No terceiro encontro, eu estava sob efeitos
de um coquetel de drogas, ou o que tenha sido, que me fizeram acreditar que eu
havia me transformado em um vampiro. Os cães apareceram em uma construção, onde
eu havia me refugiado. E me atacaram. Lutei valentemente com eles, e até matei
uns dois ou três, e suguei seu sangue. Só de lembrar que bebi sangue de
cachorro, já fico com o estômago revoltado.
Mas... e agora? Será que eu consigo espantar
os cães com um grito, novamente?
Estava claro que não. Estava claro que
aqueles cães aprendiam com experiências anteriores. Então, gritos não os
intimidariam.
Os cães olhavam diretamente para mim. Estava
claro que eu era o seu alvo. Até podia entender o que eles estavam pensando.
Oi,
Macário.
Eu só olhava nos olhos daquele que parecia
ser o Alfa do grupo, o maior deles, o que estava mais à frente.
Que
está fazendo ao lado dos vira-latas, Macário?!
E o Alfa estava falando comigo, por
telepatia!...
Pensa
que esquecemos que você matou membros da nossa família, Macário? Que você tomou
o sangue deles?
Pensa
que vai escapar desta vez, Macário?! Ouvi a voz de outro cão.
Não,
Macário, você não vai escapar. “Falou” um terceiro.
E os
seus amigos vira-latas vão com você. “Falou” um quarto.
Consigo mandar uma resposta para eles, nas
condições em que estou?
Pare
de chamar meus amigos de vira-latas, seu filho de uma cadela... Eu que vou
trucidar vocês... Não pensem que eu não sou capaz...
Sentia meu corpo estremecendo.
- Deixem o Macário em paz, seus monstros! –
gritou Fifi para o Alfa.
- É ele que vocês querem, não? – foi a vez de
Fido gritar. – Vão ter de passar pela gente!!
Os cães pareceram ter se assustado com os
rompantes deles. Mas não recuaram. Não foi mais que um passinho para trás.
Depois, os Carniceiros retomaram a posição de ataque. E continuaram rosnando. E
eu continuava ouvindo o que eles “pensavam”:
Saiam
da frente, vira-latas...
Este
é o nosso confronto final...
Por
que estão protegendo ele?!
Vira-latas...
Vira-latas?! Olhem quem estava “falando”!
- Preparem-se, pessoal! – falou Fifi. – Pelo
jeito vai ter briga de novo!
E eu senti que havia excitação entre o
pessoal, como se brigar com uma matilha de coiotes fosse algo corriqueiro,
diversão de final de semana.
- Oba! – Boland até sorriu, dando um passo
para a frente. – Estava mesmo querendo um pouco de... movimento.
- Boland! Não! – quase gritou Gil.
- Eu vou ficar bem, meu amor. Eu te protejo.
– Boland sorriu. – Você sabe, Gil.
- Sim, mas por que estou sentindo que desta
vez...? – Gil interrompeu a frase, como um mau presságio.
- Talvez porque esta é a primeira briga que o
Macário vai ver – falou Eliane.
- Temos de proteger o Macário! – falou Aura.
– É ele que eles querem.
- Então vamos jogar... – falou Fifi.
E, dizendo isso, ela se metamorfoseou para a
forma felina. As orelhas saíram de seu cabelo, o rosto e os braços se encheram
de pelos, garras saíram de seus dedos.
Ao mesmo tempo, Fido também mudou: sua cabeça
se transformou na de um cachorro. Foi uma surpresa para mim. E, a seguir, mas
ainda mantendo a roupa do corpo, Fido assumiu a forma completa de um cão, sobre
as quatro patas.
Boland assumiu a forma de javali – cabeça,
braços. Mas não ficou de quatro.
Richard também se transformou: assumiu uma
forma híbrida de piranha e ser humano, se transformando em um tipo de monstro
aquático. Assim ficava muito assustador.
E Aura se metamorfoseou, assumindo a forma de
um... Carniceiro. Ela se transformou em uma cópia de um dos cães demoníacos. E
sorria.
Ringo gerou mais quatro braços a partir de
seu corpo. Ficou com seis braços. E, pelo jeito, era o que ele conseguia fazer.
Somente Eliane, Pauley e Gil não assumiram
formas alternativas, nem posições de ataque. Digo, Pauley sacou um canivete, e
só.
- Fica frio, Macário – falou Pauley,
confiante. – Fiquem frias, meninas. A gente não perdeu até agora. Sabem como
somos bons no pique-bandeira.
- Se a situação apertar, Eliane, você já
sabe. – alertou Fifi.
Sabendo que Eliane era uma bruxa, capaz de
lançar algum tipo de sortilégio – ela que garantiu – é bem possível que ela era
vista como um trunfo no caso de algo dar errado. Mas isso não me deixou mais
tranquilo. Evidente que a mais frágil do grupo era Gil, que, apesar dos braços
extensíveis, mal sabia se defender de brigas. E o que dizer de Eliane, que,
antes de ser uma bruxa, é uma humana... como eu?
Me senti tão inútil. O que eu poderia fazer
para ajuda-los? Eu sentia que deveria ajuda-los, não podia ficar na posição de
donzela em perigo, junto com Gil e Eliane. Não posso ser simplesmente a donzela
em perigo, à mercê dos cães.
Mas não dava mais tempo de pensar...
É
assim que querem, vira-latas? Assim será!
Os cães já processaram o primeiro ataque.
Saltaram sobre nós.
Mas os Animais de Rua eram bons defensores.
Como gangue que atuava nas ruas, claro que eles sabiam brigar.
Conseguiram repelir o primeiro ataque.
Fifi atacava com suas garras, e valentemente.
Os cães nem eram maiores do que ela, nenhum deles ultrapassava o tamanho de um
pastor alemão. Com as garras, Fifi conseguia manter os cães a certa distância
dela. E ela era ágil. Dois cães que passaram pelas suas garras afiadas fugiram,
um terceiro tentava uma oportunidade de pegá-la de surpresa.
Boland também brigava bem. Eu já havia ouvido
falar que os javalis eram animais violentos e briguentos. Já agarrara dois cães
pelo pescoço, e os jogara contra o chão.
Fido lutava como um cão, claro. Ele e Aura
eram os que estavam de igual para igual em relação aos adversários, atacando às
mordidas, embora só pudessem atacar um inimigo de cada vez, enquanto Boland e
Ringo conseguiam atacar mais de um.
Ringo também tinha a vantagem de poder
dominar dois cães, cada um com dois braços.
Fido e Aura se atracaram com um cão cada um,
e estavam em vantagem. Eram experientes, mas os adversários não ficavam atrás.
Um cão ainda estava em posição de ataque,
aguardando o momento mais propício para atacar Richard, que, pelo jeito, era o
mais letal. Ele simplesmente arreganhava os dentes, simulava mordidas.
Fiquei impressionado. Para eles, parecia ser
apenas mais uma briga como tantas outras que já enfrentaram antes.
Até o momento, nenhum cão tentou atacar
Pauley, Eliane, Gil e eu.
Os Animais de Rua conseguiram manter certa
vantagem... por um minuto.
Porque, de trás das árvores, começaram a
surgir mais cães, como uma segunda bateria de ataque.
- Oh-oh! – falou Eliane. – Parece que hoje eles
estão dispostos a tudo!
- Eles trouxeram mais reforços! –
manifestou-se Gil.
De fato, já eram mais de vinte cães, agora,
não sei ao certo, eles se movimentavam muito, e perdi a conta.
Aí, a vantagem mudou de lado.
Atacando em bando, os Carniceiros começaram a
dificultar as coisas para Fifi. Ela agora estava cercada. Conseguiram evitar
que Boland estrangulasse os cães que haviam pego, saltando sobre suas costas. Agora,
ele lutava com dois ou três cães que saltavam em cima dele. Ringo, Fido e Aura
também começaram a ficar em apuros. Pelo jeito, Aura não conseguia nem enganar
os Carniceiros, se passando por um deles: devia ser por causa do cheiro, que
ela não conseguia disfarçar, assim, se havia dois Carniceiros atacando um
terceiro, esse terceiro era Aura. O ataque surpresa também dificultou as coisas
para Richard, até então na defensiva.
A briga, dentro de poucos instantes, iria se
transformar em carnificina, tanto de cães quanto de monstros. Mordidas
começaram a ser distribuídas, além de sopapos, chutes... Os defendidos olhavam
horrorizados para essa batalha campal. O sangue já pingava.
- Boland, não... – murmurou Gil, ao ver
Boland lutando contra agora quatro ou cinco cães que tentavam devorá-lo. – Eu
sabia...
Pauley até tentava fazer algo, com seu canivete,
ameaçando um cão que tentava avançar nele.
- Se afaste! Arreda! Xô! – gritava ele,
esticando o braço com o canivete toda vez que o cão fazia que ia atacar.
- Pauley! – falou Eliane. E, olhando para o
outro lado: – Gil! Atrás de você!!
Pelo outro lado, já avançou um cão, saltando
em cima de Gil.
- Aaah! – foi o grito.
Não!!!
Por instinto, movimento reflexo, consegui
agarrar o cão pelo pescoço.
- Macário! – gritou Eliane.
Algo começou a gritar dentro de mim. Não, não
posso ficar simplesmente olhando! Estão surgindo cada vez mais Carniceiros, e
estes aproveitavam brechas na defesa para atacar! Eu tenho de fazer alguma
coisa! E daí que não são cães comuns?! Eu já os enfrentei uma vez! Posso
enfrenta-los de novo! Claro que posso!! E é o que vou fazer!!!
Devo ter algum poder latente dentro de mim.
Eu não estava sob efeito de drogas quando espantei aqueles cães aos gritos.
Deve haver alguma substância fazendo efeito em mim, que me possibilite entrar
em briga com os cães demoníacos! É o que vou fazer! Eu posso!!
Agarrei o cão pelo pescoço, bem na hora do
salto, e, com um movimento rápido, joguei-o dentro do córrego. O cão afundou
quase completamente no lodo cinzento, cataploft! A seguir, a minha mochila
escorregou de meus ombros e caiu no chão.
- Macário!! – gritou de novo Eliane.
- Eu vou proteger vocês! – gritei.
- Macário, não!!
Mas ignorei os gritos. Coloquei a mão no
peito, para sentir o apanhador de sonhos sob a camisa. Proteja-me, Mateus. E aí, me joguei em cima dos cães que brigavam
com Fifi.
- Macário!! – ela gritou.
Agarrei um pelo rabo. E fiz os outros
avançarem em cima de mim. Repeli um com um pontapé. Outro também foi para o
córrego, com um movimento do meu braço.
- Macário, o que está fazendo?! – ouvi alguém
gritar.
- Deixem meus amigos em paz! – gritei. –
Passa! Xô, cães demoníacos!!
Aí, os cães saíram de cima dos outros, e
voltaram suas atenções para mim, que já empurrava mais um para o córrego, com
um chute. Em menos de um minuto, toda a matilha agora estava me cercando. Eu
olhava para o Alfa.
- Macário!! – Pauley gritou. – O que está
fazendo?!
- Macário, não se arrisque! Não os enfrente!!
– gritou Fifi, acudindo um ferimento no braço.
- Deixe que a gente cuida deles! – gritou
Ringo. – A gente pode cuidar deles...
- Não posso ficar sem fazer nada! – gritei. –
É a mim que eles querem, não é? Olhem eu aqui, cães do inferno! – gritei para a
matilha, com um gesto teatral. – Se deixarem meus amigos em paz, podem ficar
comigo!!
- Oh, Macário... – murmurou Gil.
Todos ali paralisaram, surpresos com meu
gesto.
De repente, o Alfa deu um uivo, e todos
pararam. Ele deu um passo à frente, e sempre olhando nos meus olhos, “disse”:
Vocês
todos, cuidem dos outros; o Macário aí é meu. Deixem comigo.
Mas
você viu o que ele fez com três dos nossos?!, “falou”
outro.
Ele
só os jogou no riacho, mas olhem, eles estão bem, e ainda tem mais de nós para
enfrentar o que vier... Deixem o Macário comigo; ele agora é apenas um humano!
Eu estremecia. Não conseguia parar de olhar
para o Alfa.
Você,
Macário, agora é apenas um humano. Não está sob efeito de nada. Não pode fazer
nada! Veja agora seus amiguinhos vira-latas serem devorados pelos meus...
- Você não vai devorar ninguém! – e já
avancei em cima do alfa.
Nos engalfinhamos. Agarrei-o, e ele começou a
se debater. E a batalha prosseguiu, mas agora, eu, concentrado em minha luta
contra o Alfa, não conseguia ver o que acontecia ao meu redor. Estava mais
concentrado em evitar que o Alfa cravasse seus dentes em mim.
Mas aí, não deu para evitar: um movimento em
falso, e o Alfa e eu acabamos caindo para dentro do córrego. Ou melhor: o Alfa
me empurrou para o córrego, e eu agarrei em seu pelo, arrastando-o comigo para
dentro da água suja.
- MACÁRIOOOOO!! – ouvi alguém gritando.
Não foi uma queda grande, felizmente. A cova
do córrego, escavada na terra, era íngreme, de terra macia e com capim
crescendo. E o córrego não era muito fundo, nem muito raso, sem pedras no
fundo, apenas um pouco de lodo, de modo que não deu para alguém se machucar.
Aquele momento, não corria muita água. Mas foi o suficiente para eu me molhar, ficar
cheio daquele lodo cinzento, e, além disso, a água estava suja, espumosa e
malcheirosa. Outra vez aquela sensação de que mijavam em cima de mim.
O alfa também pareceu surpreso. Agora ambos
estavam molhados, sujos, enquanto a batalha se desenrolava lá em cima.
Tive apenas uns poucos segundos para me
recuperar do grande susto, porque agora eu estava cercado: estavam quatro cães
ali naquele córrego.
Seu
Macário de uma figa!!
Nos
jogou nesta água suja!!
Mas
agora você também está na água suja, e não vai escapar!
Lá de cima, ouvi Eliane gritar.
- Macário!! Você está bem?!
- Eu não sei!! – foi minha resposta.
Não pude dar outra resposta: o Alfa avançou
para cima de mim. E agora, ambos voltamos a nos engalfinhar, agora, sob o fio
d’água, sob o lodo.
Tenho de terminar logo esta luta! Já estou
por demais sujo e já sentia minha pele coçar por causa das substâncias que
poderiam estar em suspensão naquela água... e os outros dois cães prontos para
me atacar também, três contra um...
O mais que eu podia fazer era tentar
estrangular o Alfa. Eu estava com as mãos em seu pescoço, apertando-o, os
braços esticados para evitar que ele avançasse em meu rosto... ele não é maior
que um pastor alemão... mas seus dentes eram afiados... com outro movimento,
consegui jogar o Alfa para a água... boa ideia, tentar afogar aquele cão
demoníaco...
Mas aí, os outros dois cães saltaram em cima
de mim...
Ouvi vozes falando ali em cima:
- Parece que é a sua deixa, Eliane...
- Hora da gente vazar...
- Tente salvar o Macário também...
- Cubram os olhos...
E, justo nesse momento, quando os cães já iam
me derrubar na água, houve um clarão vindo do campo de batalha lá em cima, e
uma fumaça saindo... Uma fumaça colorida e psicodélica.
E tive a rápida visão de Eliane, agitando os
braços, e era dela que saía o clarão e a fumaça colorida.
Sabia que Eliane estava, naquele instante,
fazendo um sortilégio. Talvez defensivo. Que tipo de sortilégio?
Não deu tempo para pensar.
A fumaça colorida, acompanhada de uma ventania,
encobriu-me logo no momento em que os cães iam avançar sobre mim...
E tudo ao meu redor desapareceu.
Perdi os sentidos. A última coisa que senti
foi o vento me jogando para trás, dentro da água suja...
A fumaça se dissipou.
Ao menos, era o que parecia.
Não lembro de mais nada depois que fui
envolto naquela fumaça, no momento em que estrangulava o Alfa dos Carniceiros,
e os outros dois cães saltaram para cima de mim.
Quando a fumaça se dissipou, e minha
consciência voltou, eu me sentia suspenso em alguma coisa. Algo ou alguém me
segurava no ar.
Não sentia água nem lama ao meu redor. De
alguma forma, eu havia saído do córrego. Mas... onde eu estava agora?
Eu ficara desacordado depois que fui
envolvido naquela fumaça? Por quanto tempo?
- Você está bem, Macário? – ouvi uma voz
grossa.
Minha visão voltou ao foco, após sofrer o
ofuscamento por conta do clarão e da fumaça. E distingui um rosto familiar.
- Macário, você está bem? – a voz insistiu.
Aquele rosto era o de Flávio, o Dragão.
- F... Flávio?! – murmurei. – Flávio Dragão?!
- Ah! Afinal acordou. Oi, Macário! Estávamos
preocupados.
Eis o que vi quando abri os olhos: eu estava
sendo erguido nos braços por Flávio Dragão, membro do bando de Luce. E ele era
forte, eu não era mais que um manequim de loja em seus braços.
E havia mais gente ao meu redor.
Haviam mais pessoas de aspecto severo, assim
como Flávio. Reconheci-os: eram frequentadores do bar, também.
- Eu... onde... onde estou? – atordoado,
balbuciei.
- Olhe, Macário, nós salvamos a sua mochila!
– falou o homem ao nosso lado, segurando minha mochila.
- E olha só, a sua carteira, o seu celular...
– disse um terceiro. – Se o celular estiver funcionando, já é uma boa coisa.
Minha carteira e meu celular estavam nos meus
bolsos no momento da briga. A carteira parecia intacta, e nem havia caído de
meu bolso, decerto, nem suja estava. Mas o celular deve ter molhado. O que vou
dizer para a Âmbar?
- O meu celular caiu do bolso? – perguntei.
- Bem, sua carteira não caiu do bolso, mas o
seu celular... por um triz não caiu dentro da lama. Você tem sorte, hein!
Os sujeitos ao nosso redor sorriam de uma
forma que os faziam lembrar lagartos. Ou dinossauros.
- O que aconteceu, Macário?! – pergunta
Flávio. – Como foi que você se jogou aí, no córrego?!
- Eu...
Olhando além das pessoas e dos meus
pertences, o cenário ao redor era o mesmo. O espaço entre as árvores e o
córrego, à beira da avenida, onde os Animais de Rua e eu paramos para comer dos
restos de comida achados no lixo, quando os cães nos atacaram. Mas os Animais
de Rua não estavam mais ali, nem os Carniceiros.
- Tudo bem com você, Macário? – tornou a
repetir Flávio.
- Eu... eu acho que sim, mas...
- Consegue andar, Macário?
- Acho que sim... me... me ponha no chão...
Flávio, suavemente, me pôs no chão. Minhas
pernas tremiam, mas consegui me colocar em pé. Sentia as pequenas dores de
contusões, mas nenhum osso quebrado. E fui distinguindo as pessoas em redor.
Eram três homens, contando Flávio.
- Quem... quem são vocês?! – perguntei.
- Ué, Macário, não nos reconhece? – perguntou
um deles. – Nós também frequentamos o bar onde você trabalha...
- E sou eu, o Flávio Dragão, sou da patota do
Luce...
- S... sim, eu sei... – respondi. – Mas...
mas vocês todos são de qual gangue, digo, de qual grupo?
De fato, todos ali usavam jaquetas escuras,
iguais à que Flávio usava.
- Ah. – responde Flávio. – Pode nos chamar
de... Dinossauros que Sorriem.
E todos viraram de costas, para mostrar o
símbolo em suas jaquetas: o estranho “smile”. E, pior, também tinham o “smile”
esculpido em seus cabelos! A cabeça de todos eles estava raspada, exceto pelo
“smile” em suas nucas.
- Perdão, Macário, se eu não havia
apresentado minha turma para você antes. – disse Flávio, voltando-se para mim
novamente. – Parece que só agora você conseguiu se desocupar do Luce e dos
outros, hein?
- Mas em que condições encontramos você,
Macário... – disse outro deles. – O que você estava fazendo, jogado dentro do
córrego, desmaiado?!
- Desmaiado? Dentro do... Oh! Os... Os
Carniceiros! Os Animais de Rua!
- Os Animais de... Macário, você estava com
os Animais de Rua?! – Flávio arqueou uma sobrancelha.
- Onde eles estão?! Todos sumiram! Até os
cães!! – eu olhava freneticamente em redor.
- Um momento, Macário. – pediu Flávio. – Pode
explicar o que houve? Do porquê de você estar no córrego?!
- Eu... – procurei me acalmar – eu estava
voltando do bar e... e os Animais de Rua... você deve conhecer os Animais de
Rua... a Fifi, o Richard... – Flávio acenou a cabeça positivamente. Ele os
conhecia. – Bem...os Animais de Rua me tiraram para dar um passeio... fomos
catar comida no lixo, e...
- Você, Macário?! Esteve catando comida junto
com os Animais de Rua?! – perguntou um dos Dinossauros.
- Estive. E aí paramos aqui para comer... Oh,
olhem ali, ainda está aqui a “toalha” com os restos... E aí os Carniceiros...
Conhece também os Carniceiros?! – Flávio acenou a cabeça positivamente de novo.
– Eles nos atacaram, e aí eu consegui derrubar o chefe deles no córrego aqui...
- Ah, você caiu e desmaiou, foi isso? Foi
acidente.
- É, foi... acidente. Caí, mas não
desmaiei... eu continuei lutando, e aí a Eliane fez alguma coisa, soltou
fumaça, e... e aí tudo ao redor apagou.
Todos me olhavam de sobrancelha arqueada.
- Meio difícil de acreditar, cara.
- Mas talvez seja a explicação mais lógica
para você estar aí, jogado no rio. Ainda bem que estávamos passando por aqui.
- Mas... mas e os outros? Onde estão todos? –
perguntei.
- Se tinha mais alguém aqui, Macário... todos
sumiram feito mágica. Nem Animais de Rua, nem Carniceiros. Todos sumiram. Só
você ficou aqui.
- E olha só... todo sujo, fedorento... Mas
pelo menos, não tem ferimentos. Que milagre, cara.
- Vem conosco, Macário. Nossa casa é aqui
perto. Vem se lavar e se recompor.
Suspirei. Melhor ir com eles. Mas será que
era seguro aceitar a gentileza daquele grupo? Acho que não há outra saída... Eu
estava realmente imundo. Que bela maneira de terminar um dia tão estranho.
Mas, enquanto era conduzido pelos Dinossauros
que Sorriem até a casa deles, eu fiquei preocupado. Não há dúvidas que Eliane,
ao tentar fazer alguma coisa a respeito, fizeram todos sumirem, tanto os
Carniceiros quanto os Animais de Rua. Mas... por que eu também não desapareci?
Por que eu fiquei ali, jogado no córrego?! E... para onde eles foram?!
E... será que estavam bem?
Próximo episódio daqui a 15 dias.
Até aqui, como estou me saindo? A história vai bem? Vai mal? Continuo? Paro? Manifestem-se, deixem um comentário, ou continuarei fazendo o que bem entender.
Até mais!
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