segunda-feira, 17 de junho de 2019

NOITE ESCURA - A panela elétrica dos antigos deuses



Olá.
Já faz meses que não tenho postado outras coisas, neste blog, que não capítulos de meu folhetim ilustrado para adultos, Macário. Mas, hoje, não vai ser capítulo de Macário. O que venho aqui hoje é pagar uma dívida.
Hoje, depois de meses de letargia, volto a fazer uma resenha de uma HQ independente, coisa que, devido a alguns problemas pessoais pelos quais passei ultimamente, tenho deixado meio de lado. Como todo o restante do blog, aliás. Tanta coisa sobre a qual eu poderia ter escrito, mas ultimamente tenho deixado de lado por causa de meus problemas pessoais.
Desde abril de 2019 que estava devendo essa resenha. A resenha de NOITE ESCURA, nova HQ do meu amigo Andy Corsant.


Já havia falado anteriormente a respeito de Andy Corsant, quadrinhista independente de Criciúma, Santa Catarina, quando falei de sua primeira graphic novel lançada, de forma independente, em novembro de 2016, Prisma Negro. Ele também fala bastante a respeito de seu trabalho, influenciado por temas de ficção científica e ocultismo, em seu blog, o Asmopleon Danteredun (https://andycorsant.blogspot.com). Suas redes sociais – Twitter, Facebook, Instagram – também são bem abastecidas com ilustrações e sketches. E, mais uma vez, ele tenta se acertar com sua principal série de HQ, Ato Falho, que unifica as séries de tiras que ele mantinha até anos anteriores – atualmente, uma nova versão da webcomic está em publicação no portal de webcomics Tapas (https://tapas.io/series/AtoFalho).
Foi em março de 2019 que Andy Corsant lançou sua segunda graphic novel impressa, NOITE ESCURA. E, de cara, essa edição mostra um amadurecimento de seu autor como quadrinhista: a edição independente tem formato maior, mais páginas (108, contando a capa cartonada, contra as 52 de Prisma), impressa em papel de maior gramatura, e lombada quadrada. Não apenas o formato de impressão, como o traço de Corsant mudou – tem mais detalhamento, e as linhas ficaram mais grossas. O gibi é em preto e branco, com inserções de retícula (contra a linha-clara presente em Prisma). Com prefácio do cartunista Rinaldo Leriano.
Ainda na comparação entre NOITE e Prisma, há uma semelhança: a história também é ambientada em espaço urbano, cenário underground, de literatura marginal, parecendo ser sempre noite. Mas, enquanto Prisma ocorre nos nossos dias atuais, NOITE ocorre em um futuro próximo, em uma ambientação com a presença de carros voadores, prédios, máquinas, ciborgues, etc., porém sem maiores mudanças nas relações humanas.
A trama da graphic novel, portanto, combina diversos temas caros à ficção científica em um amálgama: futuro tecnológico à beira da distopia, violência urbana, discussões éticas, guerra de facções (com ciborgues entre seus integrantes, claro), domínio corporativo, sociedades secretas e toques de ocultismo. Uma combinação de diversas referências à literatura e ao cinema, que vão de Philip K. Dick a H. P. Lovecraft, passando por William Gibson (Neuromancer), Chuck Palahniuk (Clube da Luta) e Watson Portela (e sua série Paralelas). É uma história que, antes de tudo, precisa ser lida com bastante atenção para captar todos os elementos – é importante ler também o texto da 4ª capa, que situa o leitor a esse universo.
Daí, sim, podemos entender as trágicas aventuras vividas pelos protagonistas da trama, Suzano (que narra a história em off) e Aneta, divididas em quatro capítulos.
Em um futuro tecnológico e violento, vive Suzano, um homem que vivia uma vida comum até que um verme muda toda essa vida. O tal verme havia sido ingerido em um jantar, escondido dentro de uma porção de carne de porco; esse verme viajou por sua corrente sanguínea, e se alojou em seu cérebro, devorando-o lentamente. Isso leva Suzano a recorrer a um enxerto cibernético para substituir a parte corroída do cérebro. A instalação do enxerto, de um modelo que estava então fora de linha, se dá em uma clínica clandestina. Esse enxerto opera modificações na mente do paciente, permitindo aperfeiçoamentos em seu pensamento e mudanças de personalidade simplesmente por download de arquivos; porém, Suzano, ao fazer alguns desses downloads, acaba vulnerável a um programa conhecido como VP (Violência e Perversidade), que o deixa propenso a cometer gratuitamente atos violentos, sem sentir culpa, além de lhe conferir uma enorme autoconfiança. O que leva esse homem a abandonar família, trabalho, enfim, toda sua vida anterior, e vagar pelo mundo atrás das sensações que só são oferecidas no submundo – as sensações que a sociedade dita “normal” categoriza como reprováveis, como bebida, drogas e sexo irresponsável.
Nessas andanças, Suzano conhece Aneta, uma ex-cantora e ex-suicida que passara pelo mesmo procedimento – ela tem o mesmo modelo de enxerto do cérebro, logo, as mesmas cicatrizes na cabeça, e também tem o VP instalado. Ambos se apaixonam. E decidem viver juntos todas as possibilidades oferecidas pelo VP. Com a ajuda de uma amiga de Suzano, a hacker Sarah, o casal decide formar uma gangue para dominar o submundo. O primeiro passo é encontrar um “padrinho” – alguém disposto a financiar suas ações, ou melhor, um ricaço que, em busca de vantagens em uma guerra de gangues, ajude financeiramente. O que Suzano não faz muito esforço para encontrar, junto a um homem muito suspeito que parece até adivinhar seu pensamento.
Depois, com um melhoramento no programa VP, Suzano e Aneta estão prontos para juntar alguns capangas, formar a gangue que ficaria conhecida como Ogiva e enfrentar outras gangues, obtendo, dessa maneira, o domínio do submundo.
É claro que, mesmo entre os financiadores de gangues, também existem rivalidades. Nesse caso, somos apresentados ao milionário conhecido como Esquizo, membro de uma sociedade conhecida como Círculo dos Tiranos, formada também por criaturas dimensionais. É a essas criaturas, deuses semi-lovecraftianos, que Esquizo recorre para caçar a Ogiva, visto que ela acabou com a gangue que ele financiava. Com a aprovação do Círculo, Esquizo começa enviando um grupo de mercenários para combater os membros da Ogiva. Apesar do menor número, os mercenários, mutantes (uma das integrantes é uma ninja com quatro braços), tem mais técnica, e a Ogiva só não leva a pior graças a Aneta. Por conta desse ataque, a gangue, ou o que restou dela, muda de esconderijo.
Mas Esquizo resolve agora cuidar pessoalmente da Ogiva: aproveitando uma saída de Suzano de seu esconderijo para fazer compras, o empresário o aborda e consegue, com a ajuda de seus “amigos”, manipular a mente de Suzano para revelar o paradeiro dos companheiros. Essa manipulação mental quase acaba com Suzano, que, depois, é encontrado e acolhido por uma estranha família meio hippie, que aparentemente vive em harmonia, e procura, meio que à força, trazer Suzano para essa “harmonia”. A recusa de Suzano lhe trará consequências – bem como a sua traição involuntária à gangue.
Ao ficar sabendo dessas consequências, sozinho e desolado, Suzano só tem uma ideia: procurar Aneta. Com a ajuda de Sarah, que instala um novo programa em seu enxerto – que o deixa ainda mais violento – Suzano vai à procura da amada. Mas acaba sendo tarde demais para conseguir o seu perdão...
Talvez o grande defeito de NOITE ESCURA acabe residindo na caracterização e no aproveitamento de seus personagens. A personagem com a melhor caracterização acaba sendo Aneta, uma garota de ação, que demonstra mais fibra que todos os homens da história, e tem uma mentalidade mais equilibrada que Suzano, que acaba se envolvendo em mais perrengues e apanhando muito por causa de seu excesso de autoconfiança e, portanto, ser mais impulsivo. Depois do casal principal, Esquizo é o personagem mais bem desenvolvido – um empresário manipulador, sempre com um sorriso maligno no rosto, e capaz até de se envolver com demônios para que nada saia de seu controle. Depois, temos Sarah nessa escala – ela perde para os três primeiros porque ela não deixa claras as suas intenções na hora de auxiliar os protagonistas, se há algum interesse envolvido ou se ela faz tudo por altruísmo.
Quanto aos outros personagens, estes são nada mais que coadjuvantes, quase todos não tem muita importância da trama, com suas aparições meteóricas – caso da família hippie e do bando de mercenários mutantes, que certamente tinham muito potencial para movimentar a trama. Nem os outros membros da Ogiva, apesar de ganharem nomes, são bem aproveitados – eles só seguem as ordens dos protagonistas e os seguem calados, sem questionar. E nem mesmo sabemos muito sobre o tal financiador da Ogiva, visto que suas aparições são muito meteóricas. Talvez seja intenção de Andy Corsant expandir os conceitos da história em prováveis futuras continuações ou spin-offs.
A leitura de NOITE ESCURA pode dividir opiniões. Há quem possa achar que a HQ é completa em todos os seus elementos, e praticamente se auto-sustenta; outros podem achar que toda essa utilização de referências acabou tornando a HQ uma mixórdia – implantes cibernéticos e violência de gangues realmente combinam com terror lovecraftiano? Nem a proposta do autor – a de ser uma história com uma mensagem – parece ter funcionado, ficando na parte do entretenimento. Mas é melhor dar uma lida para tirar suas conclusões.
HQ que já tem potencial para render um filme. Será que realmente rende continuações e expansões de seu universo?
Peçam a sua pela loja virtual do Asmopleon Danteredun, ao preço de R$ 25,00 (https://andycorsant.lojaintegrada.com.br/HQ-noite-escura). Apoiem o quadrinho nacional!
Para encerrar, só tenho uma ilustração.
Para ter algo para colocar no blog da Letícia (https://leticiaquadrinhos.blogspot.com.br/), dia desses resolvi fazer uma ilustração, cuja inspiração veio de uma tempestade que caiu na minha cidade na noite anterior. E, nessa ilustração, feita a caneta esferográfica, utilizei as técnicas de hachuras que aprendi nas aulas de desenho que tive nesta vida. Bem, como ficou? Será que prestou?
Aos poucos vou me recuperando...
Até mais!

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