Hoje, volto a falar de HQ.
Andei reparando: a qualidade dos mangás japoneses ultimamente andou caindo. É que os autores japoneses estão mais investindo no visual dos personagens - principalmente as femininas - do que nos roteiros. O estilo standardizado, infantilizado e de olhos grandes, ficou bastante banalizado, e é um dos responsáveis por essa queda drástica de qualidade. Alguns amigos ainda cultuam como mangá por excelência o clássico Lobo Solitário, símbolo de um tempo que já se foi.
Bem. A HQ de hoje é um mangá - mas esse mangá NÃO foi produzido por japoneses. E se chama TANTRIC STRIPFIGHTER TRINA.
Nos últimos dias, foi noticiado nos sites especializados em HQ o fechamento da editora americana Tokyopop, respónsavel não apenas por distribuir títulos japoneses para o mercado ocidental, mas também por um catálogo de títulos mangá produzidos por autores ocidentais. TANTRIC STRIPFIGHTER TRINA se encaixa nesses últimos: o roteiro é do estadunidense Ken Faggio e a arte é do argentino Fernando Furukawa.
Como muitos títulos da Tokyopop, TANTRIC STRIPFIGHTER TRINA foi lançado no Brasil pela editora On Line - e é não recomendável para menores de 18 anos.
Bem. TANTRIC STRIPFIGHTER TRINA se apresenta como uma série - mas, até onde se sabe, apenas um volume foi lançado, talvez por conta do risco.
Esse mangá é uma ficção científica semi-apocalíptica, com pitadas de erotismo (mas, ao contrário de certas séries japonesas, nunca apelativo e raras vezes caindo no mau gosto), e com muita ação e pancadaria, com lutas no melhor estilo das artes marciais como nossos pais conheceram.
A história. Em um futuro distante, quando os humanos já colonizaram diversos planetas - e a viagem entre eles é feita através de velozes naves espaciais - , havia um planeta chamado Rama, cujos habitantes eram adeptos de uma filosofia que faz uma fusão entre artes marciais shaolin e a sensualidade do tantrismo. Para quem não sabe, o tantrismo é uma filosofia de origem indiana que prega o aumento da sensibilidade do homem para si mesmo e para o mundo ao seu redor - também é uma prática usada para aumentar o prazer sexual.
O fato é que Rama foi vítima de um covarde ataque, organizado por uma maléfica organização governamental, a CROWN, apoiada por uma organização religiosa, a COG. Pacifistas, os tântricos acabaram sendo exterminados. E a única sobrevivente desse ataque é uma garota chamada Trina Devi, que teve a infelicidade de ver seus familiares - inclusive sua irmã - sendo mortos na sua frente.
Trina, anos depois, tornou-se uma guerreira tântrica, que domina todas as técnicas do tantrismo em batalha. E ela se veste como uma stripper! Esse recurso é mais para torná-la imprevisível em batalha, pois os inimigos, vendo a sensual guerreira em trajes eróticos, demoram mais a reagir, preocupados em como levá-la para a cama. O bicho pega mesmo para os adversários quando ela resolve tirar o sutiã - calma pessoal, os seios dela estão devidamente "cobertos" com dois enfeites em formato de estrela!
Sua primeira batalha se dá em um bar de um planeta distante, com o objetivo de capturar um famoso bandido, Salvo, o Vermelho. Seu único companheiro até aqui é um robô chamado Bonds, capaz de acessar fichas de todos os procurados pelo justiça. Após uma tremenda pancadaria, onde Trina também dá um calor nas acompanhantes do bandido, Trina prende-o e o entrega à corporação Chimera, encarregada de capturar bandidos procurados. O objetivo de Trina era conseguir o cargo de caçadora de bandidos da Chimera - mesmo sendo uma tântrica, portanto também fora-da-lei - e, assim, poder caçar dois bandidos diretamente envolvidos na destruição de Rama - justamente os que mataram a irmã da guerreira na sua frente. Após fazer o acordo com o chefe da Chimera, Trina consegue o emprego.
Pouco depois, Trina ganha, inesperadamente, uma parceira na sua jornada: Abigail Chromantsky, a Abbey Cromática, uma caçadora de recompensas meio ciborgue. Abbey estava no bar junto ao pessoal de Salvo, o Vermelho, e acabou sendo vítima de uma das técnicas tântricas de Trina. Mais tarde, por razões meio esquisitas, Abbey resolve procurar Trina - a caçadora de recompensas é capaz de procurar pessoas rastreando seu DNA - e propõe levá-la até o planeta onde mora um dos bandidos, em troca de aceitá-la como discípula. Mesmo recusando ensinar as técnicas tântricas para Abbey, Trina aceita sua ajuda - até porque ela foi vítima de uma sabotagem da caçadora ciborgue.
Os tais dois bandidos são: "Maldição" Belanger, um traficante de escravas, e Aric Terse "Legião", um lutador de artes marciais.
O clímax da série se dá com o combate entre Trina e Abbey contra o exército de assistentes de "Maldição" Belanger - todas mulheres que trajam minúsculos biquínis e que estão armadas com bastões de choque! -, lideradas pela feroz Jonsey. Porém, o perigo maior das heroínas não é Belanger nem Terse, que também se mostra um adversário feroz no domínio das artes marciais tradicionais, mas um feroz inquisidor da COG, o violento Titus Braille, que não descansará enquanto não destruir a última tântrica - Trina. Lido nas entrelinhas, TANTRIC STRIPFIGHTER TRINA faz uma crítica à intolerância religiosa - Trina descobre que a destruição de Rama foi motivada principalmente por esse motivo.
Faggio e Furukawa capricaram ao criar cenas de ação realmente envolventes. O traço do argentino é detalhado, e as cenas de pancadaria são bem dinâmicas e construídas. A histriônica Abbey garante as cenas de humor e os diálogos cheios de ironia, principalmente as discussões com o fleumático Bonds - mas ela monopoliza as expressões exageradas típicas do mangá. E o que dizer das "razões" que levaram a ciborgue a acompanhar a guerreira tântrica?
Já Trina, como uma guerreira que faz uso da filosofia oriental, é uma personagem de personalidade bem construída. Diversas vezes, ela acaba tentada a, em busca de vingança pela destruição de seu planeta, acabar passando dos limites - no decorrer da batalha, ela quase mata um adversário, mas é contida a tempo por Abbey.
O erotismo foi utilizado apenas como elemento do contexto - é a cereja do bolinho, ao contrário de certas séries japonesas que fazem desse recurso o próprio bolo. Furukawa, quando desenha as garotas, nunca exagera nos closes nas partes "interessantes" das garotas. Não há cenas de nudez "total", com exceção de uma cena de invocação promovida por Trina. O recurso de cobrir os seios com dois enfeites ajuda a tornar sua condição de stripper aceitável. E as garotas, embora todas sensuais e de corpo perfeito, até usam trajes "eróticos" e com cortes estratégicos - como Trina e sua minissaia e Abbey e seu decote - mas, durante a batalha, essas mesmas roupas nunca chegam a ser completamente rasgadas ou mesmo "estrategicamente" rasgadas. Logo, o erotismo raramente cai para a apelação total, e a HQ adquire "qualidades redentoras".
Faggio e Furukawa, assim, investem mais nas cenas de diálogo e nos trechos de ação e de pancadaria que nas cenas de erotismo propriamente dito. Mesmo assim, com cenas de nudez ou seminudez, insinuação de sexo, prostituição e banalização da violência - algumas cenas de pancadaria chegam a ser realistas por demais - , TANTRIC STRIPFIGHTER TRINA não é recomendado para menores de 18 anos. É o que diz o selo de advertência na contracapa. Mas não deixa de ser "interessante". Vale o investimento.
A ressalva é o tratamento que a editora On Line deu a essa edição. Com capa mole e papel jornal, a revista tem a aparência de uma revistinha vagabunda, impressa em papel vagabundo. O que é uma pena - com uma aparência assim, tira a vontade de comprar. Ainda se fosse com capa cartonada...
Ah, eu ia esquecendo: no final da edição, também há a biografia dos autores e algumas páginas onde Faggio relata o processo de criação da HQ colocando também alguns estudos de Furukawa para exemplificar.
É pena que a aventura termine com a mensagem do "continua". E sabe-se lá quando TANTRIC STRIPFIGHTER TRINA ganhará um segundo número, agora que a Tokyopop encerrou suas atividades nos States. O final deixa muitas perguntas em aberto, e a promessa de que a aventura continuará tão emocionante quanto foi a primeira...
Para encerrar, resolvi fazer uma nova ilustração da minha série Mujeres de Grafite e Tinta. Desta vez, nada de mulheres nuas completamente: a tônica agora é os trajes sensuais. E olha que eu não estou acostumado a isso... E, corajosamente, quebro a cara.
Até mais!
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