sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Filme: CHICO XAVIER

Olá.

Hoje, nada pode atrapalhar meus planos. E hoje vou falar de filme.
O Filme de hoje é brasileiro e recente. Um dos maiores sucessos do cinema nacional, e que representa uma nova tendência cinematográfica que tem tomado nossos cinemas nos últimos tempos: os filmes de temática espírita.

O espiritismo tem se utilizado, atualmente, das mídias visuais para divulgar sua doutrina, que se baseia nas ideias da vida após a morte, da evolução dos espíritos e dos contatos entre o mundo material e o mundo espiritual através da mediunidade. O espiritismo é uma religião diferente do catolicismo e das correntes evangélicas, e algumas correntes espíritas incorporam elementos das religiões africanas – por isso, a primeira imagem que vem à mente de um centro espírita comumente é a de um terreiro de umbanda. E, comumente, católicos tradicionais e evangélicos associam o espiritismo ao demônio. Nada mais errado: o espiritismo, como toda religião, crê em Deus, Anjos e no papel de Jesus Cristo para a salvação das almas – porém, nega a existência do céu e do inferno, do modo como os católicos concebem, mas de planos espirituais, para os quais as almas vem e vão, reencarnando em outros corpos no plano material, etc. Essa religião atrai as pessoas pela possibilidade da existência da vida após a morte – para os espíritas, não existe morte: o espírito apenas abandona o corpo material e vai para outro plano de existência. Por isso, os espíritas nunca dizem que uma pessoa morreu, mas que ela desencarnou.
Bem. Esta foi só uma pequena explanação para vocês entenderem do que vou tratar. A onda do cinema espírita começou com o inesperado sucesso comercial do filme Bezerra de Menezes – o Diário de um Espírito (2008), que apesar de ter sido praticamente detonado pela crítica, fez um bom público.
E foi com o filme do qual vou falar, CHICO XAVIER, que o espiritismo explodiu de vez como tendência em nosso cinema.
Bem. CHICO XAVIER não pode ser visto unicamente como um filme religioso, pois, embora traga em seu enredo elementos da religião espírita, se presta a traçar uma cinebiografia de uma das personalidades brasileiras mais conhecidas do século XX: Francisco Cândido Xavier, ou simplesmente Chico Xavier.

UM POUCO SOBRE O HOMEM
Francisco Cândido Xavier (1910 – 2002) ainda é uma personalidade que intriga a ciência, assim como é um grande exemplo de amor à humanidade. Ele fez da caridade, do trabalho árduo e da modéstia a sua segunda religião. O maior nome do espiritismo do Brasil – mas ele nega o título de “papa do espiritismo”, que alguns colocaram nele – como ele mesmo afirmou certa vez: “Se sou papa do espiritismo? Só se for papa de angu na panela”.
Nascido em Pedro Leopoldo, Minas Gerais, Chico Xavier descobriu a mediunidade ainda na infância, quando tinha visões da mãe, falecida quando ele tinha cinco anos. Criado católico, ele acabou abandonando os ritos católicos algum tempo depois que passou a exercer efetivamente a atividade de médium. Ele descobre o espiritismo em 1927, no dia em que ajudou o casal José Hermínio e Carmem Perácio a curar uma perturbação de sua irmã Maria (Chico vem de uma família de catorze irmãos). E converte-se pouco tempo depois, quando passou a psicografar mensagens de espíritos.
Pouco depois, ele conhece seu principal guia espiritual, o espírito Emmanuel, em 1931. Através dele, e de muitos outros espíritos, Chico psicografa livros. Ao todo, psicografou mais de 400 livros, sendo os principais: Parnaso do Além-Túmulo (1931), com poemas de catorze poetas célebres falecidos; Crônicas do Além-Túmulo (1937), pelo espírito de Humberto de Campos (cuja família chegou a processar o médium); Há Dois Mil Anos (1938) e Paulo e Estevão (1941), ambos de Emmanuel; e Nosso Lar (1944), pelo espírito de André Diniz (seu maior sucesso literário). Apesar de ter vendido mais de 300 milhões de exemplares de seus livros, Chico Xavier doava todo o dinheiro ganho com as publicações para instituições de caridade, por acreditar que suas mãos eram apenas instrumentos usados pelos autores desencarnados para concretizar seus escritos. Chico Xavier vivia modestamente do salário que ele recebia como datilógrafo do Ministério da Agricultura, e, depois, com o dinheiro de sua aposentadoria.
Chico Xavier também passou boa parte da vida com a saúde muito frágil: seu principal problema era a catarata nos olhos, que o obrigou, desde jovem, a usar óculos escuros. E, a conselho de Emmanuel, costumava aparecer em público de peruca, para cobrir a calvície.
Não foram raras as vezes em que Chico sofreu ataques da imprensa e da opinião pública, comumente acusando-o de farsante. Mas ele nunca demonstrou raiva ou agitação quando respondia a essas acusações. Seja como for, Chico Xavier teve uma vida exemplar, e conquistou muitos admiradores. Suas cartas psicografadas costumavam consolar a todos os parentes de almas desencarnadas que procuravam o Centro Espírita Luiz Gonzaga, fundado em 1927 em Pedro Leopoldo e com sede também em Uberaba, MG, para onde Chico mudou-se posteriormente. Além disso, com cartas psicografadas, Chico conseguiu elucidar três assassinatos, inocentando os acusados.
E pode-se dizer que Chico, ao menos, desencarnou com seu último desejo atendido: foi no dia 30 de junho de 2002, durante as comemorações pelo pentacampeonato da Seleção Brasileira de futebol. Chico desejou desencarnar no dia em que todo o Brasil estivesse feliz. E que momento seria mais apropriado em nosso país?

O FILME
Como puderam ver, Chico Xavier tinha uma vida intrigante e exemplar. Ninguém pode confirmar se suas mensagens psicografadas eram fraudes ou não. Mas, ao menos, ele foi uma personalidade influente. Já foram escritos muitos livros só sobre sua vida. Foi um deles, As Vidas de Chico Xavier, do jornalista Marcel Souto Maior, que serviu de base para o presente filme, lançado em 2010.
O roteiro de CHICO XAVIER é de Marcos Bernstein, e a direção é de Daniel Filho, que declara-se ateu. É claro: CHICO XAVIER foi produzido pela Globo Filmes, em parceria com a Sony Pictures, a Downtown Pictures, a Estação da Luz e a Lereby. Por ter levado a marca da Globo Filmes, o filme, à época do lançamento, despertou alguma desconfiança. Porém, foi um sucesso de público, com mais de 3 milhões de espectadores. E possibilitou que a produtora lançasse uma espécie de trilogia sobre Chico Xavier no cinema (os outros dois filmes da suposta trilogia seriam: a adaptação cinematográfica de Nosso Lar, lançado em 2010, e As Mães de Chico Xavier, de 2011).
A intenção de Daniel Filho era mais deter-se na vida de Chico Xavier, e retratar a sua obra. Por isso, apesar de conter elementos de ficção, o filme retrata a vida do médium com extrema fidelidade. As falas podem não corresponder à realidade, mas os fatos sim. Ao menos, no que concerne à vida de Chico Xavier.
O ponto de partida do filme é a célebre entrevista, concedida em 1971, ao programa televisivo “Pinga-Fogo”, da TV Tupi. Caso não saibam, os dois programas os quais Chico Xavier participou foram a maior audiência da televisão brasileira em todos os tempos, com audiência estimada em vinte milhões de pessoas, que acompanharam Chico Xavier sendo sabatinado ao vivo. Bem, o filme é entrecortado com trechos da recriação fiel desta entrevista, conduzida pelo apresentador Saulo Guimarães (interpretado por Paulo Goulart).
Na verdade, são três os planos narrativos do filme: a entrevista de Chico Xavier ao “Pinga-Fogo”; as diversas cenas da vida do médium, da infância até a velhice; e uma história paralela, esta sim ficcional, mas montada a partir de um episódio real.
Bem. A recriação da entrevista de Chico Xavier ao “Pinga-Fogo” é bem fiel ao original – e isso pode ser confirmado nos créditos do filme, quando cenas do “Pinga-Fogo” verdadeiro aparecem enquanto sobem os nomes. Interessante também que a entrevista do filme é entrecortada pelas cenas dos bastidores da produção, com diversos movimentos das câmeras, dos monitores e dos produtores da TV Tupi, onde pontua a figura do diretor, Orlando (Tony Ramos), o fio condutor da história fictícia.
A recriação da vida de Chico Xavier é levada a cabo por três atores. Primeiro, na infância: nessa parte, Chico é interpretado pelo ator mirim Mateus Costa (que interpreta Chico no período de 1918 – 1922). Aqui, ainda na cidade de Pedro Leopoldo, vislumbramos: que Chico era maltratado pela madrinha que o criava (Giulia Gam), que inclusive espetava-lhe o garfo na barriga; suas primeiras visões do espírito da mãe, Maria (Letícia Sabatella), que aconselhava para que nunca perdesse a fé; de quando o pai, João Cândido (Luís Mello), que confiou os quinze filhos para outras pessoas porque não podia criá-los, finalmente veio buscá-los depois que se casou com a bondosa Cidália (Giovanna Antonelli); de quando ele começou a ouvir vozes dos espíritos – e foi motivo de chacota das outras crianças por causa disso; e suas primeiras conversas com o Padre Scanzerlo (Pedro Paulo Rangel), que primeiro aconselhou o pequeno Chico a cumprir penitências para tentar acalmar as vozes dos espíritos; e a desencarnação de Cidália, sua segunda mãe.
Já o Chico no período 1931 – 1959 é interpretado por Angelo Antônio, que passou por um trabalho de maquiagem (proporcionado por Rose Verçosa) para ficar igual ao Chico jovem. Nessa parte, vislumbramos: o seu primeiro contato com o espiritismo, através da seção de cura da irmã, conduzida por Perácio (Anselmo Vaconcelos); de quando ele começou a psicografar; de quando ele começou a trabalhar, primeiro numa tecelagem, a seguir em um armazém, e a seguir como datilógrafo; de quando o pai o levou a um prostíbulo na tentativa de fazê-lo perder a virgindade, porém Chico faz com que todos os presentes façam uma oração; seu primeiro contato com o espírito Emmanuel (André Dias); de quando ele começou a ser acometido pela catarata; de quando ele começou a ficar conhecido em sua cidade, com filas intermináveis de doentes, possuídos e desconsolados à porta do Centro Espírita Luís Gonzaga e da sua casa; de quando ele publicou o primeiro livro, Parnaso do Além-Túmulo; seus primeiros ataques à reputação (levados à cabo, principalmente, pelo padre Júlio Maria [Cássio Gabus Mendes], substituto do Padre Scanzerlo na paróquia de Pedro Leopoldo, e pelo repórter David Nasser); a desencarnação do irmão e colaborador José (e o posterior desentendimento com o pai); e outros fatos, até a sua mudança para Uberaba.
Já o Chico na maturidade (período 1959 – 1971) é interpretado por Nelson Xavier (que tem, inclusive, o mesmo tom de voz que Chico tinha na época –além de que ficou a cara do Chico como ele era). Ainda seguindo os conselhos de Emanuel, Chico continua psicografando, principalmente cartas de mães desconsoladas pela desencarnação dos filhos. Mas os ataques não cessaram – e isso é exemplificado na parte em que uma mulher não só reclama da carta, como cospe na cara de Chico. E a recriação do episódio cômico do avião, quando Chico morre de medo da turbulência sofrida na aeronave (quem faz o passageiro ao lado dele é Ailton Graça), e é repreendido por Emmanuel. E tudo, até chegar à sequência da entrevista no “Pinga-Fogo”.
Bem. A historinha fictícia é a de Orlando, o diretor do programa, que naquele momento está frio, e muito triste. Só mais adiante entendemos o porquê do mau-humor: ele perdera recentemente o filho, vítima de um tiro acidental, e a mulher dele (Christiane Torloni), desconsolada, recebe uma carta psicografada do Chico Xavier, mas que não é suficiente para minorar o sofrimento. Mais tarde, Chico Xavier, já na saída do Estúdio, entrega a Orlando uma segunda carta... É a recriação de um episódio real – de um dos três assassinatos elucidados por uma das cartas de Chico. No episódio, Henrique Manoel Gregoris, e seu amigo João Batista França brincavam com um revólver, porém João acaba disparando acidentalmente e matando Henrique. João foi inocentado da acusação de assassinato graças à carta psicografada de Chico Xavier, na qual o espírito de Henrique esclarece que tudo não passou de acidente. No filme, os nomes envolvidos no episódio foram trocados. Um recurso de ficção necessário.
Bem, o que mais pode se dizer do filme? A reconstrução da vida do médium foi fiel à realidade. A cenografia alterna momentos de claridade com momentos de semi-escuridão (convenções necessárias à recriação das épocas vividas por Chico Xavier) – a escuridão é quebrada pela penumbra das janelas ou pela luz das velas; as cores são mais frias, dando a ilusão do sépia de uma fotografia antiga ou do esmaecimento das fotos e dos filmes das décadas de 50 a 70. O filme também abusa das tomadas aéreas, da computação gráfica para recriar detalhes dos cenários, dando o tom etéreo que convém ao espiritismo. A interpretação dos atores é, por assim dizer, segura – embora não envolvente, é segura como numa novela. Quase não há momentos de humor, e por vezes o dramalhão é acentuado. Também, com tantos atores globais fazendo parte da produção... se fosse com atores desconhecidos, talvez o filme não atraísse tanto interesse do público. É possível achar mensagens espíritas em vários momentos do filme. E a música de Egberto Gismonti, totalmente instrumental, proporciona o tom etéreo do filme.
CHICO XAVIER, o filme, não chega a ser um filme memorável. Ele não tem por pretensão despertar o interesse pelo espiritismo nas pessoas. E chega a ser parado em alguns momentos de seus 125 minutos. Mas convenhamos: Chico Xavier foi uma pessoa admirável. E o filme só confirma isso. Quem gosta de cinebiografias com certeza vai gostar. Quem procura um filme religioso vai se emocionar. Aos céticos, deixo que tirem suas conclusões. Certamente, se não forem falar bem do filme, não importa. O próprio Chico Xavier não se importaria.
Para encerrar: como não pensei em algo melhor, resolvi fazer uma ilustração de um médium escrevendo uma mensagem espiritual. Talvez a intenção fosse a de tentar traduzir os possíveis sentimentos de Chico Xavier ao receber mensagens espirituais, de haver um espírito ditando palavras a um médium. Ao mesmo tempo, quis, num trabalho de linhas e hachuras, conseguir um efeito que lembrasse os desenhos do saudoso Jayme Cortez, o célebre quadrinhista e ilustrador luso-brasileiro (dia 30 de janeiro é o Dia do Quadrinho Nacional, sabiam?). Não sei se consegui, mas olhem e opinem.

Até mais!

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