Já faz tempo que não falo de livro neste blog. E hoje escolhi um livro de história para comentar. Um livro do qual muita gente já deve ter ouvido falar.
O momento não poderia ser mais propício para falar de umas leituras que fiz recentemente: estamos nos aproximando do dia 7 de setembro, o dia da Independência Política do Brasil.
Mas o livro de hoje conta o que aconteceu antes do grito de D. Pedro I que nos separou de Portugal em 1822.
Estou falando de 1808, de Laurentino Gomes.
1808 – Como uma Rainha Louca, um Príncipe Medroso e uma Corte Corrupta enganaram Napoleão e Mudaram a História de Portugal e do Brasil foi publicado pela primeira vez em 2007, na proximidade do bicentenário da Chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil. O autor, Laurentino Gomes, é jornalista e editor da Editora Abril.
O livro foi publicado pela Editorial Planeta, e figurou nas listas dos mais vendidos por muito tempo – só em 2008, o livro vendeu 350 mil exemplares no Brasil e 50 mil em Portugal. E, posteriormente, o livro ganhou edições diferentes, mais compactas – a primeira edição, por ter letras maiores e publicado em papel pergaminho, é mais grosso, 416 páginas. 1808 também ganhou uma edição especial ilustrada, uma versão especial para leitores mais jovens e uma edição especial acompanhada de um DVD. O livro ainda ganhou os prêmios de Melhor Livro de Ensaio da Academia Brasileira de Letras e dois prêmios Jabuti, melhor livro-reportagem e livro do ano de não-ficção.
Não é à toa que este livro fez tanto sucesso: o autor parte de um tema bem conhecido, que nós aprendemos na escola, mas narra a história de uma maneira mais detalhada, rica em histórias extras, que são omitidas na versão que aprendemos no colégio; e tudo em uma linguagem simples, com comparações com fatos do presente, visando o leitor mais leigo e o leitor da Veja. A pesquisa empreendida por Laurentino Gomes foi ampla – ele compara a bibliografia existente e ainda recorre a fontes inéditas para enriquecer a narrativa. Nada escapa no que se refere à vinda da Família Real Portuguesa ao Brasil – e o objetivo extra foi desmontar as versões cômicas e estereotipadas que apareceram posteriormente, reforçadas por conta do filme Carlota Joaquina – Princesa do Brazil (1995), de Carla Camurati. Porque uma história tão importante não se resume a graçolas. Pode ser que D. João tenha sido um príncipe medroso e de pouca iniciativa, Carlota Joaquina tenha sido uma rainha mal-humorada e D. Pedro tenha sido um príncipe mulherengo, mas é exagero se resumir apenas a isso.
A história todos conhecem: em 1807, Napoleão Bonaparte, que começou a espalhar seu poder sobre a Europa, exige que Portugal colabore com o Bloqueio Continental, a ação do imperador francês que visava arruinar economicamente a Inglaterra, inimiga da França. Portugal, um país endividado até os cabelos com a Inglaterra, não adere a essa política, e a França resolve invadir Portugal. Diante de tal ameaça, a Família Real Portuguesa e mais a corte abandona o país, às pressas, em navios sob a proteção inglesa, a 29 de novembro de 1807. Em 22 de janeiro de 1808, D. João chega a Salvador, onde assina o tratado da Abertura dos Portos às Nações Amigas, que beneficiou muito mais a Inglaterra, que pode despejar aqui seus produtos industrializados. Em 7 de março de 1808, D. João chega ao Rio de Janeiro, e lá se instala com a sua corte. Para instalar cerca de 10 mil pessoas, foram requisitadas muitas casas, e seus moradores foram praticamente despejados, e os carimbos de P. R. (Príncipe Regente) que as casas requisitadas recebiam ficaram conhecidos como “Ponha-se na Rua”. No Brasil, D. João promoveu muitas mudanças, como a revitalização da cidade do Rio de Janeiro, então uma “pocilga” onde escravos circulavam por todo o lado, a construção de muitas obras públicas, como o Jardim Botânico e a Imprensa Régia, a fundação do Banco do Brasil (cujos cofres D. João ia esvaziar antes de voltar para Portugal) e o ato mais importante: a elevação do Brasil à categoria de Reino, ou melhor, sede do Império Português, em 1815, o que deu um impulso a mais ao nosso processo de independência. Portugal, que ficara à mercê dos inimigos, é administrada por um representante da Inglaterra após a expulsão dos franceses. Até 1820, ano em que é deflagrada a Revolução do Porto, onde as cortes portuguesas assumiram o poder do país. Para não perder os poderes reais, D. João VI, coroado imperador durante sua permanência no Brasil, volta com a Família Real para Portugal, deixando aqui seu filho, D. Pedro, como príncipe regente. E, em 1822, D. Pedro proclama nossa independência. Quem mais ficou contente com o retorno foi a rainha Carlota Joaquina, que odiou nosso país desde que aqui pisou.
Bem. Isso tudo vocês já sabem da escola. Laurentino Gomes complementa essa história com muitas informações, conhecidas e desconhecidas da maioria dos brasileiros. Apesar de não possuir formação de historiador, a história da permanência da Família Real no Brasil é contada com bastante competência, e numa linguagem acessível, e cheia de comparações com o presente. As informações monetárias, ou seja, o quanto um determinado valor em dinheiro da época vale em reais de hoje, é atualizado de acordo com as cotações de 2007, e o próprio autor adverte que é preciso sempre verificar as cotações atualizadas por conta das variações que um valor monetário sofre com o tempo – e o valor expresso no livro pode não ser o deste ano.
Dentre revelações feitas por Laurentino Gomes, estão: a de que D. João, se tivesse coragem, poderia ter enfrentado e vencido as tropas francesas sem muito esforço; perfis detalhados dos personagens principais da narrativa, D. João, Carlota Joaquina e outros – muitas informações batem com as do filme de Carla Camurati, mas outras não: não é conclusivo o fato de Carlota Joaquina ter sido infiel nem ninfomaníaca, nem D. João ser um governante apático e covarde. Mas estão lá as maquinações empreendidas pela rainha espanhola, como o atentado à mulher do então diretor do Banco do Brasil, um crime passional.
Está tudo lá, relacionado à época: um perfil do então decadente império português, empobrecido e de forte religiosidade; detalhes do plano da transferência da corte ao Brasil, um plano que já era antigo; uma caracterização da colônia antes da chegada da Família Real; como foi a instalação da corte portuguesa, formada por gente em grande parte corrupta, sanguessuga e com fome de favores do Rei – e como esses maus hábitos passaram para as elites brasileiras; as mudanças ocorridas no Brasil; uma caracterização da escravidão colonial; sobre a Missão Artística Francesa, quando um grupo de artistas liderados por Jean Baptiste Debret veio da França para o Brasil e fez belos retratos da colônia; uma caracterização da Revolução Pernambucana de 1817, quando Pernambuco tentou se emancipar do Brasil; como estava Portugal quando da invasão dos franceses, sob a administração dos ingleses e durante a Revolução do Porto; perfis de personagens pouco conhecidos, como os do cronista Luís Gonçalves dos Santos, o Padre Perereca, que fez os primeiros relatos da vinda da Família Real; de Paulo Fernandes Viana, advogado encarregado de colocar ordem na crescente criminalidade do Rio de Janeiro de então; e de Luís Joaquim dos Santos Marrocos, arquivista da Biblioteca Real, que relatou em suas cartas à família, que ficara em Lisboa, preciosas informações sobre a vida na ex-colônia. Aliás, no último capítulo do livro, Laurentino relata um grande segredo sobre Marrocos, que havia se convertido: ele, que chegou aqui odiando o Brasil, terminou seus dias adorando esta terra.
O livro se completa com notas, índice remissivo e três cadernos de ilustrações da época, impressas em papel diferente. Em um deles, duas ilustrações, uma de Salvador e outra do Rio de Janeiro retratadas por artistas da época, aparecem na forma de um pôster.
Para quem gosta de história, curiosidades e etcétera, o livro continua imperdível. E ganhou, como muitos já devem saber, uma continuação em 2010, 1822, sobre os eventos posteriores a esse fato que mudou a nossa história. Mas de 1822 falaremos mais tarde.
Só lembrando: as atuais edições deste livro são mais compactas em relação à primeira edição, um verdadeiro tijolo. A edição ilustrada, a edição para jovens e a edição com DVD incluso ainda podem ser encontradas nas livrarias com facilidade.
É isso aí.
Para encerrar, resolvi fazer uma história longa com meus personagens, os Bitifrendis. Tomando por base uma bem conhecida mania de D. João VI: a falta de asseio e o que levou-o a transformar o banho de mar em uma mania típica dos farofeiros brasileiros, mesmo numa época de pudores. Acreditem, é verdade o que está aí embaixo. E é a primeira história longa que eu produzo dos Bitifrendis. Em breve, ela estará disponível no blog dos personagens.
Em breve, a resenha de 1822, a continuação de 1808.
Até mais!
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