terça-feira, 29 de outubro de 2013

Filme: CASABLANCA

Olá.

Hoje, voltarei a falar de filme. Estou, aos poucos, me livrando do vício de ficar falando apenas de histórias em quadrinhos neste blog.
E hoje eu escolhi um clássico do cinema. Aquele que é considerado um dos melhores filmes de todos os tempos.
Hoje vou falar de CASABLANCA.

Muita gente que nasceu no século passado, quando faz uso da nostalgia como tema de suas crônicas ou de suas conversas, remete logo a esse filme romântico, marcante também como retrato de uma época. Nos dias de hoje, esse filme não conquista tanta gente, mais pelo fato de ser em preto e branco. Mas vale a pena a sessão.
CASABLANCA foi produzido nos EUA em 1942, no calor da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945) – e o grande evento serve como pano de fundo para a história, dirigida por Michael Curtiz e roteirizada por Julius J. Epstein, Philip G. Epstein e Howard Koch. O filme é baseado em uma peça de teatro, Everybody’s Comes to Rick’s, escrita em 1938 por Murray Burnett e Joan Alison, mas nunca encenada por ser, de certa maneira, polêmica. Entretanto, os estúdios Warner Bros. compraram os direitos da peça por US$ 20.000, e, sob um orçamento total de US$ 1.039.000, rodaram o filme que não fez muito sucesso logo de saída (a ambientação no norte da África visava repetir o sucesso alcançado pelo filme Argel, de 1941), mas que acabou sendo aclamado com o tempo e ganhou, em 1943, três Oscars: Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Adaptado. E ainda concorreu a Melhor Ator (Humphrey Bogart), Melhor Ator Coadjuvante (Claude Rains), Melhor Fotografia, Melhor Edição e Melhor Trilha Sonora (feita por Max Steiner).
Da filmografia do ator Humphrey Bogart, é o seu filme mais célebre, ao lado de Relíquia Macabra (The Maltese Falcon), adaptação do romance de Dashiel Hammet. CASABLANCA também é lembrado como um dos filmes que glamourizaram o ato de fumar, hoje tão condenado – quando se fazia a imagem de um homem charmoso, a primeira imagem que vinha à mente era a de Bogart fumando, em seu terno branco. Bão, enquanto era Bogart que glamourizava o ato de fumar entre os homens, entre as mulheres esse papel cabia a Rita Hayworth, do filme Gilda.
A temática do filme resgata uma das temáticas mais polêmicas da época da Segunda Guerra Mundial: a questão dos refugiados europeus. Durante a 2ª Guerra, a Alemanha Nazista exerceu domínio sobre diversas nações europeias, entre elas a França. Os fugitivos do domínio nazista sonham com a liberdade presente na América, ou seja, os Estados Unidos. Assim, faziam um tortuoso caminho em direção a Lisboa, Portugal (país neutro durante a 2ª Guerra), de onde podiam, com vistos, embarcar para a América. Mas, não podendo ir para Lisboa através da França e da Espanha, por terra, o caminho era feito pelo sul: de Paris, iam a Marselha, atravessavam o Mar Mediterrâneo até Oran, na Argélia, e, pelo deserto, iam para Casablanca, no Marrocos (esses dois países, então, faziam parte do domínio colonial francês da África – só se emancipariam na segunda metade do século XX). Casablanca, como toda grande cidade da África do Norte, tem ruas estreitas, cheias de gente e malandros e batedores de carteiras entre os homens elegantes que circulam ali. E, em Casablanca, os refugiados aguardavam a liberação de um visto para Lisboa, e só depois o embarque para a América. Mas essa espera poderia durar meses, ou mesmo anos, e só poderia ser apressada através de dinheiro, influência ou favores. No caso das mulheres, favores muitas vezes sexuais, inclusive ao oficial, Louis Renault (Claude Rains), um oficial francês corrupto e colaborador da ocupação nazista, principal responsável pela liberação dos vistos. No início do filme, Renault recebe a visita de um oficial alemão, o major Strasser (Conrad Veidt), que comparece a Casablanca a serviço: em Oran, dias antes, dois oficiais alemães foram roubados e mortos, e, além disso, um perigoso ativista contra o nazismo, Victor Laszlo (Paul Heinreid) está chegando à cidade. A tarefa de Strasser é impedir que Laszlo e uma mulher que o acompanha saiam do Marrocos.
É só depois dessa introdução que conhecemos o principal local de reuniões da sociedade livre e refugiada do Marrocos, o Rick’s Café Americain, ou Café Americano do Rick, uma casa noturna muito popular na cidade. Esse café é dirigido por Rick Blaine (Bogart), um refugiado americano cínico e de poucas falas, cuja principal preocupação é manter o negócio e impedir que pessoas se aproveitem de sua antiga posição social para requerer privilégios em seu bar (e não é pouca gente: parte dos refugiados tinha algum prestígio social na Europa e, de repente, se veem reduzidos a quase nada, tendo até mesmo de arrumar empregos comuns e menores para se manter na cidade). Rick, que já colaborara com inimigos dos regimes totalitários na Europa e que, por isso, não pode voltar à América (fatos revelados ao longo do filme), conta com a vista grossa de Renault para manter o bar funcionando, e também com a colaboração de seu pianista e cantor, o negro Sam (Dooley Wilson) para animar o local. Rick tem tanta confiança no cantor que resiste bravamente em vender o bar e o pianista para o italiano Senor Ferrari (Sydney Greenstreet), dono de um bar rival, o Blue Parrot.
Rick, que tinha até então hábitos muito reservados (nem mesmo se juntava aos clientes para beber), naquela noite, veria sua vida mudar drasticamente. Começa quando um agiota, Ugarte (Peter Lorre), pede para que Rick guarde uns papéis com eles: salvo-condutos assinados pelo general De Gaulle (presidente francês da época). Esses papéis foram roubados dos oficiais alemães assassinados, e Ugarte pretende vende-los a dois importantes refugiados que pretendem viajar para Lisboa. Rick guarda os papéis de má vontade, e, pouco depois, Ugarte é cercado pela guarda nazista, tenta resistir, e acaba sendo morto na fuga.
Em seguida, entra no bar o tão falado Laszlo, um fugitivo de campos de concentração na Hungria e ativista contra a dominação nazista. Ele está acompanhado da esposa, a bela Ilsa Lund (Ingrid Bergman), que, pouco depois de se acomodar na mesa, chama Sam para perto de si – ela o conhecia – e pede para que ele toque uma música – o clássico “As Time Goes By”. Rick, atraído pela música (que ele proibira Sam de tocar, por razões que só serão explicadas mais para a frente), fica de frente a Ilsa, e a reconhece: foi um grande amor do passado.
Esse passado é revelado através de flashback: Ilsa, antes da ocupação de Paris pelos nazistas, em 1940, já era casada com Laszlo, mas, julgando que o marido havia morrido no campo de concentração, viveu com Rick, também residente em Paris, uma história de amor, embalada pela música do fiel Sam. Entretanto, pouco depois, Ilsa descobre que Laszlo estava vivo, mas é ao lado de Rick que ela assiste Paris ser ocupada pelos alemães. Ilsa combina de fugir de Paris junto com Rick, mas acaba acontecendo de ela fugir sem ele, e ainda se despedir através de uma carta – numa cena que já se tornou clichê: Rick recebe a carta das mãos de Sam sob a chuva, na estação de trem, e entra no trem com o capote e o chapéu encharcados, de coração partido. Ao relembrar esses fatos, Rick obriga Sam a tocar de novo a música proibida.
A maior parte do filme se sustenta na tensão presente entre Rick, Ilsa e Laszlo. Rick mantém o cinismo apenas na aparência, pois vê sua paixão por Ilsa voltar, e começa a antever uma nova possibilidade de ser feliz ao lado dela, cogitando fugir com a moça para a América. Entretanto, Ilsa está dividida: ela ama Laszlo por suas ideias, por tudo o que ele representa, e, ao mesmo tempo, ama Rick, e cogita fugir com ele também. E Laszlo sabe do antigo relacionamento entre os dois, mas não cogita abrir mão da esposa. Os salvo-condutos deixados por Rick são a salvação, mas só há dois deles. Há várias possibilidades: Rick poderia deixar Laszlo ser preso e fugir com Ilsa; Laszlo poderia embarcar para a América sozinho, e Ilsa poderia ficar com Rick; Laszlo e Ilsa poderiam embarcar juntos para a América, e Rick poderia arcar com as consequências.
E é claro que Renault e Strasser não querem deixar Laszlo sair de Casablanca. A periculosidade do húngaro para o nazismo fica evidente na cena em que um grupo de oficiais alemães está cantando um hino alemão nazista, no bar do Rick, e Laszlo faz a orquestra tocar a Marselhesa, o Hino Nacional francês, e faz o bar inteiro cantar junto, num ato de desafio ao poder estabelecido.
Diversos aspectos da resistência francesa ao Nazismo são abordadas no filme. Em uma das cenas, uma cliente do bar revela a Rick que cogita se tornar amante de Renault em troca de um visto para ela e o marido, que está tentando a sorte no cassino. Penalizado, Rick decide facilitar as coisas para o homem, e o faz ganhar na roleta o dinheiro suficiente para que o casal compre seu visto de saída. Revela-se, então, que Rick, debaixo dos panos, ajuda, sim, refugiados a obter o visto mais rapidamente, às escondidas de Renault.
No fim do filme, Rick precisa abrir mão de suas convicções para salvar Ilsa e Laszlo. E, nessa conversão, leva junto Renault – ambos desafiam o poder, representado por Strasser. O final do filme, com a despedida dos protagonistas no aeroporto, é icônico e sempre lembrado pelos saudosistas.
A fotografia é excelente (embora o filme seja quase todo feito no espaço fechado dos estúdios). Muito embora, também, haja um efeito especial hoje considerado tosco: na cena em que Rick e Ilsa estão andando de carro, dá pra ver que os cenários estão sendo projetados atrás dos atores. Mas a química entre Bogart e Bergman é muito elogiada. Ah: dizem que o piano que Dooley Wilson tocava no filme era de brinquedo, não emitia som – apenas uma peça de cenografia. Então, quem tocava o piano das músicas cantadas por Sam: o próprio Max Steiner, dos bastidores?
O filme também é cheio de frases de efeito – cada uma delas figuraria no cânone de grandes frases do cinema. Todas cheias de significado para a história. Mas as mais lembradas, todas saídas da boca de Rick Blaine, são: “Toque outra vez, Sam. Se ela é capaz de suportar, eu também sou”; “Nós sempre teremos Paris”; e a frase final: “Acho que isso é o começo de uma bela amizade”.
Não é difícil encontrar esta obra-prima em DVD, ainda mais que as cópias passaram por um excelente trabalho de restauração. É preto e branco, mas e daí? A falta de cor só ressalta o clima noir e romântico do filme. Ah, claro: quando se fala em noir, o estilo de filmes “sombrios”, Bogart também é uma grande referência.
Tempos que não voltam mais. Já não se produzem filmes como antigamente. Ainda mais com trilha de Max Steiner. É difícil tirar “As Time Goes By” da cabeça depois de assistir CASABLANCA. You must remember this. (a frase é traduzida no plural).
Para encerrar, dois desenhos. O primeiro, vocês viram acima, um exemplo sobre a mudança de conceitos observada com o tempo: o cigarro hoje é associado às doenças pulmonares, ao câncer, então a imagem de um típico fumante, hoje, não é das melhores – muito diferente do ícone Humphrey Bogart.
E o segundo desenho, abaixo, é uma recriação de um cartum do genial cronista Luís Fernando Veríssimo, de dentro de sua célebre série de tiras As Cobras. Ele foi um dos que mais citou CASABLANCA em suas crônicas, e não seria acaso o trocadilho com a célebre obra do estudioso brasileiro Gilberto Freyre – ainda mais com as possíveis insinuações sobre as reais relações entre Rick Blaine e Sam. Desculpem se eu fui tão politicamente incorreto. 
É isso aí, por enquanto. Vocês precisavam lembrar disso.
Até mais!

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