terça-feira, 12 de agosto de 2014

Cinema: ENCOURAÇADO POTEMKIN

Olá.
Hoje, vamos falar de cinema. E, de preferência, de um filme clássico. Mas antes, acho que farei algumas reflexões que podem irritar alguns leitores – porém, preciso fazê-las.

DAS PECULIARIDADES DOS RUSSOS

Sabem, tem dias que eu reflito muito sobre a Rússia e os russos. Chego à conclusão, nas discussões que tenho nas redes sociais com defensores do comunismo, que, se for para implantar o comunismo como sistema de governo no Brasil, melhor que não seja o modelo russo, ou melhor, soviético. Lendo alguns trechos sobre a história do maior país em território do mundo, desde o tempo dos czares, acabamos constatando que os russos têm um histórico de brutalidade talvez maior que outras nações europeias ou mesmo mundiais. Ou é exagero dos historiadores, ou os russos realmente são brutais e insensíveis. Ou melhor, a sua elite que sempre foi brutal, insensível e opressora. Poucas vezes as lideranças russas e/ou soviéticas – os czares (reis), as autoridades religiosas ortodoxas, os burgueses e os senhores feudais, e depois as lideranças comunistas e pós-comunistas – tiveram consideração para com a própria população. Camponeses, trabalhadores urbanos, classe média... sofriam não apenas com o frio russo, mas também com a opressão institucionalizada, turbinada com o consumo de vodca (sabiam que a Rússia é um dos países líderes em mortes acidentais? A maior parte delas causada por excesso de bebida alcoólica. Não à toa também, muitos dos vídeos virais de acidentes automobilísticos mais assistidos vem de lá, graças ao agora hábito dos russos incluírem câmeras nos seus carros). E inclua-se no histórico de brutalidade russa as perseguições aos judeus – principalmente as apoiadas pelo governo, chamadas de pogroms – nos séculos XVIII, XIX e início do século XX. O maior símbolo atual da Rússia truculenta, a meu ver, é o atual Premier Vladimir Putin, ex-integrante do serviço de espionagem soviético, a KGB. Suas atitudes, noticiadas regularmente, e principalmente as referentes à atual intervenção na Ucrânia, não estão vendendo uma excelente imagem sobre a índole russa, principalmente a herdada dos tempos da Guerra Fria (1945 – 1989).
Não estou querendo dizer que os russos teriam sido piores que outras nações, principalmente as capitalistas, no que diz respeito à opressão de seu povo. Mas relatos históricos referentes a essas brutalidades para com a população causam aflição ao mais sensível estudioso.
O comunismo teria sido diferente se não tivesse sido implantado, inicialmente, na Rússia? Se o comunismo foi, e ainda é, um regime mal falado, a culpa não foi de seus principais mentores, Karl Marx e Friedrich Engels, com certeza; a culpa foi dos maiores artífices do comunismo russo: Vladimir Ilitch Ulianov, o Lênin, Lev Bronstein, o Leon Trotski, e Josef Stalin. Eles que subverteram o sentido da ideologia marxista. O que era para ser um sistema que visava, na melhor das hipóteses, a melhoria das condições de vida e trabalho dos trabalhadores e uma melhor divisão da riqueza majoritariamente concentrada nas mãos da burguesia, acabou se tornando mais um regime que beneficiou poucas pessoas, de características totalitárias, tal como foi o nazismo na Alemanha ou o fascismo na Itália, ou o franquismo na Espanha ou o salazarismo em Portugal. Muito embora o comunismo russo fosse inimigo destes totalitarismos já citados, todos regimes de direita. E o que é pior: o modelo russo foi um modelo que muita gente, no século XX, tentou copiar, inclusive no Brasil (daí os atritos entre guerrilheiros de esquerda e os militares durante o Regime Militar, que resultaram em torturas e desaparecimentos). É que, como todo governo que se preze, os soviéticos só deixavam sair das fronteiras de sua nação os aspectos positivos de seu governo, mascarando os aspectos negativos, e assim ludibriando as gentes mais fácil. E esse modelo de comunismo foi implantado em Cuba, Coreia do Norte e China, só para citar os países que mantém esse modelo até hoje.
E todo mundo sabe que o pior inimigo dos soviéticos foram os Estados Unidos. Ambos, durante décadas, tentaram impor ao mundo seus próprios estilos de viver. Tudo bem, diversas ações apoiadas pelos Estados Unidos e suas multinacionais, em vários países, foram condenáveis. Mas os soviéticos não ficaram atrás.
Não sou partidário do comunismo. E sou contra qualquer regime, de direita ou de esquerda, que defenda a supressão das liberdades individuais, de escolha, de expressão ou de opinião – e, infelizmente, esse é o caso do comunismo de modelo russo. Comunistas entendem que muitas das expressões artísticas preferidas do povo ocidental são “caprichos da burguesia decadente”, e tudo o que represente a burguesia deve ser eliminado de uma sociedade comunista.
E também não é pretensão minha me juntar a muitos blogs “reacionaristas”, que encontram motivo para depreciar o comunismo e se alinhar à “direita”, que muitos de meus amigos estão pretendendo combater. O Estúdio Rafelipe não é plataforma política. Não tem sequer a pretensão de ser um desses blogs destinados a estragar o dia de ninguém que só quer se entreter um pouco na internet. Não me importo de me juntar às “esquerdas”, desde que a liberdade de expressão e pensamento seja assegurada nesse pretenso novo governo.
Estas reflexões nasceram de profundos estudos sobre História, lidos os dois lados da História. Os meus citados amigos deveriam estudar mais História, ler de tudo, não se deter apenas aos autores de “esquerda”. Isso gera conclusões imparciais que vão irritar muitas pessoas e decepcionar muitas outras.
Essas reflexões nasceram depois que assisti o filme do qual falarei hoje: O ENCOURAÇADO POTEMKIN.

EISENSTEIN
Chega de jogar conversa fora. Vamos falar de arte. De cinema. Do que realmente pode nos fazer felizes.
Um dos maiores clássicos do cinema mundial, ENCOURAÇADO POTEMKIN (Bronenosets Potyomkin) foi produzido em 1925, na União Soviética (lembrem-se os que não fugiram das aulas de História: a Rússia foi chamada, entre 1922 e 1991, de União Soviética, englobando países próximos que formavam uma federação de grande influência mundial. Para todos os efeitos, ENCOURAÇADO POTEMKIN não é um filme russo, mas soviético).
O filme, de 112 minutos foi dirigido por Sergei Eisenstein. Antes de prosseguir, vamos falar um pouco sobre ele.
Eisenstein (1898 – 1948), diretor e estudioso de cinema, era simpatizante da Revolução Comunista, que implantou o governo socialista na Rússia em 1917. Apesar disso, ele estava mais alinhado à burguesia, devido às origens familiares – seus pais pertenciam à classe média, o pai arquiteto, a mãe filha de prósperos comerciantes. Sua adesão ao movimento revolucionário na Rússia, antes de completar a faculdade de engenharia, causaria desentendimentos com o pai. Mas, apesar de aderir aos ideais socialistas, Eisenstein, defensor da liberdade de expressão artística, se desentendia bastante com o governo de Josef Stalin, para o qual trabalhou. Quer dizer, alguns de seus melhores filmes faziam propaganda do regime comunista, mas fazendo largo uso de inovações estéticas que pretensamente seriam entendidas também por outros povos. Eisenstein só começou a se dedicar à carreira artística, no teatro e no cinema, depois do triunfo da Revolução Russa. Eisenstein também já teve um breve período nos Estados Unidos, mais precisamente em Hollywood, a convite dos estúdios MGM, onde ficou amigo de cineastas importantes como Charles Chaplin.
Seu primeiro filme foi o curta-metragem Dnevnik Glumova (O Diário de Glumov), de 1923. Depois vieram Statchka (A Greve, 1924), Bronenosets Potyomkin (Encouraçado Potemkin, 1925), Oktyabr (Outubro, 1927) e Gueneralnaya Linnya (A Linha Geral, 1928), filmes alinhados ao movimento do realismo socialista, financiado pelo governo soviético e que visavam divulgar a ideologia socialista às massas analfabetas. A esse movimento também juntou-se diretores como Vsevolod Pudovkin (de M’at [A Mãe, 1926] e Konets Sankt-Petersburga [O Fim de São Petersburgo, 1927]).
Após seu período frustrado em Hollywood, onde não conseguiu emplacar projetos (e deixando um documentário inacabado, Da Zdravstvuiet Meksika! [Que Viva México!, 1931]), Eisenstein volta para a União Soviética, onde é criticado pelo seu breve “idílio capitalista”, e só dá a volta por cima quando dirige, a pedido do governo, o épico Alexander Nevski (1938), como propaganda antigermânica, presente à época da Segunda Guerra Mundial, e que também se torna um clássico. Sua próxima obra seria a trilogia Ivan Groznii (Ivan, o Terrível), mas só os dois primeiros filmes são produzidos: a primeira parte é de 1944, e a segunda, de 1945. Esses três últimos filmes também representam a adesão de Eisenstein ao cinema falado.
Estudioso de cinema, Eisenstein também legou um tratado sobre a montagem cinematográfica, ciência que ele testou e aperfeiçoou em seu filme mais conhecido. Qual, mesmo? ENCOURAÇADO POTEMKIN, claro.

O FILME
Dirigido e co-escrito por Eisenstein (o diretor divide o roteiro do filme com Nina Agadjanova) e produzido por Iakov Bliokh, ENCOURAÇADO POTEMKIN até hoje é aclamado como um marco da montagem cinematográfica.
Eisenstein foi o “inventor” da chamada montagem intuitiva, que tinha por objetivo despertar sentidos no espectador – esses sentidos deveriam ser apreendidos pelo espectador, através do choque entre duas imagens díspares, ou seja, imagens que aparentemente tem pouco a ver uma com a outra. Tal técnica é inspirada em ideogramas orientais – Eisenstein também era um profundo conhecedor de cultura japonesa, e estudioso da língua e da escrita orientais. Ele sabia que a combinação de dois símbolos diferentes acabaria criando uma palavra com novos significados, mais abstratos e complexos – por exemplo, o ideograma para “mulher”, combinado com o ideograma para “casa”, gera a palavra correspondente a “lar”.
É meio difícil explicar como esse tipo de ideia se aplica à montagem de ENCOURAÇADO POTEMKIN, principalmente a quem não está acostumado ao cinema “de arte”. E ainda mais porque o filme em questão é em preto e branco, mudo e dos anos 20. Mas, de uma forma simples, funciona assim: Eisenstein faz muitos cortes na ação das cenas, sai constantemente de um momento da ação e vai para outro, até completar as sequências; faz pessoas aparecerem ou desaparecerem lentamente de cenários vazios; alterna planos distantes, closes nos rostos dos personagens, planos mais próximos; cria longas sequências baseadas em cortes, ação “picotada”, que criam uma tensão pelo que vai acontecer a seguir. Tudo isso abusando da iluminação, que contrasta com a brutalidade das ações. Deu para entender?
Bão. O filme ainda divide opiniões. Alguns críticos costumam considerar do filme apenas as inovações estéticas, o filme enquanto filme, portanto ainda o elogiam; outros, considerando a carga ideológica, a propaganda de um governo, o repudiam, e o consideram anacrônico, ultrapassado, ainda mais após a queda do comunismo russo.
De fato: ENCOURAÇADO POTEMKIN tem contra ele a tal carga ideológica, o enaltecimento da revolução comunista russa. Ele compõe uma espécie de cinessérie sobre o processo de transformação da Rússia numa nação comunista, composta ainda por A Greve, Outubro e A Linha Geral – todos feitos sob financiamento do governo soviético. Entretanto, ENCOURAÇADO POTEMKIN não é totalmente impregnado de ideologia comunista. A Revolução, segundo Eisenstein, não seria por simples desejo de implantar as complexas teorias marxistas em um governo, e sim de superar as injustiças sociais. Eisenstein demonstra isso, opondo as privações das classes proletárias – no caso, os marinheiros e as pessoas do povo – com a brutalidade das elites e seus representantes (almirantes, altos comandantes da marinha, membros do exército do Czar). Os superiores hierárquicos, como demonstra o diretor, ao invés de ouvirem os clamores da população e/ou dos subordinados, preferem “descer o sarrafo”, mandar a guarda fuzilar quem quer apenas um pouco de igualdade e justiça (ainda era o tempo do “a questão social é um caso de polícia, e como tal deve ser tratada pelos cascos dos cavalos”). Seria contra isso, verdadeiramente, que o povo deveria lutar. E isso já torna a linguagem do filme universal.
Além do quê, some-se a isso que o filme não possui um personagem principal definido. O povo é o grande personagem principal da história. Ela só é construída graças ao esforço coletivo, às lutas coletivas. Por isso, muitos nomes do elenco do filme foram suprimidos, sequer são conhecidos, e grande parte dos figurantes é amadora, recrutada da cidade de Odessa, palco do fato real que deu origem ao roteiro.
Quanto à parte estética, ainda cite-se que muitas das cenas do filme foram homenageadas por outros diretores, principalmente dos Estados Unidos. A grande cena clímax do filme é a famosa cena da escadaria, que analisaremos em detalhes mais adiante.

O FATO HISTÓRICO
ENCOURAÇADO POTEMKIN tem por base um fato real. Todo mundo sabe que o comunismo russo foi implantado no país em outubro de 1917, através de uma série de revoltas populares incitadas por Lenin e companheiros. Mas, em 1905, uma série de revoltas serviu de “ensaio geral” da Revolução de 1917.
Em 1905, a Rússia, então governada pelo Czar Nicolau II – que, após o triunfo da Revolução de 1917, seria fuzilado, junto com a família (ele é o pai da lendária princesa Anastásia, tema de um famoso filme de animação, falaremos disso numa outra ocasião) – havia perdido uma guerra contra o Japão pelo controle da região da Manchúria. Em protesto contra essa aventura bélica do Czar – que era fortemente influenciado pelo monge Rasputin (noutra hora falamos dele) – houve uma série de revoltas e greves lideradas por setores populares. O fato mais grave ocorreu no dia 22 de janeiro (9 de janeiro no calendário russo): tropas do Czar abriram fogo contra uma multidão que protestava, pacificamente, em frente ao Palácio de Verão do Czar em São Petersburgo. Esse episódio, conhecido como Domingo Sangrento, deu origem a mais protestos, até que o Czar se viu obrigado a fazer uma série de reformas que tiveram pouca duração, mas abriram caminho para o triunfo de 1917.
O mais famoso desses protestos é o dos marinheiros do navio encouraçado chamado Potemkin. Em 27 de junho, os marinheiros desse navio, ancorado no porto de Nova Odessa, se rebelaram contra as autoridades marítimas, e esse protesto teve o apoio da população da cidade. Porém, debelado o movimento, os insurretos foram obrigados a se exilar na Romênia.
O Potemkin, cujo nome homenageia um militar russo do século XVIII, chamado Grogori Aleksandrovich Potemkin, foi construído em 1898, e entrou em serviço em 1904. Após a revolta de 1905, teve seu nome mudado para Panteleimon, e, em 1917, retomou o nome original. Pouco depois da Revolução de Outubro, passou a se chamar Boretz za Svobodu. E passou por poucas e boas antes do fim da Primeira Guerra Mundial: foi capturado por alemães em Sebastopol, em 1918, recapturado e entregue às forças aliadas em 1919, que o inutilizaram detonando parte de seu casco, e em 1922, o navio acabou sendo desmantelado.
Através da revolta dos marinheiros do Potemkin, Eisenstein começa a fazer uma reflexão sobre motivos para uma revolta popular, opressão social, o sentido para a luta contra a ordem estabelecida.

O ENREDO
O filme é dividido em cinco partes, cada uma destacando um episódio, dentro da proposta de montagem intuitiva do diretor.
Na primeira parte, temos os motivos que conduziram à revolta dos marinheiros da embarcação. O protesto teria começado por causa das más condições de alimentação dos marinheiros: eles próprios podiam ver que a carne, a ser usada em um ensopado (borscht) servido à tripulação, estava cheia de vermes, porém o médico do navio insiste em dizer, mesmo examinando as peças, que a carne ainda estava em condições de ser consumida. Eles, que já penavam por causa das condições de trabalho e das acomodações precárias – e que também já recebiam de colegas mais “cultos” algumas noções de ideologia de esquerda – resolvem, em protesto, não tomar o ensopado.
A segunda parte refere-se à revolta propriamente dita dos marinheiros. O Oficial-chefe da embarcação, Giliarovsky (Grigori Alexandrov), ao saber da insubordinação dos marinheiros, chama toda a tripulação ao convés, e determina o fuzilamento de quem não gostou da comida. Os marinheiros insurretos são cobertos com lona, e os fuzileiros recebem ordem para atirar. Porém, um marinheiro, Vakulinchuk (Alexander Pavlovich Antonov), resolve gritar, questionando os fuzileiros sobre em quem vão atirar – o que faz com que eles hesitem. Aproveitando a revolta dos oficiais diante da atitude dos fuzileiros, os marinheiros atacam com fúria: pegam armas, jogam oficiais no mar... acaba sobrando até para um monge, que estava no navio, prestes a dar a extrema-unção aos marinheiros executados. As cenas da revolta são constantemente cortadas, de uma parte da ação para outra, em cada setor no navio. A revolta é vitoriosa, e os marinheiros comemoram, mas com um preço: Vakulinchuk, perseguido por um dos oficiais sobreviventes, é mortalmente ferido, cai em um dos ganchos das cordas do navio, cai no mar e, apesar de salvo pelos companheiros, não resiste e morre. Seu corpo é levado ao porto de Odessa e colocado em uma barraca, com um bilhete explicando o que aconteceu.
Na terceira parte, algumas pessoas que passam pelo porto de Odessa, no dia seguinte, encontram a barraca com o corpo de Vakulinchuk. Ao lerem o bilhete, tomam conhecimento da revolta do Potemkin, e já começam, incitados por um estudante agitador (Konstantin Feldman) a protestar contra a tirania do governo – afinal, começou com um protesto contra a prepotência das autoridades em um navio. O porto começa a se encher de gente, graças à notícia que correu de boca em boca na cidade. Em certo momento, entre os gritos dos populares, um homenzinho “suspeito” levanta a voz contra os judeus – e acaba linchado, o intrometido. A parte termina com o júbilo dos populares diante da imagem de uma bandeira vermelha sendo hasteada em um dos mastros do Potemkin – símbolo do socialismo, do desejo de uma nova ordem social. Sabe-se lá se Eisenstein conseguiu destacar a cor vermelha da bandeira no preto-e-branco, ou se a cor foi acrescentada digitalmente durante o trabalho de restauração do filme.
A quarta parte é o clímax do filme. Começa com os populares de Odessa confraternizando com os marinheiros do Potemkin, indo em botes levar víveres ao navio. A população está em júbilo. De repente, começa o tumulto nas escadarias que levam ao porto: soldados do Czar, na estupidez, abrem fogo contra a população desarmada e indefesa. Essa cena já nasce carregada de significados: é o símbolo da hierarquia social, da diferença de classes – os soldados começam a atirar do alto, na população embaixo da escada. Três cenas dessa sequência são as mais marcantes. Uma é a da mãe: ao arrastar um menino escada abaixo, seu filho, não consegue salvá-lo: o menino é alvejado, cai na escadaria e é pisoteado pelos populares fugitivos. A mãe, valentemente, sobe as escadarias com o menino seguro desajeitadamente nos braços, e tenta parlamentar com os soldados – e acaba alvejada, na estupidez. A outra sequência marcante, e a mais homenageada, é a do carrinho de bebê: uma mãe, que conduzia o tal carrinho nas escadarias, é alvejada pelos tiros, e , na queda ao chão, acaba deixando o carrinho, com o bebê dentro, rolar escada abaixo. No final, não resta dúvida quanto ao destino trágico do bebê. Essa cena seria homenageada por vários cineastas – a mais famosa recriação da cena do carrinho de bebê foi feita pelo estadunidense Brian de Palma no filme Os Intocáveis, de 1987. A terceira cena, que poderia ter sido a mais marcante, é uma cena bem rápida e que muitos podem perder se piscarem: um mendigo sem as duas pernas, descendo com muita agilidade a escadaria. Essa sequência acontece antes mesmo das duas cenas descritas acima. Dos atores identificados na cena da escadaria, só é conhecido o nome de Beatrice Vitoldi, a mulher do carrinho de bebê. No fim, os marinheiros do Potemkin, revoltados, torpedeiam o teatro municipal de Odessa, onde os oficiais do exército estariam reunidos.
A quinta e última parte é carregada de tensão: ao saberem que foram chamados navios da Marinha do Governo para atacar o Potemkin, os marinheiros a princípio hesitam se devem enfrenta-los ou não; no fim, resolvem atacar. E, durante longos minutos, vemos os marinheiros carregando projéteis ao convés, preparando as armas, corrigindo o curso do navio, se preparando para o ataque iminente. O espectador já se prepara para o pior, ver o navio ser torpedeado ou torpedear, uma batalha naval de proporções trágicas como as revoltas populares registradas pela História... até que acontece uma reviravolta no final.
Como nos livros de História que tenho disponíveis em casa as referências aos fatos citados são muito breves, sabe-se lá se Eisenstein realmente procurou retratar os fatos como eles ocorreram, ou se ele tomou liberdades poéticas em nome do enaltecimento do “herói coletivo” e da estética cinematográfica. O espectador pode até se espantar com a fotografia e a iluminação do filme, que faz com que nem pareça ter sido produzido nos anos 1920, mas décadas depois.
Não à toa ENCOURAÇADO POTEMKIN é um clássico do cinema. Relativamente fácil de ser encontrado em DVD, merece ser assistido, independente de quaisquer ideologias. Eisenstein fez o filme de modo que a mensagem a ser passada seja universal. O que mais importa é que as injustiças sociais devem ser combatidas, não podem ser admitidas “na maior”.
E daí que é preto e branco, mudo, com as já tradicionais legendas de tela inteira que aparecem depois que o personagem termina de falar, que as interpretações apoiadas no gestual hoje parecem toscas, que quase não tem efeitos sonoros, apenas a música instrumental, e que os atores não são exatamente bonitos, com bons dentes e bem maquiados? Afinal, em se tratando de realismo socialista e de coadjuvantes amadores, de que adianta o rouge? Se for assistido com atenção, é um filme bem fácil de entender. E o objetivo da montagem intuitiva de Eisenstein não terá sido em vão para as gerações de hoje.
Se, com esse filme, vocês encontrarão carga para criticar os russos? Só tenho a dizer algo mais, pessoal: estudem mais História!

Principais fontes para elaboração do texto: wikipedia.com e livro Nova História – Moderna e Contemporânea, de José Jobson Arruda (Bauru, SP: EDUSC e Bandeirantes Gráfica, 2004).

Para encerrar, os já tradicionais desenhos meus – a piada do início já havia sido publicada anteriormente. São recriações de cenas marcantes do filme, todas da sequência da escadaria. No primeiro, visto acima, procuro recriar a cena do mendigo sem pernas descendo as escadas durante o tumulto. E, no segundo, abaixo, tentar recriar a cena da mãe com o menino ferido nos braços, diante dos soldados.
Peço perdão se por acaso considerarem esses desenhos toscos diante da qualidade técnica de Eisenstein. Fiz o melhor que pude.
Em breve, mais cinema por aqui. Ufa!

Até mais!

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