Olá.
Hoje,
vamos falar de cinema. E, de preferência, de um filme clássico. Mas antes, acho
que farei algumas reflexões que podem irritar alguns leitores – porém, preciso
fazê-las.
DAS PECULIARIDADES DOS RUSSOS
Sabem, tem dias que eu reflito muito sobre a Rússia e os russos. Chego à conclusão, nas discussões que tenho nas redes sociais com defensores do comunismo, que, se for para implantar o comunismo como sistema de governo no Brasil, melhor que não seja o modelo russo, ou melhor, soviético. Lendo alguns trechos sobre a história do maior país em território do mundo, desde o tempo dos czares, acabamos constatando que os russos têm um histórico de brutalidade talvez maior que outras nações europeias ou mesmo mundiais. Ou é exagero dos historiadores, ou os russos realmente são brutais e insensíveis. Ou melhor, a sua elite que sempre foi brutal, insensível e opressora. Poucas vezes as lideranças russas e/ou soviéticas – os czares (reis), as autoridades religiosas ortodoxas, os burgueses e os senhores feudais, e depois as lideranças comunistas e pós-comunistas – tiveram consideração para com a própria população. Camponeses, trabalhadores urbanos, classe média... sofriam não apenas com o frio russo, mas também com a opressão institucionalizada, turbinada com o consumo de vodca (sabiam que a Rússia é um dos países líderes em mortes acidentais? A maior parte delas causada por excesso de bebida alcoólica. Não à toa também, muitos dos vídeos virais de acidentes automobilísticos mais assistidos vem de lá, graças ao agora hábito dos russos incluírem câmeras nos seus carros). E inclua-se no histórico de brutalidade russa as perseguições aos judeus – principalmente as apoiadas pelo governo, chamadas de pogroms – nos séculos XVIII, XIX e início do século XX. O maior símbolo atual da Rússia truculenta, a meu ver, é o atual Premier Vladimir Putin, ex-integrante do serviço de espionagem soviético, a KGB. Suas atitudes, noticiadas regularmente, e principalmente as referentes à atual intervenção na Ucrânia, não estão vendendo uma excelente imagem sobre a índole russa, principalmente a herdada dos tempos da Guerra Fria (1945 – 1989).
Não
estou querendo dizer que os russos teriam sido piores que outras nações,
principalmente as capitalistas, no que diz respeito à opressão de seu povo. Mas
relatos históricos referentes a essas brutalidades para com a população causam
aflição ao mais sensível estudioso.
O
comunismo teria sido diferente se não tivesse sido implantado, inicialmente, na
Rússia? Se o comunismo foi, e ainda é, um regime mal falado, a culpa não foi de
seus principais mentores, Karl Marx e Friedrich Engels, com certeza; a culpa
foi dos maiores artífices do comunismo russo: Vladimir Ilitch Ulianov, o Lênin,
Lev Bronstein, o Leon Trotski, e Josef Stalin. Eles que subverteram o sentido
da ideologia marxista. O que era para ser um sistema que visava, na melhor das
hipóteses, a melhoria das condições de vida e trabalho dos trabalhadores e uma
melhor divisão da riqueza majoritariamente concentrada nas mãos da burguesia,
acabou se tornando mais um regime que beneficiou poucas pessoas, de
características totalitárias, tal como foi o nazismo na Alemanha ou o fascismo
na Itália, ou o franquismo na Espanha ou o salazarismo em Portugal. Muito
embora o comunismo russo fosse inimigo destes totalitarismos já citados, todos
regimes de direita. E o que é pior: o modelo russo foi um modelo que muita
gente, no século XX, tentou copiar, inclusive no Brasil (daí os atritos entre
guerrilheiros de esquerda e os militares durante o Regime Militar, que
resultaram em torturas e desaparecimentos). É que, como todo governo que se
preze, os soviéticos só deixavam sair das fronteiras de sua nação os aspectos
positivos de seu governo, mascarando os aspectos negativos, e assim ludibriando
as gentes mais fácil. E esse modelo de comunismo foi implantado em Cuba, Coreia
do Norte e China, só para citar os países que mantém esse modelo até hoje.
E
todo mundo sabe que o pior inimigo dos soviéticos foram os Estados Unidos.
Ambos, durante décadas, tentaram impor ao mundo seus próprios estilos de viver.
Tudo bem, diversas ações apoiadas pelos Estados Unidos e suas multinacionais,
em vários países, foram condenáveis. Mas os soviéticos não ficaram atrás.
Não
sou partidário do comunismo. E sou contra qualquer regime, de direita ou de
esquerda, que defenda a supressão das liberdades individuais, de escolha, de
expressão ou de opinião – e, infelizmente, esse é o caso do comunismo de modelo
russo. Comunistas entendem que muitas das expressões artísticas preferidas do
povo ocidental são “caprichos da burguesia decadente”, e tudo o que represente
a burguesia deve ser eliminado de uma sociedade comunista.
E
também não é pretensão minha me juntar a muitos blogs “reacionaristas”, que
encontram motivo para depreciar o comunismo e se alinhar à “direita”, que
muitos de meus amigos estão pretendendo combater. O Estúdio Rafelipe não é
plataforma política. Não tem sequer a pretensão de ser um desses blogs
destinados a estragar o dia de ninguém que só quer se entreter um pouco na
internet. Não me importo de me juntar às “esquerdas”, desde que a liberdade de
expressão e pensamento seja assegurada nesse pretenso novo governo.
Estas
reflexões nasceram de profundos estudos sobre História, lidos os dois lados da
História. Os meus citados amigos deveriam estudar mais História, ler de tudo,
não se deter apenas aos autores de “esquerda”. Isso gera conclusões imparciais
que vão irritar muitas pessoas e decepcionar muitas outras.
Essas
reflexões nasceram depois que assisti o filme do qual falarei hoje: O
ENCOURAÇADO POTEMKIN.
EISENSTEIN
Chega
de jogar conversa fora. Vamos falar de arte. De cinema. Do que realmente pode
nos fazer felizes.
Um
dos maiores clássicos do cinema mundial, ENCOURAÇADO POTEMKIN (Bronenosets Potyomkin) foi produzido em
1925, na União Soviética (lembrem-se os que não fugiram das aulas de História:
a Rússia foi chamada, entre 1922 e 1991, de União Soviética, englobando países
próximos que formavam uma federação de grande influência mundial. Para todos os
efeitos, ENCOURAÇADO POTEMKIN não é um filme russo, mas soviético).
O
filme, de 112 minutos foi dirigido por Sergei Eisenstein. Antes de prosseguir,
vamos falar um pouco sobre ele.
Eisenstein
(1898 – 1948), diretor e estudioso de cinema, era simpatizante da Revolução
Comunista, que implantou o governo socialista na Rússia em 1917. Apesar disso,
ele estava mais alinhado à burguesia, devido às origens familiares – seus pais
pertenciam à classe média, o pai arquiteto, a mãe filha de prósperos
comerciantes. Sua adesão ao movimento revolucionário na Rússia, antes de
completar a faculdade de engenharia, causaria desentendimentos com o pai. Mas, apesar
de aderir aos ideais socialistas, Eisenstein, defensor da liberdade de
expressão artística, se desentendia bastante com o governo de Josef Stalin,
para o qual trabalhou. Quer dizer, alguns de seus melhores filmes faziam
propaganda do regime comunista, mas fazendo largo uso de inovações estéticas
que pretensamente seriam entendidas também por outros povos. Eisenstein só
começou a se dedicar à carreira artística, no teatro e no cinema, depois do
triunfo da Revolução Russa. Eisenstein também já teve um breve período nos
Estados Unidos, mais precisamente em Hollywood, a convite dos estúdios MGM, onde
ficou amigo de cineastas importantes como Charles Chaplin.
Seu
primeiro filme foi o curta-metragem Dnevnik
Glumova (O Diário de Glumov), de 1923. Depois vieram Statchka (A Greve, 1924), Bronenosets
Potyomkin (Encouraçado Potemkin, 1925), Oktyabr
(Outubro, 1927) e Gueneralnaya Linnya
(A Linha Geral, 1928), filmes alinhados ao movimento do realismo socialista,
financiado pelo governo soviético e que visavam divulgar a ideologia socialista
às massas analfabetas. A esse movimento também juntou-se diretores como
Vsevolod Pudovkin (de M’at [A Mãe,
1926] e Konets Sankt-Petersburga [O
Fim de São Petersburgo, 1927]).
Após
seu período frustrado em Hollywood, onde não conseguiu emplacar projetos (e
deixando um documentário inacabado, Da
Zdravstvuiet Meksika! [Que Viva México!, 1931]), Eisenstein volta para a
União Soviética, onde é criticado pelo seu breve “idílio capitalista”, e só dá
a volta por cima quando dirige, a pedido do governo, o épico Alexander Nevski (1938), como propaganda
antigermânica, presente à época da Segunda Guerra Mundial, e que também se
torna um clássico. Sua próxima obra seria a trilogia Ivan Groznii (Ivan, o Terrível), mas só os dois primeiros filmes
são produzidos: a primeira parte é de 1944, e a segunda, de 1945. Esses três
últimos filmes também representam a adesão de Eisenstein ao cinema falado.
Estudioso
de cinema, Eisenstein também legou um tratado sobre a montagem cinematográfica,
ciência que ele testou e aperfeiçoou em seu filme mais conhecido. Qual, mesmo?
ENCOURAÇADO POTEMKIN, claro.
O FILME
Dirigido
e co-escrito por Eisenstein (o diretor divide o roteiro do filme com Nina
Agadjanova) e produzido por Iakov Bliokh, ENCOURAÇADO POTEMKIN até hoje é
aclamado como um marco da montagem cinematográfica.
Eisenstein
foi o “inventor” da chamada montagem intuitiva, que tinha por objetivo
despertar sentidos no espectador – esses sentidos deveriam ser apreendidos pelo
espectador, através do choque entre duas imagens díspares, ou seja, imagens que
aparentemente tem pouco a ver uma com a outra. Tal técnica é inspirada em
ideogramas orientais – Eisenstein também era um profundo conhecedor de cultura
japonesa, e estudioso da língua e da escrita orientais. Ele sabia que a
combinação de dois símbolos diferentes acabaria criando uma palavra com novos
significados, mais abstratos e complexos – por exemplo, o ideograma para
“mulher”, combinado com o ideograma para “casa”, gera a palavra correspondente
a “lar”.
É
meio difícil explicar como esse tipo de ideia se aplica à montagem de
ENCOURAÇADO POTEMKIN, principalmente a quem não está acostumado ao cinema “de
arte”. E ainda mais porque o filme em questão é em preto e branco, mudo e dos
anos 20. Mas, de uma forma simples, funciona assim: Eisenstein faz muitos
cortes na ação das cenas, sai constantemente de um momento da ação e vai para
outro, até completar as sequências; faz pessoas aparecerem ou desaparecerem
lentamente de cenários vazios; alterna planos distantes, closes nos rostos dos
personagens, planos mais próximos; cria longas sequências baseadas em cortes,
ação “picotada”, que criam uma tensão pelo que vai acontecer a seguir. Tudo
isso abusando da iluminação, que contrasta com a brutalidade das ações. Deu
para entender?
Bão.
O filme ainda divide opiniões. Alguns críticos costumam considerar do filme
apenas as inovações estéticas, o filme enquanto filme, portanto ainda o
elogiam; outros, considerando a carga ideológica, a propaganda de um governo, o
repudiam, e o consideram anacrônico, ultrapassado, ainda mais após a queda do
comunismo russo.
De
fato: ENCOURAÇADO POTEMKIN tem contra ele a tal carga ideológica, o
enaltecimento da revolução comunista russa. Ele compõe uma espécie de
cinessérie sobre o processo de transformação da Rússia numa nação comunista,
composta ainda por A Greve, Outubro e
A Linha Geral – todos feitos sob
financiamento do governo soviético. Entretanto, ENCOURAÇADO POTEMKIN não é
totalmente impregnado de ideologia comunista. A Revolução, segundo Eisenstein,
não seria por simples desejo de implantar as complexas teorias marxistas em um
governo, e sim de superar as injustiças sociais. Eisenstein demonstra isso,
opondo as privações das classes proletárias – no caso, os marinheiros e as
pessoas do povo – com a brutalidade das elites e seus representantes
(almirantes, altos comandantes da marinha, membros do exército do Czar). Os
superiores hierárquicos, como demonstra o diretor, ao invés de ouvirem os
clamores da população e/ou dos subordinados, preferem “descer o sarrafo”,
mandar a guarda fuzilar quem quer apenas um pouco de igualdade e justiça (ainda
era o tempo do “a questão social é um caso de polícia, e como tal deve ser
tratada pelos cascos dos cavalos”). Seria contra isso, verdadeiramente, que o
povo deveria lutar. E isso já torna a linguagem do filme universal.
Além
do quê, some-se a isso que o filme não possui um personagem principal definido.
O povo é o grande personagem principal da história. Ela só é construída graças
ao esforço coletivo, às lutas coletivas. Por isso, muitos nomes do elenco do
filme foram suprimidos, sequer são conhecidos, e grande parte dos figurantes é
amadora, recrutada da cidade de Odessa, palco do fato real que deu origem ao
roteiro.
Quanto
à parte estética, ainda cite-se que muitas das cenas do filme foram
homenageadas por outros diretores, principalmente dos Estados Unidos. A grande
cena clímax do filme é a famosa cena da escadaria, que analisaremos em detalhes
mais adiante.
O FATO HISTÓRICO
ENCOURAÇADO
POTEMKIN tem por base um fato real. Todo mundo sabe que o comunismo russo foi
implantado no país em outubro de 1917, através de uma série de revoltas
populares incitadas por Lenin e companheiros. Mas, em 1905, uma série de
revoltas serviu de “ensaio geral” da Revolução de 1917.
Em
1905, a Rússia, então governada pelo Czar Nicolau II – que, após o triunfo da Revolução
de 1917, seria fuzilado, junto com a família (ele é o pai da lendária princesa
Anastásia, tema de um famoso filme de animação, falaremos disso numa outra
ocasião) – havia perdido uma guerra contra o Japão pelo controle da região da
Manchúria. Em protesto contra essa aventura bélica do Czar – que era fortemente
influenciado pelo monge Rasputin (noutra hora falamos dele) – houve uma série
de revoltas e greves lideradas por setores populares. O fato mais grave ocorreu
no dia 22 de janeiro (9 de janeiro no calendário russo): tropas do Czar abriram
fogo contra uma multidão que protestava, pacificamente, em frente ao Palácio de
Verão do Czar em São Petersburgo. Esse episódio, conhecido como Domingo
Sangrento, deu origem a mais protestos, até que o Czar se viu obrigado a fazer
uma série de reformas que tiveram pouca duração, mas abriram caminho para o
triunfo de 1917.
O
mais famoso desses protestos é o dos marinheiros do navio encouraçado chamado
Potemkin. Em 27 de junho, os marinheiros desse navio, ancorado no porto de Nova
Odessa, se rebelaram contra as autoridades marítimas, e esse protesto teve o
apoio da população da cidade. Porém, debelado o movimento, os insurretos foram
obrigados a se exilar na Romênia.
O
Potemkin, cujo nome homenageia um militar russo do século XVIII, chamado
Grogori Aleksandrovich Potemkin, foi construído em 1898, e entrou em serviço em
1904. Após a revolta de 1905, teve seu nome mudado para Panteleimon, e, em
1917, retomou o nome original. Pouco depois da Revolução de Outubro, passou a
se chamar Boretz za Svobodu. E passou por poucas e boas antes do fim da
Primeira Guerra Mundial: foi capturado por alemães em Sebastopol, em 1918,
recapturado e entregue às forças aliadas em 1919, que o inutilizaram detonando
parte de seu casco, e em 1922, o navio acabou sendo desmantelado.
Através
da revolta dos marinheiros do Potemkin, Eisenstein começa a fazer uma reflexão
sobre motivos para uma revolta popular, opressão social, o sentido para a luta
contra a ordem estabelecida.
O ENREDO
O
filme é dividido em cinco partes, cada uma destacando um episódio, dentro da
proposta de montagem intuitiva do diretor.
Na
primeira parte, temos os motivos que conduziram à revolta dos marinheiros da
embarcação. O protesto teria começado por causa das más condições de
alimentação dos marinheiros: eles próprios podiam ver que a carne, a ser usada
em um ensopado (borscht) servido à tripulação, estava cheia de vermes, porém o
médico do navio insiste em dizer, mesmo examinando as peças, que a carne ainda
estava em condições de ser consumida. Eles, que já penavam por causa das
condições de trabalho e das acomodações precárias – e que também já recebiam de
colegas mais “cultos” algumas noções de ideologia de esquerda – resolvem, em
protesto, não tomar o ensopado.
A
segunda parte refere-se à revolta propriamente dita dos marinheiros. O
Oficial-chefe da embarcação, Giliarovsky (Grigori Alexandrov), ao saber da
insubordinação dos marinheiros, chama toda a tripulação ao convés, e determina
o fuzilamento de quem não gostou da comida. Os marinheiros insurretos são
cobertos com lona, e os fuzileiros recebem ordem para atirar. Porém, um
marinheiro, Vakulinchuk (Alexander Pavlovich Antonov), resolve gritar,
questionando os fuzileiros sobre em quem vão atirar – o que faz com que eles
hesitem. Aproveitando a revolta dos oficiais diante da atitude dos fuzileiros,
os marinheiros atacam com fúria: pegam armas, jogam oficiais no mar... acaba
sobrando até para um monge, que estava no navio, prestes a dar a extrema-unção
aos marinheiros executados. As cenas da revolta são constantemente cortadas, de
uma parte da ação para outra, em cada setor no navio. A revolta é vitoriosa, e
os marinheiros comemoram, mas com um preço: Vakulinchuk, perseguido por um dos
oficiais sobreviventes, é mortalmente ferido, cai em um dos ganchos das cordas
do navio, cai no mar e, apesar de salvo pelos companheiros, não resiste e
morre. Seu corpo é levado ao porto de Odessa e colocado em uma barraca, com um
bilhete explicando o que aconteceu.
Na
terceira parte, algumas pessoas que passam pelo porto de Odessa, no dia
seguinte, encontram a barraca com o corpo de Vakulinchuk. Ao lerem o bilhete,
tomam conhecimento da revolta do Potemkin, e já começam, incitados por um
estudante agitador (Konstantin Feldman) a protestar contra a tirania do governo
– afinal, começou com um protesto contra a prepotência das autoridades em um
navio. O porto começa a se encher de gente, graças à notícia que correu de boca
em boca na cidade. Em certo momento, entre os gritos dos populares, um
homenzinho “suspeito” levanta a voz contra os judeus – e acaba linchado, o
intrometido. A parte termina com o júbilo dos populares diante da imagem de uma
bandeira vermelha sendo hasteada em um dos mastros do Potemkin – símbolo do
socialismo, do desejo de uma nova ordem social. Sabe-se lá se Eisenstein
conseguiu destacar a cor vermelha da bandeira no preto-e-branco, ou se a cor
foi acrescentada digitalmente durante o trabalho de restauração do filme.
A
quarta parte é o clímax do filme. Começa com os populares de Odessa
confraternizando com os marinheiros do Potemkin, indo em botes levar víveres ao
navio. A população está em júbilo. De repente, começa o tumulto nas escadarias
que levam ao porto: soldados do Czar, na estupidez, abrem fogo contra a
população desarmada e indefesa. Essa cena já nasce carregada de significados: é
o símbolo da hierarquia social, da diferença de classes – os soldados começam a
atirar do alto, na população embaixo da escada. Três cenas dessa sequência são
as mais marcantes. Uma é a da mãe: ao arrastar um menino escada abaixo, seu
filho, não consegue salvá-lo: o menino é alvejado, cai na escadaria e é
pisoteado pelos populares fugitivos. A mãe, valentemente, sobe as escadarias
com o menino seguro desajeitadamente nos braços, e tenta parlamentar com os
soldados – e acaba alvejada, na estupidez. A outra sequência marcante, e a mais
homenageada, é a do carrinho de bebê: uma mãe, que conduzia o tal carrinho nas
escadarias, é alvejada pelos tiros, e , na queda ao chão, acaba deixando o
carrinho, com o bebê dentro, rolar escada abaixo. No final, não resta dúvida
quanto ao destino trágico do bebê. Essa cena seria homenageada por vários
cineastas – a mais famosa recriação da cena do carrinho de bebê foi feita pelo
estadunidense Brian de Palma no filme Os Intocáveis, de 1987. A terceira cena,
que poderia ter sido a mais marcante, é uma cena bem rápida e que muitos podem
perder se piscarem: um mendigo sem as duas pernas, descendo com muita agilidade
a escadaria. Essa sequência acontece antes mesmo das duas cenas descritas
acima. Dos atores identificados na cena da escadaria, só é conhecido o nome de
Beatrice Vitoldi, a mulher do carrinho de bebê. No fim, os marinheiros do
Potemkin, revoltados, torpedeiam o teatro municipal de Odessa, onde os oficiais
do exército estariam reunidos.
A
quinta e última parte é carregada de tensão: ao saberem que foram chamados
navios da Marinha do Governo para atacar o Potemkin, os marinheiros a princípio
hesitam se devem enfrenta-los ou não; no fim, resolvem atacar. E, durante
longos minutos, vemos os marinheiros carregando projéteis ao convés, preparando
as armas, corrigindo o curso do navio, se preparando para o ataque iminente. O
espectador já se prepara para o pior, ver o navio ser torpedeado ou torpedear,
uma batalha naval de proporções trágicas como as revoltas populares registradas
pela História... até que acontece uma reviravolta no final.
Como
nos livros de História que tenho disponíveis em casa as referências aos fatos
citados são muito breves, sabe-se lá se Eisenstein realmente procurou retratar
os fatos como eles ocorreram, ou se ele tomou liberdades poéticas em nome do
enaltecimento do “herói coletivo” e da estética cinematográfica. O espectador
pode até se espantar com a fotografia e a iluminação do filme, que faz com que
nem pareça ter sido produzido nos anos 1920, mas décadas depois.
Não
à toa ENCOURAÇADO POTEMKIN é um clássico do cinema. Relativamente fácil de ser
encontrado em DVD, merece ser assistido, independente de quaisquer ideologias.
Eisenstein fez o filme de modo que a mensagem a ser passada seja universal. O
que mais importa é que as injustiças sociais devem ser combatidas, não podem
ser admitidas “na maior”.
E
daí que é preto e branco, mudo, com as já tradicionais legendas de tela inteira
que aparecem depois que o personagem termina de falar, que as interpretações
apoiadas no gestual hoje parecem toscas, que quase não tem efeitos sonoros,
apenas a música instrumental, e que os atores não são exatamente bonitos, com
bons dentes e bem maquiados? Afinal, em se tratando de realismo socialista e de
coadjuvantes amadores, de que adianta o rouge? Se for assistido com atenção, é
um filme bem fácil de entender. E o objetivo da montagem intuitiva de
Eisenstein não terá sido em vão para as gerações de hoje.
Se,
com esse filme, vocês encontrarão carga para criticar os russos? Só tenho a
dizer algo mais, pessoal: estudem mais História!
Principais
fontes para elaboração do texto: wikipedia.com e livro Nova História – Moderna e Contemporânea, de José Jobson Arruda (Bauru,
SP: EDUSC e Bandeirantes Gráfica, 2004).
Para
encerrar, os já tradicionais desenhos meus – a piada do início já havia sido
publicada anteriormente. São recriações de cenas marcantes do filme, todas da
sequência da escadaria. No primeiro, visto acima, procuro recriar a cena do mendigo sem
pernas descendo as escadas durante o tumulto. E, no segundo, abaixo, tentar recriar a
cena da mãe com o menino ferido nos braços, diante dos soldados.
Peço
perdão se por acaso considerarem esses desenhos toscos diante da qualidade
técnica de Eisenstein. Fiz o melhor que pude.
Em
breve, mais cinema por aqui. Ufa!
Até
mais!
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