Olá.
Hoje,
volto a falar de quadrinho brasileiro. Mas hoje, vamos falar também de futebol.
Felizmente,
uma de minhas previsões sombrias para a Copa do Mundo no Brasil não se
concretizou: com a derrota do Brasil na Copa em casa, os brasileiros não
renegaram o futebol. Pelo contrário, os brasileiros, com o correr do Campeonato
Brasileiro, continua amando a Bola nos Pés. E assunto referente ao “esporte
bretão” não está faltando.
Agora,
falando um pouco sobre quadrinhos nacionais.
Em
2014, três cartunistas dividiram o prêmio de Mestre do Quadrinho Nacional no
Prêmio Ângelo Agostini: Lourenço Mutarelli, Byrata e Paulo Paiva Lima. De
Mutarelli e Byrata eu já falei aqui no blog. Só faltava, mesmo, alguma coisa
para discorrer sobre a carreira de Paulo Paiva. Bem, não falta mais.
PAULO PAIVA
Como
vários colegas seus que atuaram entre os anos 70 e 2000 nos quadrinhos
nacionais, a biografia de Paulo Paiva é cheia de pontos contraditórios entre
uma fonte e outra, tanto as impressas quanto as encontráveis na internet. Mas
vamos tentar fazer uns apontamentos biográficos coerentes com o que pudemos
encontrar.
Paulo
de Paiva Lima, também conhecido como Paulo Paiva, P. P. ou Pepê, nasceu em 4 de
agosto de 1957 em Santa Helena, estado de Goiás. No início da década de 60,
mudou-se com a família para São Paulo, residindo no bairro do Brás. Sua paixão
pelos quadrinhos começou com a amizade com um colega de classe na escola,
Kiyoshi, que era colecionador de quadrinhos, e o apresentou ao mundo dos
comics, mangás e quadrinhos brasileiros. Os dois passavam boa parte do tempo
garimpando sebos em busca de edições antigas de HQ, até chegarem, em 1970, à
Livraria Gibi, de Ademário de Mattos, a primeira loja especializada em HQ do
Brasil. O lugar era ponto de encontro de admiradores e profissionais, veteranos
e futuros “astros”, das HQ. Paulo Paiva conheceria ali personalidades das então
marginais HQ nacionais, como os veteranos Jayme Cortez, Gedeone Malagola,
Álvaro de Moya e Reinaldo de Oliveira, e futuros colaboradores, como Franco de
Rosa, Sebastião Seabra e Novaes.
O
próprio Ademário de Mattos foi quem encaminhou Pepê para a editora Edrel, a
famosa casa pioneira dos “mangás brasileiros”; aos 13 anos, ele publica seu
primeiro cartum, na revista Garotas e
Piadas. No mesmo ano, o mesmo Ademário apresentaria Paiva para Márcio de
Souza, irmão de Maurício de Souza, e, com efeito, Paulo Paiva se torna o mais
jovem roteirista dos Estúdios Maurício de Souza – até os anos 1990, quando
Paula, filha de Pepê, começou a ter roteiros selecionados com apenas 11 anos.
Ainda
nos anos 70, Paiva cria, com parceiros, dois personagens: o cangaceiro Chico Peste, com Munhoz, e o jogador de
futebol Maloca, com Franco de Rosa.
Ambos os projetos, que revelam o gosto de Paiva por personagens politicamente incorretos
e macunaímicos (sem caráter), foram escolhidos em um concurso da revista Gibi Semanal, da editora RGE (atual
Globo). Maloca teria uma edição inteira publicada pela Editora Saber – e seria
o embrião de seu mais conhecido personagem, Maciota.
Não
se sabe exatamente quando Maciota foi criado, mas o fato é que Paiva,
aconselhado por amigos, resolveu assumir a arte, e não apenas os roteiros, em
um traço fortemente caricato. Segundo os amigos, era porque ninguém conseguia
reproduzir graficamente os sofisticados esboços de Paiva.
Na
segunda metade dos anos 70, Pepê andou por muitas editoras independentes, até
que tirou a sorte grande: resolveu se apresentar à Editora Abril e logo se
tornou roteirista dos gibis Disney. Para os quadrinhos Disney brasileiros,
Paiva criaria a Anacozeca – Associação Nacional dos Cobradores do Zé Carioca, o
clube desesperado em fazer com que o indolente papagaio pague o que deve no
comércio – e o Pena das Selvas, outro famoso alter-ego de Peninha (juntando-se
a Morcego Vermelho, Pena Kid e Pena Submarino), desta vez parodiando Tarzan.
Para essa editora, também criou, para o Projeto Tiras, Giba e Inseto City, ambos
com desenhos de Claudino e Farias. Em 1980, Paulo Paiva resolve se apresentar a
Juca Kfouri, editora da revista Placar,
da mesma Abril, e apresenta Maciota; e o personagem garantiu espaço na revista
esportiva por alguns anos.
Em
1983, Paiva, Rosa, Seabra e Sérgio Guimarães, descontentes com o fechamento da
histórica Editora Grafipar, de Curitiba, e querendo aproveitar o filão erótico
deixado pela editora, lançam, numa reunião de mesa de bar, a ideia de fundar
uma nova editora; Paiva chama o amigo jornalista Rivaldo Chinem e os dois criam
a editorial Maciota. Oficialmente, a Maciota não saiu do papel, mas publicou
algumas revistas de vida curta, como a Humor,
onde saiu outro projeto de Pepê, o caubói sem caráter John Tex; e a Maciota ainda foi o embrião da Editora Press, fundada
em 1984 por J. B. Guimarães e Sérgio B. Guimarães (não confundir com outras
editoras de nome parecido que surgiram posteriormente). O nome Maciota seria
aproveitado como um selo de gibis eróticos da Press. A Press, dirigida por
algum tempo por Franco de Rosa, foi importante casa publicadora de gibis de
artistas brasileiros, como Mozart Couto, Rodval Matias, Sebastião Seabra,
Watson Portela, Fernando Gonsales, Antônio Cedraz... e o próprio Paiva. Os
gibis, entretanto, geralmente tinham vida curta e investiam mais nos filões do
terror, do humor escrachado e do erotismo – chegou a publicar dois números de
um novo gibi de Mirza, a Mulher-Vampiro,
de Eugênio Colonnese. Dentre os títulos mais importantes da Press, que publicou
gibis até por volta de 1997, estão Níquel
Náusea, de Fernando Gonsales (que, posteriormente, seria assumido pela
Circo Editorial de Toninho Mendes),
Asteroide, de ficção científica, Cometa
Humor, o primeiro projeto da AQC – SP (Associação dos Quadrinhistas e
Caricaturistas do Estado de São Paulo) reunindo trabalhos de diversos
desenhistas; o gibi de Casseta e Planeta,
com desenhos de Osvaldo Pavanelli e Octavio Cariello, e o infantil Turma do Barulho, de Jotah e Sany
(depois que o título parou de sair pela Editora Abril).
Paiva,
mais tarde, com o editor Carlos Cazzamatta, cria a editora Sampa, cuja atração
principal, idealizada pelo cartunista, eram os livros de piadas de Ary Toledo,
ilustrados por Pepê. Os livros foram um estrondoso sucesso comercial. A mesma
editora também compra os direitos sobre as piadas do também polêmico Costinha,
outro sucesso. E a Sampa, atualmente conhecida como Nova Sampa, também teria um
extenso catálogo de quadrinhos nacionais e estrangeiros – atualmente, mantém
uma boa, porém incerta linha de mangás japoneses. Ah: a Sampa também seria
responsável por publicar a importante revista informativa Herói.
Paulo
Paiva ainda iria ilustrar anedotas para os livros de piadas da Editora Escala.
Em 2006, por ocasião da Copa do Mundo, as últimas tiras regulares de Maciota
saíram na revista Flash, da mesma
editora Escala.
Em
2007, Paulo Paiva sofre um AVC (o popular derrame cerebral), que, felizmente,
ele conseguiu superar, embora o mal tenha comprometido seus movimentos. E, em
2014, como já dito, ele recebe o prêmio de Mestre do Quadrinho Nacional do
Prêmio Ângelo Agostini.
MACIOTA
E
agora, vamos falar do personagem mais conhecido de Pepê: o jogador de futebol
Maciota.
Como
já dito, o embrião do personagem foi o personagem Maloca, que Paiva criaria
junto com Franco de Rosa. Depois, a arte seria assumida por Pepê. Publicado
posteriormente na revista Placar, também
ia ganhar um número especial pela Editora Press, com o subtítulo A Alergia do Povo (capa abaixo).
Maciota
também sairia em um número da revista Calvin
& Cia, da editora Opera Graphica, por volta de 2002.
E
agora, o personagem está de volta: em 2014, um álbum especial de Maciota saiu,
pela editora Discovery Publicações!
Editado
por Toninho Mendes e com apresentação de Franco de Rosa (que também publicoulivro, este ano, pela mesma editora) e posfácio de Fernando Gonsales, PIADAS E CARTUNS DO MACIOTA - FOME DE BOLA reúne boas amostras de cartuns e tiras do personagem. Era algo que estava
faltando no mercado brasileiro: uma publicação que reunisse, de forma
acessível, o trabalho do agora Mestre Paiva.
Bão.
O traço de Paiva é fortemente caricatural e caligráfico, de economia de linhas
e muita simplificação, mas dotando o personagem de amplos movimentos e
expressões. Em alguns momentos, a mão de Paiva parece “escorregar”, reduzindo
os personagens a quase garatujas. Já as piadas, algumas bem simplórias (do tipo
que a gente já ouviu antes ou que a gente sabe, antes do fim da leitura, o que
vai acontecer), se baseiam em trocadilhos com jargões futebolísticos (por isso,
não é difícil entender as piadas, quem convive diariamente com o esporte, seja
jogador, seja torcedor), muita ironia e macunaimismo, ajudando a tirar um pouco
da glória do “esporte bretão”, com a figura desse jogador de time de várzea,
talvez o pior do Brasil. Paiva sempre teve gosto por personagens sem caráter, o
retrato mais bem acabado do malandro brasileiro – por isso, ele “se fez” quando
escreveu histórias do Zé Carioca para os Estúdios Disney brasileiros.
Maciota,
como a trama entrega, é um jogador de futebol sem caráter: feioso, com o bigode
enrolado e barba por fazer, preguiçoso, malandro, truculento, perna-de-pau. É
bastante baseado no personagem Coalhada, do saudoso Chico Anysio. Jogador do
Mula Manca, um time de várzea que não ganha nada, Maciota já jogou em todas as
posições possíveis: zagueiro, atacante, goleiro... até juiz já foi! Mas de que
adianta: Maciota perde gols, faz gol contra, quebra adversários com suas
faltas, não se mexe em campo. Um jogador que parece que só se mantém no time
por falta de opção do técnico. Ou, no caso, do bigodudo “Ténico” (como está
escrito em sua camisa), que se cansa de cobrar resultados de Maciota e, por
extensão, do resto do time.
Maciota
costuma levar instruções do “Ténico” ao pé da letra: por exemplo, se é para
ficar “plantado” na área, Maciota se enterra no chão; se é para “cair pela
direita”, ele cai de lado no chão... e por aí vai. Com Paiva, “football”, não
significa “bola no pé”; segundo o próprio Paiva, o termo adequado seria
“footballs”, “pé nas bolas”, em referência a um chute nas “partes baixas”.
E
não para por aí. Maciota ainda é beberrão, vive fazendo pequenos golpes para
garantir uns trocos a mais, trapaceia bastante e não se emenda. É assim que
funciona, um humor rasgado, refletindo o “jeitinho brasileiro”.
As
tiras de Paiva geralmente se completam em três quadros, sem molduras em volta
da ação, sem balões (apenas um tracinho ligando a fala ao personagem), e os
textos e onomatopeias escritos à mão, tudo feito na era pré-computador (não se
sabe se Paiva aprendeu a lidar com essas máquinas...). Não é muito agradável de
olhar, mas reflete as ideias do autor – é o cartum “old school”, livre da
patifaria do Comic Sans. Algumas tiras são verticais, mas a edição da Discovery
arranjou alguns cartuns e HQ em nova diagramação. Algumas tiras tem letras
muito reduzidas, fazendo com que o leitor force o olhar para ler. Com opção de
alternar páginas brancas com amareladas, para dar aquele tom de revista
envelhecida com o tempo. Mas o livro faz jus ao preço de capa: R$ 24,90.
Em
tempos de Copas do Mundo e Seleções que não entregam o que prometem, vai bem
tirar um pouco de sarro do “esporte bretão”.
Agora
sim, a tríade se completa! Mutarelli, Byrata, Paulo Paiva. Os Mestrees das HQB
de 2014.
Em
tempo: a edição de Maciota pela Press está disponível para download no blog
Quadrinhos Brazukas. Clique aqui para acessar a página.
Para
encerrar, já que estamos falando de humor popular, hoje coloco aqui umas tiras
do Teixeirão, que ainda não saíram este mês – Letícia e Bitifrendis já
apareceram aqui em agosto. É o meu gauchão, criado para contrariar o
estereótipo do gaúcho grosseirão. Eis aqui mais um trecho do arco sobre o modo
campeiro de comer carne.
E
era isso, gurizada.
Até
mais!
Um comentário:
E aí, Rafael. O Teixeirão está , como sempre, sensacional.
Lembro de ter comprado as revistas do Paiva, com o Maciota estrelando. Sempre associei mais com um livro de piadas parcamente ilustrados.
Curti as informações sobre sua obra como roteirista da Disney e isso eleva seu conceito.
Valeu.
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