Olá.
Hoje,
vamos novamente falar de livro – e de quadrinhos. Mais um importante livro
teórico sobre HQ e História das HQ. Não me canso disso.
O
livro de hoje, um dos melhores que li em 2014, foi um dos lançamentos mais comentados de 2013. Pois fala da vida
de uma das maiores editoras de HQ do planeta, se não a maior. Graças ao cinema,
essa editora continua “top de linha”, já que seus personagens andam rendendo
como nunca renderam.
O
livro de hoje é MARVEL COMICS – A HISTÓRIA SECRETA, de Sean Howe.
Lançado nos Estados Unidos em 2012, foi publicado no Brasil pela editora Leya, em 2013, traduzido por Érico Assis, já com a chancela de vencedor do Prêmio Eisner, o “Oscar das HQ”, de 2013, de Melhor Obra Relacionada a Quadrinhos.
Em
primeiro lugar, não se assuste com o tamanho do volume: 560 páginas. Porque o
estilo de escrita do jornalista é direto, fácil de entender e permite a leitura
em quase que uma sentada.
O
desafio de Howe seria, nessas 560 páginas, contar toda a história da editora
que nos deu personagens que vieram para ficar na cultura pop mundial: Homem-Aranha, Capitão América, Namor, Quarteto
Fantástico, Thor, Homem de Ferro, Hulk, Os Vingadores, X-Men, Justiceiro,
Motoqueiro Fantasma, Demolidor... Disso todo mundo sabe. Que quase todos
esses personagens saíram da imaginação do hoje grisalho, mas ainda sorridente
Stanley Martin Lieber, o Stan Lee, e de seu parceiro Jacob Kutzberg, o Jack
“King” Kirby, todo mundo também já sabe. Que a editora desperta amor e ódio em
iguais medidas, principalmente aqui no Brasil, onde proliferam fãs e também
detratores dos “baluartes do imperialismo quadrinhístico norte-americano que
brecam o desenvolvimento do quadrinho brasileiro e pregam valores errados aos
jovens”, ih, nem se fala.
Bem,
mas o que Howe oferece ao leitor não é apenas o histórico da editora, fundada
em 1939 por um certo Martin Goodman e com altos e baixos desde então. Mas
também histórias dos bastidores da editora que começou como qualquer outra
editora de HQ dos anos 30, com sua própria linha de super-heróis, revolucionou
o mercado de HQ nos anos 60, quase acabou com o mesmo mercado nos anos 90 e
hoje tem seu sucesso respaldado pelo cinema e televisão.
Howe,
para tanto, colheu centenas de depoimentos: consultou arquivos de entrevistas
concedidas por gente ligada à indústria já falecidos e entrevistou os
profissionais ainda vivos, revelando assim aspectos que a gente nem conhecia
sobre a editora, principal concorrente da DC Comics, a inventora do conceito de
super-herói. Da fundação à compra da editora pelo conglomerado Disney, em 2009.
Bão,
não sou ligado em HQ de super-heróis da Marvel ou da DC – mais recentemente é
que comecei a acompanhar algumas sagas da Marvel. Mas história das HQ, de modo
geral, sempre me atrai. Além disso, quem não aprecia, mesmo que negue,
histórias de super-heróis? Quem nunca sonhou em criar o seu super-herói, mesmo
que nem desenhar saiba?
A
começar, o livro, que infelizmente só tem duas ou três ilustrações para falar
sobre uma editora de HQ (nem mesmo trechos de HQ ou mesmo capas eles se deram
ao trabalho de incluir – afinal, se o Homem-Aranha e outros figurões estampam
até toalhas de banho, pra que incluir ilustrações deles no livro, se todo mundo
sabe como eles são?), além dos depoimentos e dos relatos, também trazem,
embutidas nos textos, pequenas descrições das HQ mais famosas da editora, entre
quadrinhos de estreia de personagens célebres até histórias de pouco destaque,
mas que constituem marcos da editora.
O
livro é dividido em cinco partes. Na primeira parte, Mitos e Criações, é contado o período inicial da editora, desde sua
fundação por Martin Goodman – e quando ela ainda se chamava Timely Comics,
mudando depois para outros nomes, como Atlas, Red Circle e, finalmente, Marvel.
A primeira revista da Marvel, ops, Timely, se chamava, justamente, Marvel Comics, nome que de alguma forma
fascinava Goodman. Os escritórios da editora sempre ficaram em Nova York, EUA,
mudando apenas de endereço. Seus primeiros heróis se chamavam Namor, o Príncipe Submarino, e Tocha Humana. Seu primeiro staff de
artistas era constituído por Bill Everett (criador do Namor), Carl Burgos
(criador do Tocha Humana), Joe Simon e Jack Kirby (criadores do Capitão
América) e outros. Aliás, o Capitão América foi o primeiro grande sucesso da
editora, fazendo com que a editora vivesse dias de glória durante a Segunda
Guerra Mundial (os EUA entraram no conflito em 1941), e visto que o herói com
as cores da bandeira dos EUA servia como uma boa propaganda de guerra. Aliás,
todos os heróis da editora, até mesmo Namor, que na verdade era inimigo da
humanidade, se uniram contra as forças do Eixo (Alemanha – Itália – Japão).
Mas, passada a guerra, veio os períodos de marasmo: baixas vendas, perseguição
aos comics, publicação sob regras rígidas. Mais ou menos nos anos 50 é que Stan
Lee, sobrinho de Goodman, entraria em cena, inicialmente fazendo serviços
menores na editora que, no início dos anos 60, estava ameaçada de fechar. Até
que Goodman encarregou o jovem Lieber de revitalizar a editora, criando novos
heróis baseados em heróis já existentes – a Liga da Justiça, da DC Comics,
fazia sucesso então, então a ideia seria usar um conceito parecido.
Aqui
começa a segunda parte do livro, A Nova
Geração, cobrindo dos anos 60 até metade dos anos 70. Com a criação do Quarteto Fantástico, por Lee e Kirby,
uma nova era se inicia, não apenas na agora editora Marvel, como as HQ de
super-heróis de um modo geral: personagens com defeitos, que não se davam bem
um com o outro, com problemas que espelhavam os do leitor – bem diferente dos
heróis da, por exemplo, DC Comics, “certinhos” demais. A partir da equipe
formada por Sr. Fantástico, Mulher Invisível, Tocha Humana e Coisa, vieram os
outros heróis saídos da imaginação de Lee: Homem
de Ferro, Thor, Homem-Formiga e Vespa, Hulk, Homem-Aranha... veio também a
corajosa e bem sucedida ideia de juntar vários heróis, com apenas alguns anos
de vida, em uma equipe só, Os Vingadores;
ressuscitar heróis antigos e desaparecidos, como o Capitão América e o Namor,
e com explicações convincentes de como eles sumiram e reapareceram; fazer um
enorme paralelo com a sociedade norte-americana de contrastes com a criação dos
X-Men; uma nova forma de contar
histórias, baseadas no esquema “escritor e artista discutem um roteiro,
desenhista desenha, e roteirista põe os textos só no final”; e a fundação de
uma nova e interessante redação interna, que Stan Lee chamaria de Bullpen. Lee
sempre vendeu a ideia, aos leitores, de que o Bullpen era um ambiente
harmonioso e com artistas que trabalhavam na maior descontração; mas a
realidade, segundo Howe, era outra. No início, o ambiente até era descontraído,
mas em sua maioria, os artistas da editora eram freelancers que só compareciam
ao escritório para entregar as páginas prontas, já que preferiam trabalhar em
suas casas. Não demoraria para que os egos dos tais artistas começassem a se
sobressair aos trabalhos. O staff estava se renovando, com nomes como Larry
Lieber (irmão de Stan Lee), Don Heck, Bill Everett, Steve Ditko, John Romita,
Gerry Conway, Steve Englehart, Steve Gerber, John Buscema, Gil Kane, Gene Colan...
cada artista com sua peculiaridade. Não demorou também para começarem os
desentendimentos entre artistas e editores. Steve Ditko, o primeiro desenhista
do Homem-Aranha, por exemplo, foi um dos grandes colecionadores de
desentendimentos com Stan Lee, se igualando apenas a Jack Kirby, que se
desentendeu com Lee, saiu da editora (sua ida para a DC Comics causou comoção
no universo quadrinhístico estadunidense), voltou por um breve período, saiu de
novo e começou a viver de criticar a Marvel. Lee, por outro lado, já começava a
se preocupar mais em autopromoção e em levar os heróis da editora para o cinema
e a TV do que em gerir os rumos dos personagens que criou. Enquanto isso,
Martin Goodman, que quase vetou o Homem-Aranha, estava aposentado e tranquilo;
Englehart traduzia a fase psicodélica da Marvel, com histórias praticamente
inspiradas por drogas pesadas; Gerber seria o responsável por um dos
personagens mais díspares da editora, Howard
the Duck, que teve muitas idas e vindas – e seria outro campeão de
desentendimentos com a Marvel; Carl Burgos acabou, depois de uma fracassada
tentativa de recuperar tudo o que perdeu, destruindo seus originais do Tocha
Humana. Os anos 70 trariam ainda o assustador Motoqueiro Fantasma; o violento Conan,
o Bárbaro; os não menos violentos Justiceiro
e Wolverine, o posterior “símbolo”
dos X-Men; as primeiras HQ de um certo filme chamado Star Wars; quebra de tabus, com HQs que abordavam a problemática
das drogas e a morte de importantes personagens, tudo em HQs do Homem-Aranha
(acertou quem disse que foi uma certa loirinha chamada Gwen Stacy quem começou
isso tudo); e a ascensão de um jovem que começou escrevendo HQs para a DC
Comics aos 14 anos, e que teve de sofrer um pouco antes de se tornar o que dava
a última palavra na Marvel: Jim Shooter.
É do
período em que Shooter esteve à frente da Marvel que trata a terceira parte do
livro, Trouble Shooter. A gestão
desse editor foi caracterizada por decisões ora acertadas, ora polêmicas, que causa
reflexos até hoje na editora, como uma saga cósmica que foi criada apenas para
promover uma linha de bonecos de ação (Guerras
Secretas), a decisão de executar uma importante personagem por seus crimes
(A Saga da Fênix Negra, dos X-Men) e
malfadadas tentativas de criar um Novo Universo. Não é difícil adivinhar que
muitos artistas começaram a se desentender com Shooter. Mas foi durante a
gestão dele que apareceram dois artistas extremamente populares, que ajudariam
a quebrar muitos paradigmas na indústria: John Byrne e Frank Miller. Tanto na
Marvel como na DC Comics. Os anos 80 assistiram a ascensão dos quadrinhos
“adultos”, mais violentos e mais sofisticados – e seu maior baluarte foi Frank
Miller, desde que começou a trabalhar nas HQ do Demolidor. E ainda havia Chris Claremont, Walt Simonson e Barry
Windsor-Smith, que faziam companhia aos veteranos Englehart, Gerber, Conway,
Romita... Enquanto isso, a Marvel atravessava os anos 80 a duras penas. No
final da década, a editora assistia o início da “era do mal estar” dos
quadrinhos estadunidenses, a partir do momento em que passou a ser administrada
por empresários que não liam HQ, e que estavam mais preocupados em oferecer
“brindes” junto com as revistas. Enquanto isso, as tentativas de levar os heróis
da editora para a TV e o cinema morriam na praia – na TV, até que rendia umas
poucas produções relevantes, mas no cinema... Hollywood ainda não estava
preparada para os super-heróis da Marvel. E Lee vivia despreocupado, ou melhor,
suas únicas preocupações aparentes eram a briga com Kirby e a promoção da
imagem da Marvel – e da sua. E o agora grisalho “homem-sorriso” acumulava
aparições na mídia visual.
Começa
aqui a quarta parte do relato, Ascensão e
Queda, que cobre final dos anos 80 e metade dos anos 90. Com a gestão dos
tais empresários que não liam HQ, a Marvel começou a promover uma nova leva de
artistas que passaram a desenhar de forma extravagante: Todd MacFarlane, Jim
Lee, Rob Liefeld. Mas os atrativos maiores das revistas eram mesmo os brindes:
capas variantes, cards, embalagens plásticas, pôsteres. E as sagas começaram a
ficar cada vez mais quilométricas. A imagem começou a se tornar tão importante
quanto as histórias, e isso começou a fazer mal à indústria das HQ. Começava a
se formar o mercado especulativo, uma bolha que quase arruinou as HQ de
super-heróis. E ia piorar: MacFarlane, Lee, Liefeld e outros artistas, que além
de talento para desenhar (mas pouco para escrever) tinham ambição de sobra,
saíram da Marvel para formar sua própria editora, a Image Comics – e quase
terminaram de destruir a indústria dos comics. A Marvel quase faliu nos anos
90, por conta de iniciativas fracassadas (como as altamente criticadas Saga do Clone, do Homem-Aranha, e Heróis Renascem), gestão mais
mercadológica que realmente preocupada com o que os fãs queriam (nesse ponto, a
editora já podia se considerar desfigurada) e pouca coisa se produziu de
relevante. Praticamente, o que salvou a Marvel na primeira metade dos anos 90
foi uma minissérie chamada Marvels,
que revelou um certo pintor chamado Alex Ross ao mundo.
Começa
nesse ponto a quinta e última parte do livro, Uma Nova Marvel. A Marvel, com a lição aprendida, resolveu se
renovar para o século XXI que estava entrando. Com a entrada de um artista
superstar chamado Joe Quesada no cargo de editor-chefe, a Marvel mergulharia
numa grande sequência de sagas, renovações de personagens (linhas Marvel Knights e Ultimate), megaeventos que mexem com o universo, e aproveitando o
filão adulto do mercado, radicalizando o próprio universo com a criação de um
selo chamado Marvel Max. E, chegando o novo século, as iniciativas de levar os
heróis Marvel para o cinema finalmente dão resultado. Os grandes sucessos de
bilheteria falam por si: trilogia Homem-Aranha, Trilogia X-Men, Demolidor, Quarteto
Fantástico, Trilogia Homem de Ferro, os dois filmes do Hulk, Thor, Capitão
América, Os Vingadores. A compra da editora pela Disney vem dar uma mão.
As
maiores críticas com relação ao livro dizem respeito à narrativa dos
acontecimentos dos anos 90 e 2000, que passam muito corrido. Howe passa por
alto também as adaptações da Marvel para cinema e TV, se concentrando na
editora de HQ, a mídia original. E a falta de contextualização entre os
acontecimentos da editora e os da história norte-americana no século XX, que
fazem com que o leitor se perca no relato. O tom de escrita chega a ser quase
de um livro de fofocas, já que em alguns trechos Howe “paralisa” a narrativa ao
narrar, detalhadamente, os diversos desentendimentos entre os artistas. E ainda
há alguns deslizes na tradução. Mas o livro já foi classificado pela crítica
como indispensável. A vontade de não parar de ler é grande depois de alguns
capítulos lidos, pela vontade de saber o que acontecerá em seguida, como
termina a história pessoal de cada personagem.
A
edição brasileira ainda conta com um adendo interessante: Érico Assis inclui um
apêndice, uma grande lista de personagens, HQs que são mencionadas ao longo do
texto, a edição brasileira em que saíram originalmente (se as referidas HQ
saíram no Brasil), a editora brasileira e o ano. Ótimo para situar o leitor não
familiarizado com o mundo Marvel. Já podemos começar a caçada pelos sebos.
MARVEL
COMICS – A HISTÓRIA SECRETA já se junta a outros livros importantes sobre a
história das HQ. Vale a Lida. Você lê em poucos dias, isso se você não quiser
ler tudo em um só dia.
Para
encerrar, eis aqui o meu desenho de hoje! Já que falamos de super-heróis,
coloco aqui uma nova ilustração, feita recentemente, de uma equipe de heróis
que idealizei, mas até agora não me animei a produzir histórias.
Certa
vez, apresentei ao público a equipe de heróis chamada Os Estranhos, formada por
Riscador, Octópode, Hemotante, Bibidi e Harpia. Olha aqui o desenho original...
...e
aqui, uma ilustração nova em folha da equipe. Em sentido anti-horário a partir
de esquerda: Riscador, um super-cientista capaz de produzir desenhos no ar;
Octópode, que emula as habilidades dos moluscos marinhos; Bibidi, o bicho
elétrico, uma espécie de Pikachu; Hemotante, que se transforma em monstro toda
vez que sofre ferimentos; e Harpia, com seus gritos estridentes e destruidores.
Não é lá muito original, mas foi uma ideia que tive antes da criação dos Super-Anões.
Se o
público quiser, eu aproveito estes personagens numa oportunidade dessas! Em
breve, dou mais detalhes acerca de Os Estranhos.
Por
hora, é o que temos para dizer. Aguardem novidades já para a semana que vem!
Até
mais!
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