Olá.
No
momento em que vocês estiverem lendo esta postagem, possivelmente será 8 de
março, Dia Internacional da Mulher – ou depois, ou talvez antes.
O
Estúdio Rafelipe, como é de conhecimento geral, sempre coloca alguma coisa na
rede em homenagem à data – e pensando nas leitoras que possivelmente integram o
contingente dos 17 leitores do blog. Hoje, escolhi uma série de quadrinhos,
vinda da nossa vizinha Argentina, de uma autora que, há tempos atrás, era a
mais conhecida e divulgada cartunista feminina, no Brasil e no mundo.
Quem
viveu nos anos 90 e início dos anos 2000, vai lembrar. Quem não conheceu, vai
conhecer agora: Maitena Burundarena.
DA ARGENTINA PARA O MUNDO
Aqui
no Estúdio Rafelipe, eu já falei muito de cartunistas mulheres do Brasil, que
tentam firmar seu espaço em um mundo dominado por homens. Já falei de Chiquinha
e sua Elefoa Cor-de-Rosa; já falei de
Samanta Flôor e seus Toscomics; já
falei de Mauren Veras e seu porta-voz, o Pintinho Reginaldo; já falei de Cibele
Santos e suas Mulheres de 30; já
falei de Ila Fox, a qual trabalho é o que não falta; já falei de Alexandra
Mattos e seus atentados em forma de mangá; e já falei da hoje desaparecida
Libu. Todas mulheres desenhistas, de grande admiração tanto por homens quanto
pelas próprias mulheres.
No
mundo, ainda temos numerosos exemplos de cartunistas femininas reconhecidas,
como Claire Bretécher, Cathy Guisewite, Dale Messick, Marjorie “Marge” H.
Buell... mas é da Argentina que vem a mestra do humor feminino, Maitena
Burundarena.
Sim,
a Argentina, aquele país que a gente costuma sacanear em tempos de Copa do
Mundo, a terra do tango, dos chocolates Arcor, do alfajor... E que, para nossa
tristeza, tem o mercado de quadrinhos mais forte. Causa inveja até nos
brasileiros: enquanto aqui no Brasil a profissão de quadrinhista ainda é um
subemprego, na Argentina é uma instituição. De lá vieram cartunistas e
quadrinhistas reconhecidos até hoje: Héctor Oesterheld, José Luís Salinas, a
família Breccia (o patriarca, Alberto, é uruguaio, mas fez carreira na
Argentina), Francisco Solano Lopez, Quino, Fontanarrosa, Molina Campos, Dante
Quiterno, Liniers... e Maitena. Ah: da Argentina também vieram alguns
quadrinhistas que fizeram carreira no Brasil, como Rodolfo Zalla e Sérgio
Morettini. Eugênio Colonnese é italiano, mas teve uma breve passagem na
Argentina antes de fazer carreira no Brasil e...
Chega.
O assunto agora é Maitena!
Maitena
Inés Burundarena Streb nasceu em Buenos Aires em maio de 1962. Ela, autodidata,
começou sua carreira como ilustradora para jornais e revistas da Argentina, e
produzindo tiras eróticas em mídias da França, Espanha e Itália, além de
roteiros para televisão. Seus primeiros trabalhos, na Argentina, foram
publicados em revistas como Sex Humor e
Fierro.
Sua
primeira série de tiras se chamava Flo. Foi
a partir de 1993, na revista feminina Parati,
que Maitena iniciou a série que a tornou mundialmente conhecida, Mujeres Alteradas. A série constitui-se
de esquetes de uma página, retratando com humor algumas agruras do universo
feminino moderno. No ano seguinte, a série começou a ser compilada em forma de
álbuns – e totalizou cinco volumes. Pouco depois, Mujeres Alteradas passou para a revista dominical do jornal El País, de Buenos Aires. E, com o
crescente sucesso na era pré-internet html, a tira passou a ser exportada –
ganhou espaço em publicações do Uruguai, chile, Venezuela, Espanha, Holanda,
Portugal, França, Grécia e Brasil. Mais ainda: Maitena foi uma das raras
artistas gráficas a divulgar a própria imagem – são inúmeras as fotos onde a
própria aparece, com seu cabelo loiro e curto e seu rosto bonito e suave. Pelo menos era assim nos tempos áureos; hoje, sua imagem está mais envelhecida, seu cabelo está mais comprido...
A
partir de 1998, foi iniciada uma nova série, Mujeres Superadas, cartuns de um único quadro. A esta série seguiu-se outra, Curvas
Peligrosas, retomando o formato de Mujeres
Superadas, mas com uma arte mais sofisticada. Todas estas séries (cinco de Mujeres
Alteradas, três de Mujeres Superadas e
dois de Curvas Peligrosas) foram
compiladas em álbuns pela Editoria Atlantida de Buenos Aires. Alteradas e Superadas ganharam, inclusive, volume único. No Brasil, todas as
séries, Mulheres Alteradas, Mulheres
Superadas e Curvas Perigosas, foram
publicadas pela editora Rocco – os álbuns. Os cartuns de Maitena foram
publicados em diversos periódicos, como o jornal Folha de São Paulo e a revista Cláudia.
Mas,
infelizmente, na segunda metade dos anos 2000, Maitena abandonou o humor
gráfico. Parou de produzir cartuns. Em 2011, ela surpreendeu ao lançar um
romance, Rumble, de teor
semiautobiográfico, e tendo como pano de fundo o conturbado período da ditadura
militar argentina. Sob o título Segredos
de Menina, o romance foi lançado no Brasil pela editora Benvirá.
Atualmente,
Maitena reside no Uruguai. É casada e tem três filhos – Não com o mesmo marido, é claro, diz ela. Era detentora de uma das
maiores coleções de quadrinhos da Argentina. E ela apadrinhou o mais recente
quadrinhista argentino de sucesso, Liniers, o criador de Macanudo.
MULHERES ALTERADAS
Para
embasar esta postagem, escolhi, certamente, os álbuns da série MULHERES
ALTERADAS. No total, foram cinco volumes lançados no Brasil pela editora Rocco,
a partir de 1998. No auge do sucesso, MULHERES ALTERADAS ganhou até uma
adaptação para teatro, aqui no Brasil! Foi em 2010 que a peça, com roteiro de
Andrea Maltarolli e com Mel Lisboa, Luíza Thomé e Daniele Valente no elenco,
foi montada, tendo por base as esquetes criadas por Maitena – e com a aprovação
da própria.
MULHERES
ALTERADAS, como já disse, foi iniciada em 1993. Trata-se de uma série de
cartuns de uma página, onde são retratadas, com um humor tipicamente feminino,
as agruras da vida moderna, sob os mais diferentes aspectos: corpo, modelos de
beleza, moda, casamento, convivência com os homens e com os filhos...
Em
geral, os cartuns de Maitena tem seis quadros, cada um encerrando uma esquete
cômica, e todos acompanhados de uma indispensável legenda em um quadro amarelo
– às vezes, duas em cada quadro. Todos são organizados em forma de lista, por
exemplo: “Seis coisas que as mulheres invejam nos homens”, “Seis razões típicas
para que uma mulher se case com um homem”, “Seis coisas que não podemos pedir a
um homem”, etc. Algumas vezes, os cartuns tem só quatro quadros (como em
“Quatro boas razões para jamais se casar”, “As quatro estações” e “Dize-me que
corpo tens e eu te direi que animal te sentes”), oito quadros (como em “As oito
atividades típicas para quando baixa a depressão”, “Tem Certeza mesmo que as
mulheres não são machistas?”, e “Algumas boas razões para começar um regime”),
nove quadros (como em “Diga-me que idade tens e eu te direi o que esperas em um
homem”, “Aquelas coisas que te deixam irremediavelmente doente de pedir na
farmácia” e “Ser Magra”) ou mais, ou até mesmo menos quadros; em várias, a
legenda amarela é dispensada (como em “A vida de uma mulher é cheia de
dúvidas”, “Os seis segredos do casamento perfeito” e “Seis coisas que sempre
são fáceis de falar”); e muito raramente um personagem é repetido (como em “Da
vida e uma de suas injustiças mais frequentes”, “Algumas diferenças entre os
príncipes encantados e os homens” e “Aonde papai vai parar?”), pois a ideia é
mostrar que o que é retratado na tira pode acontecer com qualquer pessoa, seja
homem, seja mulher.
Well,
por que MULHERES ALTERADAS? Alterar, como todo mundo sabe, significa mudar,
variar, colocar as coisas em uma posição diferente. Maitena dá uma explicação:
as tais “alterações” nas mulheres são observadas ao longo do tempo. E isso,
amigos, é um elogio. Segundo a própria Maitena: "acho que foi [o escritor Jorge Luís] Borges quem disse que ois únicos que nunca mudam são os tontos e os mortos". De mulheres que apenas buscavam um marido e constituir uma
família, as mulheres evoluíram para seres que desejam não apenas um marido e
uma família, mas também emprego, sucesso profissional, ficarem mais bonitas e
eliminar a celulite das pernas. Ou seja, as mulheres começaram a buscar muito
mais ao longo do tempo – e isso se reflete nas suas personalidades. A ideia das
mulheres, agora, é tornar a vida dos homens mais difícil, depois de anos de
machismo e patriarcalismo. E não é uma realidade exclusiva da Argentina! O fato
de a tira ter feito sucesso planetário indica que as situações retratadas por
Maitena valem para mulheres das áreas urbanas de qualquer país: Brasil, Europa,
Estados Unidos...
Você,
leitor homem, reclama que não entende as mulheres? Não entende por que elas
choram por qualquer coisa (como arrependimento por ter devorado uma caixa
inteira de bombons), vivem usando quilos de produtos de beleza, conseguem
cumprir dupla jornada, em casa e no trabalho, querem uma vida mais romântica e,
mesmo quando conseguem tantas coisas, nunca estão contentes? Então desculpe, ler
Maitena não vai facilitar sua vida. Mas já oferece algumas pistas. Boa parte
dos esquetes de MULHERES ALTERADAS é dedicada à convivência entre homens e
mulheres. E, infelizmente, todos, homens e mulheres, irão se espelhar no mundo
retratado por Maitena. Os cartuns continuam atemporais e valem para os dias de
hoje.
Os
homens são as vítimas preferenciais de Maitena. Todos os defeitos masculinos
são retratados da forma mais explícita possível (como em “Nós, mulheres,
trabalhamos como esposas. Os homens são maridos naturalmente”, “Nós, mulheres,
nos apaixonamos pelo Che Guevara... E depois pedimos que ele tire a barba!” e
“Os homens nunca tem culpa de nada!”). Nem as crianças, nem os adolescentes
escapam. Hoje, foi só o acréscimo dos computadores e dos smartphones; de resto,
os defeitos dos adolescentes continuam os mesmos: dorminhocos, desastrados,
gulosos, vaidosos e irresponsáveis, numa “síndrome de Peter Pan” difícil de
curar. Convivência com bebês? É um tema bem frequente nos cartuns de Maitena:
gravidez, amamentação, fraldas...
Mas
quem disse que os defeitos femininos ficam de fora? Vaidosas, reclamonas,
egoístas, loucas por romance, merecedoras de um buquê de flores. Nem adianta
ser um típico marido, que fica vendo tevê no sofá enquanto ela fica na pia
lavando louça. As alterações femininas incluem a busca da igualdade de
responsabilidades entre os sexos. E isso deve vir de desde a infância.
Até
mesmo o sexo é abordado, claro. Homens e mulheres tem diferenças marcantes na
hora da intimidade – e Maitena nem deixa isso escapar (como em “Algumas
diferenças conciliáveis entre homens e mulheres na hora do sexo”). Até mesmo
uma caixa de fósforos (“Esses momentos insuportáveis proporcionados por uma
estúpida caixa de fósforos...”), um cachorro (“Ah, como é bom as crianças terem
um cachorro!”), um telefone sem fio (“Algumas delícias proporcionadas pelo
telefone sem fio”) ou uma geladeira (“Algumas sensações gélidas proporcionadas
pela geladeira”) são motivos para Maitena explanar: rendem as suas tradicionais
“listas”. Escola dos filhos, reformas da casa e a Copa do Mundo então...
Maitena
também faz viagens temporais: retrata as mudanças da condição feminina através
dos tempos (como em “1922 – De como o ‘anjo da casa’ se transformou da ‘bruxa’
da família – 1997”, “Quanto dura o amor, com o passar dos anos” e “O ‘o que
você quer ser quando crescer?’ década a década”). A moda também é satirizada
(como em “Como a moda está linda nesta temporada!” e “Temporada
primavera-verão: os delírios que o calor produz na moda!”). As mulheres de
diferentes idades também são questionadas em suas páginas (como em “Ninguém
fala na menstruação... mas todas pensam nela!”, “O que as mulheres esperam
encontrar quando chegam à praia” e “O que é a beleza para uma mulher?”). E
tente contar quantas vezes, nos cinco livros, a palavra “celulite” é usada.
Conta aí.
Algo
a se observar, nos cinco livros, é o envelhecimento do traço de Maitena. Nos
primeiros tempos, o traço de Maitena é mais arredondado, mais solto e
simplificado, mais leve e com linhas “inacabadas”. Com o tempo, as suas
mulheres também vão “envelhecendo”: os personagens ficam mais “bicudos”, ganham
rugas ao redor dos olhos e os desenhos mais “fechados”, com linhas mais finas.
Só para comparar, em Curvas Perigosas, até
parece que Maitena elabora seus desenhos com base em modelos fotográficos, tal
o nível a que sua arte chegou.
Em
matéria de humor, Maitena ainda é um exemplo a ser seguido – do tipo que ataca
a tudo e a todos, mas não pega tão pesado: o leitor deve perceber por si só
seus erros. Ah: Maitena estava longe de ser “feminista”. À primeira vista,
poderíamos tachar MULHERES ALTERADAS como “quadrinho feminista”, portanto não
recomendável para os homens. Que bobagem. O mestre Quino, criador de Mafalda, no prefácio do volume 1, assim define
o trabalho de Maitena: “A melhor definição que me ocorre para Maitena é que ela
não tem cabelinho nas ventas. Nada de personagens ‘reflexivos’ nem firulas
inúteis. Espontânea e direta, Maitena não pretende ser um ‘espelho que reflita
a realidade’. Ao contrário: ela agarra a realidade, com espelho e tudo, e a
atira em nossa cabeça.”
Eu
poderia ficar horas explanando sobre Maitena, mas sei que vocês não tem
paciência de ler até o fim e vão pulando parágrafos. O mais que posso dizer
sobre Maitena é: mulheres, leiam para rir de suas realidades. Homens, leiam
para tentarem descobrir o que as mulheres querem – e vocês vão se tornar
pessoas melhores. Ao menos, vocês saberão como tratar uma mulher, de agora em
diante, para nunca mais perdê-la.
Oh:
o primeiro volume tem prefácio de Quino; o segundo volume inclui um teste para
medir o nível de alteração da leitora; e o terceiro volume tem prefácio do
também cartunista Fontanarrosa. Todos os volumes foram traduzidos por Ryta
Vinagre (a mesma que traduziu os livros da série Crepúsculo).
Os
álbuns de Maitena podem ser encontrados em livrarias, bibliotecas, sebos... Que
pena que ela parou de desenhar. Buá!
PARA ENCERRAR...
...temos
combo de Dia da Mulher na Rede Rafelipe!
No
blog do Teixeirão (http://naestanciadoteixeirao.blogspot.com.br/),
tem mensagem inédita de Dia da Mulher. O cartãozinho virtual também tem versão
para colorir no blog Educar é Viver (http://orientarpedagogos.blogspot.com.br/).
No
blog dos Bitifrendis, marcando a transição entre a quarta e a quinta
temporadas, tem uma historinha inédita em homenagem ao 8 de março. Perdoem se a
trama saiu um tanto desastrada, mas fiz o que pude. http://bitifrendisblog.blogspot.com.br/.
No
blog da Letícia, apenas a versão para colorir de mensagem publicada
anteriormente. http://leticiaquadrinhos.blogspot.com.br/.
E,
finalmente, para o Estúdio Rafelipe, já que falamos de mulheres cartunistas,
este ano resolvi homenagear uma das mais atuantes do mercado brasileiro: Cibele
Santos e sua série Mulher de 30. A cartunista é dedicada a tirinhas de humor
feminino, cuja característica mais visível são os personagens em meio corpo e
na maior parte das vezes de perfil. Mas é o mais próximo de uma Maitena que
temos, na minha opinião. Ela já lançou álbum recentemente (Mulher de 30: Não Tenho Roupa!) e seu blog ainda está bem ativo: www.mulher30.com.br.
Que bom.
Bão.
Cibele Santos mantém seis personagens principais: Sabrina, a solteira
sofredora; Belinha, a gordinha; Gislaine, a casada em eterno TPM; Vivi, a
consumista; Nanda, a lésbica que não sai da frente do computador; e Ana, a
elegante rainha do lar. Todas elas estão retratadas nesta simpática fanart
abaixo, feita com a melhor das intenções. Não sei se Cibele Santos costuma
receber muitas versões de seus personagens feitas por colegas cartunistas,
mas... só para saberem que reverencio as cartunistas femininas. Não tenho
preconceitos.
E,
confesso: bem que gostaria de ter uma mulher cartunista como esposa. Podemos
fazer uma graphic novel juntos! Alguém se candidata? Estou solteiro, leio
Maitena e sei como lidar com mulheres.
Feliz
8 de março às leitoras deste blog. Principalmente às que gostam de quadrinhos,
de desenhos...
Até
mais!
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