Olá.
Hoje,
a minha série especial sobre a coleção Literatura
Brasileira em Quadrinhos, da editora Escala Educacional, continua. Eu devo
ter esquecido de advertir que não tenho todos os livros da série, mas vou
falando de alguns títulos que consegui arranjar.
Continuando
a falar da primeira leva dessa coleção, hoje vamos de UM MÚSICO EXTRAORDINÁRIO,
de Lima Barreto, por Francisco Vilachã.
Nas
postagens anteriores, já apresentei a coleção da Escala Educacional; na
postagem anterior, já apresentei o artista Francisco Vilachã. Então, creio que
esta postagem vai ser mais curta.
Até
onde consegui apurar, os seis primeiros livros da série Literatura Brasileira em Quadrinhos foram vendidos nas bancas, em
pacotes com dois, com uma adaptação de contos de Lima Barreto e uma de Machado
de Assis. O segundo pacote teve UM MÚSICO EXTRAORDINÁRIO, de Lima Barreto, e O Enfermeiro, de Machado de Assis –
ambos por Francisco Vilachã. Bem, vocês já devem ter me entendido.
UM
MÚSICO EXTRAORDINÁRIO é um conto menos conhecido de Lima Barreto. Sempre que
alguma editora resolve lançar coletâneas de contos selecionados do escritor
carioca, é bem raro que esse conto acabe incluído. É garantido que nessas
coletâneas selecionadas entrem contos como O
Homem que Sabia Javanês, A Nova Califórnia, Miss Edith e Seu Tio ou mesmo a
primeira versão, curta, de Clara dos
Anjos (existe uma versão curta do conhecido romance). Mas UM MÚSICO
EXTRAORDINÁRIO não; esse conto só se tornou mais conhecido, até onde consegui
apurar, depois que Francisco Vilachã o adaptou para quadrinhos. Ao menos, a
julgar pelas referências ao conto que examinei em pesquisa prévia na internet.
UM
MÚSICO EXTRAORDINÁRIO foi extraído da coletânea de contos Histórias e Sonhos (1920), um dos livros menos “acessíveis” de Lima
Barreto, ao menos na versão integral. A adaptação para a coleção Literatura Brasileira em Quadrinhos ficou
a cargo de Vilachã, roteiro, desenhos e cores, com assistência de Fernando A.
Rodrigues na colorização – o que, em princípio, já torna a arte deste álbum
diferente do trabalho do álbum anterior de Vilachã, Uns Braços.
O
conto lida com um dos temas preferenciais da obra de Lima Barreto, o vazio da
burguesia medíocre de seu tempo – o início do século XX. A época da República
Velha brasileira (1889 – 1930) foi considerada a menos interessante em vários
aspectos, com as disputas de poder entre diferentes tendências políticas, a
concentração de poderio econômico nas mãos, principalmente, dos grandes
cafeicultores, e, cinicamente, o desenvolvimento do Brasil era deixado de lado,
em nome da manutenção de um status quo do qual poucos, evidentemente, se
beneficiavam.
Bem.
UM MÚSICO EXTRAORDINÁRIO é dividido em duas partes, mostrando, dessa maneira, a
transformação de um personagem, sob os olhos de Mascarenhas, o narrador. Ao
reencontrar um velho amigo, Ezequiel, Mascarenhas nota o quanto ele mudou, da
pré-adolescência à vida adulta.
O
conto inicia com as recordações de Mascarenhas nos tempos do colégio, quando
estudava em um internato: ele se recorda de Ezequiel como um menino tímido, de
pouca conversa, que gostava de ler livros de Júlio Verne e, de certa forma, era
diferente dos outros meninos, mais interessados em brincadeiras e em garotas do
que em estudar. Mascarenhas e Ezequiel ficam anos sem se ver, depois de sair do
colégio.
A
segunda parte do conto se passa em um bonde, o transporte público daquela
época. Mascarenhas pega o bonde para o bairro do Botafogo, o reduto dos novos
ricos cariocas, para visitar um amigo; no caminho, ele assiste uma discussão
entre o cobrador e um passageiro, que se recusa a pagar a passagem por se dizer
um artista, acima dos demais naquela condução, etc. E Mascarenhas, com uma
pequena ajudinha, reconhece o passageiro falastrão: era Ezequiel. O narrador
paga a passagem de Ezequiel, e, a seguir, os dois começam a conversar.
Na
conversa, Ezequiel narra sua história: depois de deixar a faculdade de Direito,
passou anos buscando uma ocupação, mas sempre ligado às artes e à cultura, como
uma maneira de buscar um “algo mais” para sua vida, uma forma de viver
diferente da mediocridade da classe média urbana, sempre almejando a segurança
do serviço público, nos cargos próximos ao Governo. Tentou estudar belas-artes,
mas não ficou satisfeito com as aulas; tentou ser jornalista, dramaturgo, etc.;
até mesmo fundou uma revista, mas as coisas que publicava eram diferentes de
sua proposta literária. Quando já estava decidido a não ser nada na vida,
recebe uma vultosa herança de um parente que não via há tempos; e, quando estava
a caminho da Europa, descobre, durante uma tempestade que se abatia sobre seu
navio, um “talento”: o de músico, sem entender nada de música, apenas
dedilhando um piano a esmo, mas “descobrindo” uma nova sonoridade, baseada na
fúria da natureza. Mas, ainda assim, Ezequiel não se sente totalmente
realizado. Seria esse talento um tanto “à frente” de seu tempo? O leitor só
pode imaginar, a partir das descrições, como seria esse tal talento musical de
Ezequiel, decerto tão inovador a ponto de não se enquadrar nos conservatórios
musicais europeus, em sua época (anos 1910 – 1920)...
Teria
sido Ezequiel o “pai” do rock n’ roll? Bem, pelo menos é o que eu imagino, a
partir da descrição do conto...
UM
MÚSICO EXTRAORDINÁRIO abre uma série de questionamentos ao leitor, sobre o
vazio da existência, sobre como as pessoas mudam, sobre como elas podem
desperdiçar seus talentos naturais e sacrificar gostos pessoais de forma
inútil, sobre os supostos “privilégios” de artistas... enfim.
O
álbum da Escala Educacional faz, assim como os volumes anteriores, uma
adaptação literal do conto. Como UM MÚSICO EXTRAORDINÁRIO é um conto curto,
para caber nas 40 páginas de história – das 48 páginas que o álbum tem no
total, sem contar capa – Vilachã abusou de desenhos grandes, alguns de página
inteira, e, em alguns momentos inclui quadros com desenhos e cenas
desnecessárias ao desenvolvimento da narrativa, onde aparecem só cenários ou
“passantes” sem relação com a trama. Esses quadros cumprem a função apenas de
encher espaço nas páginas, para assim o layout ficar da forma que o desenhista
acha que fica mais adequado ao ritmo exigido pela trama; importa mesmo os
quadros com a narrativa. E, como o conto tem diálogos, também tem mais balões
de fala, menos perda de tempo com reflexões mentais que demandam mais maneiras
de traduzi-las em desenhos.
A
arte de UM MÚSICO EXTRAORDINÁRIO é sensivelmente diferente da de Uns Braços: Vilachã e Machado investiram em cores chapadas e
contornos pretos mais finos, que conferiram mais luminosidade ao conto – mas
com alguma perda de qualidade no traço. E, além da tradução para HQ de trechos
citados das obras de Júlio Verne, Vilachã acerta em incluir, na história, um
“avatar” de Lima Barreto, a ser encontrado pelo leitor.
Ao
menos, UM MÚSICO EXTRAORDINÁRIO serve como uma lição, a futuros artistas, de
como fazer uma adaptação de uma narrativa curta para a linguagem gráfica. Ainda
mais de um conto de leitura bastante rápida, como foi UM MÚSICO EXTRAORDINÁRIO.
O
álbum ainda inclui seis páginas com a biografia de Lima Barreto e atividades de
fixação, destinadas aos alunos do Ensino Fundamental. Por isso, UM MÚSICO
EXTRAORDINÁRIO é mais fácil de encontrar em bibliotecas, notadamente escolares.
Ou no site da editora – www.escalaeducacional.com.br.
Não
disse que seria rápido?
Para
encerrar, mais páginas de minha mais nova investida artística, a HQ
folhetinesca O Açougueiro (nome
provisório). Admito, a narrativa ainda não está engrenando como deveria para
uma história do gênero policial (se é que é uma história policial o que estou
de fato tentando fazer...), mas pretendo resolver isso em breve, podem confiar.
Na
próxima postagem: O Enfermeiro, de
Machado de Assis, dando continuidade à coleção.
Até
mais!
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