Olá.
Na
última postagem, eu falei, aqui no blog, do escritor gaúcho Fidélis Dalcin
Barbosa (1915 – 1997) – ex-padre, pesquisador, prosador. Já falei que ele quase
foi meu padrinho literário.
Pois,
meio que resolvi fazer, através deste humilde e depreciável blog, um resgate de
sua obra literária. Fidélis Barbosa andava meio esquecido pelos próprios
conterrâneos, então esta pequena iniciativa destina-se a, pelo menos, tornar
esse escritor conhecido das novas gerações, e relembrado pelos mais velhos. Se
seus livros porventura voltarem a ser procurados, maiores são as chances de
serem republicados.
Hoje,
então, vou falar de um de seus primeiros livros publicados: O PRISIONEIRO DA
MONTANHA. Uma novela juvenil inteiramente sul-brasileira.
O
PRISIONEIRO DA MONTANHA foi publicado originalmente em 1961. Foi um dos
primeiros livros de Fidélis Barbosa. Oficialmente, seu primeiro livro foi o
livro de contos Semblantes de Pioneiros, também
de 1961, seguindo, ainda no mesmo ano, pelo também livro de contos O Primeiro Beijo. Sim: foram três livros
publicados em 1961.
O
PRISIONEIRO DA MONTANHA teve sua primeira edição pela Editora Flamboyant, de
São Paulo. A tiragem inicial, de seis mil cópias, esgotou-se em poucos meses,
devido às boas críticas recebidas na época. As edições seguintes chegaram a dez
mil exemplares, depois três, depois dois mil exemplares. A sétima edição saiu
pelas Edições Loyola, de São Paulo, com três mil exemplares. E, a partir da
oitava edição, o livro passou a sair pela editora EST, de Porto Alegre, RS. A
capa acima é justamente da oitava edição, lançada em 1997, pela EST.
Com
80 páginas (sem contar capa), e estruturado em 27 capítulos, O PRISIONEIRO DA
MONTANHA é um romance infanto-juvenil de fácil leitura e compreensão da ação da
história, que é praticamente uma recriação do clássico Robinson Crusoé, de Daniel Defoe, no cenário da fronteira do Rio
Grande do Sul com Santa Catarina – em vez de ilha, temos as montanhas da região
da Serra.
Com
elementos de típico folhetim televisivo, sob medida para cinema e televisão –
com final feliz e tudo – O PRISIONEIRO DA MONTANHA é ambientado nos estados de
Santa Catarina e Rio grande do Sul. A intenção do autor é levar ao leitor, com
descrições riquíssimas, as belezas da região dos Aparados da Serra, a grande
cadeia de montanhas e cânions existentes na fronteira dos dois estados sulinos.
Até hoje, os Aparados são um importante ponto de turismo ecológico do Rio
Grande do Sul – a região pode ser acessada através dos municípios de Cambará do
Sul e São José dos Ausentes.
Fazia
pouco tempo que o Parque Ecológico dos Aparados da Serra havia sido criado – em
1959, para ser mais exato – quando Fidélis Barbosa escreveu o romance, que
incorpora, além do cenário idílico, elementos e aspectos descritivos da
imigração italiana no sul brasileiro, e sua forte afeição ao trabalho, lutando
contra adversidades. Há também elementos que ele usa largamente nos livros
seguintes, como uma descrição dos índios do sul, e seus conflitos com os
imigrantes europeus que instalaram-se na região – entre eles, no que diz
respeito às suas concepções de trabalho. Isso tudo ajuda a caracterizar melhor
o herói da trama, Pedro Uliana, que narra em primeira pessoa as suas aventuras.
A
história começa em 1902, no Sudeste Catarinense, e vai até 1919, em um trajeto
que, antes de passar pelos Aparados da Serra, passa pela cidade de Tubarão, em
Santa Catarina.
Pedro
Uliana é filho de imigrantes italianos de Nova Treviso, região de Urussanga, no
Sudeste catarinense. Ainda jovem, ele começa a incorporar o espírito
aventureiro, ao tomar parte nas expedições bugreiras, de caça aos índios hostis
– os botocudos e caigangues, ou “bugres” – que invadiam, assaltavam
propriedades rurais e, não raro, faziam vítimas fatais. A família de Pedro fora
vítima de uma incursão de “bugres”, logo no início do livro, que por pouco não
vitimou suas irmãs.
Durante
essas expedições, Pedro toma gosto pela vida de aventuras pela floresta, mas
não dura muito tempo: o pai de Pedro resolve mandar o filho para estudar em
Tubarão, na esperança de vê-lo se tornar “doutor”. A princípio, Pedro fica
contrariado, mas, com o tempo, se afeiçoa aos estudos no Colégio São José das
Irmãs da Divina Providência. Lê romances célebres com gosto, sendo seu
preferido o Robinson Crusoé de Defoe.
E,
mais que isso: arranja uma namorada na cidade. Ele, que trabalhava em um
armazém para pagar a pensão, apaixona-se por Maria Helena, filha do tabelião
local – logo, uma moça de condição social superior. Mas o rapaz é correspondido
em sua paixão, e a moça, apesar de muito disputada pelos rapazes locais,
declara a Pedro que nunca casaria com outro rapaz a não ser ele. E, como prova
de amor, Pedro promete trazer a Maria Helena – que gostava de ouvir as
narrativas de Pedro a respeito de sua vida de aventureiro – uma pele de onça
caçada por ele.
O
sofrimento de Pedro começa por causa de um rival, Hélio, que também disputava a
atenção de Maria Helena. Durante uma festa na vila, ocorre um crime, e Pedro,
por conta das maquinações de Hélio, acaba acusado, apesar de ser inocente, e
preso. Mas consegue fugir, graças a um dos guardas da prisão, que conhecia sua
fama de gente de bem. E foge de Tubarão, de volta a Nova Treviso, mas apenas
brevemente, para rever a família: Pedro resolve se refugiar no mato, temendo a
perseguição da polícia. E sua andança para se esconder chega até a fronteira do
Rio Grande do Sul, na região dos Aparados.
Pedro
refugia-se no ponto mais alto dos Aparados – o monte do Realengo. Ali, em meio
à esfuziante paisagem natural, encontra abrigo em um galpão abandonado, um
refúgio para os criadores de gado. Aliás, perto dele estão algumas cabeças de
gado, esquecidas por um criador de gado dos arredores. Porém, uma forte
tormenta cai, naquela noite, na região, e uma enxurrada acaba cortando o acesso
de Pedro para a base da montanha. O rapaz se vê, de repente, preso no monte,
junto com as cabeças de gado. Isolado do restante do mundo, como Robinson
Crusoé. E, por consequência, precisa prover sua sobrevivência no local, sujeito
a chuva, nevoeiros, feras. Mas ele acaba se saindo bem.
Reunindo
seus conhecimentos de mato quando foi bugreiro, Pedro, de início, provém seu
sustento através da caça de aves da região e de água de um manancial ali
próximo. Em princípio, sem armas, mas, depois, consegue fazer para si um arco e
algumas flechas. Com um único grão de milho, achado em seu paletó, Pedro
consegue fazer uma plantação que complementa preciosamente sua dieta – mas a
espera pela safra é penosa. O pior é a falta de sal para temperar a carne de
caça.
Um dia,
ele presencia uma luta entre um dos touros que ficou preso com ele, e uma onça
– popularmente conhecida como “tigre” no Rio Grande do Sul. O touro acaba
levando a melhor – e Pedro aproveita a pele da onça morta para fazer roupas
para si. Depois, cria os filhotinhos abandonados da onça. Depois que crescem,
os “tigres” criados em cercado acabam sacrificados. Um deles fornece a pele
prometida para a amada Maria Helena – que, assim como a família do rapaz, não
sai dos pensamentos de Pedro.
Ali,
na montanha, isolado do mundo, Pedro provém sua vida da melhor maneira, por
tentativa e erro: aumenta seu abrigo, construindo uma casinha e um forno com
tijolos fabricados por ele mesmo; cria animais – incluindo o gado que ficou
preso com ele na montanha, que lhe fornece leite, com o qual consegue fazer até
queijo; faz utensílios de cozinha com barro e madeira; conta o tempo através de
marcações em pedaços de madeira; cozinha pães e até bolos com o milho que
cresce em sua “propriedade”; faz orações para uma Nossa Senhora de madeira que
ele mesmo esculpe em madeira – e, como bom imigrante italiano religioso,
agradece a essa imagem pela maioria de seus sucessos. Vive, desse modo, como um
Robinson Crusoé gaúcho, tendo apenas o trabalho e a paisagem idílica como forma
de se entreter.
E,
mesmo no início do século XX, de uma forma geral, não havia mesmo muita opção
para uma pessoa se entreter no Rio Grande do Sul rural, já que os primeiros
aparelhos de som – toca-discos, gramofones e aparelhos de rádio – não haviam
sido popularizados, que dizer da existência, na época, de televisão e
computadores, crianças.
Até
que, um dia, Pedro começa a ter sonhos frequentes com um estancieiro gaúcho,
que revela ao rapaz a existência de um tesouro escondido ali próximo. O sonho o
incomoda bastante, até que ele decide ir ao local indicado pelo sonho. E acaba
encontrando, perto da fonte de água, uma fortuna em ouro, provavelmente
escondida durante uma das guerras ocorridas no Rio Grande. Tudo o que restará a
Pedro, agora, é arranjar um jeito de descer o monte, abandonar seu pequeno
paraíso e os animais que fizeram-lhe companhia todo esse tempo. É penoso, mas o
momento lhes é favorável.
Conseguirá
Pedro sair da montanha? Conseguirá ele rever sua família? E Maria Helena, terá
ela se casado ou ainda estará esperando pelo amado?
A
narrativa de Fidélis Barbosa é meio arrastada no início, como que a preocupação
do autor fosse a de não perder muito tempo e ir logo para o clímax. Por isso, a
impressão de que os capítulos iniciais da saga de Pedro, bem como a parte
passada em Tubarão, passam muito rápido, antes do leitor poder assimilar os
acontecimentos. O grosso da narrativa concentra-se na vida de Pedro na
montanha, onde os acontecimentos são fortemente detalhados e minuciosamente
descritos, com um bom domínio do suspense. Não há de se esperar mais do final
que um final feliz, mas não hei de adiantar aqui o que acontece.
O
estilo narrativo, com relação ao que temos hoje, parece antiquado, com as
descrições preciosistas e o didatismo – Fidélis Barbosa/Pedro Uliana se
preocupou, inclusive, a explicar pequenos detalhes da história, como os
costumes dos “bugres”, a origem do nome da cidade de Tubarão e as técnicas
artesanais de fabricação de queijo e de fermento para pão. Devemos lembrar que o
livro foi escrito nos anos 1960, e as regras de literatura da época eram
diferentes das de hoje. Mas O PRISIONEIRO DA MONTANHA vale um estudo. Vale uma
lida. Vale como um primeiro contato com os “clássicos”.
E
vale ainda uma adaptação para o cinema, ou para a televisão. A narrativa,
apesar de previsível, é sob medida para a mídia visual. E uma boa propaganda
para a promoção da região dos Aparados da Serra.
E,
como Fidélis Barbosa também era professor, o livro ainda inclui um roteiro de
trabalho – perguntas para os alunos do Ensino Fundamental a respeito do livro,
ao melhor estilo dos suplementos de trabalho dos livros das editoras Ática e
Moderna – e um glossário, de termos regionalistas do sul brasileiro, visando ao
público de outras regiões do Brasil, se é que o livro também chegou a alcançar
outras regiões do país. Na contracapa, ainda tem fotos da região dos Aparados.
É
mais fácil procurar O PRISIONEIRO DA MONTANHA em sebos e bibliotecas. Não venha
com a desculpa de que a poeira de livros velhos te dá alergia, criança: leia
mais livros de papel.
Para
encerrar: logicamente, vou deixar mais algumas páginas de minha HQ
folhetinesca, O Açougueiro. Quem está
acompanhando, deve ter reparado que a ação da história anda meio parada, que a
HQ se encontra “paralisada”. Já estou tentando resolver esse problema para que
finalmente a cena apresente alguma mudança.
Quando
eu disponibilizar a HQ na íntegra, dia desses, vocês poderão notar isso com
alguma clareza. Bem, aguardem. E continuem acompanhando este humilde e
depreciável blog.
Em
breve, um novo livro de Fidélis Barbosa para vocês.
Até
mais!
Nenhum comentário:
Postar um comentário