Olá.
Vamos
tentar, mais uma vez, nos afastar de uma realidade insensível e não apropriada
para os sensíveis, uma realidade que está querendo que sejamos todos tão
truculentos quanto os políticos, estupradores, traficantes e outros tipos
inaceitáveis da vida nacional que continuamente sugam a alma da população.
Vamos
fazer mais uma viagem informativa para o mundo dos superseres de roupas
coloridas, capazes – nem todos, certamente – de voar, erguer carros acima da
cabeça, operar máquinas mais complexas que um mísero smartphone e singrar o
espaço sideral sem roupa de astronauta.
Mais
um livro informativo sobre o inesgotável tema super-heróis chegou em tempos
recentes às bancas – se não estou enganado, entre final de abril e início de
maio de 2016. Ao menos, na banca de minha cidade.
Eis
aqui: OS SEGREDOS DOS SUPER-HERÓIS.
OS
SEGREDOS DOS SUPER-HERÓIS é lançamento da editora Geek, selo “fantasia” da
editora Discovery Publicações (algo que descobri recentemente). É uma série de
artigos sobre super-heróis, organizada pelo sempre ativo Franco de Rosa,
roteirista de HQ, editor, eventualmente desenhista. É sua publicação mais
recente, é claro, em parceria de uma verdadeira turma de amigos, entre
conhecidos e poucos lembrados redatores. Enquanto seu estúdio não lança novos projetos
em quadrinhos (ah, como esquecer a abominação que acabou sendo o gibi Didi e Lili Geração Mangá, que esteve
sob sua batuta?), Franco de Rosa e seus parceiros faz o que lhes está ao
alcance – e lhes garanta um pouco de rentabilidade.
Well.
OS SEGREDOS DOS SUPER-HERÓIS é um álbum bem-servido: são 240 páginas (sem
contar a capa cartonada), em papel de alta gramatura, miolo colorido, muitas
ilustrações, textos e informações sobre o mundo dos super-heróis em quadrinhos,
nacionais e estrangeiros. E com a devida página de créditos da editora.
Claro
que os heróis estadunidenses, aqueles que já dominaram o mundo através dos
quadrinhos, do cinema e da TV, claro que os da Marvel e os da DC Comics, dominam
a maior parte do livro, mas há um espacinho para heróis de outras editoras
estadunidenses e para os super-heróis brasileiros – aqueles que, fato, só
interessam a alguns “gatos pingados” dentro do próprio país, incluindo este que
vos escreve. Miau.
Mas
chorem: desta vez não há espaço para os heróis japoneses, tão subestimados
quanto os brasileiros.
Mas,
como muitas publicações a cargo de editoras pequenas e de pouca confiança, o
livro, apesar da proposta e da grande gama de informações que traz, sofre com o
trabalho meio feito “nas coxas” pelos editores: informações desencontradas e
repetidas, textos confusos, com muitos erros de ortografia e de diagramação,
parágrafos repetidos algumas páginas depois, sensação de textos incompletos,
subtítulos e mesmo títulos que pouco ou nada tem a ver com o texto.
Com
relação aos textos – são 19 capítulos – alguns leitores mais familiarizados com
revistas informativas reconhecerão: alguns dos artigos são versões revistas e
ampliadas de artigos publicados anteriormente em outras revistas, como a Clube dos Heróis, da editora Minuano,
publicada na década de 2000.
Mas
as ilustrações tem, todas, legendas corretas e que realmente informam o leitor
sobre o que estão vendo. E todas tem a ver com seus respectivos capítulos.
O
conteúdo praticamente contém tudo o que já lemos anteriormente em outras
publicações do gênero, das revistinhas “fundo de quintal” aos livros mais e
melhor elaborados. Mas há muita coisa interessante que dá para pinçar de cada
texto. Há artigos dedicados a um só herói específico ou a um supergrupo, outros
mais gerais, tratando de épocas e suas características, outros mais pessoais,
onde a autoreferência busca a identificação com o leitor. Todos cumprindo o
objetivo expresso no título: tentar explicar ao público o segredo do sucesso
dos super-heróis, desde o surgimento do Superman.
Bem.
Os artigos e seus respectivos autores.
O
primeiro artigo, Superman: de Samaritano
a Vigilante, a Evolução da Espécie, de Caio Moretti, é o mais estranho:
fala da evolução dos super-heróis, de suas formas de publicação, das mudanças
pelas quais os heróis passaram de acordo com as preferências do público, do fim
das publicações em formatinho no Brasil, do arco Crise Final da DC Comics... mas não fala nada, ou fala bem por
alto, do Superman! Não faz sentido.
A
coisa melhora a partir do segundo artigo, Batman:
as muitas e improváveis mortes do morcego, de Wanderley Pontes e Franco de
Rosa. Neste artigo, os autores falam a respeito das muitas vezes em que o
Batman morreu, ou foi dado como morto, nos quadrinhos.
Tem
mais Batman no artigo seguinte, Batman
Clássico: a frequente metamorfose do embuçado de capa, de Luiz Antônio
Sampaio. Praticamente escrutinando toda a carreira do morcegão nos quadrinhos e
no cinema, desde o surgimento até os dias atuais, da fase engraçadinha à fase
soturna.
A
seguir: Homem-Aranha: a estonteante saga
de um jovem incompreendido, de Amanda Amaral e Franco de Rosa. O artigo
disseca praticamente tudo a respeito do Amigão da Vizinhança: origem, fases
marcantes, bastidores da criação, controvérsias a respeito da ideia do traje
original.
Amaral
e Rosa também são os autores do capítulo seguinte, Superuniverso: a evolução dos temas, poderes, moda e consumo. Uma
história resumida do surgimento, da evolução e do sucesso dos super-heróis, com
espaço para tratar dos trajes coloridos, do fetiche pelos trajes das
super-heroínas, do cosplay, etc.
O
artigo seguinte entrega, sim, o que promete no título. Superman Clássico: o último adeus do simpático astro pioneiro, de
Wilson Costa de Souza, escrutina a carreira do Superman da era mais ingênua,
desde seu surgimento até os anos 1980, indo até o “capítulo final” de Alan
Moore (a saga O Que Aconteceu ao Homem de
Aço?), publicado em 1986.
A
seguir, O Fantasma: a tragetória (sic)
do implacável espírito que anda, de
Franco de Rosa, tratando da carreira do clássico personagem de Lee Falk, do
surgimento até sua última passagem pelo cinema. Com um espacinho também para
merchandising – falando a respeito de um dos últimos álbuns lançados no Brasil
com histórias clássicas do personagem, o Sempre
aos Domingos, da editora Opera Graphica – lembrem-se: Franco de Rosa foi
editor dessa editora.
Em
seguida, Quarteto Fantástico: a criativa
gênese dos super-heróis Marvel, de Antero Leivas. Praticamente o básico
sobre a carreira da superfamília, dos quadrinhos ao cinema, até o
criticadíssimo filme mais recente.
A
seguir, Besouro Verde: a voz do rádio que
nasceu para brilhar, de Marcelo Shaun e Franco de Rosa. Talvez um dos
artigos mais completos de todo o livro, falando da carreira do clássico herói
sem poderes e seu ajudante oriental, Kato. Tudo entra: o programa de rádio, os
quadrinhos, a passagem pela TV (e seu encontro com o Batman), o filme mais
recente, os quadrinhos mais recentes.
Em
seguida, X-Men: a reviravolta dos
desprezados mutantes de Stan Lee, de Wlamir Augusto Silva, falando sobre,
claro, os X-Men. Porém, parece a colagem de vários artigos a respeito dos
personagens: tem um trecho falando exclusivamente do Wolverine, trechos falando
dos filmes, trechos da carreira dos X-Men nos quadrinhos... bem confuso, mas
não tanto quanto o primeiro artigo do livro.
Em
seguimento, Arqueiro Verde: a maturidade
e a ética do grande arqueiro, de Franco de Rosa e Norma Takeguma. Falando,
certamente, da carreira do mais radicalista herói da DC Comics, do nascimento,
da morte, da ressurreição, das passagens pela TV.
A
seguir, Conan: o grande campeão dos gibis
para adultos, de Franco de Rosa, sobre o clássico anti-herói dos pulps dos
anos 1930, que tomou de assalto os quadrinhos nos anos 1970, cravou a espadadas
seu espaço no cinema.
Em
seguida, Brazucas: hora e vez dos
patrióticos e engajados do Brasil, de Edison Balbino e Franco de Rosa, o
artigo referente aos super-heróis brasileiros, e com arroubos de nacionalismo –
aquele ufanismo quadrinhístico brasileiro hoje contestado, e que atualmente só
serve para dar razão aos trolls de internet (também já cheguei a cair nesse
papo...). O artigo fala de alguns heróis nacionais conhecidos e reconhecidos:
Audaz o Demolidor, Capitão 7, Raio Negro, Escorpião, Pabeyma, Fikon, Flavo,
Homem Microscópico, Judoka, Golden Guitar, Homem-Fera, os heróis de Rodolfo
Zalla e Eugênio Colonnese (Mylar, Superargo, Escorpião 2).
No
seguimento, Sidekick: eternamente jovens,
espertos e ardilosos, de Franco de Rosa, sobre os ajudantes de super-heróis
que ganharam vida própria. Dos mais conhecidos, como Robin, Ricardito, Bucky,
Kid Flash, Aqualad e Rick Jones, até os menos conhecidos, como Sandy e Pinky,
e, claro, falando da mais conhecida associação de parceiros de heróis, os Novos
Titãs.
Rosa
também é autor do capítulo seguinte, Superiores:
o melhor do gênero para o meu gosto, eminentemente pessoal. O autor fala de
suas preferências no gênero heroico, de histórias e artistas memoráveis, enfim,
de sua formação enquanto leitor de quadrinhos. Tudo o que moldou seu caráter.
A
seguir, Criação: as inspirações que
geraram supervilões originais, de Valeria Veloso. Basicamente, curiosidades
sobre as origens de supervilões conhecidos, com algumas peculiaridades
bizarras. A origem de vilões como Coringa, Hera Venenosa, Kraven e Rei do Crime
é meio manjada, inspirados a partir de personagens de filmes antigos. Mas vocês
sabiam, por exemplo, que o Caveira Vermelha, inimigo do Capitão América, foi
inspirado... em um sorvete?! E ainda tem R’as Al Ghul, Doutor Destino,
Darkseid, Destruidor (das Tartarugas Ninja)... É o artigo que mais vale a pena.
Em
seguida, Supervilões: Thanos e Darkseid,
os megagêmeos do mal, de Adriano Coutinho, falando a respeito dos maiores
vilões, respectivamente, da Marvel e da DC Comics. Praticamente, um cópia do
outro.
A
seguir, Cinema: a grande arena de
combates da atualidade, de Antero Leivas, tratando das produções
cinematográficas baseadas em quadrinhos, figuras reais e literárias, não só as
dos super-heróis – das figurinhas manjadas até dos que não tínhamos ouvido
falar ainda. Tem Homem de Ferro, Capitão América, Homem-Aranha, Deadpool
(comprovando que o livro foi lançado este ano), Superman, Batman, Flash Gordon,
Buck Rogers, Pimpinela Escarlate (não sei dizer se esse teve alguma versão para
HQ), Zorro, El Santo (popular no México, e o cara nem é personagem de quadrinhos!),
Spirit, Tarzan, Popeye, Asterix, Thor, Hulk, Demolidor, Fantasma e O Máskara
(não sabia que ele surgiu nos quadrinhos?).
E,
para encerrar, Contagem Regressiva: o
evento que virou o universo DC pelo avesso, de Igor Cepetrani, sobre uma
das últimas megassagas da DC Comics. Por falar de um evento específico – e, até
o momento, não muito importante, embora alardeado como tal – é de se perguntar
o que esse artigo faz no livro.
Se o
livro, apesar dos aparentes defeitos, vale os R$ 39,90 que custa? Vocês,
leitores, julgarão. Se houvesse mais divulgação de obras desse tipo na internet
– e eu humildemente fiz minha parte, através deste depreciável blog –
provavelmente haveria menos encalhe. Ou haveria mais, a julgar a qualidade de
algumas publicações que continuamente tenho lido...
De
todo modo, sabemos que Franco de Rosa, co-fundador das editoras Press, Mythos e
Opera Graphica e roteirista de obras como a biografia em HQ de Chico Xavier,
ainda está vivo, e trabalhando. A crise econômica não pode ser desculpa para
deixarmos de ajudar um trabalhador da cultura pop brasileira. Não venham com
essa de “ah, ele que arranje um emprego de verdade, invés de ficar gastando os
royalties de seus livros e gibis em cachaça!”. Isso nem é verdade. Ao menos, eu
acho que não é.
PARA ENCERRAR...
...uma
homenagem tardia, passada uma semana do fato a que se refere.
No
dia 19 de junho passado, um domingo, o Brasil perdeu mais um veterano dos
quadrinhos nacionais. Faleceu, aos 86 anos, o argentino Rodolfo Zalla, que
adotou o Brasil como pátria, e aqui dentro fez importantes trabalhos na área
das HQ e das ilustrações – gibis de terror, faroeste, biografias, eróticos e
quebrando o tabu de que quadrinhos e livros didáticos não combinam. Foi, até
onde sei, Zalla quem incluiu quadrinhos nos livros didáticos usados nas escolas
brasileiras, sabia?
A
carreira desse argentino foi longa em nosso país. Longa e produtiva. Muita
gente ainda cultua as HQ de terror que ele produziu, através de seu estúdio
D-Arte. Em tempos recentes, até a revista Calafrio,
carro-chefe da D-Arte, foi ressuscitada. Até documentário a carreira de
Zalla ganhou (Ao Mestre com Carinho, de
Márcio Baraldi)! Embora ele nunca tenha parado de desenhar quadrinhos, mesmo
com a idade avançada, eu sou dos muitos que concordam que sua melhor fase era
mesmo a da D-Arte, em termos de arte: os desenhos feitos apenas a lápis, em sua
fase atual, praticamente descaracterizaram sua arte. Zalla era melhor com a
arte-final a nanquim.
“Ara,
mas mesmo depois que o homem morreu, tu não paras de criticá-lo?! Belo
brasileiro que tu és, Rafael!”, alguns de vocês podem dizer. É só uma
constatação de leitor de HQ. Principalmente levando em conta alguns de seus
últimos trabalhos, como a biografia quadrinizada do Lula (Lula: Luís Inácio Brasileiro da Silva, com roteiro de Toni
Rodrigues, Editora Sarandi, 2010), as duas HQs que ele desenhou do Blenq de Rod Gonzalez para os gibis da
Júpiter 2 (em 2009 e 2011), e algumas HQ para coletâneas recentes, como Zumbis e outras Criaturas das Trevas, (Kalaco,
2012). Que diferença, por exemplo, de Chico
Xavier em Quadrinhos, com roteiro de Franco de Rosa (Ediouro, 2010).
Bem.
Desde que a notícia da morte de Zalla chegou às redes sociais – praticamente um
dia após a morte do mexicano Rúben Aguirre, o Professor Girafales – fiquei na
dúvida: devia fazer uma homenagem a Zalla, ou não? Uma postagem especial, ou
não? Resolvi deixar passar, mas agora não dá mais para deixar passar. Pelo que
vi, fora notas em blogs e sites de HQ, ninguém mais fez homenagens a Zalla,
ainda que na forma de um cartum – ao menos, nenhum de meus conhecidos.
Resolvi
fazer uma ilustração. Minimalista, e em preto e branco, que era a especialidade de
Zalla. Em torno de seu túmulo, três de seus mais notórios personagens: o
Escorpião 2, a versão reformulada de um super-herói brasileiro que Zalla e seu
parceiro Colonnese salvaram do cancelamento por acusação de plágio; o Zumbi,
Kid Pardier, o lutador de boxe morto-vivo que fez aparições nos gibis de terror
da D-Arte; e Zora, a Mulher-Lobo, também presença constante nas HQs de terror
da D-Arte (e que, em 2011, fez uma participação especial em uma das citadas HQs
do Blenq).
Sei
que não é muito, sei que vão dizer que foi só para me aparecer, mas é de coração.
Também
já fui um nacionalista ferrenho, até ser esculachado pelas redes sociais por
conta do que escrevi sobre HQs brasileiras neste blog. Também era um admirador
de Rodolfo Zalla. E não posso escapar da obrigação natural de todo quadrinhista
brasileiro, de deixar registrada uma homenagem.
Sentiremos
sua falta, Zalla. Sinceramente.
Em
breve, novos assuntos para tentar desviar da realidade.
Até
mais!
Um comentário:
Esse livro repete mais uma daquelas teorias que algumas coisas foram criadas no Brasil, na verdade, Audaz, o demolidor foi a segunda história de robô gigante, a primeira foi feita em 1936 por Jerry Siegel e Joe Shuster, ele também podia ser pilotado.
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