domingo, 26 de junho de 2016

OS SEGREDOS DOS SUPER-HERÓIS - quantidade não quer dizer qualidade...

Olá.
Vamos tentar, mais uma vez, nos afastar de uma realidade insensível e não apropriada para os sensíveis, uma realidade que está querendo que sejamos todos tão truculentos quanto os políticos, estupradores, traficantes e outros tipos inaceitáveis da vida nacional que continuamente sugam a alma da população.
Vamos fazer mais uma viagem informativa para o mundo dos superseres de roupas coloridas, capazes – nem todos, certamente – de voar, erguer carros acima da cabeça, operar máquinas mais complexas que um mísero smartphone e singrar o espaço sideral sem roupa de astronauta.
Mais um livro informativo sobre o inesgotável tema super-heróis chegou em tempos recentes às bancas – se não estou enganado, entre final de abril e início de maio de 2016. Ao menos, na banca de minha cidade.
Eis aqui: OS SEGREDOS DOS SUPER-HERÓIS.

OS SEGREDOS DOS SUPER-HERÓIS é lançamento da editora Geek, selo “fantasia” da editora Discovery Publicações (algo que descobri recentemente). É uma série de artigos sobre super-heróis, organizada pelo sempre ativo Franco de Rosa, roteirista de HQ, editor, eventualmente desenhista. É sua publicação mais recente, é claro, em parceria de uma verdadeira turma de amigos, entre conhecidos e poucos lembrados redatores. Enquanto seu estúdio não lança novos projetos em quadrinhos (ah, como esquecer a abominação que acabou sendo o gibi Didi e Lili Geração Mangá, que esteve sob sua batuta?), Franco de Rosa e seus parceiros faz o que lhes está ao alcance – e lhes garanta um pouco de rentabilidade.
Well. OS SEGREDOS DOS SUPER-HERÓIS é um álbum bem-servido: são 240 páginas (sem contar a capa cartonada), em papel de alta gramatura, miolo colorido, muitas ilustrações, textos e informações sobre o mundo dos super-heróis em quadrinhos, nacionais e estrangeiros. E com a devida página de créditos da editora.
Claro que os heróis estadunidenses, aqueles que já dominaram o mundo através dos quadrinhos, do cinema e da TV, claro que os da Marvel e os da DC Comics, dominam a maior parte do livro, mas há um espacinho para heróis de outras editoras estadunidenses e para os super-heróis brasileiros – aqueles que, fato, só interessam a alguns “gatos pingados” dentro do próprio país, incluindo este que vos escreve. Miau.
Mas chorem: desta vez não há espaço para os heróis japoneses, tão subestimados quanto os brasileiros.
Mas, como muitas publicações a cargo de editoras pequenas e de pouca confiança, o livro, apesar da proposta e da grande gama de informações que traz, sofre com o trabalho meio feito “nas coxas” pelos editores: informações desencontradas e repetidas, textos confusos, com muitos erros de ortografia e de diagramação, parágrafos repetidos algumas páginas depois, sensação de textos incompletos, subtítulos e mesmo títulos que pouco ou nada tem a ver com o texto.
Com relação aos textos – são 19 capítulos – alguns leitores mais familiarizados com revistas informativas reconhecerão: alguns dos artigos são versões revistas e ampliadas de artigos publicados anteriormente em outras revistas, como a Clube dos Heróis, da editora Minuano, publicada na década de 2000.
Mas as ilustrações tem, todas, legendas corretas e que realmente informam o leitor sobre o que estão vendo. E todas tem a ver com seus respectivos capítulos.
O conteúdo praticamente contém tudo o que já lemos anteriormente em outras publicações do gênero, das revistinhas “fundo de quintal” aos livros mais e melhor elaborados. Mas há muita coisa interessante que dá para pinçar de cada texto. Há artigos dedicados a um só herói específico ou a um supergrupo, outros mais gerais, tratando de épocas e suas características, outros mais pessoais, onde a autoreferência busca a identificação com o leitor. Todos cumprindo o objetivo expresso no título: tentar explicar ao público o segredo do sucesso dos super-heróis, desde o surgimento do Superman.
Bem. Os artigos e seus respectivos autores.
O primeiro artigo, Superman: de Samaritano a Vigilante, a Evolução da Espécie, de Caio Moretti, é o mais estranho: fala da evolução dos super-heróis, de suas formas de publicação, das mudanças pelas quais os heróis passaram de acordo com as preferências do público, do fim das publicações em formatinho no Brasil, do arco Crise Final da DC Comics... mas não fala nada, ou fala bem por alto, do Superman! Não faz sentido.
A coisa melhora a partir do segundo artigo, Batman: as muitas e improváveis mortes do morcego, de Wanderley Pontes e Franco de Rosa. Neste artigo, os autores falam a respeito das muitas vezes em que o Batman morreu, ou foi dado como morto, nos quadrinhos.
Tem mais Batman no artigo seguinte, Batman Clássico: a frequente metamorfose do embuçado de capa, de Luiz Antônio Sampaio. Praticamente escrutinando toda a carreira do morcegão nos quadrinhos e no cinema, desde o surgimento até os dias atuais, da fase engraçadinha à fase soturna.
A seguir: Homem-Aranha: a estonteante saga de um jovem incompreendido, de Amanda Amaral e Franco de Rosa. O artigo disseca praticamente tudo a respeito do Amigão da Vizinhança: origem, fases marcantes, bastidores da criação, controvérsias a respeito da ideia do traje original.
Amaral e Rosa também são os autores do capítulo seguinte, Superuniverso: a evolução dos temas, poderes, moda e consumo. Uma história resumida do surgimento, da evolução e do sucesso dos super-heróis, com espaço para tratar dos trajes coloridos, do fetiche pelos trajes das super-heroínas, do cosplay, etc.
O artigo seguinte entrega, sim, o que promete no título. Superman Clássico: o último adeus do simpático astro pioneiro, de Wilson Costa de Souza, escrutina a carreira do Superman da era mais ingênua, desde seu surgimento até os anos 1980, indo até o “capítulo final” de Alan Moore (a saga O Que Aconteceu ao Homem de Aço?), publicado em 1986.
A seguir, O Fantasma: a tragetória (sic) do implacável espírito que anda, de Franco de Rosa, tratando da carreira do clássico personagem de Lee Falk, do surgimento até sua última passagem pelo cinema. Com um espacinho também para merchandising – falando a respeito de um dos últimos álbuns lançados no Brasil com histórias clássicas do personagem, o Sempre aos Domingos, da editora Opera Graphica – lembrem-se: Franco de Rosa foi editor dessa editora.
Em seguida, Quarteto Fantástico: a criativa gênese dos super-heróis Marvel, de Antero Leivas. Praticamente o básico sobre a carreira da superfamília, dos quadrinhos ao cinema, até o criticadíssimo filme mais recente.
A seguir, Besouro Verde: a voz do rádio que nasceu para brilhar, de Marcelo Shaun e Franco de Rosa. Talvez um dos artigos mais completos de todo o livro, falando da carreira do clássico herói sem poderes e seu ajudante oriental, Kato. Tudo entra: o programa de rádio, os quadrinhos, a passagem pela TV (e seu encontro com o Batman), o filme mais recente, os quadrinhos mais recentes.
Em seguida, X-Men: a reviravolta dos desprezados mutantes de Stan Lee, de Wlamir Augusto Silva, falando sobre, claro, os X-Men. Porém, parece a colagem de vários artigos a respeito dos personagens: tem um trecho falando exclusivamente do Wolverine, trechos falando dos filmes, trechos da carreira dos X-Men nos quadrinhos... bem confuso, mas não tanto quanto o primeiro artigo do livro.
Em seguimento, Arqueiro Verde: a maturidade e a ética do grande arqueiro, de Franco de Rosa e Norma Takeguma. Falando, certamente, da carreira do mais radicalista herói da DC Comics, do nascimento, da morte, da ressurreição, das passagens pela TV.
A seguir, Conan: o grande campeão dos gibis para adultos, de Franco de Rosa, sobre o clássico anti-herói dos pulps dos anos 1930, que tomou de assalto os quadrinhos nos anos 1970, cravou a espadadas seu espaço no cinema.
Em seguida, Brazucas: hora e vez dos patrióticos e engajados do Brasil, de Edison Balbino e Franco de Rosa, o artigo referente aos super-heróis brasileiros, e com arroubos de nacionalismo – aquele ufanismo quadrinhístico brasileiro hoje contestado, e que atualmente só serve para dar razão aos trolls de internet (também já cheguei a cair nesse papo...). O artigo fala de alguns heróis nacionais conhecidos e reconhecidos: Audaz o Demolidor, Capitão 7, Raio Negro, Escorpião, Pabeyma, Fikon, Flavo, Homem Microscópico, Judoka, Golden Guitar, Homem-Fera, os heróis de Rodolfo Zalla e Eugênio Colonnese (Mylar, Superargo, Escorpião 2).
No seguimento, Sidekick: eternamente jovens, espertos e ardilosos, de Franco de Rosa, sobre os ajudantes de super-heróis que ganharam vida própria. Dos mais conhecidos, como Robin, Ricardito, Bucky, Kid Flash, Aqualad e Rick Jones, até os menos conhecidos, como Sandy e Pinky, e, claro, falando da mais conhecida associação de parceiros de heróis, os Novos Titãs.
Rosa também é autor do capítulo seguinte, Superiores: o melhor do gênero para o meu gosto, eminentemente pessoal. O autor fala de suas preferências no gênero heroico, de histórias e artistas memoráveis, enfim, de sua formação enquanto leitor de quadrinhos. Tudo o que moldou seu caráter.
A seguir, Criação: as inspirações que geraram supervilões originais, de Valeria Veloso. Basicamente, curiosidades sobre as origens de supervilões conhecidos, com algumas peculiaridades bizarras. A origem de vilões como Coringa, Hera Venenosa, Kraven e Rei do Crime é meio manjada, inspirados a partir de personagens de filmes antigos. Mas vocês sabiam, por exemplo, que o Caveira Vermelha, inimigo do Capitão América, foi inspirado... em um sorvete?! E ainda tem R’as Al Ghul, Doutor Destino, Darkseid, Destruidor (das Tartarugas Ninja)... É o artigo que mais vale a pena.
Em seguida, Supervilões: Thanos e Darkseid, os megagêmeos do mal, de Adriano Coutinho, falando a respeito dos maiores vilões, respectivamente, da Marvel e da DC Comics. Praticamente, um cópia do outro.
A seguir, Cinema: a grande arena de combates da atualidade, de Antero Leivas, tratando das produções cinematográficas baseadas em quadrinhos, figuras reais e literárias, não só as dos super-heróis – das figurinhas manjadas até dos que não tínhamos ouvido falar ainda. Tem Homem de Ferro, Capitão América, Homem-Aranha, Deadpool (comprovando que o livro foi lançado este ano), Superman, Batman, Flash Gordon, Buck Rogers, Pimpinela Escarlate (não sei dizer se esse teve alguma versão para HQ), Zorro, El Santo (popular no México, e o cara nem é personagem de quadrinhos!), Spirit, Tarzan, Popeye, Asterix, Thor, Hulk, Demolidor, Fantasma e O Máskara (não sabia que ele surgiu nos quadrinhos?).
E, para encerrar, Contagem Regressiva: o evento que virou o universo DC pelo avesso, de Igor Cepetrani, sobre uma das últimas megassagas da DC Comics. Por falar de um evento específico – e, até o momento, não muito importante, embora alardeado como tal – é de se perguntar o que esse artigo faz no livro.
Se o livro, apesar dos aparentes defeitos, vale os R$ 39,90 que custa? Vocês, leitores, julgarão. Se houvesse mais divulgação de obras desse tipo na internet – e eu humildemente fiz minha parte, através deste depreciável blog – provavelmente haveria menos encalhe. Ou haveria mais, a julgar a qualidade de algumas publicações que continuamente tenho lido...
De todo modo, sabemos que Franco de Rosa, co-fundador das editoras Press, Mythos e Opera Graphica e roteirista de obras como a biografia em HQ de Chico Xavier, ainda está vivo, e trabalhando. A crise econômica não pode ser desculpa para deixarmos de ajudar um trabalhador da cultura pop brasileira. Não venham com essa de “ah, ele que arranje um emprego de verdade, invés de ficar gastando os royalties de seus livros e gibis em cachaça!”. Isso nem é verdade. Ao menos, eu acho que não é.

PARA ENCERRAR...
...uma homenagem tardia, passada uma semana do fato a que se refere.
No dia 19 de junho passado, um domingo, o Brasil perdeu mais um veterano dos quadrinhos nacionais. Faleceu, aos 86 anos, o argentino Rodolfo Zalla, que adotou o Brasil como pátria, e aqui dentro fez importantes trabalhos na área das HQ e das ilustrações – gibis de terror, faroeste, biografias, eróticos e quebrando o tabu de que quadrinhos e livros didáticos não combinam. Foi, até onde sei, Zalla quem incluiu quadrinhos nos livros didáticos usados nas escolas brasileiras, sabia?
A carreira desse argentino foi longa em nosso país. Longa e produtiva. Muita gente ainda cultua as HQ de terror que ele produziu, através de seu estúdio D-Arte. Em tempos recentes, até a revista Calafrio, carro-chefe da D-Arte, foi ressuscitada. Até documentário a carreira de Zalla ganhou (Ao Mestre com Carinho, de Márcio Baraldi)! Embora ele nunca tenha parado de desenhar quadrinhos, mesmo com a idade avançada, eu sou dos muitos que concordam que sua melhor fase era mesmo a da D-Arte, em termos de arte: os desenhos feitos apenas a lápis, em sua fase atual, praticamente descaracterizaram sua arte. Zalla era melhor com a arte-final a nanquim.
“Ara, mas mesmo depois que o homem morreu, tu não paras de criticá-lo?! Belo brasileiro que tu és, Rafael!”, alguns de vocês podem dizer. É só uma constatação de leitor de HQ. Principalmente levando em conta alguns de seus últimos trabalhos, como a biografia quadrinizada do Lula (Lula: Luís Inácio Brasileiro da Silva, com roteiro de Toni Rodrigues, Editora Sarandi, 2010), as duas HQs que ele desenhou do Blenq de Rod Gonzalez para os gibis da Júpiter 2 (em 2009 e 2011), e algumas HQ para coletâneas recentes, como Zumbis e outras Criaturas das Trevas, (Kalaco, 2012). Que diferença, por exemplo, de Chico Xavier em Quadrinhos, com roteiro de Franco de Rosa (Ediouro, 2010).
Bem. Desde que a notícia da morte de Zalla chegou às redes sociais – praticamente um dia após a morte do mexicano Rúben Aguirre, o Professor Girafales – fiquei na dúvida: devia fazer uma homenagem a Zalla, ou não? Uma postagem especial, ou não? Resolvi deixar passar, mas agora não dá mais para deixar passar. Pelo que vi, fora notas em blogs e sites de HQ, ninguém mais fez homenagens a Zalla, ainda que na forma de um cartum – ao menos, nenhum de meus conhecidos.
Resolvi fazer uma ilustração. Minimalista, e em preto e branco, que era a especialidade de Zalla. Em torno de seu túmulo, três de seus mais notórios personagens: o Escorpião 2, a versão reformulada de um super-herói brasileiro que Zalla e seu parceiro Colonnese salvaram do cancelamento por acusação de plágio; o Zumbi, Kid Pardier, o lutador de boxe morto-vivo que fez aparições nos gibis de terror da D-Arte; e Zora, a Mulher-Lobo, também presença constante nas HQs de terror da D-Arte (e que, em 2011, fez uma participação especial em uma das citadas HQs do Blenq).
Sei que não é muito, sei que vão dizer que foi só para me aparecer, mas é de coração.
Também já fui um nacionalista ferrenho, até ser esculachado pelas redes sociais por conta do que escrevi sobre HQs brasileiras neste blog. Também era um admirador de Rodolfo Zalla. E não posso escapar da obrigação natural de todo quadrinhista brasileiro, de deixar registrada uma homenagem.
Sentiremos sua falta, Zalla. Sinceramente.

Em breve, novos assuntos para tentar desviar da realidade.

Até mais!

Um comentário:

Quiof disse...

Esse livro repete mais uma daquelas teorias que algumas coisas foram criadas no Brasil, na verdade, Audaz, o demolidor foi a segunda história de robô gigante, a primeira foi feita em 1936 por Jerry Siegel e Joe Shuster, ele também podia ser pilotado.