sábado, 2 de julho de 2016

Livro: PRISIONEIROS DE VILA VELHA

Olá.
Hoje, trago a vocês um novo livro do escritor gaúcho Fidélis Dalcin Barbosa, autor o qual assumi um compromisso pessoal de resgatar e divulgar sua obra, que há anos nenhuma editora se interessou em reeditar. Resgatar antes que venha a apodrecer nas estantes empoeiradas das bibliotecas.
O livro de hoje é mais um da série “prisioneiros”. Não é bem uma série, mas a obra dele, composta por mais de 60 livros, inclui cinco romances com esse nome. Já falei de três: Prisioneiros dos Bugres (1966), O Prisioneiro da Montanha (1961) e Prisioneiros do Abismo (1976). Reparem que não estou seguindo a ordem de datas de publicação originais dos mesmos.
Então, hoje, falo de: PRISIONEIROS DE VILA VELHA.

PRISIONEIROS DE VILA VELHA foi lançado pela primeira vez em 1964, pela editora Lar Católico, de Juiz de Fora, MG. Devo avisar, inicialmente: este romance possui uma segunda versão.
PRISIONEIROS DE VILA VELHA alia várias das características presentes nas obras anteriores já resenhadas aqui: religiosidade (já que Fidélis Barbosa foi padre); didatismo (já que Fidélis Barbosa também foi professor); compromisso em divulgar aos leitores as atrações naturais da região Sul do Brasil (já que Fidélis Barbosa viveu em muitas cidades do Rio Grande do Sul). E mantendo, nesta obra, várias das características observadas em outros livros da série “prisioneiros”: os cenários das narrativas existem mesmo; em algum momento, os personagens principais acabam em uma situação limite, tendo de sobreviver com poucos recursos, em algum lugar de grandes encantos naturais, mas de acesso difícil ao homem; os personagens são fervorosamente religiosos, e confiam na providência divina – e esta, acaso ou não, não os abandona, aparece na forma de recursos providenciais, como alimentos que aparecem “de repente”; as histórias são, em grande parte, otimistas, e terminam em final feliz.
Um dos maiores diferenciais de PRISIONEIROS DE VILA VELHA é o cenário que muda um pouco: saímos da região serrana do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, e vamos mais para o norte. A história se passa quase que inteiramente no estado do Paraná.
A beleza natural escolhida da vez foi o parque estadual de Vila Velha – não confundir com a cidade de mesmo nome, localizada no estado do Espírito Santo. Esta Vila Velha do Paraná, localizada próxima ao município de Ponta Grossa, e a ele pertencente, é uma reserva natural famosa pelas formações rochosas. As grandes pedras de arenito existentes na região foram esculpidas, há milhares de anos, pelo vento, pelas chuvas e por outras intempéries, e, desse modo, assumem formas pitorescas e muito admiradas pelos visitantes. A mais famosa dessas formações é o “cálice”, justo o que ilustra a capa acima. Mas ainda tem outras formações, como a “cabeça de camelo”, a “proa do navio”, os “castelos medievais”, a “tartaruga”, a “bota”, a “cabeça do índio”... Além das formações rochosas curiosas, Vila Velha ainda tem duas grandes atrações aos seus visitantes: as furnas, um conjunto de grutas, desfiladeiros e nascentes de rios – em uma das furnas, fica as pitorescas rochas que “flutuam”, encostadas uma na outra, sempre dando a impressão de que, a qualquer momento, irão cair; e a Lagoa Dourada, o grande reservatório de água cujas águas ficam mesmo douradas conforme a posição do sol. O livro foi publicado dois anos antes de ser criado oficialmente o Parque, através de decreto governamental, mas possivelmente o local era muito procurado por turistas desde antes, e muito pesquisado pelos geólogos – Fidélis Barbosa se baseou em estudos desses geólogos para compor a narrativa.
A Vila Velha paranaense, a “cidade dos artistas”, como também é conhecida, também esconde lendas populares a respeito de fantasmas, tesouros enterrados por jesuítas e outras lendas. O aspecto místico, ao lado do aspecto científico, também é amplamente utilizado por Fidélis Barbosa para contar os sofrimentos de Sílvia e seu filho Paulinho.
Bão. A versão original da história é curta, de leitura rápida e bem simples. A edição da Editora Lar Católico, em formato de bolso, tem 96 páginas, numa história estruturada em 21 capítulos.
A jovem e bela Sílvia, filha de um hoteleiro catarinense, e que ajudava o pai a administrar o hotel localizado à margem da rodovia BR-2 (atual rodovia BR-116), no início da história, casara com Rafael, um caminhoneiro paranaense honrado e trabalhador que se apaixonara por ela. O casal passa a residir, após o casamento, em uma casa alugada em Curitiba, capital do Paraná, tem um filho, Paulo, e vivem felizes, até que, após três anos de casamento, Rafael acaba morrendo em um acidente de caminhão.
Sílvia fica desesperada com a morte do marido, já que tem o filho para sustentar. Ela passa algum tempo procurando trabalho e ouvindo recusas por causa do filho, até que ela é aceita para trabalhar na casa de Porfírio, um rico fazendeiro curitibano, mas extremamente avarento. De modo que Sílvia, pelos serviços domésticos prestados, recebia apenas comida e moradia, e é repreendida pelo patrão quando dá esmolas a mendigos. Mesmo assim, consegue criar o filho de modo que este cresce forte. A vida na casa de Porfírio seguia com alguma harmonia, até o dia em que, durante a ausência do patrão e sua família, a casa é assaltada. Como Sílvia dormia em um casebre nos fundos do lote, e o patrão não permitia empregados dormindo na casa, Sílvia não teve como impedir o roubo de grandes somas em dinheiro e objetos. Quando Porfírio volta, e vê o resultado do saque, ameaça matar Sílvia e o filho. A moça, já desesperada, resolve fugir enquanto o patrão vai dar parte à polícia. Com apenas uma mala com roupas, um resto de comida e uma Bíblia dentro, e o filho da tiracolo, Sílvia foge de Curitiba pela estrada de Ponta Grossa, de carona com um caminhoneiro. No meio da estrada, a moça e o filho desembarcam para se esconder no mato, certos que Porfírio, de alguma forma, os perseguiriam.
Depois de muito andar pelo mato, mãe e filho chegam aos arredores do parque de Vila Velha, que já contava com um grande movimento de turistas. Mas mal podem admirar alguma coisa: precisam ficar escondidos, pois entre os turistas pode estar o Sr. Porfírio.
À noite, Sílvia e Paulinho se abrigam em uma gruta – justo a das pedras suspensas – para passar a noite, tendo apenas roupas da mala como cobertor. E Sílvia acaba tendo um sonho: um índio, se apresentando como protetor de Vila Velha, local onde ninguém poderá estabelecer moradia – quem vier, admirará suas belezas e depois voltará para o lugar de onde veio. Mas, ciente de que Sílvia está, junto com seu filho, passando por sofrimentos, o “bugrinho” lhe faz uma revelação: se ela ficar três noites consecutivas no local, no quarto dia, aparecerá um anjo, que virá em seu auxílio e a conduzirá a uma cidade distante, onde a mulher encontraria um tesouro, se tornaria rainha e seu filho se tornaria príncipe herdeiro. Mesmo sem entender o significado do sonho, e mesmo sem acreditar nas palavras do “bugrinho”, Sílvia decide ficar os três dias no local, dependendo apenas da providência divina e da fé em Deus para ela e o filho sobreviverem, “prisioneiros” que estavam de Vila Velha.
O intenso movimento de turistas na “cidade dos artistas” faz ambos se esconderem no mato, perto de um córrego de água. Depois de algum tempo rezando e lendo uma Bíblia, Sílvia resolve mandar o filho, levando um troquinho de reserva, comprar alguma comida junto aos turistas – mas com alguma cautela: podia ser que seu Porfírio esteja entre eles, à sua procura.
Paulo acaba tendo sorte: perto do local onde os turistas fazem piquenique, ele encontra uma família de São Paulo, que, comovidos com a história que Paulo lhes conta, não apenas oferece ao menino um pouco de comida, como fazem um pacote para que ele leve à mãe – e sem cobrar nada. Sílvia mal consegue conter as lágrimas pela providência divina não a abandonar.
Após o almoço, o menino resolve voltar para visitar Vila Velha, mesmo tendo de deixar a mãe só, escondida, pelo medo do patrão. Paulo acaba se juntando a uma excursão de um colégio católico – alunas do Colégio Sacre Coeur de Marie, de Belo Horizonte, MG – e, em companhia das mocinhas, que se afeiçoaram ao menino e seu sofrimento, aprende, com as religiosas que acompanham as alunas, várias coisas a respeito de Vila Velha e seus "monumentos". Uma das irmãs da excursão faz a explicação científica dos fenômenos locais. E é possível que as tais alunas fossem conhecidas do próprio Fidélis Barbosa e tenham, em algum momento, pedido a ele para figurarem como personagens de algum livro dele, pois elas têm até o nome completo explicitado.
Após a visita, e de ganhar um pacote de comida das alunas, Paulo se despede, já saudoso das simpáticas meninas. E, à noite, Sílvia acaba tendo o mesmo sonho, com o "bugrinho".
No dia seguinte, Paulo volta a Vila Velha, deixando a mãe mais uma vez sozinha. Já está confiante, inclusive, para servir de cicerone – e é o que ele faz com um grupo de estudantes rapazes de Porto Alegre, colégio Nossa Senhora das Dores, apesar de estes já terem um caboclo, morador dos arredores, como guia. O caboclo chega a contar, inclusive, sobre um tesouro enterrado no local – as narrativas a respeito de fantasmas existentes no local se contrapõem à parte científica explicada pela irmã do Sacre Coeur no dia anterior, e acaba batendo, de certa forma, com o sonho de Sílvia – o que, posteriormente, após ouvir pela boca de Paulinho, dá à mulher mais confiança para acreditar na profecia do “bugrinho” de seu sonho.
Desta vez, o menino vai mais além: de carona com os estudantes em seu ônibus (com a autorização da mãe), Paulo visita a Lagoa Dourada, outra beleza natural dos arredores, e as Furnas que alimentam as águas da lagoa. E Paulo volta junto à mãe, em segurança.
Só no terceiro dia, pela manhã, Sílvia aceita visitar Vila Velha em companhia do filho, admirar os monumentos de pedra. E retorna ao esconderijo antes de começar o fluxo de turistas. Mas, nesse terceiro dia, Sílvia e Paulo acabam encontrando o "anjo": a menina Liane, de dez anos. Ela está no local em companhia do pai, Gabriel, um grande cafeicultor da cidade de Londrina, PR. Quando Paulo vai pedir comida junto aos turistas, encontra a menina, que, solitária desde a morte da mãe, se afeiçoa ao menino. E insiste não apenas para que o pai leve mãe e filho para Londrina, com eles, como os acolha em sua casa. No caminho, a família ainda aproveita para visitar a catedral de Nossa Senhora de Vila Velha, em Ponta Grossa, que fica no caminho.
Logo que é hospedada no palacete de Gabriel, Sílvia acaba despertando o ciúme de Rosa e Ângela, as duas criadas mulatas do cafeicultor, certas de que a mulher iria ficar na casa. Mas o patrão garante que ela só vai ficar por alguns dias, até arranjar um trabalho. Enquanto isso, Liane faz de Paulo um companheiro de brincadeiras.
Mas, assim que Gabriel consegue arranjar um serviço para Sílvia, ela e o filho tem de ir embora, o que acaba deixando Liane triste – já que alimentava a esperança de que Paulo se torne seu irmãozinho – e doente. Adoece gravemente, e, em delírios de febre, chama por Paulo e por Sílvia. No fim, o remédio foi buscar a mulher para ver a menina. Mas Sílvia acaba ficando um pouco mais: ela identifica a doença de Liane – varíola, uma doença grave, mas, felizmente, hoje já extinta – e, como já tratara do mesmo mal no filho, fica tratando da menina até ela sarar.
Mas não para por aí. Liane, restabelecida, pede ao pai que Sílvia se torne sua mãe. Gabriel já acreditava ter feito sua parte acolhendo Sílvia em Vila Velha, mas, para atender o desejo da filha, decide conquistar a humilde mulher – apesar de ainda estar preso à falecida esposa. Dá a Sílvia um vestido de presente, começa a sair com ela, testando a opinião pública. E, no fim, se apaixona pela agora elegante Sílvia (e é correspondido), e ambos acabam se casando, realizando assim a profecia do "bugrinho" – Sílvia se torna “rainha”, e Paulinho, o príncipe herdeiro. Mesmo levando uma vida agora regalada, Sílvia nunca deixa a fé de lado, e promove ações de caridade em agradecimento a Deus pela boa ventura.

A história é marcada pela intensa religiosidade, pelos acasos convenientes mais ao autor que aos personagens, da pieguice da narrativa (dê um desconto para o final da história), pelos muitos “buracos” existentes na história, os quais o leitor pode preencher com sua imaginação... e da necessidade de propagandear mais uma atração turística natural. Só por este objetivo, PRISIONEIROS DE VILA VELHA já se sustenta. Mas a história não ficaria ruim adaptada para um filme, ou mesmo na forma de uma minissérie televisiva.
Mas não fica por aí, senhores.
Tempos depois, o escritor lança uma nova edição do livro, revista e ampliada – a capa acima é da edição de 1994, publicada pela Tipografia Sananduva, de Sananduva, RS. De 21 capítulos, a história passa a ter 30. As ampliações incluem: novos capítulos iniciais, contando com mais detalhes a história do motorista Rafael, detalhando seu namoro com Sílvia no Hotel Paganella, com a plena aceitação das famílias de ambas as partes, dando sobrenome aos personagens - Rafael de Oliveira e Sílvia Paganella – e dando um jeito de incluir os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul na narrativa, incluindo os fatos da enchente do Passo do Socorro de agosto de 1965, que destruiu tanto a antiga ponte sobre o Rio Pelotas, entre Vacaria e Lages, como a ponte nova que fora construída ali próximo. Uma nova ponte seria inaugurada em 1966. Com relação à primeira edição, tais capítulos novos, dada a artificialidade dos diálogos entre os personagens, acaba soando supérfluos – a história já se sustentava com uma narrativa curta e “assim, por cima”, da vida do caminhoneiro Rafael, antes de sua morte.
As ampliações incluem ainda novos trechos enxertados, mas que não consertam os buracos existentes na primeira edição, como um provável destino para Porfírio, ou os motivos da afeição de Liane para com Paulinho. Mas tem, sim, algo que “agregou valor” ao conjunto: um novo capítulo final, mostrando o futuro de Paulinho e Liane – ambos fazem curso universitário, ele de geologia, ela de enfermagem - e ambos acabam se casando. Fidélis Barbosa ainda aproveita o ensejo para fazer um "merchandising" próprio, falando rapidamente de um de seus livros, o Prisioneiros do Abismo.
Oh, não: sem querer, acabei, nesta resenha, entregando o final do livro! Não, mentira, foi de propósito. Para falar das mudanças entre as edições, eu tive, sim, de fazer isso. Mas isso não tira dos meus 17 leitores uma obrigação em procurar e ler este livro. Merece a versão para cinema ou TV? Merece. É um bom guia para visitar Vila Velha, no Paraná? Sim. É o retrato de uma época que não volta mais? É.
E, vou repetir algo que disse antes: não me venham com a desculpa que a poeira de livros velhos lhes dá alergia. Visitem a biblioteca de sua cidade! Ao menos, até resolverem lançar uma versão deste livro para meios eletrônicos, o que hoje está muito em moda.

Para encerrar, claro que vamos, novamente, com minha HQ folhetinesca, O Açougueiro. Ainda não sei onde esta narrativa vai parar, já que ela está sendo construída aos poucos. Mas tenho tomado cuidado para evitar, ao máximo, as contradições com as páginas anteriores. E, até o momento, pela sondagem do meu Facebook, a história continua tendo bastante aceitação junto ao público.
Depois vou ver como farei para lançar a versão impressa da narrativa – o que muitos fãs já estão me pedindo. Por hora, continuem acompanhando por estes meios eletrônicos, o que está na moda.
Em breve, um novo livro de Fidélis Dalcin Barbosa para vocês.

Até mais!

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