quinta-feira, 21 de julho de 2016

Livro: OS FANÁTICOS DE JACOBINA

Olá.
Hoje, vamos outra vez falar de livro. Vamos outra vez falar de Fidélis Dalcin Barbosa. Vamos resgatar outra obra do escritor, professor e ex-padre gaúcho. E, ao mesmo tempo, vamos falar de um episódio polêmico e controverso da história do Rio Grande do Sul. Tão polêmico que poucos se dão ao trabalho de lembrar – apesar de seus fatos já terem sido duas vezes adaptados para o cinema. Triste saber que hoje em dia poucos são os que ligam para o cinema brasileiro, para a literatura brasileira, para a história brasileira...
Well. Hoje então vamos falar de OS FANÁTICOS DE JACOBINA (OS MUCKERS), possivelmente o livro mais curto de Frei Fidélis.

HISTÓRIA EM VERSÃO ECONÔMICA
OS FANÁTICOS DE JACOBINA (OS MUCKERS) teve um caminho diferenciado antes de ser lançado em livro. Começou como uma série em folhetim do jornal Correio Riograndense, de Caxias do Sul, RS, em 1970. Nesse ano, Fidélis Barbosa havia visitado o município de Sapiranga, RS, para escrever uma reportagem sobre o município fundado por imigrantes alemães e conhecido como “Capital das Rosas”, e teve contato com a história da Revolta dos Muckers (1868 – 1874), conflito provocado entre um movimento messiânico de imigrantes alemães e o exército brasileiro. Fidélis Barbosa teve oportunidade, inclusive, de conversar com descendentes de integrantes da seita dos Muckers.
Empolgado, Fidélis Barbosa começou a escrever sobre a Revolta dos Muckers em forma de folhetim para o citado Correio Riograndense. O trabalho contou, como fontes, com trabalhos dos historiadores Ambrósio Schupp, Leopoldo Petry e Klaus Becker. E, em 1976, os textos foram compilados em livro, pela editora EST (Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes), de Porto Alegre, RS, então dirigida pelo Frei Rovílio Costa. Mais adiante, na postagem, a capa de edição posterior da mesma obra.
O livro é possivelmente o mais curto, e o de leitura mais rápida do escritor: seus 43 capítulos são breves, e o livro todo tem 56 páginas, sem contar capa. É um “curso dinâmico” sobre o fato histórico em questão.

WILLKOMMEN AUF DEM HÜGEL FERRABRAZ (BEM-VINDOS AO MORRO DO FERRABRAZ)
Bem. A Revolta dos Muckers é o nome dado por convenção a uma série de revoltas ocorridas no Morro do Ferrabraz, em Sapiranga, na época distrito de São Leopoldo, e integrante da zona de imigração alemã do Vale dos Sinos. Ali, reunia-se a seita formada por Jacobina Maurer e seu marido João Jorge Maurer.
Jacobina Mentz, seu nome de solteira, era descendente de um colono alemão chegado ao Brasil em 1824, fundador da primeira capela evangélica da região de Novo Hamburgo. Desde a juventude, a moça, com suspeitas de portar algum problema mental, sofria de desmaios e sono letárgico que chegavam a durar 12 horas. Apesar disso, trabalhava nas lides domésticas e do campo.
Seu marido João Maurer era natural de São Sebastião do Caí. Inicialmente marceneiro e agricultor, quando precisou se mudar para o morro do Ferrabraz, João Maurer começou a trabalhar como curandeiro, tendo o auxílio da esposa. Como naquele tempo o local não dispunha de médicos, foi fácil para João Maurer fazer fama na região.
Como muitos dos colonos alemães da época eram analfabetos, saudosos da terra natal, não dispunham sequer de um padre para ministrar missas e se sentiam abandonados pelo governo brasileiro, dependendo apenas dos frutos de árduo trabalho para sobreviver – some-se a isso, ainda, a situação pela qual o Brasil passava durante a Guerra do Paraguai – foi ainda mais fácil para Jacobina convencê-los de que era uma reencarnação de Jesus Cristo e de sua fama de profetiza, e, assim, montar uma seita messiânica, que prometia uma “nova era” aos seguidores. Jacobina ainda era semialfabetizada e interpretava a Bíblia a seu modo, mas conseguiu convencer muitos colonos a se juntarem à seita – foi fundamental para isso a ajuda do marido João Maurer e de João Jorge Klein, cunhado de Jacobina, que difundiram a nova doutrina. Os seguidores de Jacobina ficaram conhecidos como muckers, que, em alemão, significa fanático, falso santo. Todos eram de origem alemã, entre colonos recém-chegados e descendentes de alemães nascidos no Brasil, e era em alemão que os muckers celebravam seus cultos.
O fato determinante para o prestígio da nova seita foi um “milagre” ocorrido em 19 de maio de 1872, dia de Pentecostes, quando Jacobina, deitada em sua cama, aparentemente desapareceu, deixando apenas as roupas, e tornou a reaparecer, vestida de branco. Os presentes tomaram o suposto fato como milagre, e passaram a seguir Jacobina fervorosamente, apesar de esta passar a ditar leis estranhas aos fieis, como determinar que os membros da seita tirassem os filhos das escolas, parassem de frequentar as igrejas católicas e que os maridos ou esposas muckers se divorciem dos cônjuges que se recusassem a seguir a nova religião. Além disso, ela formou um grupo de doze apóstolos, entre conhecidos e familiares – que muitos dizem que eram, na verdade, seus amantes.
Como muitos seguidores de Jacobina já começaram a se retirar da seita ao se sentirem enganados, a profetiza, sob orientação de seus seguidores, passou a ordenar a perseguição aos “ímpios”, visando batalhas sangrentas.
A primeira tentativa de coibir a seita dos muckers foi um abaixo-assinado entregue ao delegado de polícia de São Leopoldo. Ela foi elaborada por Filipe Sehn, cujo objetivo é tentar tirar o irmão, João Sehn, da seita, e pelo professor Weiss. Pouco depois é que foram enviados homens para o morro do Ferrabraz; inicialmente, prendem João Maurer, que foi levado para Porto Alegre; Jacobina conseguiu ficar no Ferrabraz, sob proteção dos fiéis. Dias depois é que Jacobina é presa, mas precisam levar a mulher, que se encontrava em um de seus acessos de sono letárgico, com colchão e tudo – ela acorda na delegacia de São Leopoldo. Ela também acaba conduzida para Porto Alegre. Enquanto isso, os muckers tentam celebrar a festa de Pentecostes, mas são dispersados por policiais. Os muckers, de muitas maneiras, criam problemas para os policiais.
Pouco depois, o casal Maurer retorna ao Ferrabraz – eles acabam soltos por falta de provas – e são recebidos festivamente pelos membros da seita. Sob orientação de Jacobina, os muckers, sabedores que a polícia continuava de olho na seita, constroem uma “fortaleza” anexa à casa dos Maurer, e adquirem muitas armas para defesa. A polícia faz mais algumas “visitas” ao morro do Ferrabraz, e prendem membros da seita – entre os presos, João Maurer acaba levado novamente, enquanto Jacobina fica solta. Pouco depois, aproveitando a ausência do marido, Jacobina se separa de João Maurer, e se “casa” com João Klein, seguindo sua própria “lei”.
E é nesse ponto que os muckers começam a atacar autoridades e colonos que não abraçaram a seita. O auge da loucura foi quando os muckers começaram a incendiar casas e a matar familiares de opositores – não escaparam nem mulheres e nem crianças, sequer parentes. Entre as vítimas dos muckers, estavam as famílias do ex-seguidor Martinho Kassel, primo de Cristiano Kassel, um dos “doze apóstolos”; a família de Carlos Brenner, cujos filhos são cruelmente assassinados antes da casa ser incendiada; nem mesmo parentes de Jacobina ficaram ilesos. A sanha assassina dos muckers estendeu-se até a picada de Dois Irmãos, hoje cidade.
Em princípio, o Governo Federal não fez nada para coibir a seita, limitando-se apenas a substituir o chefe da Polícia de São Leopoldo – apesar de os colonos terem encaminhado ao Presidente da Província uma petição com mais de duas mil assinaturas pedindo a expulsão dos muckers da região. Os próprios muckers também encaminharam uma embaixada ao Imperador Pedro II pedindo proteção contra a ação da polícia. Nenhuma das partes queixosas foi beneficiada pelas autoridades. Só quando as coisas começaram a sair do controle é que foi organizado um exército para conter o conflito no Ferrabraz.
Foram necessárias três expedições militares, vindas de Porto Alegre, para dar cabo da seita de Jacobina. A primeira, realizada entre 28 de junho e 18 de julho de 1874, resultou na destruição da fortaleza dos muckers e na morte de alguns seguidores, mas sem conseguir prender seus líderes, que refugiaram-se em cabanas perto de uma fonte de água. Essa primeira expedição foi chefiada pelo coronel Genuíno Olímpio Sampaio, nordestino veterano de outras revoltas militares, comandando, entre seus homens, diversos veteranos da Guerra do Paraguai. Mas, em 20 de julho, o coronel Sampaio, que já estava declarando vitória, acaba recebendo um tiro acidental de um de seus soldados, vindo a falecer por falta de tratamento médico. E a expedição do dia seguinte, comandada pelo coronel Augusto César da Silva, acaba malograda pelos muckers. As sucessivas derrotas já estavam mexendo com os ânimos dos militares.
A terceira expedição, comandada pelo capitão Francisco Clementino Santiago Dantas, que substituiu Augusto César, tem melhor resultado: atacam o esconderijo de Jacobina no dia 2 de agosto e conseguem dar cabo de vários líderes da seita – entre estes, Jacobina Maurer. Tal expedição foi possível por conta da traição do mucker Carlos Luppa, que deserta da seita e passa a auxiliar a polícia. Vários muckers sobreviventes são presos, mas, depois, liberados, e se dispersam para outras localidades, como Linha Pirajá, perto de Nova Petrópolis, e Terra dos Bastos, próximo a Lajeado. Os remanescentes da seita são perseguidos nos anos seguintes. João Maurer foi encontrado morto enforcado. E os últimos muckers perecem em 1903.
Esses episódios de violência e messianismo foram determinantes para que, até hoje, a Revolta dos Muckers se tornasse um tabu entre os descendentes dos personagens dessa história. Mas a saga de Jacobina Maurer contribuiu para atrair turistas e historiadores para Sapiranga – até hoje, são locais de visitação: o monumento ao Coronel Sampaio e a cruz que marca o local onde Jacobina pereceu, integrantes do roteiro conhecido como Caminhos de Jacobina – e rendeu filmes e romances.
A primeira obra artística sobre o tema foi o filme Os Muckers (1978), produção teuto-brasileira dirigida pelo brasileiro Jorge Bodanzky e pelo alemão Wolf Gauer, que contava, em seu elenco, com vários descendentes de muckers, e com a atriz Marlize Saueressig como Jacobina. Esse filme ganhou o troféu Kikito de Melhor Atriz do Festival de Cinema de Gramado, RS.
Em 1990, o escritor gaúcho Luís Antônio de Assis Brasil retrata o episódio em seu romance Videiras de Cristal; e, em 2002, o diretor brasileiro Fábio Barreto adapta o romance de Assis Brasil sob o título A Paixão de Jacobina, com a atriz Letícia Spiller interpretando Jacobina Maurer. Os locais que serviram de locação para o filme também integram os Caminhos de Jacobina.

CONTROVÉRSIAS
Alguns historiadores defendem um lado “social” do episódio do Ferrabraz. Tal como foi com a Guerra de Canudos na Bahia, ou com a Guerra do Contestado, em Santa Catarina e Paraná (apesar de esses eventos serem muito posteriores ao fato em questão) a Revolta dos Muckers, na interpretação de historiadores marxistas, teria sido uma resposta dos colonos ao descaso do governo e ao autoritarismo das forças policiais, levando-os a se juntar em torno de líderes messiânicos, como foi, logo, com Jacobina Maurer.
Como bom católico, e portando se opondo a maneiras “alternativas” de louvar a Deus que não as religiões oficiais, Fidélis Barbosa, em OS FANÁTICOS DE JACOBINA, retrata os muckers, e principalmente Jacobina, como vilões, fanáticos e perversos. Como não se sensibilizar, por exemplo, com as cenas dos ataques dos muckers às casas de opositores, matando seus familiares a tiros, coronhadas ou carbonizando as vítimas junto com as casas?
Narrando a história em um estilo compreensível ao leitor em geral, de forma linear, Fidélis Barbosa, conduz a história com inserções de diálogos e didatismo, sem o uso de análise psicológica dos personagens – ou melhor, narrando a história diretamente, sem perder muito tempo com explicações. Por isso o romance é bem curto, e praticamente é um “curso” sobre a Revolta dos Muckers. Fidélis Barbosa escreveu como um professor, citando à larga nomes dos envolvidos, datas e ações. É possível, graças à diagramação do livro, praticamente saber onde começam e terminam os capítulos publicados no Correio Vacariense, apesar de tais capítulos terem sido divididos em subtítulos, resultando em 43 capítulos.
Mas dá a entender que a Revolta dos Muckers foi fruto dos delírios messiânicos de uma mulher doente. Talvez seja. Mas, como historiador que sou, pretendo, em breve, trazer aos leitores alguns livros mais com a “segunda versão” dos fatos. Aguardem.
Facilmente encontrável em bibliotecas, OS FANÁTICOS DE JACOBINA reafirma o lado historiador de Fidélis Barbosa. Não tão extenso como seus livros posteriores onde conta histórias de cidades, mas vale uma olhada. E não venham com a desculpa da poeira dos livros dar-lhes alergia, já avisei aos meus 17 leitores! Enquanto este livro não for disponibilizado em versão e-book, é o que temos, a versão em papel.

PARA ENCERRAR...
...O Açougueiro, minha HQ folhetinesca, é claro! Aí vai mais um capítulo desta reinvenção de um crime ocorrido no século XIX em Porto Alegre. E, mais uma vez, inserindo sexo nesta obra repleta de mundanismo.
Ultimamente, ando mergulhado no passado como forma de me evadir desse presente cada dia mais irracional. Hei de me firmar como pedra de resistência ao novo Febeapá (Festival de Besteiras que Assola o País, na expressão do saudoso Stanislaw Ponte Preta), que desta vez está sendo conduzido – creio eu – mais pelo povo que pelo governo.
Em breve, um novo livro de Fidélis Dalcin Barbosa para vocês. Para onde será que vamos? Que tempo e que cidade do Rio Grande do Sul? Aguardem!

Até mais!

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