Hoje, domingo, e desta vez é no dia certo: quase 15 dias após o último capítulo, entra no ar mais um capítulo de meu folhetim ilustrado, MACÁRIO. E é visível a empolgação do autor, já que, a cada capítulo, aumenta a quantidade de texto e de ilustrações... E a história vai ficando cada vez mais "pesada"...
ATENÇÃO: leitura terminantemente não recomendada, até mesmo proibida, para menores de 18 anos. Contém cenas de nudez, sexo, muito sexo, mutilação, maus-tratos a crianças, ciúme e violência.
Mais uma vez, perto da hora do sol nascer, de
um dia útil da semana, e quando a grande maioria das pessoas saía de suas camas
para cumprir obrigações, em cima da minha cama, uma cena tão comum em meu
cotidiano, e que já começava a se tornar rotina: um garoto e uma garota, ambos
não comprometidos, sozinhos e nus, em um apartamento de solteiro, sobre uma
cama de solteiro, fazendo... aquilo que um garoto e uma garota, não comprometidos,
sozinhos e nus, fazem.
Geórgia gemia e se contorcia de prazer em
meus braços, esquecida do pé machucado, do cotovelo ralado, dos machucados no
corpo e no coração.
Ela estava feliz em ter achado um ombro em
que se apoiar.
Eu estava feliz só em ter uma garota nos
braços...
Há um dia, eu estava frustrado. No outro, eu
estava feliz.
Há um dia, eu tive apenas um sonho erótico
inacreditavelmente bom.
No outro, eu tinha uma garota linda em meus
braços novamente. Uma garota que eu já conhecia, que já me conhecia, e que,
portanto, voltou aos meus braços sem medo.
Tínhamos muito em comum naquela madrugada.
Geórgia estava na fossa, abandonada pelos
homens, trancada fora de casa, prestes a vender o corpo por um abrigo e prestes
a virar ração de cachorro. Foi quando a salvei dos cães demoníacos, pelo menos
isso.
Eu estava na fossa porque ultimamente não
conseguia mais distinguir sonho de realidade. “Monstros” frequentando o bar
onde trabalho, garotas de uma hora para outra me procurando, sonhos eróticos
que terminavam em pesadelos, e pesadelos em que eu acabava morto no fim... E
ninguém para me explicar o que estava acontecendo, pelo menos de uma forma
coerente.
Ambos conseguimos nos curar, momentaneamente.
Bastou apenas algumas horas de sexo, puro e bem aplicado sexo.
- Aah, Macário, não para, aahhh... me come...
– ela gemia e gritava enquanto eu a penetrava. E lá se ia minha última caixa de
camisinhas da semana. Preciso adquirir mais...
- Geórgia... hummm... – eu ia falando,
enquanto beijava todo seu corpo. – Como é possível que uma garota quente como
você não esteja dando sorte com os homens?! Hummm...
- Aah, Macário, me come feito um louco...
- É uma m(...)! Você tem um corpo tão
lindo... esses seios... essa bunda... essa pinta no olho tão sexy... como
ninguém te quer? Ooh... Que bando de cretinos, de cegos... Vão morrer de
masturbação, aaahh...
As palavras certas, que deixavam a garota mais
doidona e receptiva.
- Eu sou tão infeliz... Oooh, por que eu sou
tão infeliz? Hummmm... Não para, NÃO PARA, bicho malvadinho... Me f(...)... bem
gostoso... gostoso... gostoooooso... Aaahhhh... Me mostra o quanto você é
melhor que aqueles cretinos... Aaahhhhh... Me faz feliz esta noite, hummm...
- Você sabe como agradar um homem... Por que
ninguém acredita em você? Oohhh...
- Meu macho... Aah... goza, meu macho...
quantas vezes quiser... aaahhhh...
E ela gozou junto comigo.
- Aaaaahhhhh... aaaahhhh... aaahhh... aahh...
ah... ah. Ah.
E, com uma troca profunda de palavras
sensuais e sujas, o amanhecer pegou a mim e a Geórgia, nus, na maior
sem-vergonhice. Até que, exaustos, ambos caímos na cama.
- Hmm... seu filho da p(...) gostoso...
- Sua p(...) infeliz...
- Sou mesmo... sou mesmo uma p(...), mas agora
não estou infeliz, não... você que continua sendo um filho da p(...)...
- Mamãe...
E adormeci, satisfeito.
Mas acabei acordando no que pareceu ter sido
apenas uma ou duas horas de sono...
Por quanto tempo dormimos, até eu sentir uma
mão fria me pegando pelo braço e me puxando para fora da cama?
Abri os olhos: o vulto de novo! O vampiro!
Ah, não, é hoje que eu consigo ver o rosto do
canalha!
Mas, antes que eu conseguisse fazer algo, ele
socou os meus dois olhos, e eu mal conseguia enxergar nada. Gritei de dor. Ele
arrancou meus olhos? Não, só socou... eu estava enxergando, mas muito mal. E
ele falava:
- Só no bem-bom, não é, Macário de uma figa? Canalha!...
E como fica a Âmbar, hein?
- O que... o que você... – balbuciei,
acudindo os olhos doloridos. – O que você sabe, seu filho da...
E cala minha boca com um tabefe no meu rosto.
- Vou contar tudo para o Mc Claus. Pode
esperar aqui... Ah, ah...
Consegui abrir parcialmente os olhos. Mas só
para ver o vulto se afastando pela porta, a ponta de sua capa sumindo. Tentei
me arrastar para ver se eu o pegava, mas uma mão pesada agarrou meu pescoço por
trás, e me ergueu. Pelo rabo do olho, eu pude ver: era o Mc Claus, que estava
pinçando seus dedos enormes, de uma só mão, ao redor de meu pescoço... E
apertando a ponto de quebrar meu pescoçoooo...
E sua aparência era terrível. Seu sorriso era
doentio, e ele parecia um enorme ogro, com dentes afiados.
Mas não era só isso: com a outra mão, o gordo
começou a estrangular também a Geórgia! Ela se debatia, e Mc Claus aparentava
uma horrenda tranquilidade de açougueiro a retalhar um boi recém morto.
- Mah... cah... ioh... soh... coh… hoh… -
balbuciava Geórgia, com dificuldade para respirar, a cabeça já roxa, ameaçando
estourar por conta da pressão no pescoço...
- Não... – foi minha vez de balbuciar, com o
restante do ar que me sobrava. – Solta ela... Ela não tem nada a ver com
isso... soh... tah... éh... ah...
- Vai aprender a não fazer minha mina
infeliz, seu sedutor de meia pataca... – foi o que Mc Claus falou, com um
sorriso maníaco. – E a mina aí vai junto, sim...
E, com um só apertão nos nossos pescoços, o
gordo fez nossas cabeças estouraaaaaahhhhh...
Acordo com um novo susto.
Outro pesadelo!!!
Minha cabeça estava inteira! A da Geórgia,
que acordara também assustada, também estava intacta! Eu estava no meu quarto!
E o Mc Claus não estava ali! E o apanhador de sonhos estava no meu pescoço!
- Macário?!
- G... Geórgia...
- Aah, Macário!!! – Ela se abraçou a mim. –
Eu... eu tive um pesadelo!
- Você?!
- Eu sonhei que um monstro estava me
estrangulando... e estava estrangulando você também... com uma só mão... era um
monstro terrível, psicopata!... Aah, Macário!!
E chora em meu peito.
Fico assustado.
Como é que é? A Geórgia teve o mesmo pesadelo
que eu?! Ou ela simplesmente partilhou o sonho ruim comigo?!
Isso não havia acontecido com a Maura, com a
Loreta, ou com a Créssida, quando dormimos juntos... ou será que aconteceu, e
elas não puderam, ou quiseram contar?
Isso tudo estava saindo do controle...
O despertador marcava três da tarde quando
despertei do pesadelo. Geórgia e eu despertamos de um pesadelo partilhado. E
acho que estávamos vivos unicamente porque eu esqueci que estava usando o
apanhador de sonhos do pajé Mateus enquanto transávamos.
Seriam esses pesadelos simples avisos? Ou
parte de uma trama maior? Lembro que Âmbar, na noite anterior, havia falado
algo sobre “os planos de Luce para mim”. Com que tipo de gente eu estava
lidando, afinal? Nos sonhos, Âmbar havia se transformado em uma louva-deusa, Mc
Claus em um ogro... Mas e o vulto? Droga, acho que vou ter de ser torturado
mais algumas noites até descobrir a identidade do canalha que chupou meu sangue
e agora está me torturando nos sonhos, com violência, sexo e... Só pode ter
sido o mesmo canalha que chupou meu sangue que plantou em minha cabeça esses...
- Macário? No que está pensando?
A voz de Geórgia me tirou de meus devaneios.
Eu estava sentado no sofá da sala, totalmente vestido, calça, camiseta, pantufa
nos pés; Geórgia saiu do banho, descalça, uma toalha enrolada no corpo. Sua
roupa, já lavada, estava secando no varal, e deve secar rápido, o dia estava
quente. O cabelo negro, curto e revolto, uma verdadeira juba, praticamente
indomável, mesmo molhado – imagine se ela ainda os deixasse compridos. Os
curativos em seu corpo ficaram úmidos, mas não descolaram. A maioria dos
machucados já estava mais ou menos cicatrizada – a preocupação maior era com o
pé ferido.
- Oh, Geórgia. Já saiu do banho?
- Que você está tão pensativo, Macário? –
perguntou, removendo do pé o saco plástico, uma proteção improvisada para o
curativo, mas que não impediu que a atadura se molhasse. Vamos precisar trocar.
- Só achando esquisito que você tenha tido o
mesmo pesadelo que eu tive.
- É, por que será, hein?
Ela se senta ao meu lado, e parecia bem
tranquila, mesmo depois de despertar de um pesadelo. Ela talvez preferisse
tratar toda a noite passada como um pesadelo, digo, até o momento em que eu
cheguei.
- Ih, parece que a atadura no meu pé molhou,
Macário... O plástico não adiantou nada...
- Espere, eu troco.
Eu levanto, e procedo para trocar a atadura
em seu pé. Quem vê a cena, poderia pensar, em um primeiro momento, que eu
estava jogado aos pés da garota, beijando-os, tal o posicionamento: eu, de
joelhos no chão, e correndo o “risco” de acabar vendo a b(...) da garota sob a
toalha, enquanto desenrolava a atadura molhada, passava um pouco mais de
mertiolate no buraquinho onde provavelmente havia se espetado uma pedra
pontiaguda, e depois enrolava uma atadura seca. Tudo como uma carícia. Dizem
que o pé feminino também encanta, e os pés daquela garota eram bonitos, não
mereciam ter sido maltratados daquela maneira na noite anterior – Geórgia
perdeu os sapatos enquanto fugia dos cães, teve de correr só de meias, e ainda
pisou na pedra pontiaguda, ou o que quer que seja, ferindo o pé. Espero que ela
já tenha tomado a última dose da vacina contra o tétano. E Geórgia, com o
pezinho erguido, sorria, com um olhar de quem estava encarando isso como um
fetiche, não como um cuidado médico. Não deve ser a primeira vez que ela tinha
o seu pé tratado por um homem...
- Macário... – ela falou, enquanto eu ia
tratando da atadura. – Bem, apesar de o nosso despertar não ter sido dos
melhores, a noite foi legal. Você estava em ótima forma. Obrigada por tudo.
- Que é isso, Geórgia. Não sei quem estava
mais precisado de uma “sexoterapia”, você ou eu. Você esteve bem quente...
- Pena que isso só sirva como um paliativo
para as atribulações da vida. Quer dizer, contigo, Macário... foi a melhor
noite que tive. As suas “palavras doces” me excitaram tanto... vem cá... – ela move
o pé e passa o dedão no meu queixo, enquanto perguntava: – Eu continuo linda?
Eu sou a garota mais linda com quem você já deitou?
- Sinceramente – respondi, com um pouco de má
vontade – você é uma das mais lindas.
Sem ofensa.
- Teve outras melhores do que eu?! – ela
pareceu indignada.
- O problema é que eu não sei se a melhor de
todas era real ou apenas sonho. – ela fez beiço, mas rapidamente emendei: –
Desculpe, Geórgia, é que tem acontecido coisas muito estranhas ultimamente. Sinto
que minha cabeça está virando geleia. Fui assaltado, agredido, mordido, ando
trabalhando feito uma mula, atendo uns clientes muito esquisitos... E... Acho
que está fora de cogitação que a gente comece a... hum... namorar. Digo, se
você se importa...
- Não, eu nem me importo. – falou, puxando o
pé já tratado para junto do corpo, abraçando as pernas e me olhando por entre
os joelhos. – Digo, eu também ando meio fechada para uma relação, hum... entre
nós dois. Apesar de tudo, estudo, trabalho, preocupações e etcétera, você ainda
deve ter uma porção de garotas na fila, e você ainda tem de satisfazê-las,
afinal... elas até deixaram calcinhas aqui...
- Cal...
- Aah, desculpe, Macário... – ela ruborizou.
– Eu dei uma mexida numa gaveta do seu roupeiro, eu vi uma coisa saindo para
fora da gaveta, uma alça de renda, e encontrei suas “lembrancinhas”... – ela
riu sem jeito. – Para você, que evidentemente não é “viado”, para ter cinco
calcinhas na gaveta, e ainda por cima daquelas bem “safadinhas”... só se fossem
apenas lembrancinhas das suas mulheres, não é?
Da próxima vez tenho de ajeitar melhor a
minha “coleção” dentro da gaveta, não simplesmente jogar as calcinhas de
qualquer jeito antes de fechá-la...
- Mas juro que só comecei a colecionar agora.
– falei, já me sentando ao seu lado no sofá. – Além disso, foram elas que “esqueceram”
suas calcinhas aqui...
- Então acho que vou “esquecer” a minha aqui
também...
- Hum... Tem certeza? Você veio de minissaia,
e teve de jogar fora a meia-calça...
- Bem, essa é a menor de minhas preocupações.
A preocupação maior é como eu vou entrar em casa, já que minha bolsa foi
roubada, com a chave de casa dentro, e, como eu devo ter dito, minha colega de
quarto foi viajar...
- E a tua aula? E o teu trabalho?
- Ah, já perdi um dia de trabalho e de aula,
mesmo. Eu trabalho meio período à tarde, minha aula é de manhã. Meio que tirei
um dia de folga na sua casa, hein? Ah, ah... Amanhã eu posso dar uma desculpa,
sempre posso dar uma desculpa. Mas eu bem que gostaria de poder encontrar a
minha bolsa... Sem minhas coisinhas, eu fico desnorteada, perdida...
- Pô, por que você não falou isso antes, do
teu trabalho, do teu estudo?
De repente, ouço a porta batendo, antes que
ela desse alguma resposta.
Vou atender, e até abandono as pantufas na
pressa, já temendo que fosse alguma garota vindo me procurar. Como vou explicar
se ela entrar e der de cara com uma garota com uma toalha enrolada no corpo? Na
melhor das hipóteses, podem ser meus pais... ou o síndico do prédio... ou o
correio... ou...
Abro a porta. E não havia ninguém.
Ué?!
Mas aí olho para baixo: havia um pacote
retangular e uma bolsa de couro volumosa no chão do corredor. Levo ambos para dentro.
- E aí, Macário, quem...? – Geórgia já ia
perguntar, mas aí exclamou, surpresa: – Ei! É a minha bolsa!!!
- Essa bolsa é sua?!
Ela arrancou a bolsa das minhas mãos. Tão
contente estava que nem se importou de a toalha ter caído do corpo. Nua, diante
de um homem que cobria parcialmente os olhos, Geórgia apertava a bolsa contra
si.
- Ahahah, mas que sorte... como souberam que
eu estava aqui? Quem terá devolvido minha bolsa?! Ahahah...
Deixei-a rindo histérica e alegremente, e
remexendo na bolsa, conferindo se estava tudo ali dentro, sem se importar de
estar pelada diante de um homem. Eu mesmo não faço ideia de como a bolsa dela
havia ido parar na porta de meu apartamento. Mas ela tinha sido roubada por um
pivete, não? Será que quem conseguira recuperar a bolsa seguiu a gente desde
aquele beco? Mas por que esperou, então, até a tarde para deixar a bolsa aqui?
Bem, quem quer que tenha sido, deixou ainda
aquele pacote retangular, totalmente embrulhado em papel pardo. Em cima estava
escrito meu nome: “para Macário”. Mais nada. Não havia nem selo de correio,
então, quem entregou, o fez pessoalmente, sem intermediário.
- Olha só, Macário! – Geórgia, radiante,
chamou minha atenção. – Quem achou minha bolsa também achou os meus sapatos!
Olha!
E tirou da bolsa um par de sapatos de
plataforma. Por isso a bolsa estava volumosa.
- É, Geórgia, parece que seu anjo da guarda
resolveu agir. Alguém deve ter te seguido com o olhar desde que você saiu de
casa, e...
- Olha só! As chaves de casa! Eu posso entrar
em casa! – Geórgia até chorava, apertando o molho de chaves contra a testa. – E...
oh, nossa, o ladrão nem mexeu no dinheiro! – deu mais uma remexida na bolsa. – Parece
que está tudo aqui... meus documentos, minha cartelinha de pílulas, minhas
balas, e... o que é isto? Isto aqui não é meu...
De dentro da bolsa, tirou uma caixinha
quadrada, de joalheiro.
- Uau, até um presente o anjo da guarda
deixou pra você... – me impressionei.
- Uau, nossa! Certamente é um colar ou um
relógio! Queria agora saber quem é esse “anjo”... Será que é homem? Será que ele
é bonito? Será que ele... AIEEERRRRGH!!!
Geórgia abriu a caixinha, e deu um salto para
trás, subindo em cima do sofá, encolhida.
- Que é isso, meu?! Que p(...) é essa?!
Até eu me assustei.
Na caixinha, havia uma ORELHA humana.
Autêntica: tinha até sangue.
Peguei na caixinha. Analisei, com a calma de
um estudante de medicina, já habituado às aulas de anatomia. Era autêntica. Uma
orelha de uma pessoa de pele negra. Pelo tamanho, era de um adolescente. Parecia
decepada recentemente. Dentro da caixa, ainda havia um papel dobrado. Era um
bilhete, escrito em uma letra desajeitada, como se o autor tivesse dificuldade
para segurar a caneta:
“Moça: considere-se vingada da desgraça que te
aconteceu. Espero vê-la mais tarde. Seu salvador. P.S.: Você vai me encontrar.”
- Puxa... – sussurrei.
- Mas que p(...) é essa. Macário?! – Geórgia
tremia de medo.
- Não tenho muita certeza – falei, com alguma
calma – mas parece que o seu “anjo da guarda” também é um vingador. Essa orelha
deve ser do pivete que pegou sua bolsa e...
- Ah, não... isso era mesmo necessário?! –
Geórgia, ainda encolhida em cima do sofá, estava indignada. – Quem quer que
seja o meu “admirador secreto”, não gostei nada dessa “prova de amor”!
- Só espero que o cara não tenha matado o
pivete. Ok, era um pivete, e ele fez errado em roubar sua bolsa, mas, ter a
orelha arrancada e oferecida de presente... Reconhecidamente o cara tem muito
mau gosto.
- Joga isso fora, Macário... não quero uma
orelha de presente!
- Não quer mesmo?
- Não quero!!! E não me mostra isso, aaai!!!
- Está bem, eu fico com isso. – disse,
fechando a caixinha. – Pode ser útil pra mim...
- Útil, Macário?! Para quê?!
- Se esqueceu que eu sou estudante de
medicina? – respondi, sorrindo. – Partes de corpo fazem parte de meu
cotidiano... De repente pode ser útil para mim. Podem pedir na aula...
- Como você pode se manter calmo diante
dessa... dessa... bizarrice, Macário?! Pombas!!!
Acho que eu estava exagerando no meu humor
mórbido. Coloquei a caixinha de lado. Espero que a gritaria não tenha chamado a
atenção dos vizinhos. Geórgia já estava mais ou menos recuperada do susto, mas
eu conseguia ouvir seu coração acelerado. Ela sentou no sofá para aliviar o
bambear das pernas. Ainda que fosse apenas uma orelha decepada, o susto foi
enorme para ela. Imagina se tivesse sido uma parte mais carnosa, como um dedo,
um pênis, ou um coração...
- O que foi que chegou para você, Macário? –
ela perguntou, secamente, assim que se acalmou. – Essa caixa é pra você, né?
Ah, eu estava esquecendo a caixa com meu
nome! Com certo receio – teriam enviado uma parte de corpo para mim também?! –
desembrulhei o pacote. E arregalei os olhos quando abri a caixa...
Era um TELEFONE CELULAR, novinho! Até Geórgia
arregalou o olho.
- Uau mesmo...
- E olha, é daqueles de última geração! Bem
moderno!
- Puxa vida... – foi o que consegui dizer, de
novo.
Eu estava assustado. Quem quer que tenha
sido, como sabia que eu estava precisando de um novo telefone celular, visto
que o meu foi destruído naquele assalto, na vez em que me sacrifiquei para
salvar o pajé Mateus?! Não... não pode ter sido ele... O pajé Mateus não teria
recursos para adquirir um celular, só para me dar de presente. Ainda mais
aquele, que pelo jeito era caríssimo. E sequer trocamos endereços. Então, não
foi o pajé Mateus. Também não poderiam ter sido meus pais, os únicos cientes da
perda de meu celular. Um modelo daqueles seria muito para quem ainda custeia a
faculdade do filho. Também não poderia ter sido a Maura, que remexera meus
bolsos quando dei entrada no hospital... Por que ela teria motivos para me dar
um celular de presente? A única pessoa para quem eu falei sobre meu celular foi
para a Âmbar, mas eu falei isso em um sonho... ou será que não foi sonho?!
Mas, além do celular, havia um bilhete. Abri,
e dizia:
“Agora você não tem desculpa para não me
ligar. Quero muito conversar com você. Liga, vai. 848163648.”
E a letra era a mesma do bilhetinho que a
própria Âmbar me passara aquela vez. Oh, céus: ela se dispôs mesmo a me dar um
celular novo de presente?! Parece que ela estava mesmo apaixonada por mim...
Mas...
- Ah, Macário, que sacanagem.
A voz de Geórgia me tirou do meu devaneio
novamente.
- Ahn? O que você disse, Âmbar?
- Âmbar?!
Oh! Troquei o nome sem querer!
- Ops! Desculpe! Geórgia.
- Quem é Âmbar?!
- Ahn... é uma amiga minha.
- Amiga, sei... foi ela quem te deu o
celular, né?!
- Não tenho certeza...
- Ok, isso não importa... Mas como eu dizia,
que sacanagem, Macário.
- O que é sacanagem?
- Você ganha um celular novinho, e eu ganho
uma orelha cortada?! Isso não é justo!
- Oras, Geórgia. Do que está reclamando? Você
teve o que realmente queria, e era a sua bolsa de volta, não é? Tudo bem que a “piada”
que foi incluída não foi legal, mas você tem a sua bolsa de volta, pode voltar
para casa e tal... E eu não esperava este presente. Sério.
- Bem... mas terá sido a tal Âmbar que achou
minha bolsa?!
- Mas o bilhete diz “seu salvador”, então
quem achou sua bolsa foi um homem...
- Aliás, quem é Âmbar?! – Geórgia corta meu
raciocínio.
Já vi que ela não ia me deixar em paz se não
soubesse tudo sobre a “outra”. Não é a primeira vez que isso acontece, então eu
não fiquei muito abalado.
- Já disse, é uma amiga. Digo, ela frequenta
o bar onde trabalho. Mas... hum... eu nunca cheguei a sair com ela. Ainda não.
Juro, juro, juro.
Vou ter de negar que transei com Âmbar até
ter certeza de que a transa com ela não foi sonho.
- Ainda não a levou para o seu “abatedouro”,
né? Diz aí... ela é gostosa?
- Por que quer saber?
- Ela é mais gostosa que eu? – Geórgia me
olha com alguma raiva.
- Eu... eu não tenho certeza. Ela... hum...
anda muito vestida. Ela... hum... costuma aparecer no bar usando um... hum...
casacão de pele. Ela parece gorda naquele casacão.
Aah, como sou mentiroso. Me perdoe, Âmbar.
- Casacão de pele, hein? Então ela deve ser
rica...
- Sim, é sim. Isso está na cara. Mas por que ela
se interessaria por um simples bartender como eu, né? Digo, o celular pode ser
apenas um presente de agradecimento pelo atendimento que eu tenho lhe prestado.
Ela é uma boa bebedora. Mas nós nunca fomos para a cama. Ela, hum, é casada.
Com um empresário.
É, o Mc Claus deve ser um empresário, tem
jeito mesmo de ser um empresário de alguns grupos de hip-hop.
- Pô, Macário. Como você faz sucesso entre as
mulheres, enquanto eu... eu não passo de uma p(...) azarada! – ela começou a
chorar. – Por que a vida não é justa comigo?! Eu, que ganho apenas cem pratas,
cem míseras pratas de um homem que só me conta tarde demais que já tinha
namorada, estou diante de você! Você, que consegue até que uma... uma “perua”
qualquer... te dê um presente!!! E um presente que é claro que vale mais que
cem pratas!!!
Era tanta inveja assim do meu celular novo?!
- Ah, Geórgia... não chore... – tentei
consolá-la, abracei-a e ela deu uma chorada em meu peito. – Por favor, se
houver alguma coisa para compensar... Digo, se eu puder, hum, fazer algo para
você se sentir melhor...
Ela para de soluçar.
- É, tem algo, siiimmmm... – ela ergue a
cabeça e me olha, lascivamente. – Nenhuma “perua” vai ser capaz de fazer melhor
que eu. Digo, ela só sabe beber o que você serve para ela, mas te levar pra
cama, heinnn? – ela se enrosca em mim, serpentinamente. – E ela só lhe dá um
celular, um mísero celular, enquanto eu estou aqui, nua e toda oferecida ao
Macário... E sou capaz de dar ao Macário algo mais substancioso que um
celular... Sou capaz de dar amor e carinho. E muito. Que tal mais uma rodada de
amor e carinho, heinnn, Macário?
Mais uma vez, não consegui resistir. E não
tentei discutir. E, se ela ia falar mais alguma bobagem, não deixei. Peguei
aquela pequena e a joguei no sofá.
Geórgia tinha um corpo bonito. Seus seios não
eram tão grandes como as da Âmbar, nem sua bunda tão empinada, nem suas pernas
tão torneadas. Olhando, Geórgia era mais magrinha. E, apesar de ter alegadamente
vinte anos quase exatos, ou seja, a mesma idade que eu, ela parecia ter menos
idade – eu lhes daria uns dezessete, dezesseis – e menos experiência de vida.
Mas era suficientemente atraente, o rosto suave, a pintinha sob o olho, e sabia
estimular um homem.
- Venha, meu macho...
- Ah, Geórgia... – tentei recuperar o
controle sobre mim. – Tem certeza? As minhas camisinhas acabaram...
- Oh. Alcança minha bolsa... E um copo d’água,
faz favor.
Alcancei. Da bolsa, ela tirou uma cartela de
pílulas anticoncepcionais. E engoliu uma, com a água. Precavida, ela...
- Pronto. Agora você não vai me sacanear,
Macário. Talvez eu devolva você para sua “perua”, mas você ainda vai me ver de
novo... Mas você não vai me engravidar. Isso seria ainda mais sacanagem, você
me abandonar grávida, na rua da amargura, enquanto vai curtir a sua “perua” na
mansão dela... Mas espero que ela seja frígida, e que ela não seja capaz de te
satisfazer, como eu sei fazeeerrrrr...
Tive de rir. E ela avançou em mim, e tirou
minha roupa todinha.
E, ali no sofá, acabamos... desnecessário
dizer.
Eu sou um mulherengo filho da p(...), mesmo
(desculpa, mãe).
Que diferença foi fazer sexo com a Geórgia,
sem camisinha. Ela era bem apertada, embora saísse com muitos homens também.
“Disparar” dentro dela, sem a devida proteção, duas ou três vezes (sempre perco
a conta) foi uma sensação muito diferente. Só espero que o anticoncepcional
seja de boa qualidade, ou estarei ferrado se, em um futuro encontro, aquela
moreninha linda, poeta e à beira do meretrício, ostentar um barrigão, e dizer
que fui eu que fiz. E espero ainda que ela esteja em dia com os exames de DST
(doenças sexualmente transmissíveis), ou estarei mais ferrado ainda.
Agora estávamos os dois, deitados no sofá,
nus, abraçados, ofegantes. Ela vai precisar de outro banho. E vou ter de trocar
sua atadura de novo.
- Hummm, Macário... Foi tão bom...
- Geórgia...
- Fiquei cheinha de “leite”.
- Espero que toda essa “lactose” não te faça
“engordar”... se é que me entendeu.
Meu sofá tinha forro de lona, mais fácil de
limpar, então acho que não preciso me preocupar tanto com as manchas de fluidos
corporais, como o sêmen que escorria por entre as pernas de Geórgia...
- O que me impede de f(...) com você todos os
dias? – ela falou.
- Talvez a possibilidade de um de nós
encontrar um par esta noite, que não seja você ou eu.
- E se eu quiser ficar aqui?
- Você tem as chaves da tua casa, pode
voltar. Eu tenho de ir para o meu curso, e tenho de trabalhar.
- Pô, que sorte você tem de estudar e
trabalhar à noite, Macário. Já eu... eu perdi um dia só para dormir com você.
Eu não tenho jeito mesmo...
- Você pretende sair esta noite?
- Agora não sei...
- Se quiser voltar aqui, antes que a “perua” tome
uma atitude e resolva me seduzir... ou qualquer outra “sirigaita”... Eu posso
abrir a porta.
- Em que bar você trabalha?
E dei as indicações.
- Ah: se quiser aparecer lá, Geórgia, hoje
vai ter uma vernissage. Um artista vai expor no bar. Um artista internacional.
- Até isso o teu bar promove? Exposição de
arte?
- Sim. Digo, foi o cliente que solicitou o
espaço. Além do mais, tem vindo um pessoal interessante, e eles se interessam
por arte. Pude ouvir umas conversas deles, e eles parecem interessados por
poesia clássica e de vanguarda. Você, que é poetisa, poderia aproveitar. Quem
sabe lá você tenha uma oportunidade de mostrar o que sabe... E eu vou ser o
bartender.
Seu olho pareceu brilhar.
- Se lá vierem homens bonitos... Ok, acho que
vou dar uma passadinha lá. E eu gosto da minha vodca com suco de laranja, tá?
- Tá.
Por que eu convidei a Geórgia para ir para o
bar esta noite? Talvez eu estivesse com pena de sua sorte. Talvez eu quisesse
ajuda-la mais do que eu “ajudei” hoje... ou talvez... ou talvez...
Me levantei e fui olhar se sua roupa estava
seca.
Cerca de duas horas depois (onde se inclui
tempo para a Geórgia tomar outro banho, eu trocar suas ataduras de novo, eu
tomar um banho e me arrumar, eu fazer uma refeição e também dar comida para a
Geórgia antes de dispensá-la – vou precisar fazer supermercado amanhã), me
desloquei para a faculdade.
O celular que ganhei de presente, deixei no
apartamento, carregando a bateria. Quando eu voltar para casa, eu testo.
Guardei a caixinha com a orelha, depois decido o que fazer com ela. Só espero
que não comece a deteriorar e a feder... Tudo o que eu levava a mais era minha
mochila e meu apanhador de sonhos.
Geórgia saiu junto comigo. Feliz, com sua
bolsa, seus sapatos, por poder entrar na sua casa e colocar outra roupa para
sair. Só espero que os cães demoníacos não voltem.
E, para variar, outra calcinha para minha
coleção. Preta. Mas desta vez ela fez questão de me dar a calcinha em mãos. E,
pelo menos, ela fora previamente lavada, junto com o restante da roupa. Em
troca, ela levou uma das minhas cuecas. No corpo! Afinal, sua saia estava
rasgada. Pelo menos ia resolver até ela chegar na casa dela.
“Acho que vou fazer como você, Macário, vou
começar a colecionar cuecas dos homens que transo”, ela disse.
Pelo jeito, ela não vai voltar ao meu
apartamento.
E só espero que as outras garotas não comecem
a ter a mesma ideia, ou corro o risco de ficar sem cuecas antes que chegue meu
pagamento.
Bem, eu já tive o que queria. Eu queria só
uma “bimbada” para esquecer uma frustração (estou parecendo um porco machista?
Olhem minha situação! Além do mais, eu nem dei dinheiro à Geórgia, como fez o
outro. Isso sim seria machismo). Posso seguir a vida.
Mas não tão tranquilamente, enquanto não
tiver certeza de que a transa com Âmbar foi sonho. E, formulando hipóteses, fui
andando pelo campus universitário, até que uma voz feminina chamou minha
atenção.
- Macário! Aqui!
Eu estava passando na frente do hospital
universitário.
- Créssida?
- Macário!
Ela se dirigiu a mim. E, atrás dela, vinha
Maura, a enfermeira.
- Créssida. Maura.
- Oi, Macário. – falou Maura. – A Créssida
aqui falou que é sua colega de curso.
- Sim, somos colegas. – confirmei.
- Já conhecia a Maura, Macário? – foi a vez
de Créssida falar.
- Hum... é uma amiga.
As duas morenas me olhavam enviesado. Será
que uma já contou para a outra que eram minhas amigas... de sexo?
- Hã... A que devo a “honra” das duas juntas
virem me procurar?
- Macário – começou Créssida – o caso do
maníaco mordedor está ficando pior.
- Caso do...
- Esqueceu, Macário? Sabe, o que eu falei que
me mordeu... e que mordeu você. Hoje, no hospital, apareceram mais vítimas do
maníaco.
- Hein? Há mais gente internada por causa de
mordidas e de...?
- Sim, Macário, o tal vampiro ou que quer que
seja. – manifestou-se Maura. – A tua amiga aqui acredita que seja um maníaco
que gosta de morder, tipo Vampiro de Düsseldorf. Eu ainda acho que é um vampiro,
tipo Drácula. E foi o diálogo entre o sobrenatural e o racionalismo que juntou
a nós duas... Mas ela não chegou a me morder. Embora eu ache que seus dentes...
Ahn, brincadeira, querida...
Realmente, Créssida tinha os dentes caninos
um tanto grandes, como em uma caricatura do ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso, mas não o suficiente para dizer que são dentes de vampiro. Aliás,
Créssida estava necessitada de um aparelho para corrigir os dentes, mas não
tinha condições de contratar um plano dentário no momento, e não gostava que
fizessem referências a isso. Eu já sabia disso muito antes de Créssida ter sido
mordida, então, não achei engraçado esse gracejo inoportuno de Maura. A
enfermeira ficou calada diante do olhar enviesado de Créssida.
- Quantos estão internados com mordidas aí no
hospital? – mudei de assunto.
- Cinco ou seis. Venha ver. – pediu Créssida.
– Temos um tempo antes da aula começar, Macário, venha ver.
E segui as duas hospital adentro.
Fora as roupas de cada uma – Maura no
uniforme de enfermeira, Créssida com uma calça jeans e uma camiseta casuais – e
o fato de Créssida usar óculos, havia como diferenciar as duas morenas:
Créssida tinha o cabelo mais liso e escorrido, o de Maura era mais ondulado,
mais sensível à umidade.
O doutor que me atendera, quando fui atacado,
cruzou conosco na porta. O Dr. Cotrim, o “engraçadinho”.
- Macário, meu rapaz. Como estão as marcas em
seu pescoço?
- Melhorando. – respondi. – E estou seguindo
a vida normalmente, pelo menos até hoje.
- Que bom. Eu gostaria de dizer o mesmo. Aqui
as coisas não andam melhores. – responde o médico – Semana passada eu atendi
tua amiga aí, que também foi “picada” – e apontou Créssida, que mostrou as
marcas que também tinha no pescoço. – E os casos de pessoas mordidas e com
falta de sangue também estão aumentando. Há mais vítimas nos outros hospitais
da cidade, mas aqui também temos considerável quantidade de casos. Tenho
convicção que seja um vampiro, mas sua amiga possui outra teoria... E ela
parece a mais plausível, pelo que temos observado.
- Sim, ela já expôs para mim também –
respondi. – O maníaco que morde pescoços. E ainda suga sangue.
- Ou talvez estejamos lidando com mais de um,
porque os casos apresentam características distintas.
- Que tipo de características distintas,
doutor?
- Características que apontam que não é um
único indivíduo que processa os ataques. Eu mostro.
E nos conduziu para um quarto do hospital.
Estavam perfiladas três camas. Três
pacientes. Todos adormecidos. Todos com as bolsas de soro atadas às dobras dos
cotovelos. Todas já esvaziadas. Evidentemente, já tiveram repostas suas perdas
sanguíneas, já tiveram a bolsa de sangue atada no mesmo tubinho do soro. Mas
nenhuma das vítimas precisava respirar por aparelhos ou coisa assim.
- Estes aqui são três das vítimas mais
recentes. – falou o Dr. Cotrim. – Como pode ver, todas precisaram repor o
sangue. Estão se recuperando. E tiveram sorte de aqui ter bolsas de sangue do
tipo delas. Mas vamos precisar de mais, vamos precisar promover uma campanha de
doação em breve.
- Todas essas pessoas apresentam... a “marca”
no pescoço? – perguntei.
- Duas delas. Olha.
De fato, havia uma faixa de ataduras no
pescoço de duas das vítimas, mas na terceira não.
- Este aqui teve o ferimento no braço. –
explica o médico. – O “vampiro” sugou sangue pela artéria do braço. E estava
feio na hora que enfaixei.
De fato, o braço estava enrolado em gaze. E
era um homem: as vítimas com o pescoço enfaixado eram mulheres. Não sei por que,
mas sentia que havia alguma relação nesse fato.
- Hum... – resmunguei, interessado. – E...
como elas chegaram ao hospital?
- Foram trazidas por uns indivíduos. Eles
afirmam que acharam as vítimas caídas nas ruas, e as trazem aqui, assim como
houve com você. Essas pessoas só deixaram as vítimas no hospital e foram
embora. E nem dá tempo de decorar as fisionomias dos sujeitos... Se acham almas
caridosas só em trazerem as vítimas ao hospital e deixam o resto conosco...
- Estranho mesmo. E... foram só esses três? –
apontei para as vítimas nos leitos.
- Não. Teve mais três. Estão em outro quarto.
Um deles já acordou.
- Já acordou?
- Sim. Um menino. Daqui a pouco, ele vai ser
transferido...
- E uma das outras, do outro quarto, é outra
amiga minha. – falou Créssida. – Já é a segunda conhecida minha que também
acaba mordida.
- Outra amiga sua? – arregalo o olho.
- E, pelo jeito, sua também, Macário.
- ?!
Fui conduzido para o outro quarto. No quarto,
havia duas outras pessoas deitadas em seus leitos. E um leito vazio. Não eram
três?
Havia uma enfermeira no quarto, e ela
informou ao doutor que o menino foi levado à enfermaria para substituir as
ataduras, que logo ele seria aprontado para ser transferido para a Casa de
Correção – a instituição pública que abriga e se encarrega de reeducar os
menores infratores, a antiga FEBEM da cidade. Então, o menino era um jovem
infrator? A enfermeira ainda informou ao doutor, diante de nós, que já chegara
o encarregado do Conselho Tutelar para conduzi-lo. Esquisito...
Aí, minha atenção voltou para os outros dois
pacientes. Mais duas garotas, com o pescoço enfaixado. Ambas dormiam. E me
assustei.
Eu reconheci uma delas. Era...
Era a Loreta!
- Loreta! – quase gritei.
Ela parecia tranquila, ali, dormindo. Mas eu
não.
- Conhece ela, Macário? – pergunta Maura.
- Eu... eu conheço.
- Saiu com ela?
- S... sim. Mas... mas... quando foi que...
- Foi ontem, ao fim da tarde, Macário. –
falou Créssida.
Embora não houvesse (ou haveria?) o risco de
ter sido ligado ao acontecimento – ela esteve em meu apartamento dois dias
antes – engoli em seco, e deixei uma lágrima escorrer por meu rosto.
Oh, não. Mais uma garota com quem dormi...
fora atacada pelo vampiro! Há duas noites, ela havia voltado a me procurar! E
agora... estava ali, no hospital, com o pescoço enfaixado, e com a bolsa de
soro atada ao braço! Isso já estava saindo do controle!
- Está vendo, Macário? – disse Créssida. – Há
um maníaco mordedor à solta. E atacou mais uma conhecida nossa...
- De todo modo, um vampiro. – disse Maura. –
Bem, pode ser que a moça aí, como os outros, não venha a se transformar em
vampiro, com aversão à luz e ao alho, dentões e tudo mais. Mas que morderam e
beberam seu sangue, isso fizeram.
- Bem, com o Macário e comigo, isso não
aconteceu, digo, virar vampiro, ou teria mais gente mordida aqui no hospital.
Mas beberam nosso sangue. Isso beberam. O que você acha disso, Macário?
- Estou... consternado. – consegui falar. –
Logo você, Loreta... e... eu não sabia que você a conhecia, Créssida.
- Somos vizinhas de alojamento. E amigas,
dividimos o mesmo tanque para lavar roupa. E, pelo jeito, temos um homem em
comum... O Sr. Macário mulherengo. – ela sorriu.
- Bem, então somos três. – emendou Maura,
ironicamente. – Hah, não duvido que o Macário aqui já tenha “passado o rodo” em
mais da metade das garotas desta faculdade. Mas a gente não se importa, não é
mesmo? Né, Macário?! Macário?
Eu não estava com cabeça para gracinhas.
- Por favor, Maura! – pedi. – Estamos em um
hospital e... o momento é pesado para mim.
- Pesado para você, Macário?! Você, que troca
de garota a cada semana?! – continuou ironizando Maura.
- Eu também ficaria muito preocupado se eu
visse você aí deitada com a bolsa de soro no braço, tá, Maura? Que foi! Agora
falta vocês duas dizerem que eu tive algo a ver com isso!
- Ah, Macário, quem aqui está falando que
você teve algo a ver com isso? – pergunta Créssida, com um sorriso irritante. –
A não ser que você tenha mesmo começado a morder pescoços... E não se lembre,
não é mesmo?
- Bem, talvez não agora, mas talvez depois
vocês acabem pensando nessa possibilidade, certo? Como a Viridiana fez!
- Que Viridiana? – pergunta Créssida.
- Ah, aquela gritona de óculos? – pergunta
Maura. – A amiga da loura maluquinha lá?
- Sim, ela. – respondi, cerrando os dentes.
- Loura... gritona... Macário! – Créssida
parecia pronta para me cobrar alguma explicação.
Mas, antes que alguém pudesse falar alguma
coisa – e o Dr. Cotrim só ouvindo nosso diálogo de olho arregalado... – ouvimos
um gemido. E Loreta abriu os olhos, e começou a se mexer.
- Oh! Acordou, finalmente! – exclama Maura.
- Hummm... onde estou? – Loreta começa a
falar, meio desnorteada. – Que aconteceu? Eu... Onde... Onde estou?! – e se
senta na cama, assustada.
- Calma, garota. – intervém o Dr. Cotrim,
diante do susto que Loreta levou ao se ver no leito do hospital. – Você está no
hospital.
- Ho... Hospital?! – Loreta parecia nervosa,
olhava de um lado para o outro. – Hospital?! Mas... Mas como vim parar aqui?! O
que aconteceu com... Hein? Créssida? Macário?!
- Oi, Loreta. – responde Créssida.
- Oi. – respondi.
- Oi, Loreta. – cumprimenta Maura. – Hã... a
gente não se conhece, eu sou a Maura, a enfermeira. Esse aí é o seu médico, Dr.
Cotrim.
- Hã... prazer. – Responde Loreta, confusa. –
Mas... como foi que eu vim parar aqui? Que aconteceu comigo?! Eu...
- É uma história comprida, Loreta. – responde
Créssida. – Você não lembra o que aconteceu?
- Eu... hum... ai, minha cabeça... eu não
consigo lembrar muita coisa... Eu... hum... oh, lembro que eu estive no apê do
Macário aí – Créssida me olha enviesado mais uma vez, enquanto Loreta
continuava: – depois eu fui trabalhar, fui para a aula e... daí eu não lembro
de nada. Eu... ai minha cabeça... eu... Acho que eu lembrei que... eu tive a
impressão de... eu...
- Acalme-se, moça. – pede o Dr. Cotrim. –
Você está convalescente. Perdeu muito sangue, está no hospital já faz cerca de
24 horas.
- Vinte... 24 horas?! – ela se assustou. –
E... perdi muito sangue?! Mas... Mas como? Eu... eu sofri um acidente, foi
isso?!
- Bem, vamos dizer que você foi atacada. –
disse Créssida.
- Atacada? Eu... – Loreta toca no pescoço e
sente a atadura. – Eu... o que houve?! Meu... meu pescoço?! Ai! – Ela sente ao
tocar em um ponto da atadura: devia ter sido aí que ela levou a mordida. – O
que... Que houve aqui, no meu pescoço?! Eu... eu... eu levei uma “chupada”?!
Assim como você, Créssida?!
- Sim... e assim como o Macário, aqui. –
Créssida apontou para mim.
- Mas... mas... que horror!!! Eu... eu levei
uma mordida de um vampiro?! Assim... assim como vocês?!
- Não, amiga. Vampiro não. Foi um psicopata.
Um maníaco mordedor, isso sim. Alguém que se passa por vampiro. Ataca como
vampiro, mas não transforma ninguém em vampiro, entende? Um desequilibrado
mental qualquer.
- Psico... desequil... espere, acho que estou
lembrada de uma coisa! A última coisa que senti foi que alguém chegou por trás
de mim, de surpresa... e apertou um pano no meu nariz! Sim, estou lembrada...
um pano molhado com clorofórmio!
- Clorofórmio?!
- Clorofórmio! Só podia ser clorofórmio! É tudo
o que lembro antes de eu perder os sentidos e... eu... eu acordar aqui!! No
hospital... E... Eles... eles tiraram sangue de mim, enquanto estive
anestesiada?! Oh não! Estou ferrada!!! Eu... eu vou começar a chupar sangue!!!
E não vou mais poder andar ao sol?! Não vou mais nem poder comer comida com
alho?! Aiaiai!!!
E começou a chorar. O médico e Créssida
acudiram em consolar-lhe, Créssida já tentando dizer que não era nada disso,
que não ia acontecer nada com ela, mas Loreta preferiu acreditar que fora
contaminada por algum vírus vampírico, talvez a possibilidade de se tornar
vampira, um tipo de morta-viva, era o grande medo de Loreta.
Já eu, não consegui fazer nada: também estava
prestes a chorar, e Maura era quem estava prestes a me acudir, consolar.
Ver aquela garota ali, triste pela
possibilidade de se ver virando uma vampira, me causava muita pena. Só falta
que eu acabe sendo ligado a isso...
E a outra garota, na outra cama,
estranhamente, nem acordou com todas as nossas vozes. Conseguia ficar tranquila
diante da desgraça. E não era conhecida de ninguém ali. Eu, pelo menos, não
lembro de já ter saído com ela.
Aí, quando apenas uma lágrima já havia
escorrido por meu rosto, atrás de mim, veio outro som de choro, mais alto, abafando
o choro de Loreta.
Duas pessoas entraram no quarto. Um era um
homem de aspecto severo, pelos trajes parecia ser um funcionário da polícia,
mas o crachá em seu peito indicava que trabalhava no Conselho Tutelar, um
assistente social, e parecia não estar nada contente com o caso mais recente
atendido.
A outra era um menino negro, praticamente
entrado na adolescência (devia ter uns treze, catorze anos) e com todo jeito de
ser da periferia humilde, “favelado”, como dizem, que chorava, com a cabeça
enfaixada, um grande curativo no lado oposto do rosto.
Algo chamou minha atenção: a cabeça
enfaixada. Uma atadura cobria uma de suas orelhas. E não se percebia o volume
da mesma sob a gaze.
O homem severo ia reclamando com o menino
enquanto este voltava para o seu leito, aparentemente só para trocar sua roupa.
- Quem sabe assim você aprende a não fazer
mais o que fez, ouviu?! – o homem severo falava, aparentemente sem ter pena do
pobre menino ferido. – Decerto não ouviu, afinal está sem uma das orelhas
agora... Mas espero que não esteja surdo da outra, hein?!
- Tem pena de mim, moço, por favor... –
falava o negrinho, com olhar de piedade.
- Eu já tive pena demais de você! –
interrompeu o homem severo. – Eu já estou perdendo a paciência, ouviu?! A gente
faz tudo por você, te oferece abrigo e educação, e você não se emenda!! E teus
pais não fazem nada também, não colaboram!! Parece que quer ficar morando na
Casa de Correção, já que lá a comida é de graça, né... Depois não quer que eu
me irrite!
- Mas eu ia me emendar... Eu não ia mais
roubar (soluço)... É que eu... eu... (soluço) eu não consegui evitar, eu...
(soluço)
- Sem mais conversa! Pegue logo suas coisas,
o que veio contigo no hospital, que você vai agora se recuperar lá na Casa de
Correção. E se você sair de lá e voltar a roubar, eu vou se obrigado a te... a te...!
A cena era revoltante.
- Ei! – interveio o Dr. Cotrim. – Calma aí,
senhor, estamos em um hospital! Isso é lugar para passar esporro no menino?!
- Eu sei que estamos em um hospital, mas não
consigo deixar de me irritar quando vejo que foi esse menino que...!
- Senhor! – foi a vez de Créssida intervir. –
Que está acontecendo? Por que está gritando com o menino?
- O Maicon aqui é conhecido seu, garota? –
ele respondeu, com grosseria. – Que eu saiba não, né? Então, por que está se
metendo, menina?! Eu é que sou o responsável por este... este... marginalzinho
aqui!
- Perdão, senhor. – foi a vez do Dr. Cotrim
se manifestar. – Está bem que você seja do Conselho Tutelar, posso ver pelo teu
crachá aí, que o menino está sob sua responsabilidade, que ele fez coisa errada
antes de entrar no hospital, mas não lhe dá motivo para trata-lo assim... Ainda
mais aqui, e no estado em que ele está... Diga, isso é digno de seu cargo? Você
não está agindo como um assistente social...
- Ok, desculpe, doutor – respondeu o homem,
com ironia – desculpe se eu ando estressado, tantos meninos estão entrando na
Casa de Correção, depois que cometem tanto crime, tanta coisa errada, não é?!
Mas este aqui, o Maicon... A gente dá tanta chance para ele ser homem de bem, a
gente investe para que ele não se torne marginal, e como ele corresponde? A
cada vez que sai, volta a bater carteiras, a pegar bolsas que não são dele, e
sabe-se lá onde gasta o dinheiro que tira de lá! E foi bem feito o que lhe
aconteceu, viu? Agora está aí, feito um Van Gogh, para aprender de uma vez por
todas a não roubar...
- Hein? Van Gogh? – pergunta Créssida.
- Van Gogh, sim... ele foi pego roubando por
um desses caras que se metem a fazer justiça com as próprias mãos, e ele
arrancou uma orelha dele!!! Ainda tenho de lidar com mais essa! Não basta ele
ter sido internado umas cinco vezes, a gente soltá-lo e depois de um tempo ele
voltar de novo porque cometeu crime... e agora ele volta pra Casa de Correção
com uma parte faltando! Espero mesmo que seja a última vez, viu? Que seja de
uma vez por todas que tu deixes de bandidagem, ouviu, Maicon?!
- S... s-sim, sim, eu não faço mais... –
chorava o menino. – Mas eu não ia fazer mais... (soluço) eu não ia, mas eu não
pude resistir... eu... (soluço)
Eu, que estava ali, perto do leito da Loreta,
e evitava intervir, arregalei o olho. Não, não era possível. Seria esse menino...
o dono da orelha que estava dentro da bolsa de Geórgia?! A orelha, se bem
lembrava, era de menino negro.
- Um momento. – interveio de novo o doutor. –
Eu posso entender a história? Digo, agora que ele está acordado, eu posso
entender o que aconteceu com ele?
- Hum, acho que sim. E os outros aí? – e
apontou para nós, Créssida Maura, Loreta e eu.
- Estão visitando uma amiga. Mas não tem
problema. Pode contar aqui... são estudantes de medicina. E saberão manter o
assunto em sigilo, não é mesmo?
- É, queremos ouvir também. – interveio
Créssida. – Eu também quero entender por que você está irritado com este rapaz
aqui. Para você estar gritando com ele, mesmo machucado...
E, apesar da discussão, a garota do outro
leito não acordou.
- Oras, você não ouviu?! E olha que quem
perdeu a orelha foi ele aqui... Ele já foi pego umas cinco vezes roubando bolsas!
Um trombadinha lá da favela! E ele não tem jeito de se emendar!!
- Ora, por favor, senhor, ele deve ter motivo
para roubar, está na cara, deve ser um marginalizado da sociedade que não lhe
dá muita chance, e que prefere gritar com ele a lhe dar a educação que
realmente necessita... – falou Créssida, em defesa do menino, e não permitindo
que o homem desse alguma resposta, grosseira ou não. – E falando nesse tom com
ele, faz parecer que você é racista, percebe? Afinal, olha para ele... é negro,
é da periferia... e teve a orelha arrancada... Não pode dar um desconto para
isso?! E a gente pode denunciar essa conduta, sabia, senhor? Afinal, o que não
falta é testemunha, viu? Que tipo de Conselho Tutelar temos nessa cidade,
hein?! E acho que a gente vai ter de ir fazer uma visita à Casa de Correção
para ver como é que estão tratando os meninos como este aqui...
O homem não deu resposta. E ficou quieto.
Decerto havia pego o cargo por força das circunstâncias, ou da necessidade, sem
ter o temperamento necessário para lidar com crianças “em situação de risco”,
como diz o jargão oficial. E parecia contrariado porque uma mocinha, uma
universitária, havia chamado sua atenção para um comportamento inaceitável.
Fiquei admirado com a atitude de Créssida. Mas continuei observando. Até Loreta
parou de chorar para observar. E parecia tão admirada da amiga quanto eu.
- Ok, Maicon... é Maicon seu nome, não é? –
pergunta Créssida. – Pode falar aos senhores o que houve, exatamente?
- S... sim. Eu... – ele começou a falar,
devagar, e mais à vontade ao ver que havia alguém compreensivo ali. – Foi
assim, eu ‘tava na rua, não tive como entrar em casa, a minha mãe não ‘tava em
casa, tinha saído... E eu ‘tava com fome...
- Fome, sei... – interrompe o homem severo. –
Não é a primeira vez que você dá essa desculpa...
- Juro, moço, era fome mesmo... E não tinha
um tostão no bolso. E ‘tava andando sem rumo na rua, não tinha mais pra onde
ir... Aí resolvi vir com uma turma para o Centro, estávamos em três, e ninguém
tinha dinheiro, e eles iam fazer não lembro o quê no Centro, me convidaram para
dar uma volta com eles até que minha mãe voltasse para casa... Nem vimos as
horas passando, já era madrugada... Aí, perto lá da Avenida, onde as... as
pu... hã, as prostitutas, é... onde as prostitutas batem ponto... – ele ia
falar o termo chulo, mas se conteve, decerto foi ensinado a não falar “aquela
outra” palavra para se referir às prostitutas... – Eu vi uma “mina” na Avenida,
com a bolsa a tiracolo... E, não teve jeito, eu... Bem, eu já tinha feito isso
mais de uma vez, mas eu não ia roubar mais, eu prometi à doutora, lá da Correção,
a professora lá... Sabe... Eu tinha prometido à professora que não ia mais roubar,
mas naquela hora não tinha jeito, e nós ‘tava’ com fome, e a turma me convenceu
a ir lá pegar a bolsa e usar o dinheiro da bolsa pra comprar nem que fosse um
cachorro-quente pra nós... Eles disseram “vai lá, tu que é o melhor nisso”... E
eu pensei que não teria problema, porque era uma... uma... prostituta...
- Prostituta?!
- É, a “mina” lá ‘tava vestida com umas
roupinhas curtinhas, ‘tava de minissaia com meia calça, naquela hora da noite,
então ou só podia ser “piriguete” ou pu... hã... prostituta, então achei que
não teria problema, que ladrão que rouba ladrão, né... Foi o que o outro lá da
turma me falou.
Quando dei por mim, estava perto dos outros,
ouvindo também. Loreta ouvindo lá da cama.
Então era ele mesmo. O pivete que afanou a bolsa
da Geórgia. Pela narrativa, só podia ser ele. Decerto pensou que Geórgia fosse
mesmo uma prostituta batendo ponto na rua, dado que ela estava vestida de
blusinha, minissaia e meia-calça (até eu teria pensado assim, a princípio,
antes de ver que era a Geórgia). E, pouco depois, ela seria perseguida pelos
cães...
- Passamos correndo perto da moça e consegui
pegar a bolsa antes d’ela se dar conta. – continuou Maicon. – E nós fugimos,
fugimos bem rápido, o mais longe possível da moça... Não tinha nem polícia na
rua. Pra mim foi um alívio. Mas, quando nós já ‘tavamos bem longe... quando
conseguimos um canto que a gente sabia que não iam nos achar... foi num beco
perto do riacho... é. Aí... na hora que eu ia mexer na bolsa, ver se tinha
dinheiro... Um dos meus amigos caiu no chão, diante de nós. Tinha levado uma
facada nas costas. Tinha um grande corte, e ‘tava sangrando. E aí, depois,
apareceu um homem. Digo, ouvi a voz de um homem atrás de nós dizendo: “Eu vi o
que vocês fizeram, ladrões...” Eu gelei. E ele continuou falando, e eu lembro
em o que ele falou... “Vocês vão aprender agora a não roubar moças inocentes,
ladrões... Vou me livrar da escória...” Aí, eu me virei... e o cara passou,
tipo, uma lâmina no meu rosto...
E apontou a bochecha onde havia o curativo.
- O cara cortou meu rosto... E estava rindo. O
meu outro parceiro se pôs a fugir, e me deixou ali, com o homem... O homem
tinha, tipo, uma luva com lâminas na mão... ou eram as unhas dele, não sei, não
dava pra ver direito, ‘tava escuro, mesmo com luz no poste, mas eram afiadas...
Parecia um monstro... E daí, depois... eu tentei fugir... ele pegou a bolsa, e
disse: “fique aí, eu não acabei com você, ladrão... Você não merece viver...”
Eu tentei fugir, mas aí, ele desceu de novo aquelas garras... do segundo golpe
eu consegui desviar, mas não do terceiro... O terceiro... Eu só senti a dor na
minha orelha. E o sangue... e que minha orelha não tava mais na minha cabeça...
Doeu tanto que eu gritei, e fui perdendo os sentidos... Ele ia me matar! Eu
pensei, ele ia me matar... Ele ria, e ainda lambia o sangue das garras... Ele
ia me matar... (soluço) mas aí ele parou, pensou, e disse: “não... acho que não
vou te matar não... já foi suficiente pra ti... vou só pegar uma
lembrancinha...” E ele pegou minha orelha do chão... (soluço) Foi a última
coisa que eu vi... E aí, a dor foi tanta, e o sangue saía tanto, que eu caí,
e... e perdi os sentidos... a última coisa que eu vi antes de apagar foi o cara
pegando minha orelha do chão... (soluço) e, quando acordei... ‘tava aqui, no
hospital, não sei como vim parar aqui... (soluço) me cortaram a orelha...
(soluço) e... e achei que ia morrer... (soluço) eu não vou mais roubar, moço...
(soluço) depois dessa eu não roubo mais nada... (soluço)
Todos olhavam consternados para o menino
chorando.
- E... você conseguiu ver como era o tal
homem que arrancou sua orelha? – perguntou o Dr. Cotrim.
- Vi, sim... (soluço) Eu consegui ver. Ele
apareceu na luz do poste...
- Como ele era?
- Ele... não sei se eram unhas ou uma luva
com garras que ele tinha (soluço). Mas parecia um monstro. Um monstro assassino
(soluço). Eu estou lembrando... Ele era careca, usava um casacão com gola de
pele... e tinha uma tatuagem neste lado do rosto. Uma tatuagem dessas, tribal.
Arregalei o olho, mais do que os outros ali
presentes.
Acho que sei de quem ele estava falando...
Breevort!
Próximo capítulo daqui a 15 dias.
Vai ter de continuar sendo um novo capítulo a cada 15 dias, para poder conciliar a elaboração do texto e das ilustrações com outras atividades paralelas, como a elaboração de tiras.
Por enquanto, como estamos nos saindo?
Aguardem, pois haverá mais surpresas na vida de nosso personagem! Apenas continuem acompanhando! É tudo o que peço a vocês.
Até mais!
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