Hoje, domingo, já passados 15 dias desde que foi ao ar o último capítulo; eis aqui mais um episódio de meu folhetim ilustrado para adultos, MACÁRIO. Prevemos que, neste ano de 2017, depois deste, só teremos mais um capítulo publicado; depois, só em 2018.
ATENÇÃO: Leitura não recomendada para menores de 18 anos. Contém cenas de nudez, presença de criaturas sobrenaturais, consumo de bebidas alcoólicas e dissimulação.
O dia começou do modo como meus dias tem
começado ultimamente: abrindo os olhos e acordando aos poucos, depois de um
tempo desacordado... após uma situação de pesadelo.
Quanto tempo terei ficado desacordado? Será
que ainda estava vivo?
Será que eu realmente sonhei que havia me
tornado um vampiro, que tomei várias surras em uma única noite, e que os
“monstros” haviam se transformado realmente em... monstros?
Foi tudo um pesadelo, claro que foi,
ahahah... Eu não vivi nada do que aconteceu na noite passada... Foi tudo um
pesadelo, ahahah... Foi tudo um...
Olho ao redor.
Pela qualidade da luz que penetrava em minha
janela, era fim de tarde. Mas... o quarto não era meu.
Eu estava deitado em uma cama. Mas não era a
cama que eu costumava deitar. Era uma cama grande, espaçosa, de casal. Os
lençóis eram finos, de tecido que aposto ser seda, e de cor bem clara. Aliás,
tudo naquele quarto era claro. As paredes pintadas de branco, os móveis
pintados de tons de branco, cinza, creme... tudo levemente ganhando um tom
esverdeado por causa da luz decrescente do fim da tarde.
No criado-mudo ao lado da cama, um
despertador antigo, de ponteiros, daqueles que a gente precisa dar corda com a
chavezinha que fica atrás. Ele marcava cinco horas. Eram cinco da tarde, agora?
E eu estava nu.
Mas não havia sinais de que eu havia dormido
com alguém.
A última coisa que eu lembro foi que eu,
ferido, sujo de sangue e poeira da rua, com a roupa esfarrapada, cheirando
urina... enfim, reduzido a um trapo humano em uma vã tentativa de me tornar
vampiro, fui conduzido por Luce, Andrômeda e Jorge Miguel a um galpão onde os
outros “monstros”, que frequentavam o bar onde trabalhava, se encontravam. Luce
falou alguma coisa sobre “não haver mais segredos”, e aí, o pessoal, que já era
esquisito por suas aparências transgressoras, ficou ainda mais esquisito.
Todos se transformaram em monstros,
literalmente. Ogros, duendes, demônios, louva-deuses gigantes, tubarões com
pernas, bruxos, górgonas, lobisomens, harpias... e vampiros. Luce, Andrômeda e
Jorge Miguel se revelaram vampiros. E Andrômeda revelou ser irmã de Luce. As
emoções foram tão fortes e intensas que acabei desmaiando – e eu já estava
fraco por causa da desnutrição que passei desde que saí de casa. Tudo o que
consegui manter no estômago foram doses de sangue de rato e de cachorro. É tudo
que consigo lembrar.
Deve ter sido um pesa... Ai!
Senti uma pontada de dor em minhas costelas. Olhei
meu corpo nu: estava cheio de hematomas. Manchas roxas que iam sumindo
lentamente. Nos braços, nas pernas, no tronco... E havia um curativo na dobra
de meu braço. Pelo que parece, ali foi instalada uma agulha de transfusão – de
sangue, ou de soro, mas nem o cabide, e nem uma mangueira de transfusão estavam
ao lado da cama.
Então, eu realmente levei uma série de surras
ontem! Uma matilha de cães demoníacos, uma gangue, uma prostituta com um tijolo
em sua bolsa (pelo que parecia), um tabefe da Créssida... e Luce, que me fez de
saco de pancada.
E Luce, não satisfeito em me espancar, ainda
sugou o sangue da Geórgia... enquanto Andrômeda sugava o da Maura. Ambos usando
seringas gigantes! Luce alegou que vampiros modernos faziam assim, evitavam
encostar a boca na pele das vítimas, algo assim.
Isso tudo tem de ser um pesadelo.
Mas então... para que quarto eu fui levado?
Se eu tivesse sido morto, eu deveria acordar em meu próprio quarto. Mas este
não era o meu quarto.
Bem, vou ter de buscar respostas. Só havia um
jeito: explorar a mansão. Decerto, fui levado para uma mansão, pois o quarto
tinha pinta de luxuoso. Era amplo, com um roupeiro grande, diversos móveis
acolchoados e com detalhes cuidadosamente esculpidos na madeira, tapetes
decorados, uma escrivaninha, um toucador com espelho, uma televisão de tela
grande... e a cama tinha até dossel! Sabem, aquela cobertura, aquela espécie de
telhado de tecido, sustentado por pilastras, nas camas da realeza dos
palácios...
No todo, aquele quarto equivalia a quatro vezes
o meu quartinho, do meu apartamento. Não: era o meu apartamento inteiro
multiplicado por dois!
Recostada em uma cadeira, estava a minha
mochila, ainda suja por conta das aventuras de ontem. E, junto a ela, o meu
apanhador de sonhos, e um roupão. Um chambre felpudo. E mais nada para vestir –
sumiram com minhas roupas.
Vesti o roupão: decerto, era mesmo para eu
vestir assim que acordasse. A cavalo dado não se olha os dentes. E não posso
explorar a mansão pelado, vai que eu encontre o dono de repente?!
Coloquei o apanhador de sonhos no pescoço. Ao
menos, a proteção conferida pelo pajé Mateus continuava evitando o pior para
mim. Talvez por isso ainda estava vivo. Sofrendo, mas estava vivo.
Dirigi-me à janela enorme.
Estava certo: era fim de tarde, o sol já começava
a deitar no horizonte – o quarto, ou pelo menos esta janela, estava voltada
para a direção oeste. Havia cidade no horizonte, dava para ver o aglomerado de
prédios lá longe. Ao redor do casarão, um jardim cheio de árvores. Como suas
copas estavam abaixo da janela, devo concluir que a mansão tinha vários
andares; uns três, quatro andares. E se não for uma mansão, e se for um
edifício, um condomínio...?
Depois, fui examinar minha mochila, ver se
não haviam saqueado nada. Estava tudo ali, felizmente. Meus livros, meu estojo,
minha carteira... meu celular novo, com a tela trincada.
Aspirei meu corpo: não havia cheiro de urina
nem de sangue. Meu corpo cheirava a sabonete e creme hidratante: decerto,
limparam meu corpo enquanto estava desacordado. Se preocuparam até em me
fornecer soro ou coisa assim: eu estava me sentindo fraco, faminto, mas não
muito – nem me sentia desidratado. Conseguia andar.
Mas quem? Por quê?
Deixei a mochila repousando na cadeira, e me
dirigi ao que parecia ser a porta do quarto. Havia umas três ou quatro portas
naquele quarto, uma delas deve dar ao corredor.
Mas aquela porta não era a do corredor: era
um armário, cheio de artigos esportivos. Uma bolsa de tacos de golfe, um taco
de beisebol, uma bola de boliche, uma raquete de tênis, um florete de esgrima,
e vários trajes para a prática de esportes: roupa de equitação, de tênis, de
iatismo... Todos trajes de esportes sofisticados, praticados por gente rica. E
eram trajes femininos. Então, devia ser um quarto de mulher.
De repente, lembrei que os “monstros” já
haviam mencionado que eram, sim, ricos. Hum, devo estar na mansão de um deles. Estaria
na mansão da Morgiana? Não, se me lembro bem daquele sonho que tive, a mansão
dela não era cercada de árvores e não era muito alta. Tampouco deveria ser a
mansão da Âmbar e do MC Claus, sei que a decoração é diferente – naquele sonho,
Âmbar se encontrava em um ambiente onde tudo era avermelhado.
Ali, perto daquele armário, estava o
toucador, cheio de produtos de beleza, cremes, pomadas. Tudo muito bem
organizado, os potes e garrafas organizados em ordem de tamanho, alinhados ao
espelho.
Me dirigi a outra porta: era outro armário.
Mas, desta vez, tinha um conteúdo mais... assustador.
O armário era cheio de caixas, vidros, potes
de conserva, cheio de substâncias coloridas e animais conservados em formol.
Aliás, o armário cheirava a formol, mas nada empoeirado – parecia tudo
conservado com o máximo de cuidados, cada vidro limpo, transparente, e
igualmente havia organização por ordem de tamanho, datas nas etiquetas... Mas
não deixava de emanar cheiro de formol, ou talvez naftalina. Havia até um
crânio humano ali dentro. Fecho a porta rapidamente, depois de sentir um leve
enjoo.
Quem quer que seja a proprietária do quarto,
devia lidar com bruxaria, magia negra ou medicina alternativa. Ao lado desse
armário, uma escrivaninha, mas meio mal conservada, com manchas de produtos
químicos e sinais de corrosão, porém houve uma tentativa de higienização,
estava coberta com uma capa de plástico. Cheirava levemente a água sanitária.
Devia ser ali o seu laboratório. Claro: ainda havia uma caneta tinteiro, um
vidro de nanquim e livros ali em cima, livros grossos, mas, em suas capas,
diziam ser tratados de anatomia. Resisti à tentação de folhear os livros.
Esta terceira porta tem de dar a um
corredor... Eu já estava ficando assustado...
Oba! É um corredor!
Um corredor comprido, típico de mansão, com
carpete em toda sua extensão, móveis esparsos, papel de parede. Tudo
aparentando ter muitos anos de idade, mas tudo muito bem conservado, com um
leve cheiro de mofado, tratado a naftalina. Só aquele corredor dava à mansão
uma aparência de museu. Ali perto da porta, havia uma cristaleira, com
porcelanas evidentemente antigas, estampadas com pinturas orientais coloridas
com muito esmero.
Fui olhando o que havia ali. Uma mesinha com
um abajur antigo, esmerado, outra mesinha com livros antigos em cima,
alfarrábios de uma outra época, e outra cristaleira, com jeitão de antiguidade.
Tudo ali tinha jeito de antiguidade. Seu proprietário, ou proprietária, devia
ser mesmo de família tradicional, e que se esforçava em manter o legado
familiar.
O corredor era cheio de portas. Vários
quartos. Que vontade de dar uma olhada nos quartos, ver o que havia neles...
Mas, quando fui espiar em um dos quartos, eis
que ouço vozes, vindas do fim do corredor. As vozes gritavam, discutiam. E eram
familiares. Fui em direção ao som. E conseguia distinguir trechos de conversas.
- Você foi muito precipitado...
- Era cedo demais para isso...
- Por que contou a ele?
- E se ele espalhar para todo mundo?!
- O que faremos com ele agora?
As vozes vinham da base de uma escada, cujo
topo se encontrava ao fim do corredor. Acesso ao andar de baixo. Uma escada de
madeira muito sólida, feita para durar muitos anos. Envernizada, e com o
corrimão artisticamente esculpido. Enquanto descia a escada, pé ante pé, eu ia
ouvindo a discussão acalorada que se processava ali embaixo:
- Luce, por quê?! – pergunta, indignada, uma
voz feminina. Era a voz de Andrômeda. – Por que torturar dessa maneira o
coitado?!
- Também acho que você se precipitou muito. –
desta vez a voz era masculina: a voz de Jorge Miguel. – Foi uma maneira
muito... como direi...
- Espetacular? – a voz agora era de Luce. –
É, foi espetacular. Admitam.
- Não. Foi imprudente, isso sim! – a voz era
feminina: Âmbar. – E ainda por cima o trouxe para nós todo estropiado! Maldita
hora em que concordei com isso! – e ela começou a chorar. – Se era para vê-lo
daquele jeito... e ele é tão bonito...
- Ah, vai, chora. – falou Luce. – Só porque
você precisou revelar sua forma mais assustadora para ele... Que ele já tinha
visto na outra dimensão.
- Luce, eu creio que vamos ter problemas,
agora, claro que vamos. – agora, era a voz de Breevort. – Deixar um humano
saber, assim, de nossa existência!
- “Eczatamente”. – Reconheci o sotaque forte
de Flávio Urso. – Porr que tu, Luce, se deu ao trrabalha de rrelevarr a ele a
eczistência des crriaturras noturrnas?!
- Oras, pensei que vocês tivessem sacado,
amigos. – manifestou-se Luce novamente. – Ele é humano, mas, fundamentalmente,
é um de nós! Ele é diferente! Ele também absorve energias da escuridão! Ele é
perfeito para todos os nossos propósitos! Inclusive aos das mulheres!
- Sim, mas... – Andrômeda se manifestou, mas
Luce a interrompeu:
- Confessa, maninha. Você também está
apaixonada por ele. E muito.
- Sim, Luce... todas gostamos muito dele. Mas
não a ponto de fazê-lo sofrer. (soluço) E agora, que ele sofreu este choque...
O que ele pensará a nosso respeito?! Ele vai fugir de nós como um demônio da
cruz! (soluço) Ele pensará que queremos devorá-lo como se fosse um leitão
pururuca! (soluço)
- Ele não nos verá da mesma maneira que nos
conheceu... Talvez pior! – falou Âmbar, entre soluços.
- Garanto que ele não vai fugir, irmã. Ele vai
aceitar a nossa proposta.
- Com toda certeza. – reconheci o vozeirão de
MC Claus. – Tem de ter muita força de vontade para resistir ao que temos em
mente. Ele sabe que, apesar de tudo, somos gente bacana.
- Mas e se ele pensar que somos criaturas
malignas?! – pergunta Breevort.
- Calma. – disse Luce. – Ele só necessita de
uma “amaciada a mais”. De mais um papinho para que seja convencido. Mas ele vai
se juntar ao nosso grupo. Vai ver que entre nós ele só terá vantagens. Que ele
estará melhor entre criaturas noturnas que entre humanos!
- Sei non... – falou Flávio Urso. – Ele serr
ton gentil, ton prrestativa... estarrmos atirrando uma pobrre alma no inferrno.
E tu, Lúciferr, serr o porrteirro das porrtas do inferrno. Serr o Carronte a
rremarr a barrca!
- Que há, Flavião, está com peninha dele? –
completou Luce, dando uma risada maligna.
Oh céus. Sem dúvida que eles estavam falando
de mim!
Desci devagar a escada, e me acomodei,
agachado, no meio. Dali, dava para ver o pessoal discutindo, em uma sala de
estar. Luce, Breevort, Andrômeda, Jorge Miguel, Flávio Urso, Âmbar e MC Claus. Não
via ali Morgiana, Flávio Dragão, Beto Marley, Fifi... É, estes não vieram à
reunião. E todos os presentes estavam em suas aparências humanas. Oh, decerto a
parte em que eles viraram monstros tivesse sido mesmo sonho!
Mas eles falaram alguma coisa sobre
“criaturas noturnas”, “revelar nossa existência a um humano”... Felizmente
ninguém ainda me viu ali.
Luce, vestido com uma camisa branca, e
ostentando o mesmo penteado da noite anterior, cabelo loiro a ponto de ser
branco, agora olhava para Breevort, que, sentado em uma poltrona, ainda vestia
aquele casaco surrado, e não tinha aquelas feições de duende – ostentava a
careca, a tatuagem no rosto e as unhas compridas (ei, ele não as havia cortado,
dias atrás? Como elas cresceram tão rápido?!), e, nervoso, brincava com os
próprios dedos da mão. O restante do grupo estava em pé. Jorge Miguel, com seu
cabelo cuidadosamente penteado e arredondando sua cabeça, se balançava,
distribuindo o peso do corpo em um pé, e depois em outro, parecendo dançar; Flávio
Urso, com aquela aparência de lenhador, bebericava em uma caneca do tamanho de
uma leiteira. Andrômeda, vestida de branco, com um cinto comprimindo os pneus
da cintura, e ostentando a cabeleira prateada, segurava nas mãos um lenço, com
o qual ia enxugando as lágrimas. Âmbar, com aquelas roupas mínimas com as quais
me acostumei a vê-la, estava trêmula, chorosa, segurando um copo de uísque, que
ela ia “temperando” com suas lágrimas. MC Claus, usando o casacão de pele, estava
bem tranquilo e descontraído.
- Até eu mesmo estou com reservas em
continuar com isso, Luce. – Breevort se manifestou novamente, apertando as mãos
cruzadas uma contra a outra. – Ainda mais depois do que você fez com Geórgia!
- Calma, cara. Tirei apenas um litro de
sangue. E ela está saudável, apenas toma alguns remédios de tarja preta, eu
diria que são antidepressivos, mas nenhum traço de entorpecente ou bebida
alcoólica nas últimas 24 horas.
Oh céus. Até isso um vampiro é capaz de
saber, bebendo o sangue da vítima?! Geórgia tomava antidepressivos e eu não
sabia?!
- Pode ser que ela fique surpresa em ver as
marcas – continuou Luce – e até acabe fazendo como o Macário e pensando que se
tornou vampira... De toda forma, ela vai tentar saber a respeito de sua
verdadeira natureza, amigo...
- O que eu não quero que ela saiba! –
Breevort explodiu. – No que você estava pensando?!
- Mas em breve ela também haveria de saber
sobre... nós. – Falou Jorge Miguel, com toda calma. – Talvez ela acabe fugindo,
ou aceitando nossa condição... Mas ela invadiu nosso espaço. Vai acabar sabendo
de tudo.
- Mas ela, a garota Geórgia, é diferente do
Macário. Ela é diurna. – falou Andrômeda.
- Mas tem todo jeito de que aceitará nosso
mundo, assim como o Macário – foi o diagnóstico de MC Claus. – E tu, Breevort,
fez uma boa escolha. A mina lá é bem linda. E transgressora.
- Mas eu não gostaria que ela soubesse que
eu...
- E eu não gostaria que o Macário soubesse
que nós... – manifestou-se Âmbar, mas Luce interrompeu:
- Bem, então tenta você convencê-lo a pular
fora enquanto ainda está vivo... Você, sim, sabe convencer fácil homens como o
nosso querido Macário... Vai, aproveite que ele se encontra ali, ó...
E Luce apontou para a escada.
Ele me notou! Ele sabia que eu estava ali!
Tomei um grande susto.
Os outros também. Somente Luce, de alguma
forma, havia reparado que eu estava na escadaria, ouvindo aquele inusitado
diálogo!
- Oi, Macário! – Luce me cumprimentou, com
alegria. – Você acordou, afinal! Quanto tempo faz que você está acordado?!
Sentado na escada, com o coração batendo
forte, respondi:
- Eu... eu... eu acordei faz uns... uns...
acordei agora. Eu... eu...
Luce demonstrava muita cordialidade, mesmo
que de um modo muito teatral.
- Ah, Macário. Caso esteja se perguntando
onde você está... esta aqui é a minha mansão, sim.
- Ma... mansão? Sua?!
- Dele e minha também. – falou Andrômeda,
olhando com mau humor para Luce. – Ambos administramos as mesmas propriedades.
E...
- Sim, Macário, você acordou no quarto dela
aqui. – interrompeu Luce, apontando para Andrômeda. – E aí, gostou do que viu?
Viu a coleção de produtos de beleza dela?! – e deu uma risada, enquanto
Andrômeda ficou carrancuda.
- Eu... eu... mas como eu...
- Oi, Macário. – falou Jorge Miguel,
cordialmente. – Tudo bem com você? Seus ferimentos já estão estabilizados?
Sente-se melhor? Claro que já, não? Você não poderia ser imune às panaceias que
aplicamos em você.
- Eu... hã...
- Lembra, não é, Macário? – manifestou-se
Luce. – Você apanhou pra burro na rua ontem, e, aliás, peço perdão pela surra
que dei em você. Aí, te apresentei para o restante do pessoal, eles se
mostraram como realmente são, e aí, você desmaiou. E aproveitamos o ensejo para
te tratar. Trouxemos você aqui para a minha mansão. E Andrômeda, é claro,
cuidou muito bem de você. Te deu até banho enquanto você estava desacordado,
que moral, hein?!
- Pudera, Macário... – falou Andrômeda, com
um sorriso amarelo. – Todo sujo, estropiado... Oh, Macário... Você não merecia
o que este... este... tipinho aqui te fez.
- Mas... mas... – procurei coordenar as
ideias. – O que houve ontem à noite... foi... foi real mesmo?!
- Ah, Macário, não seja tímido, desça aqui
que a gente esclarece tudo. – ordenou Luce, com delicadeza. Em seguida, fez um
sinal estranho para o restante dos presentes.
Obedeci. Desci a escada. Mas... Em um
momento, aquele grupo estava com sua aparência humana, como os conheci; do
outro... eles assumiram a forma monstruosa. Eu estava trêmulo, mas acho que
agora eu estava começando a me acostumar.
- Pode chegar mais perto, ninguém vai te
morder. – convidou Luce, ostentando as presas na boca.
Engoli em seco. Havia pouca gente na sala,
mas não deixava de ser uma experiência assustadora.
Jorge Miguel com os olhos vermelhos e pupilas
em forma de fenda; Andrômeda com a cabeleira prateada e as presas; esses dois,
e mais Luce, eram os que pareciam mais humanos, enquanto os outros... Breevort
com a aparência de um duende, um rosto de feições vagamente humanas, nariz
comprido e adunco, orelhas pontudas e as unhas afiadas – o que permanecia nele
eram a tatuagem no rosto e a careca, sem isso eu não seria capaz de
reconhece-lo; MC Claus com a aparência de um ogro, um irmão gêmeo do Shrek, com
casaco de pele, a pele verde, a cabeça bulbosa, no formato de um chuchu, com
“brotos” (as orelhas mínimas) saindo dos lados; e Flávio Urso como uma criatura
peluda, uma mistura de gorila com lobisomem. Âmbar, inexplicavelmente,
desapareceu. Deixara apenas o copo de uísque sobre o balcão.
- Mas... mas... mas...
Meu olho estava arregalado, meu corpo
trêmulo. Mas precisava aguentar firme. Eu sou homem, tenho quase vinte anos...
Não posso ficar com medo de vampiros, ogros... Medo de criaturas lendárias é
coisa de criancinha! Adultos tem medo é de violência urbana, de assaltantes
humanos! Mesmo assim, sentia que ia mijar dentro do roupão emprestado.
- Bem, Macário – falou Breevort, com uma
expressão triste que se contrapunha à sua aparência – não é um pesadelo: somos
criaturas noturnas, sim.
- Cri... cria... criatu...
- É isso aí, mano. – falou MC Claus, mas
sorrindo, simpático. – Somos criaturas que dão um jeito para se misturar entre
os seres humanos. No momento estamos em poucos, mas nosso grupo é bem maior.
Somos só a “diretoria” do grande grupo. A turma que toma as decisões pelo
restante. Tu entende, né?
- Mas... mas... – sempre olhando para MC
Claus, perguntei, gaguejando: – C... Claus... você... você... é um ogro?
- Oras, não está vendo? Claro que sou! – MC
Claus não pareceu se irritar.
Oh, céus. E, em sonhos, eu “comi” a mulher
dele! Ou melhor... ela que me comeu, em todos os sentidos.
- E você... você... – tímido, apontei para
Breevort.
- Sou um elfo. – ele até fez uma reverência.
- E... elfo?! Mas... mas... mas você... hã...
você é...
- Sou uma espécie... hum... especial de elfo.
Um elfo negro. Sei, acho que você esperava um elfo tipo “Senhor dos Anéis”, loiro,
bonito... – É, eu estava, sim, esperando um elfo como os que aparecem nas ilustrações
de livros de RPG... – mas é que tem dois tipos de elfo, os brancos e os negros...
Os negros são mais deformados. – Breevort me dirigiu um olhar enviesado antes
de prosseguir: – Mas, antes que pergunte, não, não sou do mal, não. Te juro.
Ah: mas não conte para a Geórgia, viu?
- Eu... hã... claro, não vou contar.
Disse aquilo sem pensar. Mas ele pareceu
contente. E me olhava como se implorasse para que eu não contasse seu segredo.
Oh céus. E esse... esse... ser... esse ser
estava flertando com a Geórgia. Com uma aparência meio monstruosa, deformada.
E, embora juramentasse que não era “do mal”, como não posso ter certeza de que
foi esse ser intitulado elfo negro quem decepou a orelha de um pivete?!
- Breevort, não se iluda, rapaz. A moça vai é
escolher o Marto Galvoni. – manifestou-se Luce.
- Ah, não vai não! – irritou-se Breevort. –
Você não vai estragar nossa relação! Ela gostou do meu jeito! Tivemos um
encontro legal na noite passada! Ela está ligada na minha...
- Mas o Galvoni gostou do jeito dela,
Breevort, não adianta. E ela também gostou do jeito dele. Acredite, você não
tem como ganhar esse triângulo amoroso.
- Mas estou disposto a lutar até o fim! Como
um cavalheiro! Posso não ser “sofisticado” como o italiano, mas eu tenho o que
uma mulher realmente procura! Pode crer que tenho! Posso perder neste jogo, mas
não será sem luta!
Pelo jeito, Breevort queria mesmo mostrar que
monstros também amavam. Para Luce, ele olhava raivosamente, diante daquele
sorriso irônico, sarcástico. Para mim, ela fazia um olhar de quem pedia ajuda.
- Oh, por favor, Macário, amigão! – Breevort
agarrou meu braço. – Por favor, sei que você e a Geórgia são amigos, e até
transam de vez em quando, e eu não levo isso a mal, mas por favor, não conte a
ela o que sou de verdade! Porfavorporfavorporfavor! – implorou, chorando. – Eu
sei como os humanos são, mas... ela... a Geórgia... eu... (soluço)
- Que patético... – disse Luce, dando uma
grande risada.
Até Jorge Miguel deu uma risada.
- Eu não vou contar, Breevort, já disse que
não vou contar! – assegurei, com o olho mais arregalado que conseguia.
- Ahaaah, Brreevorrt... – manifestou-se
Flávio Urso, rindo enquanto sorvia sua cerveja. – Nem parrece homem... ou
melhorr, nem parrece elfo negrro...
- E você também vá tomar no...! – Breevort
quase gritou para o tranquilão Flávio Urso.
Naquele sala, os únicos que não estavam rindo
eram Breevort, Andrômeda e eu. E Âmbar, se eu soubesse para onde ela foi.
Ali, no canto, o monstro que deve ser Flávio
Urso continuava bebericando seu caneco de cerveja, normalmente, cobrindo seu
focinho peludo de espuma. Me virei em sua direção.
- Oi. – cumprimentou.
- Você... você... – gaguejei de novo. – Você
é... é... O que é você?!
- Ah, Macário, o Flavião aí é uma criatura
difícil de definir, na verdade. – manifestou-se Luce. – Ele é uma cruza de duas
criaturas. De licantropo, o popular lobisomem, e de pé grande.
- Hein?!
De fato, era difícil definir Flávio Urso
dentro de uma classificação convencional. Sua cabeça era quase totalmente
peluda (só não havia pelos no espaço dos olhos) e tinha um focinho projetado
como o de um lobo, mas os traços eram mais simiescos, com orelhas laterais. De
fato, parecia uma espécie de pé grande, ou sasquatch,
monstro lendário do América do Norte. Ou um Chewbacca, de Star Wars, que tentou fazer um corte de
cabelo e o resultado não ficou legal. Usando um enorme casaco felpudo e bebendo
cerveja.
- Minha mãe êrra uma licantrrôpa, e meu pai
erra um sasquatch. – ele explicou. –
Uma estrranho moisture. – E deu um
arroto. – Oh, pardon.
- Flávio! Onde está sua etiqueta?! –
repreendeu Andrômeda.
- Ele, Flávio Urso, é o resultado
bem-sucedido do atavismo entre criaturas lendárias. – explicou Luce, alegre,
como se tivesse sido ele o descobridor do resultado da experiência científica.
– E com a devida maneira de se esconder do restante do mundo.
- Er... pois é... – foi o que aquele monstro
falou.
Eu passava, gradativamente, do medo para a
fascinação. Estava diante de representantes de uma fauna de monstros legítimos!
Bem, eu teria de deixar para depois para tentar entender essa história de
atavismo.
- Eu... eu... eu não contarei nada a ninguém,
juro! – foi minha reação, tentando controlar o início de uma provável
hostilidade entre aquelas criaturas. – Não vou contar a ninguém o que vocês
são!!
- É bom mesmo que não conte, meu chapa. –
falou Jorge Miguel, me fulminando com aqueles olhos vermelhos. – Temos muito
trabalho para manter nossa existência em segredo do restante do mundo, sabe?!
E, no fim, o mais que conseguimos é nos passarmos por humanos excêntricos! Por
uma tribo urbana de aparência transgressora!
Andrômeda ficou vermelha. Certamente, Jorge
Miguel, ao falar em “humanos excêntricos”, estava se referindo também a seu
cabelo prateado, à sua língua bifurcada – e ela ficava sentida com isso. Não
era à toa que ela aparecia no bar usando peruca.
- Bem... – falou Luce. – Se bem que alguns de
nós temos mais facilidade para nos passarmos por humanos. Nós, os vampiros, por
exemplo... a Âmbar também... e... ué, onde está a Âmbar?
- Ela estava aqui... – falou Andrômeda.
Agora é que todos repararam que Âmbar não
estava ali? Ou melhor, alguém mais além de mim reparou.
- Ela está aqui. – falou MC Claus, olhando
atrás de um móvel. – Saia daí, Âmbar, querida.
- Não! – ouvi uma vozinha bem fininha
gritando. – Não, por favor, Clauzinho, eu não quero que o Macário me veja
assim...
- Vamos, mina. – falou MC Claus, calmamente,
se apoiando atrás no móvel. – Não tem mais jeito, temos de contar a verdade. A
m(...) já está feita. Eu já contei, agora é sua vez...
- Oh, não, por favor... – retrucou a vozinha
fininha e triste.
Ué? A Âmbar estava aspirando gás hélio atrás
do balcão? Mas para quê?...
E MC Claus tirou, de trás do móvel, um
minúsculo louva-a-deus, e o colocou sobre o móvel. O louva-a-deus verdinho
estava encolhido, e parecia assustado. Tentava esconder a cabeça com as garras
de seus braços.
- Â... Âmbar? – perguntei.
- Por favor, Macário... não vai se assustar
com o que você vai ver, tá? – e era o louva-a-deus que estava falando, mesmo!
E, diante de meus olhos, o louva-a-deus
saltou do móvel e, rapidamente, começou a crescer e a se metamorfosear. Suas
antenas encolheram, sua cabecinha ganhou um cabelo claro, suas patas dianteiras
diminuíram, suas garras viraram mãos, um par de patas traseiras sumiu, o outro
par virou pernas humanas... Enfim: diante de meus olhos, o louva-a-deus se
transformou em humano. Na Âmbar. Da forma como a conheci, a bela e sensual
Âmbar. Felizmente, vestida – a roupa devia fazer parte de sua forma de inseto.
Fiquei de olho arregalado. E Âmbar sorriu,
sem jeito.
- Oi, Macário.
- Â... Âmbar... você... você...
- Eu sou uma ninfa, Macário.
- Uma...
- Isso, mesmo, Macário: uma ninfa. – ela
tentou ser enfática.
- Ninfa?!
- Uma... uma criatura das florestas... da
mitologia grega... plenamente adaptada à vida urbana.
- Ma... ma... ma... – gaguejei.
- Eu... eu... – Âmbar lacrimejava muito. –
Por favor, Macário, nos perdoe... me-me... me perdoe... eu... eu não queria...
- Ah, Âmbar, não chore. – falou MC Claus, tentando
consolar Âmbar. – Ninguém queria ter de contar que somos o que somos. E... oh,
Macário, você está chocado?
Fiz que sim com a cabeça.
- Eu não esperava nada disso... – balbuciei.
- Você... hã... Macário, você está com medo
da gente? – pergunta Âmbar, com lágrimas nos olhos.
Sentia, na verdade, meus olhos revirando, e
minha cuca fundindo.
- Eu?! Eu... não, eu não estou com medo, não,
não, não... eu só estou custando a acreditar... a acreditar... eu não acredito
que nesses dias todos... nessas semanas todas... eu... eu estive servindo
bebidas a vampiros, elfos, duendes, ninfas, ogros, demônios, bruxos... ih, ih,
ih! Ah, ah, ah, ah, ah!!!
E acabei dando uma risada descontrolada. Acho
que acabei fazendo um escândalo.
- Eu já não sei se o que ando vivendo é sonho
ou realidade... não sei de mais nada!!! Ahahahah... é agora que minha cabeça
vira geleia!!! Ihihihih...
E continuava rindo descontroladamente,
segurando minha cabeça, tentando impedir que ela estourasse ali, no meio da
sala.
- Macário, por favor... – Âmbar chorava.
- Macário, se acalme, rapaz. Se acalme. –
pediu Luce, educadamente. – Te senta no sofá, respira fundo. Colocar ar na
cabeça. Se acalme.
Obedeci. Respirei fundo, mas mal conseguia
conter o riso nervoso. Beirando a demência.
- Ihihih... Ora, ora... – comecei a falar,
sentindo a oxigenação do cérebro. – Ora, ora... é difícil de acreditar...
hehehe... um vampiro que toma bloody mary... uma vampira que toma marguerita...
um vampiro que toma conhaque... um elfo que toma caipirinha... um ogro que toma
piña colada... uma ninfa que bebe de tudo... ihihih...
- Ué, Macário, qual é o problema?! Monstros
não podem também consumir o que os humanos consomem?! – perguntou Jorge Miguel,
com indignação.
- Eu... – enxuguei uma lágrima, respirei
fundo, e me senti mais calmo, mais sereno, com o cérebro mais oxigenado. – Eu
não digo que não possa, eu só não imaginava que isso seria... possível.
Principalmente... vampiros consumindo bebida alcoólica...
- Ah, Macário, eu lhe disse... – falou
Andrômeda, agora sorrindo. – Muito do que os humanos escreveram sobre vampiros
não corresponde à realidade. Vampiros podem, sim, comer e beber.
- Podem?
- Podemos comer e beber, mas não digerir,
Macário. – falou Luce. – Para que os humanos não desconfiem, sabe... a gente
ingere comida e bebida na frente deles, acumula no estômago... mas temos de
vomitar tudo depois. Nós fazemos como algumas modelos que desfilam por aí. Para
a nutrição, só aceitamos sangue.
- É... é mesmo?! – estremeci.
- É mesmo. Quanto aos outros aí, sem problemas,
eles podem beber e se embebedar. Inclusive o Flavião. Você dificilmente
encontrará um humanoide quem beba mais do que um pé grande.
E Flávio Urso solta outro arroto. Andrômeda
repreendeu novamente.
Soltei outra risada descontrolada. Mas fui me
acalmando aos poucos.
- T... tudo bem, agora estou calmo. – falei,
olhando para todos eles. – Calmo. Muito calmo. Sério, estou calmo. Eu já
acredito que vocês são reais. Todos vocês. Eu já acredito em magia, viu? Vocês
manipulam magia, certo? Pois eu acredito nisso, sim. Acredito, viu? Eu já
consigo aceitar a existência de vampiros, ogros, elfos, ninfas... olha, não
fiquem bravos comigo, viu?! Eu não quero ofender vocês...
Tentei ser enfático, fazer com que realmente
acreditassem que eu acreditava neles. Acho que convenci. Que bom, eles não
iriam me devorar...
- Mas ninguém aqui está ofendido, Macário. –
falou Breevort. – Ninguém está bravo com você.
- Eu estou – falou Âmbar, me olhando
enviesado.
- Â... Âmbar... – fiquei assustado. – Eu...
eu... Mas eu já disse que...
- Não, Macário, não é por causa da sua
reação. – Âmbar começou com um
sorrisinho, e depois quase encostou seu nariz no meu, olhando em meus olhos.
Senti seu hálito de uísque. – Eu sei, é normal que um humano reaja dessa
maneira quando sabe de nossa condição... – daí, ela ficou carrancuda. – É por
causa de outra coisa, Macário... Que história é essa que eu pareço gorda, hein?
- Hein?!
Todo mundo arregala o olho.
Ué, essa eu não entendi!
- Mas do que você está falando, Âmbar?!
- Não pense que eu não sei o que você falou,
Macário... que você disse que eu e a Andrômeda parecemos gordas...
Andrômeda fica vermelha de novo.
- Eu falei isso?! – pergunto, surpreso. – Mas...
Mas... Quando foi que...
- Ah, sim, foi naquela noite... – falou uma
voz atrás de nós.
E, de uma porta lateral, Morgiana apareceu de
repente, trajando um roupão parecido com o que eu estava usando. E ela estava
na forma humana, com o cabelo negro úmido e brilhante.
- Morgiana?!
- Ah, oi, pessoal. – cumprimentou Morgiana,
sorridente, exibindo os dentes afiados. – Oi, Macário. Acordou, e parece legal,
que bom, eu já estava preocupada... Desculpem não ter aparecido na reunião, mas
é que eu estava nadando... Eu precisava nadar um pouco... Valeu por deixar usar
a sua piscina, Luce...
- Ah, tudo bem, Morgiana. – falou Luce. – Sei
que você precisa de água, de muita água...
- Bem, como eu ia dizendo, lembra, Macário,
que você falou para mim? – continuou Morgiana, alegre. – Que perto de mim, a
Andrômeda e a Âmbar parecem gordas?!
Ah, agora eu estava lembrado! Eu realmente
falei isso na noite em que eu fui atraído para a piscina de Morgiana e suas
irmãs... Mas... Foi sonho, não foi?! Os tais portais mentais são sonho, não
são?!
- Mas... mas... como assim?! Você... Âmbar!
Você consegue dar um jeito de ler a mente dos outros?! Mas eu tenho certeza de
que...
- É, Macário, vamos dizer que eu, sim,
consigo dar uma de voyeur dos sonhos
alheios. Esse é um benefício a mais do uso dos portais mentais.
- Ma-ma-ma-ma-mas... mas...
- Depois a gente ensina como se usa essa
técnica, viu, Macário? – falou Morgiana, galhofeira. – Claro que tem seus
efeitos colaterais, como confusão mental, terror noturno, e gente
bisbilhotando. Mas... ah, Âmbar, é verdade, sim... Perto de mim você parece
gorda.
- Não sou gorda nem pareço gorda! – falou
Âmbar, sem se alterar, e empinando aqueles peitões maravilhosos. – Que culpa
tenho de meus seios... hã... avantajados, hein? Eu sei que o Macário gosta.
Você gosta de seios grandes, né, Macário?
Do decotão que Âmbar ostentava, desviei meu olhar
para Andrômeda. Mas a vampira não demonstrava ter se ofendido. Ainda assim, não
respondi a pergunta de Âmbar.
- Mas ele também gosta de seios do tipo
pudim, não é mesmo, Macário? – falou Morgiana, prestes a abrir o roupão,
possivelmente para mostrar os seios. – Se não fosse assim, nós não teríamos
tido...
- Morgiana! – interrompi aquele insólito
diálogo. – E você, que criatura é?!
- Hein? Como as... – Morgiana começou a
falar, e, depois, olhou em redor. – Hã... pessoal? Por que vocês estão
transformados assim? Breevort? Flávio? Jorge?
- Puxa, Morgiana, agora que você reparou que
estamos mostrando ao Macário nossas verdadeiras formas?! – falou Luce, com um
sorriso irônico. – O Macário já estava quase enlouquecendo. Mas agora... falta
você mostrar quem é.
- E... eu?! Eu...
- Morgiana... que tipo de criatura é você?! –
repeti. – Aqui tem três vampiros, um elfo negro, um ogro, um pé grande, digo,
meio pé grande, uma ninfa... e você, o que é?!
Morgiana ficou muito vermelha. Balbuciou
alguma coisa, olhando para os lados, de cabeça baixa. E, no fim, ergueu a
cabeça, abriu o roupão, e, antes mesmo que o roupão caísse no chão, e
possibilitasse uma visão de seu corpo nu, Morgiana caíra... transformada, num
piscar de olhos, em um pequeno tubarão cinzento, que se debatia ali, no chão da
sala. Fiquei assustado.
- Mor... mor...
- Morgiana!! No chão da sala não!!! – gritou
Andrômeda. Certamente, ela não estava gostando de ver um tubarão, mais ou menos
do tamanho de um ser humano, se debatendo no chão de uma sala.
- Oh, desculpe! – falou o tubarão.
E a criatura sofreu outra metamorfose: agora,
metade dela era tubarão. Morgiana assumiu forma humana da cintura para cima,
mas manteve a cauda de tubarão, e uma barbatana nas costas. Estava tal e qual
no retrato que eu vi na exposição do Marto Galvoni. Então... Morgiana era...
uma sereia?!
Morgiana olhou para mim, apoiada no chão de
bruços (estava sem sutiã, claro), sorrindo sem jeito.
- Eh, eh... Éééé... pois é, Macário, eu... eu
sou...
- Sim, Macário, uma sereia! – falou
Andrômeda. – Uma sereia do tipo tubarão!
- Tipo tubarão?!
- Que há, Macário? – perguntou Breevort. – As
sereias, assim como os elfos, também tem suas classificações! Nem todas as
caudas de peixe são iguais!
- É isso aí, Macário... – falou Morgiana, com
lágrimas nos olhos. – Eu sou uma... uma “tubaroa”! Uma “tubarina”... escolha o
termo que achar melhor... E, bem... esta é só uma das formas que posso
assumir...
- Enquanto enche o chão da minha sala de
gosma de peixe! – falou Andrômeda, indignada.
De fato, a cauda de Morgiana estava úmida.
- Ei, foi o Macário que pediu para...
- Ah, que lindo. Se o Macário te pede para
entrar em uma lata de atum, você entra?!
- E se o Macário te pedir para enfiar uma estaca
no seu peito, você enfia? – a morena retrucou.
E, de repente, começou uma discussão.
E, enquanto o pessoal começou a discutir,
praticamente, todo mundo envolvido em uma discussão totalmente nonsense, com
cada um dando seus pitacos... só duas pessoas ali não estavam envolvidas,
gritando, discutindo... eu, que olhava, paralisado... e Luce, que ria às
bandeiras despregadas.
Depois que parou de rir, o vampiro me puxou
pelo braço.
- Venha, Macário.
E me tirou da sala, enquanto todo mundo
continuava discutindo, sem nem repararem na nossa saída à francesa. Morgiana já
voltara à forma humana, e agora estava, nua, de discussão com Âmbar, pelo que
entendi, sobre tamanhos de seios, e com MC Claus no meio da conversa... e
Andrômeda discutia com Flávio Urso sobre os arrotos que ele dava, e era aí que
Breevort e Jorge Miguel estavam envolvidos...
Mas eu não estava mais ouvindo. Luce me puxou
de volta para o corredor no alto da escadaria.
- Ufff... – ele deu um suspiro. – Esse
pessoal, francamente.
- Luce?!
- Melhor que tenhamos saído à francesa,
Macário. Assim nós dois poderemos conversar tranquilamente. Só nós dois. – e
enfatizou, me olhando nos olhos e sorrindo: – Só. Nós. Dois.
- Só nós dois... sobre o quê?
- Sobre a proposta que tenho para você.
- Proposta?!
- Você ouviu o que estávamos conversando,
certo?
- Eu... eu ouvi, mas...
- Temos uma proposta para você, amigão. Uma
proposta irresistível. Ir-re-sis-tí-vel, meu chapa. Mas vamos para outro lugar,
é claro.
- O... Outro lugar onde?
- Vamos dar um rolê pela cidade, Macário! Aí
eu vou falando com calma.
- Uma... uma volta pela cidade?!
As atitudes de Luce não estavam me soando
racionais.
- É melhor quando eu tomo um ar noturno,
Macário. Bem, hoje, de novo, você não vai para a sua aula, nem para o seu
trabalho. Nós vamos passear. Vamos falar de uma proposta que temos para você.
- Mas... mas...
- É claro que, primeiro, você precisa se
vestir, Macário. Venha para o meu closet.
Vamos escolher uma roupinha para ti, e depois, vamos passear. Nós tivemos de
queimar aquela tua outra roupa, depois que foi rasgada e mijada, ela não servia
para mais nada.
- Hã... está bem.
E Luce me conduziu a um quarto. Não era bem
um quarto: era um grande guarda-roupa, um corredor cheio de araras, cabides, e
muitas roupas, masculinas e femininas, alinhadas. E sapatos também. O closet dele – e, pelo jeito, o de
Andrômeda também.
Luce, rapidamente, remexeu nos cabides da
seção masculina, cheio de casacos, ternos, camisas, etc., e sacou do meio das
roupas um cabide contendo uma calça, uma camisa e um casaco, similares aos que
eu usava no dia anterior, quando tudo começou. Me entregou também uma cueca, um
par de meias e um par de tênis. Ali próximo, ao final do corredor, havia um
biombo. Fui para trás do biombo, tirei o roupão emprestado e me vesti, sem
questionar. A roupa serviu perfeitamente em mim – eu até diria que eram as
minhas roupas, que na verdade elas foram consertadas!
- E aí, Macário, vestido? – perguntou Luce,
que me esperava com a minha mochila nas suas mãos.
- Sim...
- Ótimo. Beleza, Macário. – entregou minha
mochila e ordenou: – Por aqui, depressa!
E afastou algumas das roupas de uma das
araras, como quem abre uma cortina, revelando a existência de uma porta
secreta. Foi por ali, por um corredor escondido, que Luce e eu saímos, antes
que os outros percebessem. Eu o segui, calado.
Por aquela passagem secreta, chegamos, em
velocidade estonteante, a uma garagem. Haviam vários automóveis, mas era tudo o
que eu consegui distinguir – a garagem estava escura, e nem tive tempo de ver
como eram os automóveis: Luce praticamente me jogou dentro de um deles, no
banco do caroneiro. Depois se sentou no banco do motorista, e o carro,
rapidamente, percorreu uma estradinha dentro da propriedade, e ganhou a rua.
Calado, a mochila em meu colo, eu vi a mansão de Luce e Andrômeda se afastando.
Era enorme mesmo, apesar de ter apenas três andares.
Estava tudo acontecendo mais rápido que minha
capacidade de absorção de informações... E Luce, ao volante, apenas sorria.
Próximo capítulo, e último do ano: daqui a 15 dias.
A série prosseguirá, se o Grande Desenhista do Universo permitir, ao longo de 2018 - ainda há muita aventura pela frente. Mas, até aqui, como está? Está boa? Está ruim? Continuo? Paro? Deixem um feedback, não doerá nada...
O próximo capítulo promete ser decisivo! Fiquem ligados!
Até mais!
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