sábado, 30 de dezembro de 2017

MACÁRIO - Capítulo 25: "Proposta Um Pouco Decente"

Olá.
Depois de um período ausente da internet, estou de volta, trazendo mais um episódio de meu folhetim ilustrado para adultos, MACÁRIO. Excepcionalmente, devido ao ano-novo, o último capítulo de 2017 será publicado no sábado. Depois, apenas no ano que vem.
ATENÇÃO: leitura não recomendada para menores de 18 anos. Contém cenas de tentação e tentativa de corrupção.



Assustado, eu via a cidade se entregar à escuridão do crepúsculo, as luzes dos postes se acendendo, os carros necessitando acender os faróis. Eu estava, nesse momento, a bordo de um – e com o vampiro Luce como motorista.
Mas, pelo menos, como motorista, ele não era endiabrado. Ele dirigia bem. Estava muito calmo, seguro, a sensação constante de que nada daria errado – o que quer que estivesse planejando.
Seis e meia da tarde passado, agora. Eu agora deveria estar na faculdade, mas Luce insistiu em me levar para outro lugar. De todo modo, com tudo o que presenciei na última hora, eu nem com ânimo para assistir aula estava. Sequer para trabalhar no bar.
Eu tinha tantas perguntas para fazer a ele, mas sentia que o momento não era oportuno, de todo. Para onde ele estava me levando?! Onde iríamos parar para tratar da tal proposta ir-res-sis-tí-vel que ele tinha para mim?
Eu me sentia um menininho. Um menininho que, nesse momento, estava sendo levado para a casa de um pedófilo – e que só iria descobrir suas reais intenções quando fosse tarde demais.
Mas, ao menos, Luce não estava usando aquela capa que o fazia se transformar naquela massa de sombras, como ele me assombrava em meus sonhos. Aquela capa parecia ter vida própria. E sei que não era delírio, visto que, na última hora, eu presenciei, entre outras coisas, um louva-a-deus se transformar em garota diante de mim, e uma garota se transformar em um tubarão diante de mim...
- Que foi, Macário? – manifestou-se Luce, o olhar desviando levemente da estrada para mim, em um momento em que o carro precisou parar em um sinal vermelho. – Ainda está abalado?
- Um pouco. – respondi, procurando parecer calmo. – Aonde estamos indo?
- À churrascaria, Macário.
- Chur...
- Você deve estar com muita fome, não, Macário?
Foi só ele falar isso, e meu estômago começou a roncar. Só agora me dou conta que, desde que acordei no quarto de Andrômeda, irmã de Luce, eu não coloquei nada no estômago. Aliás, desde o dia anterior não colocava nada no estômago a não ser sangue de animais.
- Foi o que pensei. – respondeu Luce. – Também, pouco mais de vinte e quatro horas de jejum. E tudo o que puseste no estômago foram doses de sangue de rato e de cachorro... Pouco nutritivos sangues de rato e de cachorro, oh, pobre Macário.
- É isso que me assusta... Eu bebi sangue de rato!!! – senti vontade de vomitar, mas me controlei. Enquanto isso, Luce deu uma risada. Continuei: – E você... você tem certeza mesmo que eu não virei vampiro?! Como você?!
- A esta altura, Macário, os efeitos das drogas ministradas em teu corpo já devem ter passado. Seu organismo já deve estar agindo como sempre agiu. Você já voltou a ser o humano que conhecemos. Mas pode deixar que eu lhe pague uma refeição.
- Você vai...
- É o mínimo que eu posso fazer depois da surra que lhe dei. Mil perdões, Macário, mas eu tinha de colocar sua cabeça no lugar de alguma maneira.
Só de lembrar que, ainda ontem, ele me fez de saco de pancada!...
- Mas para quê tudo isso, Luce?! Posso saber?!
- Claro que você vai saber, Macário. Mas vamos comer primeiro.
- Para que churrascaria você está me levando?!
- Calma.
De fato, Luce estava dirigindo há muito tempo. Estávamos saindo da cidade? Estávamos. Circulamos muito tempo pelas principais avenidas da cidade, passamos pelo Centro, paramos em muitos semáforos, passamos por vários restaurantes, pizzarias e churrascarias dentro do perímetro urbano sem parar em nenhum; enfim, Luce praticamente atravessou a cidade de uma ponta a outra em seu carro. Nos afastamos muito da sua mansão. Acho que estou entendendo: é para que os outros monstros não nos achassem.
Decerto, agora, Andrômeda e os outros monstros reunidos já haviam parado de discutir por causa das transformações de Morgiana, e já haviam reparado que Luce e eu não estávamos mais ali. E já deviam estar nos procurando... Mas eu mesmo já estava com gastura de ter de ouvir todos aqueles diálogos.
As ruas não tinham muitos carros. Isso era estranho. Talvez seja por causa da via pela qual estávamos indo. Estranho que nestes dias as ruas estavam pouco congestionadas...

Eu já havia perdido a conta de quantos espetos eu já havia aceitado. De quantos pedaços de carne eu já havia aceitado, devorado, e mais os  acompanhamentos. Aquele churrasco era excelente mesmo. Ou era eu que estava mesmo faminto. E a mim, restava agradecer às divindades regentes deste mundo por ainda conseguir comer como um ser humano, e pela oportunidade de estar jantando em uma churrascaria quando tantos outros não podem.
Então, o efeito das tais drogas já havia passado mesmo. Durante dias, eu estava ingerindo substâncias estranhas nas bebidas que os “monstros” pagavam para mim após o expediente. E estas drogas afetaram meu organismo de modo que ele estava funcionando como o de um vampiro. O efeito foi temporário, mas fez muito estrago.
E agora aqui estou eu, numa churrascaria de beira de estrada, na saída da cidade, já fora do perímetro urbano. Não era a churrascaria mais careira, mas também não era a mais simples. Era um bom lugar, com uma comida excelente, a preços acessíveis, e um atendimento impecável, os garçons, em seus ternos alvos, gravatas-borboletas negras combinando com as calças escuras, passando com os espetos de carne assada, suculenta, pingando, as gotas de líquido escuro, mistura de sangue e gordura, devidamente aparadas em pratos posicionados sob as pontas dos mesmos.
Que estranha a escolha feita por Luce, de um lugar para jantarmos. Mas ele também aceitava e ingeria peças de carne. Embora o vampiro tenha me explicado que vampiros podiam comer comida, mas não digeri-la, e que tinham de vomitar tudo depois... Luce comia do rodízio com vontade. Decerto, também podia saborear comida, sentir o gosto, e ele devia mesmo gostar de carne sangrenta e malpassada. Quem olhava para nós dois, poderia dizer que não comíamos há dias. Mas ambos procurávamos manter a etiqueta.
Bem, Luce disse que era um recurso para conseguir se disfarçar no mundo humano. Decerto, era uma habilidade que vampiros conseguiam desenvolver a partir de treino. Poder simular que estão comendo comida de gente. E beber, ainda por cima: Luce ainda pediu refrigerante e vinho para acompanhar. Eu fiquei com o refrigerante, ele com o vinho. Algo me dizia que era melhor eu me manter sóbrio.
- E aí, Macário, que acha do churrasco?! – perguntou Luce, depois do quinto ou sexto prato.
- Excelente. – falei, depois de deglutir mais uma garfada, e levantando o polegar.
- Pelo jeito você estava mesmo faminto.
- E pelo jeito, se é verdade que você aí comendo é apenas fingimento, que você depois vai ter de vomitar tudo... Então você está simulando muito bem.
- Eu não sou como tantos vampiros por aí que ficam perdendo tempo para desenvolver suas habilidades, dispõem de tanto tempo e não fazem nada, preferem viver à antiga por preguiça de treinar... Entende? Duzentos anos é bastante para adquirir certas habilidades.
Me assustei, e quase engasguei com um pedaço de carne.
- Du... duzentos anos, você disse?
- Claro. – falou Luce, sorvendo bebida.
- Quantos anos você tem?
- Uns... hum... trezentos e cinquenta. – ele falou, depois de pensar um pouquinho.
- Trezentos e cinquenta anos?! – quase gritei.
- Shhh... Fale baixo, Macário. Tem muita gente aqui para escutar.
De fato, não estávamos sozinhos no restaurante. Mas, até onde podia constatar, os outros clientes eram normais. Nenhum rosto excêntrico, nenhuma aparência transgressora, nenhum indício de algum monstro disfarçado.
- Perdão. – prossegui, falando o mais baixo que consegui. – Mas então... você nasceu no... no século dezessete?!
- Sim, ali pela década de 1660.
- 1660... que você e Andrômeda foram mordidos e...
- Não. Que eu e Andrômeda nascemos.
- E desde quando vocês são vampiros? Digo... Quando vocês foram mordidos?
- Não fomos mordidos, Macário. Nascemos assim.
Hein?! Mas eu sempre li que vampiros só geravam outros vampiros através de mordidas em humanos...
- Nasc... Como assim?!
- Nosso pai e nossa mãe eram vampiros. E eles tinham uma rara particularidade: conseguiam ter filhos sexuadamente. Isso, entre vampiros, é uma rara capacidade. Poder gerar filhos como os humanos. Mas o fato é esse, fomos gerados sexuadamente. Mas não deixamos de ser sanguessugas.
- Uau...
- Gerar mais vampiros, podemos gerar de duas formas. Quando é possível, e isso tem raras chances de ocorrer, podemos nos reproduzir pela via sexual. Mas a grande maioria dos vampiros é estéril, Macário. A grande maioria. Estéril, mas viril. Você já deve ter ouvido falar que vampiros são obcecados por sexo...
- Sim...
- Pois é. E meu pai e minha mãe, ainda no século dezessete... Mas, voltando. A segunda via é a mais fácil, morder uma pessoa e torna-la vampira através de um vírus contido em nosso sangue. E, bem, algo que hoje em dia estamos evitando de fazer. Hoje em dia, preferimos tirar sangue das vítimas por outros meios. O meu você viu, as seringas gigantes.
- Hm.
Procurei demonstrar interesse no que ele contava. Mas me perguntava por que ele, entusiasticamente, estava contando essas coisas a um humano.
- Vulnerabilidades temos também, Macário. Pelo menos uma. No meu caso, tenho uma alergia a água benta e a cruzes... mas a sol e ao alho consigo resistir. Olhe só... este pedaço de carne aqui foi temperado com alho, eu sei.
E, dizendo isso, ingeriu o pedaço de carne espetado em seu garfo.
- Oh. E vocês dois, Andrômeda e você... seus pais tiveram dois filhos, só?
- Não. Eu também tive um irmão. Andrômeda e eu somos os últimos remanescentes da família.
- Oh... o que aconteceu com...
- Meus pais e meu irmão Abraxas... foram mortos. Meus pais tentaram sair ao sol e foram incinerados. Mas Abraxas... ele morreu em uma... uma briga.
- Vampiros podem ser mortos em brigas?
- Se for com um caçador de vampiros, podem sim.
- Um caçador de...
- Pois é, Macário... eles também existem no Brasil, os caçadores de vampiro...
E, pela primeira vez, eu via Luce com um semblante tristonho. Ele não sorria, e a possível lembrança de ter visto o irmão sendo morto, possivelmente com uma estaca no peito enquanto dormia em seu caixão... enfim, isso devia perturbá-lo. De todo modo, seu sorriso saiu de seu rosto.
Fiquei surpreso. Se vampiros existiam no Brasil, então também deveriam existir os caçadores de vampiros. E... onde foi mesmo que eu ouvi uma vez esse nome, Abraxas?
Mas não demorou muito para que o sorriso de Luce voltasse...
- Bem, eu dou mais detalhes desse dia ruim depois, viu? Ficar lembrando de coisas tristes só estraga o jantar. E ainda tem sobremesa, não quer sobremesa, Macário? E depois... – ele passou a mão pelas minhas costas, apoiando-a no meu ombro oposto, e já estava praticamente falando ao pé do meu ouvido, o que me deixou apreensivo – quero saber mais a respeito de você, meu amigo, além do que já sei... Aliás, sabe que você é bonito? Já pensou em ser modelo? Ou quem sabe ator?
Engoli com um barulho alto a carne que estava na minha boca. E Luce, um pouco constrangido, voltou ao seu prato. Eu já estava estranhando esse cara.
Ele queria mesmo desviar o assunto. Mas meu objetivo era não contrariá-lo. Ou iria me arrepender...

Meia hora depois de terminada a refeição, da conta paga e depois de aguardar Luce voltar do banheiro...
Eu estava bem, por enquanto. Alimentado, e com a cabeça um pouco mais aliviada. Mas ainda me sentia um menininho diante da possibilidade do ataque do pedófilo. Ganhei o meu “sorvete”, agora esperava o “ataque”...
Agora, estávamos nós dois, Luce e eu, do lado de fora do restaurante. Atrás do prédio, próximo ao estacionamento, havia uma floresta de beira de estrada, e a lua brilhava no céu. Não totalmente cheia, ela entrava na fase minguante. Diminuía sua face iluminada aos poucos.
Luce andava de um lado para outro. Demonstrava alguma impaciência. Ou não? Ele até cantarolava baixinho.
Mas sua impaciência não era maior do que a minha. Pelo jeito, seu próximo passo agora era me torturar psicologicamente, me fazendo esperar pela sua proposta ir-re-sis-tí-vel.
- Luce... – tentei puxar a conversa, mas Luce, muito pálido, me interrompeu.
- Espere um pouco, Macário. Estou tomando um pouco de ar. Tive de vomitar muito...
- Pff... – suspirei.
Ele respirava fundo, sorvia e soltava ar em grandes porções. Oras, um vampiro que respirava! E eu ouvi falar que vampiros não respiram...
Luce abria os braços, como que para receber bastante luz da lua. Praticamente não havia diferença entre as cores de sua pele e de sua camisa. E de seu cabelo, tão branco que até refletia a luz da lua minguante.
Mas aí, me lembrei de um comentário do Flávio Urso, durante a discussão que o grupo estava travando na mansão.
- Luce...
- Que foi? – ele agora parecia mais receptivo.
- Como é seu nome completo?
- Hein? – e arqueou uma sobrancelha.
- Seu nome inteiro. Luce... Luce é diminutivo de...
Luce me dirigiu um olhar maldoso seguido de um sorriso ainda mais maldoso.
- Eh, eh... É isso aí, meu amigo... Luce é diminutivo de... Lúcifer.
Arregalei o olho.
- Mas calma, Macário, não é o que você pensa. Eu não sou “aquele” Lúcifer, te garanto. Eu apenas ganhei esse nome homenageando... ele. O anjo caído. O proscrito do Paraíso. Mania de meu pai, e de minha família. Afinal, os vampiros são servos do Príncipe das Trevas... e meu irmão se chamava Abraxas. E Abraxas é outro nome para... você sabe.
Respirei aliviado.
- Mas prefiro que continues me chamando de Luce, simplesmente.
- Ok... Lu... Luce.
- Ahah, mas tal como “aquele” Lúcifer, eu também me dirijo aos incautos com propostas infernais, Macário.
- Ótimo, agora você foi direto ao ponto. – procurei bancar o durão. – Qual é sua proposta para mim, Lúcifer? Com que propostas você pretende me jogar no seu inferno?!
- Jogar-te no inferno, Macário? No meu inferno?! Talvez seja um pouco demais falar assim, mas à falta de outro termo adequado... Que fique claro, Macário, que não faço esse tipo de proposta para qualquer pessoa. Só a faço para ti, porque tu atendes aos requisitos básicos.
- Requisitos?
Nesse momento, ele começou a me rodear, como um predador diante de sua presa, tentando confundi-la antes de dar o bote.
- Sim, Macário... faz um tempo que eu venho observando você. Muito antes de nosso “primeiro encontro”, eu o observava. Seus hábitos, os lugares onde você vai... Praticamente, eu tenho observado você desde que você entrou para aquela faculdade. Você, Macário, que trocastes o dia pela noite. Que nem precisava se dar ao trabalho de ser transformado em vampiro, pois ages como um. Um ser sensual... noturno. Um de nós, em suma, que prefere agir à noite.
- Eu...
- Nós sabemos muito a seu respeito, Macário. O que você faz, com quem anda. Você, Macário... que, entre outras coisas, é obcecado por mulheres.
Procurei manter a calma. Mas também a guarda alta.
- É natural, Luce... sou homem.
- Mas o que mais chama a atenção em ti, Macário, é a sua atração pela noite. Não é qualquer humano que troca a segurança da luz natural pelo perigo das luzes artificiais. Você, Macário, é um homem-mariposa. Eu me pergunto: por que essa atração pela noite?! Por que trocar o dia pela noite, Macário?!
Mesmo temendo o ataque, minha voz não se alterou.
- Eu... sinceramente, não sei te dizer, Luce. Talvez, por pura e simples rebeldia. Uma maneira de contrariar os meus pais. Digo, sempre respeitei os meus pais e seus esforços para que nada me faltasse. Mas, em vez de escolher as drogas, as más companhias... escolhi a noite, mesmo, a vida notívaga. Porque, você vê... a noite atrai. Á noite acontecem coisas mais... atraentes. Festas, boates... Perdição para um garoto que até então era introvertido. Não sei porque isso acontece justamente comigo. Mas o que me impressiona mesmo é a sorte de o mundo estar adaptado para mim...
- Como assim?
- Sabe... eu estar podendo cursar Medicina no horário noturno... eu ter encontrado um trabalho que eu possa exercer durante a madrugada... e poder encontrar pessoas que saibam compreender meu jeito de ser. Eu poder andar à noite.
- E eu sou uma dessas pessoas que sabem compreender seu jeito de ser?!
- Pelo jeito, sim.
E Luce ri.
- Está vendo, Macário? A escolha não foi por acaso. Você... é um dos nossos. Uma criatura noturna. Pois agora, Macário, eis a oportunidade da sua vida.
- Desembucha. – me fiz de durão.
- Você deve estar se sentindo incompreendido por outras pessoas por causa de sua opção, não é mesmo?
- Bem...
- Outras pessoas devem olhar enviesado para você porque você escolhe a noite para agir. Esse pessoal que prefere agir de dia e dormir à noite. Elas devem achar você um completo estranho. Um esquisito do qual evitam se aproximar.
- Bem...
Bem, eu lembrei, de repente, meus colegas de faculdade, e tantas outras pessoas de minha convivência questionando o porquê de minha preferência em trocar a noite pelo dia. Não compreendem esse meu jeito. Luce, a seguir, foi direto ao ponto:
- Bem, Macário, eis o que lhe proponho: que você se junte a nós.
Arregalei os olhos.
- Juntar-me a...
- Juntar-se a nós, isso aí.
- Me juntar a...
- Você entendeu, Macário. Que você seja um de nós. Uma criatura noturna.
Suei frio.
- Vocês... vocês querem que eu me torne um... um... um monstro?
- Não. Não é isso.
- Mas... eu sou um humano, até onde sei, Luce...
- Eu sei disso muito bem, Macário.
- Mas, se eu me juntar a vocês, eu vou ter de me tornar um...
- Não, Macário, você não será convertido em nada, nem em vampiro, nem em lobisomem, nem em ogro... pelo menos por hora. Você, Macário, não deixará de ser o Macário que sempre foi.
- Eu...
- Apenas é uma questão de saber andar com as companhias certas, Macário. Sabe, Macário, mexemos com uma série de negócios. Somos ricos, sabemos ganhar dinheiro, sabemos aproveitar o dinheiro que ganhamos. Sei que, como humano, você também tem a sua vontade de ser rico. De experimentar a sensação de poder. De ter a mulherada a seus pés. E nós detemos muitos dos segredos da vida próspera. Você pode fazer parte de uma elite, Macário. Não digo de uma elite econômica ou política, Macário. Mas de uma elite de seres fantásticos. De seres mais que humanos! De seres que são mais que humanoides. Que possuem a capacidade de se camuflarem neste mundo... e controla-lo a seu bel prazer! Veja com quem ando, amigo. Eu, Andrômeda, Morgiana, MC Claus, Âmbar... fazemos parte dessa parte da vida terrena que controla a restante sem os outros saberem.
Pausa para fazer uma breve meditação.
- Eu devia desconfiar... – falei. – Perto de vampiros, ogros, fadas, sereias... os humanos são meros... humanos. Não podem se transformar em animais ou...
- Mas tem os que conseguem alcançar o poder. Os humanos que, de alguma forma, conseguem controle sobre outros, e você sabe de quem falo. Políticos, banqueiros, grandes artistas, empresários. Mas não é a esse poder que eu me refiro, Macário. É a capacidade de conseguir concentrar em suas mãos muito mais que dinheiro e poder. É o poder de controlar a própria vida ao seu redor, Macário.
- A... vida?
- Em muitos de seus aspectos, Macário. Imagina, Macário, você conseguir o controle sobre muito mais do que o que de mais mundano o mundo oferece... riqueza, poder, a própria humanidade!
- Eu não entendo...
Realmente, estava parecendo demais para mim.
- É algo que vem aos poucos, Macário. É algo que se aprende com o tempo. Tudo é questão de você saber andar com as pessoas certas. As pessoas que já descobriram o segredo de como manipular o poder... e que se dispõem a compartilhar com quem quer que seja. Mas é claro, aviso desde já que não é um caminho fácil, Macário. Haverá sangue, haverá sofrimento nesse caminho, mas todos nós passamos por isso em algum momento. Até eu.
- Ainda não entendo. Dá para controlar poderes ainda maiores que o político e o econômico? Você fala de... magia?
- Está incluído.
- Tipo... um poder de controle não apenas de pessoas, como também dos... seres fantásticos?!
- Garoto esperto. Está começando a entender. – Luce era só sorriso. – Os seres fantásticos andam por este mundo, e estão submetidos às mesmas leis que regem os homens. Você já viu, Macário. Vampiros, ninfas, sereias, elfos, duendes, ogros, fadas, pés-grandes, lobisomens, sacis, caiporas, ciclopes, anjos, demônios... enfim. Tudo o que anda nesta camada do planeta Terra a que estamos presos, Macário, está submetido às leis criadas por homens e divindades. Se quisermos andar no mundo dos homens, como se fôssemos homens, também somos obrigados a obedecer leis de trânsito, pagar impostos, responder judicialmente nos tribunais, obedecer as Leis das Tábuas, aos Livros Sagrados. Enfim, para haver a harmonia, todos os seres sapientes obedecem as leis. Toda e qualquer lei, seja a que finalidade se destine, e sofrem as consequências de desobedece-las. Mas, Macário... e se lhe fosse dada a oportunidade de VOCÊ ser a própria lei?
- Eu?!
- Pense nas vantagens, Macário. Nas vantagens. Você conseguir aprender os segredos da conquista do poder. Da riqueza, da subserviência, das mulheres, Macário!
Eu estava assustado, e hesitante. Ele não podia estar falando sério... Luce não era mesmo “aquele” Lúcifer, mesmo? Para fazer uma proposta assim, mefistofélica... de poder em troca de... Eu me sentia, nesse momento, um santo à espera de seu martírio, sendo tentado pelo demônio. Mas...
Hum, por que não? Eu não nasci para ser santo, mesmo.
- Bem... Luce. Lúcifer. – fui enfático. – Me deixe dizer uma coisa...
- Concedida a oportunidade de se manifestar...
- Bem... Luce. É certo, sou humano. Tenho minhas ambições, o desejo secreto de conquistar riqueza e algum poder. Mas fui criado sob outro tipo de ética. A ética de que é possível conquistar riqueza, mas não pela via fácil, como você está fazendo parecer. Sabe... meus pais querem que eu seja médico, e pretendo me formar médico. Dinheiro não é o meu interesse imediato, nem ser obedecido por outras pessoas...
- Então você... você não aceita a proposta? – ele pareceu se decepcionar. – Aí o que digo para os outros, que...?
Eu estava de costas para Luce. E aí, olhei de soslaio para ele.
- Diga a eles que eu vou aceitar, sim.
- Hein?! – o sorriso voltou ao seu rosto.
Eu estava certo disso, mesmo?! Ah, claro que estava. Eu não nasci para ser santo, repito.
- Luce... eu vou aceitar a sua proposta. Não pelo que você oferece. Os segredos para conquistar poder, riqueza, talvez fama... eu vou encarar como sendo um bônus. Meu interesse imediato é mulher, mesmo. Prefiro entrar nessa pelas mulheres. Afinal, me juntando a vocês, eu tenho acesso às espécimes do belo-sexo que eu tenho encontrado em sonhos, não é mesmo?!
Luce ficou muito surpreso. E eu, contente de estar, finalmente, conseguindo pegá-lo desprevenido.
- Macário! Mas... como sabe disso? Como sabe que o acesso às mulheres estava incluído?!
- Eu adivinhei... Decerto, Andrômeda, Morgiana, Âmbar... elas todas estão esperando que eu aceite essa proposta de vocês. Digo, você não é o único que está propondo que eu... que eu faça parte da patota de vocês, não é? Digo, eu me tornei popular entre vocês. Vocês só frequentam o bar por minha causa, não é?
- Como você percebe rápido as coisas.
- Vocês ficariam tristes e decepcionados se eu dissesse não à proposta de... de... espere aí: a proposta é unicamente que eu passe a frequentar o seu círculo, não é?
- Exatamente.
- Em troca de quê, exatamente?!
- Troca?
Já estava na hora de jogar duro.
- Deve haver uma condição para que eu conquiste... o direito de, como humano, me juntar a uma elite de “monstros”. Digo... se você fosse mesmo “aquele” Lúcifer, você me ofereceria tais vantagens em troca de minha alma. Que eu vá para as Minas de Enxofre quando morrer... Então, a troco de quê eu devo...
- A troco de quê, Macário? Bem... a troco de seus serviços... em vida.
Hein?!
- Meus...
- Escute, Macário. Que tal se, em vez de você ser garçom naquele bar apertado, escuro, com um salariozinho mixo... você não seja garçom no meu bar?
- Você tem um bar?
- Pretendo abrir um. Falta o bartender. E não pode ser outro, Macário. Tem de ser você.
- Espere aí. Para que eu faça parte do grupo eu... tem de ser como garçom?!
- Oras, Macário. Você praticamente continuará vivendo como tem vivido até agora. Continuará frequentando a faculdade, se formará médico, receberá salário... mas a sua turma mudará, Macário, as suas companhias que passarão a dizer quem tu és. Passará a andar, nos seus momentos de folga e farra, com um pessoal muito mais interessante. Você passará a frequentar festas, passeios e atividades extracurriculares de um pessoal interessado em cultura, magia... e segredos de como conquistar amigos e influenciar pessoas. Um pessoal que detém segredos de poder, Macário. Que pode revelar a ti segredos, Macário. Os segredos de como ter o mundo em suas mãos. E, é claro, terá a seus pés mulheres muito mais interessantes que as mulheres humanas. E o melhor de tudo, que já estão louquinhas por você.
- Elas...
- Eu sei reparar, Macário. A Âmbar, a Andrômeda, a Morgiana... estão de olho em você, seu filho da mãe sortudo, seu boi almiscarado, sua fábrica ambulante de feromônio. – Luce ria muito. – Elas são gostosas, não são? Em sua aparência humana, elas são bem gostosas, não são? Elas dão preferência a humanos. Bem, tem os que não conseguem sobreviver à experiência, mas partem daqui muito, muito felizes. E tem muito mais de onde saíram essas, Macário. Criaturas que assumem formas de mulher... e que são capazes de levar qualquer homem à loucura. Ao êxtase. Que podem ser tudo o que você quiser! E sem muito esforço! E...
- Não diga mais nada Luce! – interrompi, limpando a saliva de minha boca. – Se eu disse que aceito sua proposta, mantenho a palavra.
- Mas... não prefere pensar?
- Pelo seu olhar, eu estou vendo que depois você pedirá algo pior, depois. Ou pensa que já esqueci aquele “pelo menos por hora” quando perguntei que...?
- Calma, Macário, calma.
De repente, comecei a falar sem hesitação.
- Até ontem à noite, eu não sabia que os vampiros, fadas, pés-grandes, sereias e etcétera andavam sobre a Terra camuflados entre os humanos. Os humanos que sofrem e ao mesmo tempo fazem sofrer, os que corrompem e são corrompidos. Enfim, eu ignorava suas existências. E, já que você tão bondosamente revelou seus segredos a um humano, só porque este humano trocou o dia pela noite e gosta de viver assim... eu quero aprender mais sobre vocês. Aprender tudo sobre vocês! Ah... – nesse ponto, comecei a hesitar, mas estava disposto a oferecer uma garantia. – Ah, e antes que você diga... não se preocupe, eu não vou contar nada a ninguém.
Luce abriu outro daqueles seus sorrisos. Pare um pouco com esses sorrisos, Luce.
- Era justamente isso que eu ia falar. Você, Macário, está proibido de falar alguma coisa a alguém a nosso respeito! Está proibido de relevar ao mundo a existência dos seres fantásticos! Pois sabe a histeria que pode causar se descobrissem a existência de vampiros, fadas, etcétera.
Agora eu senti o suor escorrer em minha testa.
- Tem minha palavra, Luce. Desde que você saiba cumprir a sua. Os segredos do mundo... em troca de ser seu garçom, é isso?
- Bem... para começar, Macário. Pode ser que eu peça para que você faça outros serviços para nós, mas é algo que vai sendo combinado com o tempo.
Dessa parte eu não estava gostando. Mas, já que entrei de gaiato nesse navio, nessa conversa... só me restava agora ir até o fim. Afinal, por que contrariar o sujeito que, tão liberalmente, me pagou uma refeição na churrascaria? Era, sim, uma mistura de medo, curiosidade... de tudo um pouco.
- Que assim seja, Luce.
- Firmemos aqui, Macário.
Fiquei apreensivo que ele quisesse firmar o pacto com sangue, como é comum acontecer nestas histórias... mas foi apenas um aperto de mão. E ficou por isso mesmo. Me senti seguro.
A partir daquele aperto naquela mão branca e gélida, no estacionamento de uma churrascaria, sob a lua minguante, minha vida mudaria para sempre.
Sei que me meti em uma encrenca.
Poderia ter sido mais espetacular. Mas simplesmente não sei o que me deu. Se me perguntarem por quê... eu não saberia responder. Só sei que aceitei essa proposta. Decerto, não seria nada perigoso. Não seria nada que envolvesse sangue e vísceras...
- Bem... – disse Luce, puxando a manga da camisa para cima e olhando para um relógio de pulso. – Que horas são? Puxa... apenas oito e meia da noite?! Como o tempo voa... Quem sabe... Sim, quer que eu te leve para o bar, Macário?
- Hã...
- Vamos lá, Macário. Eu contarei ao seu chefe o que aconteceu, dou uma desculpa para justificar sua ausência. Além do mais, tenho saudades dos seus drinques.
- Mas e os outros?
- Se eles aparecerem no bar, é só explicar tudo para eles. Garanto que eles vão pular de alegria.
E, sem resistências, voltei ao carro. Para a jornada de loucuras que me esperava dali em diante.

Eu sou mesmo uma alma sebosa.

O próximo capítulo sairá daqui a 15 dias. Já em janeiro de 2017.
E, é claro, admito que a qualidade das ilustrações está caindo. Estive muito apurado nas últimas semanas, e mal deu para trabalhar convenientemente.
Mas hei de não decepcionar os leitores, e hei de fazer a qualidade melhorar neste ano que entrará.
Até aqui, como ficou? Ficou bom? Ruim? Devo parar? Devo modificar algo? Não me saí tão mal como novelista em 2017, me saí? Manifestem-se!
Ainda planejo uma última postagem para este ano que chega ao fim. Por isso, peço a paciência de vocês, e que continuem nos prestigiando.
E era isso, por agora. Depois, conversaremos.
Até mais!

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