Depois de um período ausente da internet, estou de volta, trazendo mais um episódio de meu folhetim ilustrado para adultos, MACÁRIO. Excepcionalmente, devido ao ano-novo, o último capítulo de 2017 será publicado no sábado. Depois, apenas no ano que vem.
ATENÇÃO: leitura não recomendada para menores de 18 anos. Contém cenas de tentação e tentativa de corrupção.
Assustado, eu via a cidade se entregar à
escuridão do crepúsculo, as luzes dos postes se acendendo, os carros
necessitando acender os faróis. Eu estava, nesse momento, a bordo de um – e com
o vampiro Luce como motorista.
Mas, pelo menos, como motorista, ele não era
endiabrado. Ele dirigia bem. Estava muito calmo, seguro, a sensação constante
de que nada daria errado – o que quer que estivesse planejando.
Seis e meia da tarde passado, agora. Eu agora
deveria estar na faculdade, mas Luce insistiu em me levar para outro lugar. De
todo modo, com tudo o que presenciei na última hora, eu nem com ânimo para
assistir aula estava. Sequer para trabalhar no bar.
Eu tinha tantas perguntas para fazer a ele,
mas sentia que o momento não era oportuno, de todo. Para onde ele estava me
levando?! Onde iríamos parar para tratar da tal proposta ir-res-sis-tí-vel que
ele tinha para mim?
Eu me sentia um menininho. Um menininho que,
nesse momento, estava sendo levado para a casa de um pedófilo – e que só iria
descobrir suas reais intenções quando fosse tarde demais.
Mas, ao menos, Luce não estava usando aquela
capa que o fazia se transformar naquela massa de sombras, como ele me
assombrava em meus sonhos. Aquela capa parecia ter vida própria. E sei que não
era delírio, visto que, na última hora, eu presenciei, entre outras coisas, um
louva-a-deus se transformar em garota diante de mim, e uma garota se
transformar em um tubarão diante de mim...
- Que foi, Macário? – manifestou-se Luce, o
olhar desviando levemente da estrada para mim, em um momento em que o carro
precisou parar em um sinal vermelho. – Ainda está abalado?
- Um pouco. – respondi, procurando parecer
calmo. – Aonde estamos indo?
- À churrascaria, Macário.
- Chur...
- Você deve estar com muita fome, não,
Macário?
Foi só ele falar isso, e meu estômago começou
a roncar. Só agora me dou conta que, desde que acordei no quarto de Andrômeda,
irmã de Luce, eu não coloquei nada no estômago. Aliás, desde o dia anterior não
colocava nada no estômago a não ser sangue de animais.
- Foi o que pensei. – respondeu Luce. –
Também, pouco mais de vinte e quatro horas de jejum. E tudo o que puseste no
estômago foram doses de sangue de rato e de cachorro... Pouco nutritivos
sangues de rato e de cachorro, oh, pobre Macário.
- É isso que me assusta... Eu bebi sangue de
rato!!! – senti vontade de vomitar, mas me controlei. Enquanto isso, Luce deu
uma risada. Continuei: – E você... você tem certeza mesmo que eu não virei
vampiro?! Como você?!
- A esta altura, Macário, os efeitos das
drogas ministradas em teu corpo já devem ter passado. Seu organismo já deve
estar agindo como sempre agiu. Você já voltou a ser o humano que conhecemos.
Mas pode deixar que eu lhe pague uma refeição.
- Você vai...
- É o mínimo que eu posso fazer depois da
surra que lhe dei. Mil perdões, Macário, mas eu tinha de colocar sua cabeça no
lugar de alguma maneira.
Só de lembrar que, ainda ontem, ele me fez de
saco de pancada!...
- Mas para quê tudo isso, Luce?! Posso
saber?!
- Claro que você vai saber, Macário. Mas
vamos comer primeiro.
- Para que churrascaria você está me
levando?!
- Calma.
De fato, Luce estava dirigindo há muito
tempo. Estávamos saindo da cidade? Estávamos. Circulamos muito tempo pelas
principais avenidas da cidade, passamos pelo Centro, paramos em muitos
semáforos, passamos por vários restaurantes, pizzarias e churrascarias dentro
do perímetro urbano sem parar em nenhum; enfim, Luce praticamente atravessou a
cidade de uma ponta a outra em seu carro. Nos afastamos muito da sua mansão.
Acho que estou entendendo: é para que os outros monstros não nos achassem.
Decerto, agora, Andrômeda e os outros
monstros reunidos já haviam parado de discutir por causa das transformações de
Morgiana, e já haviam reparado que Luce e eu não estávamos mais ali. E já
deviam estar nos procurando... Mas eu mesmo já estava com gastura de ter de
ouvir todos aqueles diálogos.
As ruas não tinham muitos carros. Isso era
estranho. Talvez seja por causa da via pela qual estávamos indo. Estranho que
nestes dias as ruas estavam pouco congestionadas...
Eu já havia perdido a conta de quantos espetos
eu já havia aceitado. De quantos pedaços de carne eu já havia aceitado,
devorado, e mais os acompanhamentos.
Aquele churrasco era excelente mesmo. Ou era eu que estava mesmo faminto. E a
mim, restava agradecer às divindades regentes deste mundo por ainda conseguir
comer como um ser humano, e pela oportunidade de estar jantando em uma
churrascaria quando tantos outros não podem.
Então, o efeito das tais drogas já havia
passado mesmo. Durante dias, eu estava ingerindo substâncias estranhas nas
bebidas que os “monstros” pagavam para mim após o expediente. E estas drogas
afetaram meu organismo de modo que ele estava funcionando como o de um vampiro.
O efeito foi temporário, mas fez muito estrago.
E agora aqui estou eu, numa churrascaria de
beira de estrada, na saída da cidade, já fora do perímetro urbano. Não era a churrascaria
mais careira, mas também não era a mais simples. Era um bom lugar, com uma
comida excelente, a preços acessíveis, e um atendimento impecável, os garçons,
em seus ternos alvos, gravatas-borboletas negras combinando com as calças
escuras, passando com os espetos de carne assada, suculenta, pingando, as gotas
de líquido escuro, mistura de sangue e gordura, devidamente aparadas em pratos
posicionados sob as pontas dos mesmos.
Que estranha a escolha feita por Luce, de um
lugar para jantarmos. Mas ele também aceitava e ingeria peças de carne. Embora
o vampiro tenha me explicado que vampiros podiam comer comida, mas não digeri-la,
e que tinham de vomitar tudo depois... Luce comia do rodízio com vontade. Decerto,
também podia saborear comida, sentir o gosto, e ele devia mesmo gostar de carne
sangrenta e malpassada. Quem olhava para nós dois, poderia dizer que não
comíamos há dias. Mas ambos procurávamos manter a etiqueta.
Bem, Luce disse que era um recurso para
conseguir se disfarçar no mundo humano. Decerto, era uma habilidade que
vampiros conseguiam desenvolver a partir de treino. Poder simular que estão
comendo comida de gente. E beber, ainda por cima: Luce ainda pediu refrigerante
e vinho para acompanhar. Eu fiquei com o refrigerante, ele com o vinho. Algo me
dizia que era melhor eu me manter sóbrio.
- E aí, Macário, que acha do churrasco?! –
perguntou Luce, depois do quinto ou sexto prato.
- Excelente. – falei, depois de deglutir mais
uma garfada, e levantando o polegar.
- Pelo jeito você estava mesmo faminto.
- E pelo jeito, se é verdade que você aí
comendo é apenas fingimento, que você depois vai ter de vomitar tudo... Então
você está simulando muito bem.
- Eu não sou como tantos vampiros por aí que
ficam perdendo tempo para desenvolver suas habilidades, dispõem de tanto tempo
e não fazem nada, preferem viver à antiga por preguiça de treinar... Entende?
Duzentos anos é bastante para adquirir certas habilidades.
Me assustei, e quase engasguei com um pedaço
de carne.
- Du... duzentos anos, você disse?
- Claro. – falou Luce, sorvendo bebida.
- Quantos anos você tem?
- Uns... hum... trezentos e cinquenta. – ele
falou, depois de pensar um pouquinho.
- Trezentos e cinquenta anos?! – quase gritei.
- Shhh... Fale baixo, Macário. Tem muita
gente aqui para escutar.
De fato, não estávamos sozinhos no
restaurante. Mas, até onde podia constatar, os outros clientes eram normais.
Nenhum rosto excêntrico, nenhuma aparência transgressora, nenhum indício de
algum monstro disfarçado.
- Perdão. – prossegui, falando o mais baixo
que consegui. – Mas então... você nasceu no... no século dezessete?!
- Sim, ali pela década de 1660.
- 1660... que você e Andrômeda foram mordidos
e...
- Não. Que eu e Andrômeda nascemos.
- E desde quando vocês são vampiros? Digo... Quando
vocês foram mordidos?
- Não fomos mordidos, Macário. Nascemos
assim.
Hein?! Mas eu sempre li que vampiros só
geravam outros vampiros através de mordidas em humanos...
- Nasc... Como assim?!
- Nosso pai e nossa mãe eram vampiros. E eles
tinham uma rara particularidade: conseguiam ter filhos sexuadamente. Isso,
entre vampiros, é uma rara capacidade. Poder gerar filhos como os humanos. Mas
o fato é esse, fomos gerados sexuadamente. Mas não deixamos de ser sanguessugas.
- Uau...
- Gerar mais vampiros, podemos gerar de duas
formas. Quando é possível, e isso tem raras chances de ocorrer, podemos nos
reproduzir pela via sexual. Mas a grande maioria dos vampiros é estéril,
Macário. A grande maioria. Estéril, mas viril. Você já deve ter ouvido falar
que vampiros são obcecados por sexo...
- Sim...
- Pois é. E meu pai e minha mãe, ainda no
século dezessete... Mas, voltando. A segunda via é a mais fácil, morder uma
pessoa e torna-la vampira através de um vírus contido em nosso sangue. E, bem,
algo que hoje em dia estamos evitando de fazer. Hoje em dia, preferimos tirar
sangue das vítimas por outros meios. O meu você viu, as seringas gigantes.
- Hm.
Procurei demonstrar interesse no que ele
contava. Mas me perguntava por que ele, entusiasticamente, estava contando
essas coisas a um humano.
- Vulnerabilidades temos também, Macário.
Pelo menos uma. No meu caso, tenho uma alergia a água benta e a cruzes... mas a
sol e ao alho consigo resistir. Olhe só... este pedaço de carne aqui foi
temperado com alho, eu sei.
E, dizendo isso, ingeriu o pedaço de carne
espetado em seu garfo.
- Oh. E vocês dois, Andrômeda e você... seus
pais tiveram dois filhos, só?
- Não. Eu também tive um irmão. Andrômeda e
eu somos os últimos remanescentes da família.
- Oh... o que aconteceu com...
- Meus pais e meu irmão Abraxas... foram
mortos. Meus pais tentaram sair ao sol e foram incinerados. Mas Abraxas... ele
morreu em uma... uma briga.
- Vampiros podem ser mortos em brigas?
- Se for com um caçador de vampiros, podem
sim.
- Um caçador de...
- Pois é, Macário... eles também existem no
Brasil, os caçadores de vampiro...
E, pela primeira vez, eu via Luce com um
semblante tristonho. Ele não sorria, e a possível lembrança de ter visto o
irmão sendo morto, possivelmente com uma estaca no peito enquanto dormia em seu
caixão... enfim, isso devia perturbá-lo. De todo modo, seu sorriso saiu de seu
rosto.
Fiquei surpreso. Se vampiros existiam no
Brasil, então também deveriam existir os caçadores de vampiros. E... onde foi
mesmo que eu ouvi uma vez esse nome, Abraxas?
Mas não demorou muito para que o sorriso de
Luce voltasse...
- Bem, eu dou mais detalhes desse dia ruim
depois, viu? Ficar lembrando de coisas tristes só estraga o jantar. E ainda tem
sobremesa, não quer sobremesa, Macário? E depois... – ele passou a mão pelas
minhas costas, apoiando-a no meu ombro oposto, e já estava praticamente falando
ao pé do meu ouvido, o que me deixou apreensivo – quero saber mais a respeito
de você, meu amigo, além do que já sei... Aliás, sabe que você é bonito? Já
pensou em ser modelo? Ou quem sabe ator?
Engoli com um barulho alto a carne que estava
na minha boca. E Luce, um pouco constrangido, voltou ao seu prato. Eu já estava
estranhando esse cara.
Ele queria mesmo desviar o assunto. Mas meu
objetivo era não contrariá-lo. Ou iria me arrepender...
Meia hora depois de terminada a refeição, da
conta paga e depois de aguardar Luce voltar do banheiro...
Eu estava bem, por enquanto. Alimentado, e
com a cabeça um pouco mais aliviada. Mas ainda me sentia um menininho diante da
possibilidade do ataque do pedófilo. Ganhei o meu “sorvete”, agora esperava o “ataque”...
Agora, estávamos nós dois, Luce e eu, do lado
de fora do restaurante. Atrás do prédio, próximo ao estacionamento, havia uma
floresta de beira de estrada, e a lua brilhava no céu. Não totalmente cheia,
ela entrava na fase minguante. Diminuía sua face iluminada aos poucos.
Luce andava de um lado para outro.
Demonstrava alguma impaciência. Ou não? Ele até cantarolava baixinho.
Mas sua impaciência não era maior do que a
minha. Pelo jeito, seu próximo passo agora era me torturar psicologicamente, me
fazendo esperar pela sua proposta ir-re-sis-tí-vel.
- Luce... – tentei puxar a conversa, mas
Luce, muito pálido, me interrompeu.
- Espere um pouco, Macário. Estou tomando um
pouco de ar. Tive de vomitar muito...
- Pff... – suspirei.
Ele respirava fundo, sorvia e soltava ar em
grandes porções. Oras, um vampiro que respirava! E eu ouvi falar que vampiros
não respiram...
Luce abria os braços, como que para receber
bastante luz da lua. Praticamente não havia diferença entre as cores de sua
pele e de sua camisa. E de seu cabelo, tão branco que até refletia a luz da lua
minguante.
Mas aí, me lembrei de um comentário do Flávio
Urso, durante a discussão que o grupo estava travando na mansão.
- Luce...
- Que foi? – ele agora parecia mais
receptivo.
- Como é seu nome completo?
- Hein? – e arqueou uma sobrancelha.
- Seu nome inteiro. Luce... Luce é diminutivo
de...
Luce me dirigiu um olhar maldoso seguido de
um sorriso ainda mais maldoso.
- Eh, eh... É isso aí, meu amigo... Luce é
diminutivo de... Lúcifer.
Arregalei o olho.
- Mas calma, Macário, não é o que você pensa.
Eu não sou “aquele” Lúcifer, te garanto. Eu apenas ganhei esse nome
homenageando... ele. O anjo caído. O proscrito do Paraíso. Mania de meu pai, e
de minha família. Afinal, os vampiros são servos do Príncipe das Trevas... e
meu irmão se chamava Abraxas. E Abraxas é outro nome para... você sabe.
Respirei aliviado.
- Mas prefiro que continues me chamando de
Luce, simplesmente.
- Ok... Lu... Luce.
- Ahah, mas tal como “aquele” Lúcifer, eu
também me dirijo aos incautos com propostas infernais, Macário.
- Ótimo, agora você foi direto ao ponto. –
procurei bancar o durão. – Qual é sua proposta para mim, Lúcifer? Com que
propostas você pretende me jogar no seu inferno?!
- Jogar-te no inferno, Macário? No meu
inferno?! Talvez seja um pouco demais falar assim, mas à falta de outro termo
adequado... Que fique claro, Macário, que não faço esse tipo de proposta para
qualquer pessoa. Só a faço para ti, porque tu atendes aos requisitos básicos.
- Requisitos?
Nesse momento, ele começou a me rodear, como
um predador diante de sua presa, tentando confundi-la antes de dar o bote.
- Sim, Macário... faz um tempo que eu venho
observando você. Muito antes de nosso “primeiro encontro”, eu o observava. Seus
hábitos, os lugares onde você vai... Praticamente, eu tenho observado você
desde que você entrou para aquela faculdade. Você, Macário, que trocastes o dia
pela noite. Que nem precisava se dar ao trabalho de ser transformado em
vampiro, pois ages como um. Um ser sensual... noturno. Um de nós, em suma, que
prefere agir à noite.
- Eu...
- Nós sabemos muito a seu respeito, Macário.
O que você faz, com quem anda. Você, Macário... que, entre outras coisas, é
obcecado por mulheres.
Procurei manter a calma. Mas também a guarda
alta.
- É natural, Luce... sou homem.
- Mas o que mais chama a atenção em ti,
Macário, é a sua atração pela noite. Não é qualquer humano que troca a
segurança da luz natural pelo perigo das luzes artificiais. Você, Macário, é um
homem-mariposa. Eu me pergunto: por que essa atração pela noite?! Por que trocar
o dia pela noite, Macário?!
Mesmo temendo o ataque, minha voz não se
alterou.
- Eu... sinceramente, não sei te dizer, Luce.
Talvez, por pura e simples rebeldia. Uma maneira de contrariar os meus pais.
Digo, sempre respeitei os meus pais e seus esforços para que nada me faltasse.
Mas, em vez de escolher as drogas, as más companhias... escolhi a noite, mesmo,
a vida notívaga. Porque, você vê... a noite atrai. Á noite acontecem coisas
mais... atraentes. Festas, boates... Perdição para um garoto que até então era
introvertido. Não sei porque isso acontece justamente comigo. Mas o que me
impressiona mesmo é a sorte de o mundo estar adaptado para mim...
- Como assim?
- Sabe... eu estar podendo cursar Medicina no
horário noturno... eu ter encontrado um trabalho que eu possa exercer durante a
madrugada... e poder encontrar pessoas que saibam compreender meu jeito de ser.
Eu poder andar à noite.
- E eu sou uma dessas pessoas que sabem
compreender seu jeito de ser?!
- Pelo jeito, sim.
E Luce ri.
- Está vendo, Macário? A escolha não foi por
acaso. Você... é um dos nossos. Uma criatura noturna. Pois agora, Macário, eis
a oportunidade da sua vida.
- Desembucha. – me fiz de durão.
- Você deve estar se sentindo incompreendido
por outras pessoas por causa de sua opção, não é mesmo?
- Bem...
- Outras pessoas devem olhar enviesado para
você porque você escolhe a noite para agir. Esse pessoal que prefere agir de
dia e dormir à noite. Elas devem achar você um completo estranho. Um esquisito
do qual evitam se aproximar.
- Bem...
Bem, eu lembrei, de repente, meus colegas de
faculdade, e tantas outras pessoas de minha convivência questionando o porquê
de minha preferência em trocar a noite pelo dia. Não compreendem esse meu
jeito. Luce, a seguir, foi direto ao ponto:
- Bem, Macário, eis o que lhe proponho: que
você se junte a nós.
Arregalei os olhos.
- Juntar-me a...
- Juntar-se a nós, isso aí.
- Me juntar a...
- Você entendeu, Macário. Que você seja um de
nós. Uma criatura noturna.
Suei frio.
- Vocês... vocês querem que eu me torne um...
um... um monstro?
- Não. Não é isso.
- Mas... eu sou um humano, até onde sei,
Luce...
- Eu sei disso muito bem, Macário.
- Mas, se eu me juntar a vocês, eu vou ter de
me tornar um...
- Não, Macário, você não será convertido em
nada, nem em vampiro, nem em lobisomem, nem em ogro... pelo menos por hora.
Você, Macário, não deixará de ser o Macário que sempre foi.
- Eu...
- Apenas é uma questão de saber andar com as
companhias certas, Macário. Sabe, Macário, mexemos com uma série de negócios.
Somos ricos, sabemos ganhar dinheiro, sabemos aproveitar o dinheiro que
ganhamos. Sei que, como humano, você também tem a sua vontade de ser rico. De
experimentar a sensação de poder. De ter a mulherada a seus pés. E nós detemos
muitos dos segredos da vida próspera. Você pode fazer parte de uma elite,
Macário. Não digo de uma elite econômica ou política, Macário. Mas de uma elite
de seres fantásticos. De seres mais que humanos! De seres que são mais que
humanoides. Que possuem a capacidade de se camuflarem neste mundo... e
controla-lo a seu bel prazer! Veja com quem ando, amigo. Eu, Andrômeda,
Morgiana, MC Claus, Âmbar... fazemos parte dessa parte da vida terrena que
controla a restante sem os outros saberem.
Pausa para fazer uma breve meditação.
- Eu devia desconfiar... – falei. – Perto de
vampiros, ogros, fadas, sereias... os humanos são meros... humanos. Não podem
se transformar em animais ou...
- Mas tem os que conseguem alcançar o poder.
Os humanos que, de alguma forma, conseguem controle sobre outros, e você sabe
de quem falo. Políticos, banqueiros, grandes artistas, empresários. Mas não é a
esse poder que eu me refiro, Macário. É a capacidade de conseguir concentrar em
suas mãos muito mais que dinheiro e poder. É o poder de controlar a própria
vida ao seu redor, Macário.
- A... vida?
- Em muitos de seus aspectos, Macário.
Imagina, Macário, você conseguir o controle sobre muito mais do que o que de
mais mundano o mundo oferece... riqueza, poder, a própria humanidade!
- Eu não entendo...
Realmente, estava parecendo demais para mim.
- É algo que vem aos poucos, Macário. É algo
que se aprende com o tempo. Tudo é questão de você saber andar com as pessoas
certas. As pessoas que já descobriram o segredo de como manipular o poder... e
que se dispõem a compartilhar com quem quer que seja. Mas é claro, aviso desde
já que não é um caminho fácil, Macário. Haverá sangue, haverá sofrimento nesse
caminho, mas todos nós passamos por isso em algum momento. Até eu.
- Ainda não entendo. Dá para controlar
poderes ainda maiores que o político e o econômico? Você fala de... magia?
- Está incluído.
- Tipo... um poder de controle não apenas de
pessoas, como também dos... seres fantásticos?!
- Garoto esperto. Está começando a entender.
– Luce era só sorriso. – Os seres fantásticos andam por este mundo, e estão
submetidos às mesmas leis que regem os homens. Você já viu, Macário. Vampiros,
ninfas, sereias, elfos, duendes, ogros, fadas, pés-grandes, lobisomens, sacis,
caiporas, ciclopes, anjos, demônios... enfim. Tudo o que anda nesta camada do
planeta Terra a que estamos presos, Macário, está submetido às leis criadas por
homens e divindades. Se quisermos andar no mundo dos homens, como se fôssemos
homens, também somos obrigados a obedecer leis de trânsito, pagar impostos,
responder judicialmente nos tribunais, obedecer as Leis das Tábuas, aos Livros
Sagrados. Enfim, para haver a harmonia, todos os seres sapientes obedecem as
leis. Toda e qualquer lei, seja a que finalidade se destine, e sofrem as
consequências de desobedece-las. Mas, Macário... e se lhe fosse dada a
oportunidade de VOCÊ ser a própria lei?
- Eu?!
- Pense nas vantagens, Macário. Nas
vantagens. Você conseguir aprender os segredos da conquista do poder. Da
riqueza, da subserviência, das mulheres, Macário!
Eu estava assustado, e hesitante. Ele não
podia estar falando sério... Luce não era mesmo “aquele” Lúcifer, mesmo? Para
fazer uma proposta assim, mefistofélica... de poder em troca de... Eu me
sentia, nesse momento, um santo à espera de seu martírio, sendo tentado pelo
demônio. Mas...
Hum, por que não? Eu não nasci para ser
santo, mesmo.
- Bem... Luce. Lúcifer. – fui enfático. – Me
deixe dizer uma coisa...
- Concedida a oportunidade de se
manifestar...
- Bem... Luce. É certo, sou humano. Tenho
minhas ambições, o desejo secreto de conquistar riqueza e algum poder. Mas fui
criado sob outro tipo de ética. A ética de que é possível conquistar riqueza,
mas não pela via fácil, como você está fazendo parecer. Sabe... meus pais
querem que eu seja médico, e pretendo me formar médico. Dinheiro não é o meu
interesse imediato, nem ser obedecido por outras pessoas...
- Então você... você não aceita a proposta? –
ele pareceu se decepcionar. – Aí o que digo para os outros, que...?
Eu estava de costas para Luce. E aí, olhei de
soslaio para ele.
- Diga a eles que eu vou aceitar, sim.
- Hein?! – o sorriso voltou ao seu rosto.
Eu estava certo disso, mesmo?! Ah, claro que
estava. Eu não nasci para ser santo, repito.
- Luce... eu vou aceitar a sua proposta. Não
pelo que você oferece. Os segredos para conquistar poder, riqueza, talvez
fama... eu vou encarar como sendo um bônus. Meu interesse imediato é mulher,
mesmo. Prefiro entrar nessa pelas mulheres. Afinal, me juntando a vocês, eu
tenho acesso às espécimes do belo-sexo que eu tenho encontrado em sonhos, não é
mesmo?!
Luce ficou muito surpreso. E eu, contente de
estar, finalmente, conseguindo pegá-lo desprevenido.
- Macário! Mas... como sabe disso? Como sabe
que o acesso às mulheres estava incluído?!
- Eu adivinhei... Decerto, Andrômeda,
Morgiana, Âmbar... elas todas estão esperando que eu aceite essa proposta de
vocês. Digo, você não é o único que está propondo que eu... que eu faça parte
da patota de vocês, não é? Digo, eu me tornei popular entre vocês. Vocês só
frequentam o bar por minha causa, não é?
- Como você percebe rápido as coisas.
- Vocês ficariam tristes e decepcionados se
eu dissesse não à proposta de... de... espere aí: a proposta é unicamente que
eu passe a frequentar o seu círculo, não é?
- Exatamente.
- Em troca de quê, exatamente?!
- Troca?
Já estava na hora de jogar duro.
- Deve haver uma condição para que eu
conquiste... o direito de, como humano, me juntar a uma elite de “monstros”.
Digo... se você fosse mesmo “aquele” Lúcifer, você me ofereceria tais vantagens
em troca de minha alma. Que eu vá para as Minas de Enxofre quando morrer...
Então, a troco de quê eu devo...
- A troco de quê, Macário? Bem... a troco de
seus serviços... em vida.
Hein?!
- Meus...
- Escute, Macário. Que tal se, em vez de você
ser garçom naquele bar apertado, escuro, com um salariozinho mixo... você não
seja garçom no meu bar?
- Você tem um bar?
- Pretendo abrir um. Falta o bartender. E não
pode ser outro, Macário. Tem de ser você.
- Espere aí. Para que eu faça parte do grupo
eu... tem de ser como garçom?!
- Oras, Macário. Você praticamente continuará
vivendo como tem vivido até agora. Continuará frequentando a faculdade, se
formará médico, receberá salário... mas a sua turma mudará, Macário, as suas
companhias que passarão a dizer quem tu és. Passará a andar, nos seus momentos
de folga e farra, com um pessoal muito mais interessante. Você passará a
frequentar festas, passeios e atividades extracurriculares de um pessoal
interessado em cultura, magia... e segredos de como conquistar amigos e
influenciar pessoas. Um pessoal que detém segredos de poder, Macário. Que pode
revelar a ti segredos, Macário. Os segredos de como ter o mundo em suas mãos.
E, é claro, terá a seus pés mulheres muito mais interessantes que as mulheres
humanas. E o melhor de tudo, que já estão louquinhas por você.
- Elas...
- Eu sei reparar, Macário. A Âmbar, a
Andrômeda, a Morgiana... estão de olho em você, seu filho da mãe sortudo, seu
boi almiscarado, sua fábrica ambulante de feromônio. – Luce ria muito. – Elas
são gostosas, não são? Em sua aparência humana, elas são bem gostosas, não são?
Elas dão preferência a humanos. Bem, tem os que não conseguem sobreviver à
experiência, mas partem daqui muito, muito felizes. E tem muito mais de onde
saíram essas, Macário. Criaturas que assumem formas de mulher... e que são
capazes de levar qualquer homem à loucura. Ao êxtase. Que podem ser tudo o que
você quiser! E sem muito esforço! E...
- Não diga mais nada Luce! – interrompi,
limpando a saliva de minha boca. – Se eu disse que aceito sua proposta,
mantenho a palavra.
- Mas... não prefere pensar?
- Pelo seu olhar, eu estou vendo que depois
você pedirá algo pior, depois. Ou pensa que já esqueci aquele “pelo menos por
hora” quando perguntei que...?
- Calma, Macário, calma.
De repente, comecei a falar sem hesitação.
- Até ontem à noite, eu não sabia que os
vampiros, fadas, pés-grandes, sereias e etcétera andavam sobre a Terra
camuflados entre os humanos. Os humanos que sofrem e ao mesmo tempo fazem
sofrer, os que corrompem e são corrompidos. Enfim, eu ignorava suas
existências. E, já que você tão bondosamente revelou seus segredos a um humano,
só porque este humano trocou o dia pela noite e gosta de viver assim... eu
quero aprender mais sobre vocês. Aprender tudo sobre vocês! Ah... – nesse
ponto, comecei a hesitar, mas estava disposto a oferecer uma garantia. – Ah, e
antes que você diga... não se preocupe, eu não vou contar nada a ninguém.
Luce abriu outro daqueles seus sorrisos. Pare
um pouco com esses sorrisos, Luce.
- Era justamente isso que eu ia falar. Você,
Macário, está proibido de falar alguma coisa a alguém a nosso respeito! Está
proibido de relevar ao mundo a existência dos seres fantásticos! Pois sabe a
histeria que pode causar se descobrissem a existência de vampiros, fadas,
etcétera.
Agora eu senti o suor escorrer em minha
testa.
- Tem minha palavra, Luce. Desde que você
saiba cumprir a sua. Os segredos do mundo... em troca de ser seu garçom, é
isso?
- Bem... para começar, Macário. Pode ser que
eu peça para que você faça outros serviços para nós, mas é algo que vai sendo
combinado com o tempo.
Dessa parte eu não estava gostando. Mas, já
que entrei de gaiato nesse navio, nessa conversa... só me restava agora ir até
o fim. Afinal, por que contrariar o sujeito que, tão liberalmente, me pagou uma
refeição na churrascaria? Era, sim, uma mistura de medo, curiosidade... de tudo
um pouco.
- Que assim seja, Luce.
- Firmemos aqui, Macário.
Fiquei apreensivo que ele quisesse firmar o pacto
com sangue, como é comum acontecer nestas histórias... mas foi apenas um aperto
de mão. E ficou por isso mesmo. Me senti seguro.
A partir daquele aperto naquela mão branca e
gélida, no estacionamento de uma churrascaria, sob a lua minguante, minha vida
mudaria para sempre.
Sei que me meti em uma encrenca.
Poderia ter sido mais espetacular. Mas
simplesmente não sei o que me deu. Se me perguntarem por quê... eu não saberia
responder. Só sei que aceitei essa proposta. Decerto, não seria nada perigoso.
Não seria nada que envolvesse sangue e vísceras...
- Bem... – disse Luce, puxando a manga da
camisa para cima e olhando para um relógio de pulso. – Que horas são? Puxa...
apenas oito e meia da noite?! Como o tempo voa... Quem sabe... Sim, quer que eu
te leve para o bar, Macário?
- Hã...
- Vamos lá, Macário. Eu contarei ao seu chefe
o que aconteceu, dou uma desculpa para justificar sua ausência. Além do mais,
tenho saudades dos seus drinques.
- Mas e os outros?
- Se eles aparecerem no bar, é só explicar
tudo para eles. Garanto que eles vão pular de alegria.
E, sem resistências, voltei ao carro. Para a
jornada de loucuras que me esperava dali em diante.
Eu sou mesmo uma alma sebosa.
O próximo capítulo sairá daqui a 15 dias. Já em janeiro de 2017.
E, é claro, admito que a qualidade das ilustrações está caindo. Estive muito apurado nas últimas semanas, e mal deu para trabalhar convenientemente.
Mas hei de não decepcionar os leitores, e hei de fazer a qualidade melhorar neste ano que entrará.
Até aqui, como ficou? Ficou bom? Ruim? Devo parar? Devo modificar algo? Não me saí tão mal como novelista em 2017, me saí? Manifestem-se!
Ainda planejo uma última postagem para este ano que chega ao fim. Por isso, peço a paciência de vocês, e que continuem nos prestigiando.
E era isso, por agora. Depois, conversaremos.
Até mais!
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