sábado, 19 de maio de 2018

LOVE IN THE HELL - vivendo no mundo das gurias em forma de capeta!

Olá.

Hoje, para variar um pouco os temas dos quais ultimamente tenho tratado, quando trato neste blog, e quando escrevo neste blog pecador, vou falar de mangá, do qual não trato há muito tempo.
Hoje, trago a vocês algumas considerações sobre um lançamento não muito recente. Há tempos adquiri este mangá, mas só agora tomei vergonha na cara para escrever a respeito dele.
Hoje, vou falar de LOVE IN THE HELL, outro daqueles mangás feitos para questionar tudo o que sabemos a respeito da espiritualidade e dos assuntos do além, através de uma mordaz sátira aparentemente descompromissada – tratando, desta vez, da concepção do inferno.

LOVE IN THE HELL, de autoria de Reiji Suzumaru (roteiro e desenhos) foi publicado no Japão em 2011, na revista Comic High!, da editora Futabasha, sendo compilado depois em três volumes. Até onde pudemos apurar, o mangá ainda não ganhou versão em anime ou filme – e nem temos informações a respeito de outros trabalhos do autor. E, dado seu teor, dificilmente iria ganhar versão em anime... No Brasil, os três volumes do mangá foram publicados pela editora JBC entre fevereiro e abril de 2015, ano em que a editora bateu seu recorde de lançamentos nas bancas (no mesmo mês, a JBC ainda lançou Ageha e Zetsuen no Tempest; já no ano, a editora lançou 28 títulos, como All You Need is Kill, Codename Sailor V e The Seven Deadly Sins, além de novas edições de Hellsing e Chobits; e anunciou vários outros, como Akira e Ghost in the Shell, que seriam lançados nos anos seguintes).
LOVE IN THE HELL (literalmente, “amor no inferno”) brinca com os conceitos de inferno e punição das almas pecadoras, que no Japão, possui uma concepção um pouco diferente da que usamos no ocidente. No universo dos animes e mangás, já é bem comum observarmos que os japoneses praticamente ridicularizam as concepções de céu e de inferno e as instituições que consideramos sagradas, como os símbolos cristãos e os anjos, de uma forma que deixa os religiosos do Ocidente se sentindo ofendidos. Principalmente na hora de incluir anjos nas histórias. Que dizer então dos demônios? Bem, o universo dos mangás é o universo artístico mais livre que existe – no Japão, dá para tratar praticamente de qualquer coisa, até de assuntos tabus, desde que respeitada a faixa etária do público a que se destina, e algumas poucas limitações das revistas que publicam essas histórias – depois, é o público que decide se a história continua como está, muda para continuar ou simplesmente para.
A advertência inicial é que LOVE IN THE HELL não é um mangá a ser levado a sério. Trata-se de uma comédia de humor negro, estilo gore, misturando também erotismo e terror de mutilação - por isso, não recomendado para menores de 18 anos. Sim, trata-se de um daqueles mangás que abusam gratuitamente do fanservice tão criticado pelos puristas dos quadrinhos: tem cenas de mutilação, cabeças explodindo, violência caricatural, insinuações sexuais e garotas com pouca ou nenhuma roupa. Mas, em se tratando do contexto da história, até que o fanservice se justifica.
Em LOVE IN THE HELL, somos levados a uma ideia totalmente particular de seu autor de como é o inferno: é um lugar de sofrimento e de punição das almas pecadoras, sim, mas não é tão ruim quanto pintam os religiosos. Tire quase todo o fogo e o enxofre, e acrescente algumas cidades e algumas garotas gostosas de roupas muito curtas, e aí se pode ter uma ideia de como é. O mundo infernal, na verdade, é construído de modo a parecer com o que é familiar aos leitores. Com alguma sorte, até dá para levar uma vida normal, parecida com a do mundo dos vivos – mas tendo de pagar um preço alto por isso.
O personagem principal é Rintarô Senkawa, um rapaz de 27 anos que, no começo da história, morre em um acidente doméstico. Ele acaba acordando, nu, em uma terra árida e pedregosa, com o céu sempre nublado, estranhos insetos e poços de lava esparsos; e é saudado por uma jovem garota, de chifrinhos na testa e usando uma sumária roupa de couro preto – essa que aparece nas capas. A garota diz que Rintarô está morto, e no inferno – algo que ele custa a acreditar. E se apresenta: se chama Koyori, uma oni (demônio) de apenas 17 anos. Ela é quem vai se encarregar, dali em diante, da punição da alma de Rintarô.
O inferno, segundo Reiji Suzumaru, funciona assim: cada pecador que ali chega fica aos “cuidados” de um oni, que se encarrega de lhe aplicar violentos e dolorosos castigos físicos, à base de porretes com espinhos, lâminas e máquinas de tortura, como uma forma de pagar seus pecados em vida. Às vezes, os pecadores acabam feitos, literalmente, em pedaços, mas seus corpos se restauram no dia seguinte, inteiramente curados, prontos para outra sessão. Os pecadores e os onis vivem em cidades, parecidas com as nossas: com casas, comércios, serviços de todo tipo. Os pecadores tem necessidades como as que tinham na terra – comer, vestir, consumir equipamentos eletrônicos, etc. Mas, para poderem adquirir bens para se sustentar, precisam pagar com dor e sofrimento – e, após cada sessão de tortura, os pecadores recebem carimbos, que podem ser trocados por dinheiro para cobrir suas necessidades! A moeda corrente no inferno é o “dóilar”, e há, além das torturas, várias outras formas de ganha-la. E o sofrimento não dura para sempre – assim que o pecador consegue expiar seus pecados, ele tem direito a sair do inferno. Os pecadores também podem se relacionar com outros em sua situação, mas não podem confiar muito – o próprio Rintarô acaba descobrindo, da pior forma, que pode ser ludibriado por quem menos desconfia. Ainda por cima, os pecadores são monitorados – eles são tatuados com o símbolo de seu oni e, caso se separem dele, podem depois ser encontrados via aplicativo de celular. E, com sorte, os pecadores viram amigos de seus carrascos – como um sinal de confiança, os pecadores devem doar parte de sua própria pele, que os onis usam para fazer roupas e acessórios para si. Os onis, apesar do sadismo de seus atos, e de muitas vezes terem aparências grotescas e/ou monstruosas, não são necessariamente maus – ou, no popular, os diabos não são tão feios quanto se pintam. Os onis se portam como funcionários assalariados quaisquer, como na Terra, e também tem suas necessidades e suas particularidades psicológicas. Em alguns casos, os onis precisam de um estímulo, ligado a um trauma, para desenvolverem seus corpos e ficarem musculosos. Alguns chegam a ser até boas-praças e se recusarem a torturar seus pecadores – mas há um risco: caso resolvam ter a “refeição banida”, de acordo com a expressão do mangá, o pecador não pode reencarnar, e o oni pode se transformar em um monstro devorador de cérebros. Mas, claro, isso tudo é na parte mais “branda” do inferno, onde são mandados pecadores com delitos menores; existe ainda o Abismo, um local mais terrível, abaixo do inferno onde Rintarô é enviado, reservado aos assassinos e estupradores, onde as torturas são piores, e as criaturas ainda mais grotescas.
Em resumo, é isso...
Voltando aos personagens principais. Rintarô e Koyori desenvolvem uma relação um tanto atípica ao longo do mangá, indo da desconfiança à amizade e, finalmente, ao romance.
Rintarô começa a ter problemas para expiar seus pecados, em particular porque nem sabe porque foi mandado para lá – ou simplesmente não se lembra. Ainda por cima, o cara mal consegue conter seus impulsos masculinos – vive se engraçando com as mulheres sensuais que aparecem diante dele (e, logo no início do mangá, tenta abusar da própria Koyori, mas a visão de uma tortura o contém). E ainda agride as mulheres feias. É relutante em aceitar ser torturado por Koyori, que, apesar de ser uma demônia, é novata no seu ramo, uma garota insegura e que se esforça em fazer as coisas direito. E ela demonstra gostar muito de Rintarô.
Mas ele mal colabora. Faz o possível para escapar das torturas, e ganhar dinheiro sem sofrer mutilações. Assim que sabe o mínimo sobre a vida no inferno, Rintarô procura driblar essas regras. Ainda por cima, ele comete transgressões que diminuem sua expiação: está sempre ajudando outras pessoas, desde atos de caridade (mesmo com o risco de ser enganado) até salvar a vida de pecadores e/ou onis prestes a ser agredidos. Ele salva a vida de Koyori diversas vezes – e ela também o salva algumas vezes.
Como dito, Rintarô mantém relações diversas com outros pecadores e onis. Outra oni importante que aparece com frequência é Momone, a melhor amiga de Koyori, mais sensual, mais talentosa em matéria de torturas, e mais fria, ao ponto da insensibilidade – a todo instante, ela censura o comportamento de Rintarô, além de dar melhores explicações sobre o funcionamento das coisas no inferno. Sob os “cuidados” de Momone, está Yukihiko, um masoquista (portanto, mais abonado), que se torna o melhor amigo de Rintarô – e ele ensina a ele as diversas outras formas de ganhar dinheiro sem ser torturado, ainda que acabe colocando o coitado em encrencas – como no episódio em que os dois invadem um banho feminino.
Dentre essas formas de ganho sem dor de “dóilares”, uma delas é o trabalho honesto – Rintarô consegue um emprego em uma empresa de entrega de mercadorias, o que o deixa feliz... até descobrir que os pecadores só podem trabalhar por três meses! Outra forma é participando de atividades ilegais, como lutas clandestinas; ou prestando favores remunerados para outras pessoas e onis, como a colheita de um tipo de planta canibal, que se alimenta de sêmen humano. Também é possível um pecador substituir outro em sessões de tortura... mas com más consequências, tanto para o pecador quanto para o oni. Mas, no final, Rintarô acaba descobrindo, através de um árduo aprendizado, que compensa mais ser torturado pela sua oni.
E não são poucas as vezes que Rintarô acaba sacaneado em sua nova condição – o que garante bons momentos de humor. Logo no começo, Rintarô ganha de Koyori, para cobrir sua nudez, um Ipod; só depois de sua primeira tortura é que ele ganha uma cueca, com uma estampa ridícula. Mas, depois que consegue emprego na empresa de entregas, Rintarô passa a usar, pelo restante do mangá, um macacão. Na tal empresa de entregas, ele conhece – e se apaixona – por Mako, e seu rostinho bonito... até descobrir que se trata de um rapaz com feições femininas, homossexual! A humilhação mais grosseira ocorre quando Rintarô vai em um prostíbulo, e é enganado pela prostituta do local, tendo todo seu dinheiro roubado – mas, depois, Rintarô tem a chance de fazer a prostituta pagar por isso. E tem várias outras situações em que Rintarô passa por diversas humilhações...
Outros personagens interessantes que cruzam o caminho de Rintarô e Koyori, além de Momone, Yukihiko e Mako, podemos citar: Kurio, o irmão de Momone, um oni magérrimo e avesso à violência e que, ao invés de torturar seu pecador, é torturado por ele (mas, depois de presenciar Momone prestes a ser agredida, passa por uma bizarra transformação); Tiko, uma oni sensual (mais até que Koyori e Momone juntas) e meio avoada, parecendo viver em um mundo próprio; e a misteriosa Misa, pecadora que tem relação com o passado e o pecado de Rintarô.
Aliás, o motivo de Rintarô ter sido mandado ao inferno é o grande mistério do mangá. E, uma vez que ele tenha descoberto isso, com a ajuda de um velho oni ermitão que mora em uma montanha, ele ganha não apenas a oportunidade de reavaliar sua vida, mas também descobre que sua nova vida acabou sendo até melhor que a que ele levava quando estava vivo. Tal descoberta também pode mudar seus sentimentos por Koyori...
...algo que em vários momentos do mangá já estava sendo observado, e praticamente justifica seu título. Bem, quanto à parte da doação de pele, o máximo que Rintarô consegue é um pedacinho suficiente apenas para fazer um enfeite de celular... mas é o suficiente para agradar Koyori. Ainda há um episódio, bastante emotivo, em que Rintarô acompanha Koyori numa compra de roupas, e lhe dá algumas dicas de uma roupa perfeita. Nessa parte, os leitores ganham uma aulinha sobre como agradar uma garota em uma loja de roupas...
Bem. LOVE IN THE HELL é um mangá surpreendente. Pode surpreender quem espera um mangá fora do comum. O fanservice acaba sendo um detalhe, se o leitor prestar bem atenção na história, que é muito fácil de entender. Por trás de uma aparente comédia de terror, dá para se extrair uma inusitada história de aprendizado, através da jornada de Rintarô à procura de seus motivos para estar no inferno – ele se transforma, literalmente, no fim da narrativa. Há momentos polêmicos, como uma referência (negativa, é claro) ao abuso sexual de menores, e uma criança que tem o cérebro extraído.
Mas pode agradar quem já está acostumado ao terror em quadrinhos. Os desenhos de Suzumaru são bem trabalhados e graciosos, com bom domínio de anatomia – principalmente porque alguns momentos de tortura e mutilação são anatomia pura, com músculos expostos, vísceras saltando, cabeças explodindo... Tem sexo? Discretamente, mas tem. Tem nudez? Claro que sim. Pelo menos três vezes flagramos Koyori nua ou seminua. E nudez masculina? Tem também, bastante discreta. Tudo empanado em um típico humor grosseiro japonês.
A história é construída de modo a ser simples de entender, e agradável de ler – cada volume pode ser lido em menos de 30 minutos. Os balões de fala são enxutos, e os textos breves. Não é complicada como tantos outros mangás disponíveis no mercado. Mas peca (que ironia) com seu final apressado, que parece não ter amarrado todas as pontas soltas; na indefinição no destino de alguns personagens; e no mal aproveitamento de outros, como Kurio e Tiko, que desaparecem depois de um ou dois episódios. Pelo jeito, LOVE IN THE HELL não foi beneficiado pelas avaliações periódicas feitas pelos leitores da Comic High! (no Japão, os rumos de um mangá geralmente são determinados pela avaliação dos leitores, através de mensagens, enviadas à revista, sobre o que gostam ou não gostam na história), o que determinou o final apressado. Não fosse isso, o mangá bem que podia ter ganho um quarto volume – ao menos, o inferno de Suzumaru é um mundo interessante de ser explorado.
No fim das contas, com LOVE IN THE HELL, o leitor tem outra visão do inferno – mas não que queira depois ir para lá. Com o perdão dos grupos religiosos, que possivelmente começarão a cair em cima deste que escreve, o inferno não é o pior lugar, no fim das contas. Um inferno construído a partir de ferramentas do dia-a-dia dos leitores? É algo que não se vê todos os dias, por isso é um mundo bastante crível, do ponto de vista dos princípios da arte de se contar boas histórias, ou storytelling.
Também não dá para desprezar as páginas onde Suzumaru apresenta esboços, ilustrações extras e pequenas HQ autodepreciativas. Certamente, Suzumaru se condenou ao inferno... e se divertiu com isso. Nós... também.
LOVE IN THE HELL pode ser encontrado em gibiterias, sebos e na internet, em edições separadas ou em box com os três volumes.
Para encerrar, já faz algum tempo que não coloco aqui interpretações pessoais de personagens, na forma de ilustrações. Então, aqui vai uma ilustração, com todo capricho que me foi possível, dos personagens principais do mangá, Rintarô e Koyori. Agora eu que me condenei ao inferno... mas pelo menos aprendi a imitar o efeito do couro negro em um desenho.
Aguardem novidades, e acompanhem minhas tentativas de retomar o ritmo de minha vida, conturbada neste ano de eleições...
Até mais!

Nenhum comentário: