Hoje,
vou novamente falar de livro. De romance ambientado no passado do Rio Grande do
Sul.
O
Dia do Gaúcho (20 de setembro) já passou, mas, devido a alguns problemas
pessoais, não pude fazer uma postagem especial para esse dia. Queria ter feito
a publicação no dia 20, mas não consegui. Paciência...
De
todo modo, hoje vamos falar de Guerra dos Farrapos (1835 – 1845). De mídia
ligada ao nosso maior movimento separatista. O livro em questão foi base para
um filme cultuado e premiado. E, ao mesmo tempo em que falaremos desse livro,
apresentaremos um escritor novo.
Hoje,
vamos falar de NETTO PERDE SUA ALMA, de Tabajara Ruas.
Muita
gente conhece NETTO PERDE SUA ALMA pelo filme. Mas ele foi baseado em um livro.
Do filme falaremos mais tarde.
SEU AUTOR
Antes
de falarmos do livro, é bom que eu apresente seu autor, o multimídia Tabajara
Ruas, que, além da literatura, acumula trabalhos no cinema, na televisão e nos
quadrinhos.
Marcelino
Tabajara Gutierrez Ruas nasceu em Uruguaiana, RS, em 1942. Estudou arquitetura
na UFRGS e na Kongeligkunsacadami, em Copenhagen, na Dinamarca. Estudou cinema
na High School de Vejle, na Dinamarca. Exilado, por conta do Regime Militar
Brasileiro (1964 – 1985), viveu entre 1971 e 1981 em seis países – Uruguai,
Chile, Argentina, Dinamarca, São Tomé e Príncipe e Portugal.
Seu
primeiro romance, A Região Submersa, foi
publicado em 1978, em Portugal e na Dinamarca.
Depois
que retornou ao Brasil, publicou O Amor
de Pedro por João, em 1982.
Em
1985, ele inicia a trilogia Os Varões
Assinalados – O Grande Romance da Guerra dos Farrapos, composta por O País dos Centauros, A República de Anita e
A Carga de Lanceiros. Posteriormente,
as três partes são reunidas em um único volume. Os Varões Assinalados é
considerado um dos 30 melhores livros dos últimos 30 anos pelo jornal Zero Hora.
Em
1991, publica Perseguição e Cerco a
Juvêncio Gutierrez (o personagem título é considerado um dos 20 melhores do
século XX na literatura gaúcha pelo mesmo jornal Zero Hora).
Em
1995, publica NETTO PERDE SUA ALMA, que, no ano seguinte, fatura o prêmio
Açorianos de Literatura de Melhor Romance.
E,
em 1997, publica O Fascínio.
De
outros gêneros literários (cujas datas não consegui identificar no momento),
Tabajara Ruas publicou: de ensaios, Mario
(com Armindo Trevisan e Dulce Helfer), A
Cabeça de Gumercindo Saraiva (com Elmar Bones), Solar dos Câmara e RS:
Caminhos, Luzes e Sombras; de livros de crônicas, Um Porto Alegre; de álbuns de quadrinhos, escreveu os roteiros de História de Curitiba e de A Guerra dos Farrapos, ambos com
desenhos de Flávio Colin, e História/Histórias
de Porto Alegre, com desenhos de Edgar Vasques e Liana Timm; os folhetins A Segunda Existência de Terry Lennox, 1835:
A Grande Epopeia, O Labirinto Invisível e Você Sabe de Onde eu Venho; além de traduções de textos infantis do
dinamarquês Hans Christian Andersen. Quase todos os seus romances possuem
traduções para o exterior.
Já
no cinema, Tabajara Ruas atua desde 1978, em diversos projetos – quase todos
premiados. Ruas escreveu os roteiros de Kilas,
o Mau da Fita (dirigido por José Fonseca e Costa, Portugal, 1978), Anahy de Las Misiones (Sérgio Silva,
Brasil, 1997), Perseguição (Ligia
Walper, Brasil, 1997), A Antropóloga (Zeca
Pires, Brasil, 2002), Concerto Campestre (Henrique
de Freitas Lima, Brasil, 2005) O Tempo e
o Vento (Jayme Monjardim, Brasil, 2013 – o roteiro foi co-escrito com a
também escritora Letícia Wierzchowski) e Oeste
(Chico Faganello, Brasil). Foi assistente de direção de Um S Marginal (José Caetano, Portugal,
1978). Isso tudo só citando os longa-metragens; ele também roteirizou diversos
curtas, como O Dia em que Dorival Encarou
a Guarda (José Pedro Goulart e Jorge Furtado, 1987), Manhã (Zeca Pires, 1989), Paulo
e Ana Luiza em Porto Alegre (Rogério Ferrari, 1998), Duelo (Jaime Lerner, 1998) e Ilha
(Zeca Pires, 2001). Em 2001, ele co-dirigiu, junto com Beto Souza, a
adaptação para cinema de NETTO PERDE SUA ALMA, que ganhou diversos prêmios no
Brasil e no exterior; em 2007, dirige o documentário Brizola – Tempos de Luta; em 2008, escreve e dirige Netto e o Domador de Cavalos; e, em
2014, escreve e dirige Os Senhores da
Guerra.
Escritor
premiado, Tabajara Ruas já foi escolhido um dos dez melhores escritores da
literatura gaúcha em enquete promovida pelo jornal Zero Hora em 1992; e já recebeu o Prêmio Érico Veríssimo, da Câmara
Municipal de Porto Alegre, em 2001, durante a 47ª Feira do Livro de Porto
Alegre, pela relevância do conjunto de sua obra. O escritor vive entre
Florianópolis e Porto Alegre, preparando novos projetos. Para este segundo
semestre de 2018, ele, no momento em que escrevo, se prepara para estrear seu
mais novo filme, a adaptação de A Cabeça
de Gumercindo Saraiva.
FONTES:
perfil do autor no site da editora L&PM (http://www.lpm.com.br/site/default.asp?TroncoID=805134&SecaoID=948848&SubsecaoID=0&Template=../livros/layout_autor.asp&AutorID=838294) e
verbete sobre o autor na Wikipedia (www.wikipedia.com/).
O ROMANCE
Bem:
NETTO PERDE SUA ALMA foi lançado em 1995, pela editora Mercado Aberto. Algum
tempo depois, foi relançado, pela editora Record. Ao longo da postagem, vocês
podem ver capas de outras edições do livro.
NETTO
PERDE SUA ALMA procura recriar, com recursos de ficção, a trajetória e a personalidade
complexa de um dos mais importantes personagens da Guerra dos Farrapos, Antônio
de Souza Netto. Os detalhes biográficos a respeito do personagem são escassos,
então, o autor (inclusive admitiu que) precisou utilizar a imaginação para
recriar a vida do responsável pela proclamação da República Rio Grandense, em
1836 – uma das mais importantes fases da Guerra dos Farrapos.
O
enredo de NETTO PERDE SUA ALMA é não-linear – dividido em seis partes, por sua
vez subdivididas em pequenos capítulos, o romance dá vários saltos no tempo,
focalizando momentos-chave da vida do General Netto, e seus embates com a
própria consciência, com suas escolhas. E tudo em uma prosa direta,
cinematográfica, como convém a um autor que também possui experiências com
cinema.
Antônio
de Souza Netto lutou tanto na Guerra dos Farrapos quanto na Guerra do Paraguai.
Foi quem proclamou a República Rio Grandense e, segundo dizem, era favorável à
abolição da escravatura. Tanto que foi ele o idealizador do Corpo de Lanceiros
Negros, um praticamente imbatível exército formado por escravos que lutavam em
troca de liberdade. Porém, os Lanceiros Negros acabaram traídos, perto do final
da Guerra: pereceram durante a batalha de Porongos, onde se viram desarmados.
Suspeita-se que a traição tenha sido engendrada por Davi Canabarro, a fim de
não precisar cumprir a promessa de libertar os lanceiros após a guerra. Após o
fim da Guerra dos Farrapos, e de suas pretensões nobres, Netto estabeleceu
família e mudou-se para uma propriedade no Uruguai. Ele faleceu em 1866, em
Corrientes, na Argentina, em um hospital militar.
A
primeira e a última parte do livro (ambas chamadas Corrientes) se passam justamente no Hospital Militar de Corrientes,
onde Netto está acamado devido a ferimentos sofridos durante uma batalha da
Guerra do Paraguai. Enquanto está convalescente, ele presencia o sofrimento de
seus colegas de quarto, igualmente feridos – entre eles, o Capitão de los
Santos, que teve as pernas amputadas – sente repulsa pelo responsável pelo
Hospital Militar, o tenente-coronel Philippe Fontainebleux, com pouca
experiência em medicina – este procede a cirurgia de amputação das pernas do
Capitão de los Santos, e este acredita que foi proposital, para inutiliza-lo –
e alimenta um desejo pela enfermeira responsável, Rosita Zibiaurre, incumbida,
inclusive, em lhe dar banho. Netto começa, entre recordações e delírios
provocados pela febre, a alimentar o plano para matar o tenente-coronel, fazer
justiça a seu modo. E aí, Netto recebe uma visita: um velho parceiro de lutas,
o negro Sargento Caldeira, que vem lhes trazer notícias do Rio Grande do Sul. A
primeira parte termina quando Netto revela seus planos a Caldeira.
A
segunda parte do livro, Reunião no Morro
da Fortaleza, se passa em abril de 1840, na Guerra dos Farrapos. Começa em
uma noite: Netto e um parceiro, o capitão Teixeira, acompanham o italiano
Garibaldi em uma ação para evitar uma emboscada, enquanto este embarca em um
navio. Depois de se despedirem, Netto e Teixeira vão se reunir a companheiros
em um acampamento distante. Antes, resolvem passar em uma estância em busca de
cavalos. Conseguir os cavalos foi difícil, por causa da mulher responsável pela
estância, muito arredia. Mas bastou a intervenção de uma velha, também moradora
da estância, de um escravo e a revelação de alguns nomes para que a negociação
ficasse mais fácil. No caminho, Netto e Teixeira param para fazer uma refeição,
e acabam abordados pelo escravo da estância, o jovem Milonga, que quer,
espontaneamente, se juntar ao Corpo dos Lanceiros Negros. Em princípio, os dois
dispensam os préstimos de Milonga, alegando ser ele muito jovem, mas acabam
voltando atrás quando o negrinho foi decisivo quando os dois militares, que
perderam um dos cavalos, são emboscados por índios charruas e guerreiros que
queriam o cavalo restante. Os dois conseguem lutar e vencer os índios, mas
Milonga é quem garante a vitória contra o último índio. Assim, Milonga se junta
ao Corpo de Lanceiros assim que todos conseguem chegar ao acampamento, onde os
aqueles também esperavam.
Na
terceira parte, Dorsal das Encantadas, também
passado na Guerra dos Farrapos, um novo retrocesso no tempo: se passa em 1836,
em um acampamento militar, na véspera do ato da Proclamação da República
Riograndense. Basicamente, diálogos entre Netto e alguns aliados no acampamento
dos farroupilhas, praticamente cenas de bastidores do importante evento.
Quarta
parte: Último Verão no Continente se
passa em 2 de março de 1845, um dia depois da assinatura do tratado de paz de
Ponche Verde, que firmou a paz entre os revoltosos farroupilhas e o governo
imperial. Mas, naquele dia, alguém estava descontente, mais que qualquer outro:
os remanescentes do corpo de Lanceiros Negros – incluso Milonga – que não
tinham certeza quanto ao seu futuro após o fim da guerra, temiam voltar à
condição de escravos e se sentiam traídos pelos brancos. Netto já confabula,
entre os seus, de ir embora do Rio Grande do Sul. Milonga aparece de repente
para matar o General, por se sentir traído por ele; e acabou morto pelo
Sargento Caldeira, em defesa de Netto.
Quinta
parte: Piedra Sola. Se passa no
Uruguai, em 1861. Netto então desfrutava de um pouco de paz na propriedade
rural que construíra nos arredores de Taquarembó. Constituíra família ao lado
de Maria Escayola, filha de um proprietário rural uruguaio que conhecera em uma
livraria. E, sempre que podia, Netto resolvia problemas para a população local,
como caçar uma onça que atacava rebanhos. Vive com alguns empregados, entre
estes Benedito, seu afilhado – em uma das cenas do capítulo, Benedito pede a
Netto autorização para um casamento. Pouco depois, na casa do sogro, Netto tem
um diálogo com um visitante, o embaixador inglês Edward Thornton, que expressa
preocupação com os acontecimentos recentes no Paraguai – em breve, o presidente
Solano Lopez iniciaria a série de eventos que levariam à Guerra do Paraguai. O
capítulo termina com um longo diálogo entre Netto e sua esposa, na ocasião em
que ainda namoravam.
E,
na sexta e última parte, Corrientes, a
história volta ao ponto onde começou, quando Netto e o Sargento Caldeira levam
a cabo o plano do atentado contra o tenente-coronel Fointainebleux. O que se
sucede, depois, nem o leitor tem certeza se é realidade ou delírio febril de
Netto. Tudo o que se sabe é que, no dia seguinte, Netto não fica vivo.
Como
um bom escritor que escreve sobre a Guerra dos Farrapos antes do revisionismo
histórico do início do século XXI, Tabajara Ruas glorifica o movimento militar,
dando aos personagens trejeitos e pensamentos nobres. Também assume o velho
discurso a respeito da Guerra do Paraguai, segundo diz que esse país era
desenvolvido antes do movimento militar, e que o conflito teria sido fomentado
pelos interesses da Inglaterra na região – o atual revisionismo histórico diz
outra coisa. Ainda assim, mesmo cometendo barrigadas na reconstituição da
história, NETTO PERDE SUA ALMA é um belo romance, muito fácil de entender,
graças à linguagem e ao ritmo cinematográfico. Mesmo quem não tenha visto o
filme ainda pode imaginar os acontecimentos descritos.
Além
do quê, não é um romance muito longo – a edição da Mercado Aberto tem 166
páginas, sem contar capa. Para quem aprecia romances históricos, é um
entretenimento e tanto.
PARA
ENCERRAR...
...só
podia ser com novas páginas de minha HQ folhetinesca, O Açougueiro. Hoje são três páginas. E temo que a história está
começando a perder o rumo, visto que eu retomei a produção depois de uns dois
meses sem produzir novas páginas... e sem saber quando a história realmente
terminará, e como. Mas, de todo modo, continuem acompanhando.
Na
próxima postagem, NETTO PERDE SUA ALMA, o filme.
Até
mais!
Nenhum comentário:
Postar um comentário