sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O nome da criatura é...

Olá.
Hoje, vou falar de algumas considerações sobre poesia.
Aproveitando o ensejo de ter escrito, nos posts anteriores sobre o novo filme de Alice, hoje vou falar das variações presentes em um dos mais famosos poemas de Lewis Carroll.
Estou falando do poema Jabberwocky, incluso no livro Alice Através do Espelho. É um poema do qual eu gosto bastante, por causa dos jogos de palavras usados pelo autor. Esse tipo de texto é sempre interessante, quando o autor pode usar de jogos de palavras que tornem o seu texto único, que tornem o seu texto totalmente seu. Entendem?

O caso é que Jabberwocky também é um poema bastante complicado para os tradutores em língua portuguesa por causa disso. Carrol, nesse poema, introduz o conceito da palavra-valise, ou seja, as palavras com dois significados embutidos, recurso demonstrado através da construção da mesma. E aparecem não uma, mas várias traduções conhecidas desse poema.
Antes de tudo, vejamos o poema em si, na tradução original:

Jabberwocky
Lewis Carrol

'Twas brillig, and the slithy toves
Did gyre and gimble in the wabe:
All mimsy were the borogoves,
And the mome raths outgrabe.

"Beware the Jabberwock, my son!
The jaws that bite, the claws that catch!
Beware the Jubjub bird, and shun
The frumious Bandersnatch!"

He took his vorpal sword in hand:
Long time the manxome foe he sought?
So rested he by the Tumtum tree,
And stood awhile in thought.

And, as in uffish thought he stood,
The Jabberwock, with eyes of flame,
Came whiffling through the tulgey wood,
And burbled as it came!

One, two! One, two! And through and through
The vorpal blade went snicker-snack!
He left it dead, and with its head
He went galumphing back.

"And hast thou slain the Jabberwock?
Come to my arms, my beamish boy!
O frabjous day! Callooh! Callay!"
He chortled in his joy.

'Twas brillig, and the slithy toves
Did gyre and gimble in the wabe:
All mimsy were the borogoves,
And the mome raths outgrabe.

Quando Alice depara-se com esse poema pela primeira vez, ela não entende seu sentido: o que dá para entender é que Jabberwocky trata de alguém que mata alguém.
Bem, o poema é uma espécie de paródia de um poema épico, que trata da luta de um jovem guerreiro contra uma criatura fantástica - o Jabberwocky do título. A primeira estrofe parece descrever o clima do cenário; na segunda, as advertências de um adulto - provavelmente o pai ou a mãe do guerreiro - para tomar cuidado com a criatura. Mas o jovem pega de sua espada e vai pegar o tal monstro. Ao descansar à sombra de uma árvore, de repente vem a criatura. E, após uma emocionante luta, o jovem mata a criatura e volta vivo para casa, onde é recebido pelo adulto da segunda estrofe, em júbilo. Entenderam? Não?
Em inglês parece bem complicado, ainda mais que boa parte das palavras usadas por Carroll são palavras difíceis de encontrar nos dicionários de inglês. Mas, e se eu colocar uma tradução para vocês, ajuda?

JAGUADARTE
Augusto de Campos

Era briluz. As lesmolisas touvas
roldavam e relviam nos gramilvos.
Estavam mimsicais as pintalouvas,
E os momirratos davam grilvos.

"Foge do Jaguadarte, o que não morre!
Garra que agarra, bocarra que urra!
Foge da ave Fefel, meu filho, e corre
Do frumioso Babassura!"

Ele arrancou sua espada vorpal
e foi atras do inimigo do Homundo.
Na árvore Tamtam ele afinal
Parou, um dia, sonilundo.

E enquanto estava em sussustada sesta,
Chegou o Jaguadarte, olho de fogo,
Sorrelfiflando atraves da floresta,
E borbulia um riso louco!

Um dois! Um, dois! Sua espada mavorta
Vai-vem, vem-vai, para tras, para diante!
Cabeca fere, corta e, fera morta,
Ei-lo que volta galunfante.

"Pois entao tu mataste o Jaguadarte!
Vem aos meus braços, homenino meu!
Oh dia fremular! Bravooh! Bravarte!"
Ele se ria jubileu.

Era briluz. As lesmolisas touvas
Roldavam e relviam nos gramilvos.
Estavam mimsicais as pintalouvas,
E os momirratos davam grilvos.

Esta é a tradução mais conhecida, em língua portuguesa, do poema. O mérito de Augusto de Campos foi tentar conservar as palavras-valise e os neologismos usados por Carroll. Pretensamente, a tradução de Campos foi usada na tradução do novo filme de Alice, pois a personagem principal teria de lutar contra o Jaguadarte para salvar o País das Maravilhas. Só que, no entanto, o Jaguadarte não veio só: também são citadas duas outras criaturas, o "Jubjub Bird" e o "Bandersnatch". Mas não foi da traduçãode Campos que os nomes em português dessas criaturas foram tirados. Foi desta:

PARGARÁVIOMaria Luiza X. de A. Borges

Solumbrava, e os lubriciosos touvos
Em vertigiros persondavam as verdentes;
Trisciturnos calavam-se os gaiolouvos
E os porverdidos estringuilavam fientes.

"Cuidado, ó filho, com o Pargarávio prisco!
Os dentes que mordem, as garras que fincam!
Evita o pássaro Júbaro e foge qual corisco
Do frumioso Capturandam."

O moço pegou da sua espada vorpeira:
Por delongado tempo o feragonists buscou.
Repousou então à sombra da tuntumeira,
E em lúmbrios reflaneios mergulhou.

Assim, em turbulosos pensamentos quedava
Quando o Paragarávio, os olhos a raisluscar,
Veio flamiscuspindo por entre a mata brava.
E borbulhava ao chegar!

Um, dois! Um, dois! E inteira, até o punho,
A espada vorpeira foi por fim cravada!
Deixou-o lá morto e, em seu rocim catunho,
Tornou galorfante à morada.

"Mataste então o Pargarávio? Bravo!
Te estreito no peito, meu Resplendoso!
Ó gloriandei! Hosana! Estás salvo!"
E na sua alegria ele riu, puro gozo.

Solumbrava, e os lubriciosos touvos
Em vertigiros persondavam as verdentes;
Trisciturnos calavam-se os gaiolouvos
E os porverdidos estringuilavam fientes.

A tradução de Borges é da mais recente edição do livro, publicada pela Jorge Zahar. Foi dessa versão que foram tiradas os nomes "Pássaro Júbaro" e "Capturandam", usados no filme. A tradução de Borges, assim como a de Campos, também tem o mérito de manter a métrica e as palasvras do original. No entanto, "Jaguadarte" e "Pargarávio" não foram os únicos nomes usados para traduzir "Jabberwocky". Querem ver? Aí vai mais uma tradução interessante:

O TAGARELÃO
William Lagos

Era o Assador e os Sacalarxugos
Elasticojentos no eirado giravam
Miserágeis perfuravam os Esfregachugos
E os verdes porcalhos ircasa arrobiavam.

Cuidado, meu filho, com o Tagarelão!
Te morde com a boca e te prende com a garra!
Escapa ao terrível Jujupassarão
E foge ao frumoso e cruel Bandagarra!

Cingiu à cintura sua espada vorpal
E por longo tempo o manximigo buscou
Da árvore Tumtum na sombra mortal,
Em cismas imerso afinal descansou.

E assim, ufichado em seu devaneio,
O tagarelão, com olhos de chama,
Surdiu farejando do bosque no meio:
A gosma supura e a baba derrama!

Um, dois! E dois, um! A lâmina espessa
Cortou navalhando sua espada vorpal!
Deixou-lhe o cadáver e trouxe a cabeça;
Voltou galufando em triunfo total! "

Pois mataste destarte o Tagarelão?
Vem dar-me um abraço, meu filho valente!
O fragor desse dia! O meu coração
Em êxtase canta loução e contente!

Era o Assador e os Sacalarxugos
Elasticojentos no eirado giravam
Miserágeis perfuravam os Esfregachugos
E os verdes porcalhos ircasa arrobiavam.
Essa tradução eu achei a mais engraçada, quando a encontrei. Principalmente porque William Lagos teve de criar palavras ainda mais complicadas que as das traduções de Campos e Borges. Ainda mais a primeira estrofe, que é bem complicada. Mas a intenção de Carroll e tentar estimular a imaginação, e tentar descobrir do que se tratam as tais criaturas que passaram pelo poema. Muito embora Humpty-Dumpty, em Através do Espelho, nos ajudasse quando tentou explicar as palavras complicadas da primeira estrofe. Dá para entender, pelo conceito de palavra-valise, que "relviam" (Campos) significa "revolviam a relva", ou seja, mexiam na grama do jardim; e "homenino" (também de Campos) pode ser entendido como "rapaz".
Aqui vai mais uma tradução divertida:

BLABLASSAURO
Ricardo Gouveia

Brilumia e colescosos touvos
No capimtanal se giroscavam;
Miquíticos eram os burrogouvos,
E os mamirathos extrapitavam.

"Foge meu filho, do Blablassauro!
Boca que morde, garra que agarra!
Fica longe do Ornitocentauro
E do frumioso Bombocarra!"

Nas mãos tomou sua espada vorpal:
Venceria o manxomo inimigo!
Pensaparou ao pé de um Tumtal,
Meditando, ele e seu umbigo.

Em úfia concentração pensava;
E o blablassauro, olhar flamejante,
Do bosque tulgeo, aos bufos chegava
Balouçando o corpo borbulhante!

Zás-trás! Alto a baixo, lado a lado
Corta e pica a lâmina vorpal!
Levando a cabeça do malvado,
Galunfante, voltou afinal.

"Então o Blablassauro morreu?
Vivas! Frabujoso! Quem diria?
Abraça-me, briante filho meu!"
E ele ria de pura alegria.

Brilumia e colescosos touvos
No capimtanal se giroscavam;
Miquíticos eram os burrogouvos,
E os mamirathos extrapitavam.

Eu, particularmente, não tento traduzir esse poema por conta própria porque temo que não fique bom o bastante. Bem, Carroll era um mestre em confundir a cabeça das pessoas. Se Jabberwocky não tem muita lógica, fica a cargo dos leitores encontrá-la. E tem tantas traduções, e tantas... Uma mais divertida que a outra. Escolha a sua favorita. Ou crie a sua, se você for craque em inglês.
Para encerrar, eu fiz uma ilustração colorida a lápis com a minha visão do Jabberwocky. Um pouco da criatura é o que foi mostrado no filme; outra é da ilustração de John Tenniel retratando a criatura.
Boaslonjuras a todos!
Até mais!

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