quinta-feira, 27 de maio de 2010

O ALIENISTA - Machado, Moon e Bá

Olá.
Hoje volto a falar de quadrinhos.
Recentemente, li um álbum que foi muito comentado quando da data de seu lançamento, em 2007: é a adaptação literária de O ALIENISTA, o clássico literário escrito por Machado de Assis, e adaptado para os quadrinhos por Fábio Moon e Gabriel Bá.

Bem, para começar, O ALIENISTA talvez seja a obra literária mais adaptada para os quadrinhos neste século XXI. Quer dizer, se não houve uma adaptação desta obra pela Edição Maravilhosa da editora EBAL, ou pela série Romance em Quadrinhos da editora RGE (atual Globo), possivelmente O ALIENISTA empata com O Guarani como a obra literária mais adaptada para as HQ em todos os tempos no Brasil.
É que, além da adaptação feita por Moon e Bá, existem, disponíveis no mercado, três outras adaptações do mesmo romance: a de Francisco Vilachã, pela editora Escala Educacional; a de Laílson de Holanda Cavalcanti, pela Companhia Editora Nacional; e a de Luís Antônio Aguiar e César Lobo, pela Ática. Todas essas foram lançadas quase que na mesma época da adaptação de Moon e Bá. No entanto, esta é considerada por muitos a melhor adaptação. Já veremos por quê.

FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ
Embora pelo nome não pareça, Fábio Moon e Gabriel Bá são irmãos gêmeos. Ambos nasceram em 1976, e, apesar se quase sempre trabalharem juntos, ambos se formaram em artes em faculdades distintas. E, em pouco mais de dez anos, eles já entraram para a história das HQ nacionais.
Tudo começou quando ambos lançaram, em 1997, o fanzine 10 Pãezinhos. Esse fanzine fez muito sucesso, e, no século XXI, histórias ali publicadas chegaram ao grande público na forma de álbuns. Os dois primeiros, O Girassol e a Lua (2000) e Meu Coração Não Sei Por Quê (2001), foram editados pela editora Via Lettera (além da edição especial Feliz Aniversário, Meu Amigo); e os outros, Crítica (2004), Mesa Para Dois (2006) e Fanzine (edição especial de aniversário do fanzine, 2007), foram editados pela Devir.
Moon e Bá também desenvolvem trabalhos no exterior - mais especificamente para os EUA, Alemanha, França, Espanha e Itália. Entre estes trabalhos, a adaptação do épico medieval Rolando, escrito por Shane Amaya, Casanova, com texto de Matt Fraction, e Smoke and Guns, texto de Kirsten Baldok. Sem falar em Sugarshock, webcomic (série desenvolvida especialmente para a internet) desenhada por Moon e escrita por Joss Whedon, e The Umbrella Academy, desenhada por Bá e escrita por Gerard Way (vocalista da banda My Chemical Romance). Estes são apenas alguns dos trabalhos desenvolvidos no exterior. Aqui dentro, Moon e Bá também acumulam participações em antologias, como a Front da editora Via Lettera, e atualmente eles publicam uma tira no jornal Folha de São Paulo.
Foi em 2008, no entanto, que os gêmeos fizeram história. Depois de ganharem vários prêmios no Brasil - várias vezes o HQ MIX e o Ângelo Agostini - e no exterior - o Xeric Foundation Grant, de 1999, por Rolando - , Moon e Bá tornam-se os primeiros brasileiros a faturarem o prêmio Eisner Awards, o "Oscar" do quadrinhos mundial. E não ganharam sozinhos: o também brasileiro e gaúcho Rafael Grampá também fatura o Eisner de 2008. Moon recebeu por Sugarshock (melhor webcomic); Bá, por Umbrella Academy (melhor série limitada); e Grampá, pela coletânea 5 (melhor antologia, feita em conjunto com Moon, Bá, Becky Cloonan e Vasilis Lolos). E Bá ainda recebe, no mesmo ano, o Harvey Awards, por Umbrella. E repete a dose em 2009.
5 e Umbrella Academy já foram lançados no Brasil.
Se quiserem saber mais sobre a dupla, eis aqui os endereços para o website oficial 10 Pãezinhos: www2.uol.com.br/10paezinhos/ (site) e 10paezinhos.blog.uol.com.br/ (blog).
MACHADO DE ASSIS E O ALIENISTA
Muito se fala sobre o grande escritor Machado de Assis (1839 - 1908). O "Bruxo do Cosme Velho" é um dos maiores nomes do movimento literário do Realismo e é considerado por muitos o maior escritor do Brasil. Não sem motivo, afinal Machado simplesmente nos legou romances excepcionais. Memórias Póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro, seus melhores romances, confundiram a cabeça de muitos leitores por gerações. Mas, pessoalmente, eu prefiro os contos do Machado. Os romances eu acho meio difíceis, meio chatos.
Machado de Assis sabe como ninguém usar a ironia e o senso de humor ácido para contar suas histórias, bem como a análise profunda do ser humano. Na verdade, é inútil falar num espaço tão limitado da obra de Machado de Assis. Tem tanto a enumerar, e não quero cansar meus leitores inutilmente. Assim, vou me ater apenas ao básico. O humor machadiano pode ser percebido aqui, em O ALIENISTA.
O conto foi escrito em 1881, e foi publicado pela primeira vez no periódico A Estação, e no ano seguinte no livro Papéia Avulsos. É considerada uma obra-prima.
O tema da novela é a relação entre razão e loucura. Trata da história de Simão Bacamarte, um médico formado na Europa que se estabelece na vila de Itaguaí, no Rio de Janeiro. Interessado no estudo das doenças mentais, o workaholic e extremamente científico Bacamarte consegue, da Câmara de Governo de Itaguaí autorização para montar ali na cidade um hospício, a Casa Verde. Ali, ele começa a acolher os loucos e estudar formas de cura destes. Bacamarte é um homem profundamente obcecado pela ciência, mas suas atitudes aos olhos dos outros são ambiguas.
Primeiro, a Casa Verde acolhe os casos de loucura mais "comuns", como manias de grandeza e loucos por amor. No entanto, Bacamarte começa a formular novas teorias, a estabelecer novos limites entre loucura e razão. Ele acredita que a loucura, no meio da sociedade "normal", não seja uma ilha, mas um continente. E tem como alvo pessoas aparetemente sãs, mas com excentricidades que são interpretadas como loucura pelo ilustre médico.
Assim, Bacamarte começa a internar, na Casa Verde, vários cidadãos ilustres da cidade. Os habitantes de Itaguaí não vêem indícios de loucura neles, mas Machado sabe nos fazer questionar, através de descrições dos hábitos, se eles realmente estão sãos. E essa obsessão do alienista Bacamarte revolta a população da cidade. Todos acreditam que Bacamarte, que é guiado pela ciência e pelas possibilidades de estudo, age por ganância, conspiração ou mesmo por ciúme. O caso é que, com suas teorias, Simão Bacamarte chega a internar metade da população da cidade na Casa Verde.
Outros personagens importantes do conto são: o boticário Crispim, amigo de Simão e que concorda com tudo o que o alienista diz e faz; Dona Evarista, mulher de Simão, uma dondoca de marca maior (Simão chega até mesmo a internar a mulher na Casa Verde!); o Padre Lopes, outro amigo de Simão; e o barbeiro Porfírio, o mais revoltado personagem, que lidera um levante contra Simão e vê no movimento a oportunidade de assumir o mando da cidade. Além dos membros da Câmara Municipal, e de inúmeros outros personagens.
Com um final surpreendente e a dose certa de ironia, O ALIENISTA retrata a fé cega na ciência, a ascensão e queda dos líderes populares e os dramas existenciais humanos. Afinal, quem de nós não tem um pouco de louco dentro de si? E no final, quem é mais louco: os pacientes do alienista... ou o próprio alienista?
Existem muitas edições de O ALIENISTA, por diversas editoras - a obra já entrou em domínio público, ou seja, pode ser adaptada e republicada por diversas editoras sem necessidade de se pagar direitos autorais. Algumas editoras oferecem a novela numa edição única, outras incluem outros contos de Machado de Assis. Porém, é raro para se encontrar a antologia original Papéis Avulsos.

O ALIENISTA HQ
Publicada em 2007 pela editora Agir, dentro da série Grandes Clássicos em Graphic Novel, O ALIENISTA apresenta as seguintes qualidades:
  • O desenho dos personagens: a adaptação é quase toda feita por Moon - Bá só assessorou na adaptação do texto. O traço de Moon é simples, mas cheio de vida, movimento e expressão. O personagem Simão Bacamarte é a cara de Machado de Assis, e a personagem Dona Evarista é adorável;
  • A fidelidade ao texto machadiano: ao contrário de outros adaptadores que cortam palavras e situações quando transpõem uma obra literária para HQ, o texto machadiano foi integralmente adaptado. Assim, é como de lêssemos uma versão ilustrada do romance machadiano. As partes mais "complicadas" do romance são magistralmente representadas através de desenho;
  • As cores: em vez de colorido ou de preto-e-branco, a arte se processa em um tom sépia - um amarelo envelhecido - dando um tom nostálgico à adaptação. E, em certos momentos, o aquarelado dos desenhos chega a transpor o espaço dos quadrinhos, como manchas de tinta descuidadas que saem para fora do desenho. Talvez seja intencional esses errinhos.
Por tudo isso e mais, O ALIENISTA é a melhor adaptação de HQ da obra machadiana. Só não digo a melhor adaptação de todos os tempos porque muita gente considera que a melhor adaptação literária seja O Cabeleira, de Franklin Távora, por Leandro Assis, Hiroshi Maeda e Allan Alex, publicada em 2008 pela editora Desiderata. Talvez por isso, até hoje sirva de referência para se falar da onda de adaptação de grandes obras da literatura para HQ. Elas estão em alta hoje em dia, por causa da legislação do PNBE (Plano Nacional de Bibliotecas nas Escolas), que inclui Histórias em Quadrinhos como auxiliar na educação e na leitura para crianças e adolescentes. As adaptações literárias para HQ, mais que isso, representam uma oportunidade de sobrevivência das HQ nacionais e dos artistas brasileiros.
Para despertar nos jovens o gosto pela leitura, então, fica a dica: O ALIENISTA. Mas começando, primeiro, pela versão impressa; daí depois, se ainda tiver dificuldades para entender as passagens machadianas, partir para as versões em HQ. Mas a mais recomendável ainda é a de Moon e Bá. Quer dizer, segundo dizem, porque ainda não tive acesso às outras adaptações para saber como são.
Bem, deixe para lá.
MUDANDO DE ASSUNTO...
Anúncio nada-a-ver de efeméride, com o perdão da palavra: chegou recentemente às bancas a revistinha Xaxado no. 2, editada pela HQM. O personagem de Antônio Cedraz segue trilhando a carreira do sucesso. Uma HQ nacional de qualidade. Vale a pena conferir!
Para encerrar, um novo duplex do meu personagem, o Teixeirão. Mais um scan das tiras publicadas na revista Quadrante X. Em breve, tem mais Teixeirão.
E, quem sabe, Letícia estará retornando. Aguardem!
Até mais!

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