domingo, 6 de março de 2011

CORCEL NEGRO: o mais estranho herói brasileiro!

Olá.
Hoje, continuando uma série de postagens sobre alguns heróis de HQ afro-descendentes que conheci recentemente, hoje vou falar de um dos mais conhecidos dos meios alternativos.
Certamente também é o mais estranho.
Trata-se do herói CORCEL NEGRO, um dos mais estranhos heróis das HQ brasileiras - se não o mais mal-concebido.

CRIADOR E CRIATURA
CORCEL NEGRO foi criado, no início do século XXI - alguns apontam sua primeira aparição na mídia impressa em 2004 - pelo potiguar (nascido no Rio Grande do Norte) Alcivan Gameleira, responsável pelos roteiros de todas as histórias do personagem.
CORCEL NEGRO foi publicado em diversos fanzines brasileiros - entre eles, o popularíssimo Heróis Brazucas, editado por Francinildo Sena, conterrâneo de Gameleira e o maior editor de fanzines do Brasil - e no fanzine homônimo, Corcel Negro. Em 2007, as histórias do personagem começaram a ser editadas pela SM Editora / Júpiter II, contribuindo para aumentar o contingente de fãs do personagem. Dentre os desenhistas da série, citamos os nomes de Joe Nunes (que também já desenhou algumas HQ roteirizadas pelo meu amigo Antônio Mello, do Quadrinhos S. A.), Paulo Ricardo, Arthur Filho, Orlando Maro, E. Thomaz, Edurardo Medeiros e muitos outros talentos do quadrinho nacional.
As aventuras de CORCEL NEGRO lidam com dois temas preferidos de muitos fãs de quadrinhos: heróis mutantes e viagens no tempo. Tudo com pitadas de crítica à sociedade, reflexões filosóficas e interpretações da História.
CORCEL NEGRO é um herói de origem bastante misteriosa. Sabe-se apenas seis coisas a respeito dele:
Primeira: seu verdadeiro nome é Santiago.
Segunda: seu apelido deve-se à tatuagem de um cavalo (um corcel negro) em seu peito.
Terceira: ele é um mutante, dotado de grande força e ossos super-resistentes, que aguentam todo tipo de impacto.
Quarta: ele é surdo-mudo. Não fala, não ouve, mas sente o perigo através das vibrações no ambiente.
Quinta: ele possui a capacidade de viajar através do tempo, um poder que lhe foi conferido contra sua vontade - assim, ele vai parar desordenadamente em épocas distintas, e por um instante suas memórias se confundem com a época vivida, fazendo o herói acreditar por instantes que nasceu na época onde vai parar.
Sexta: existe gente interessada no Corcel Negro e em seus poderes.
E isso é tudo o que se sabe. Não se sabe em que época exata ele nasceu; e nem quais são os interesses de certos grupos com relação a ele; e nem como ele ganhou a capacidade de viajar no tempo.
Mas é o fato de ele ser surdo-mudo que torna esse personagem ainda mais estranho. Até onde se sabe, é difícil para uma pessoa pressentir perigo se não for dotado de uma boa audição. Assim, lendo as primeiras aventuras do personagem, as coisas não apresentam sentido. Mas CORCEL NEGRO possui os outros sentidos - e com eles pode captar o perigo.
Em todas as aventuras, CORCEL NEGRO também precisa se defender de muita gente que o persegue. O herói também é capoeirista, e em muitas histórias ele distribui sopapos em todos os que o ameaçam.
Outro charme das aventuras do personagem são as viagens temporais. Gameleira coloca o CORCEL NEGRO em lugares e épocas distintos, no Brasil e no Mundo. CORCEL NEGRO, segundo se sabe, possui algum conhecimento de história, portanto sabe mais ou menos o que aconteceu no ano onde ele foi parar. E, nesses lugares, o autor tem a chance de fazer uma crítica à sociedade, questionando certos pontos da história que não são discutidos - como os antigos cristãos irem na contramão dos ensinamentos de Cristo e cometerem barbaridade em nome dele, como as guerras "santas", a escravidão e a Inquisição, que levou à fogueira muita gente que discordava do que a Igreja Católica ensinava.
As melhores histórias do CORCEL NEGRO são justamente as que fazem esse tipo de reflexão - e, consequentemente, aproximam o CORCEL NEGRO da realidade.
Outra coisa que dá raiva nas aventuras do CORCEL NEGRO: Gameleira até agora não se preocupou em amarrar todas as pontas soltas das aventuras do personagem. Ele oferece pistas para que o leitor deduza o que está acontecendo - mas nenhuma certeza pode ser levantada. Outros personagens aparecem para enfrentar o herói - e isso acaba fazendo de CORCEL NEGRO uma série tão enigmática quanto Lost.
Diversidade também se pode dizer dos desenhistas da série, que apresentam estilos bastante distintos - uns melhores, outros nem tanto.
E, enquanto Gameleira ainda não oferece respostas sobre a série, vamos deixando Santiago pular de época em época, lutando e tentando entender o que está acontecendo.
Ah, a propósito: em tempos recentes, Gameleira acrescentou uma informação que antes não havia: a fonte das viagens temporais do CORCEL NEGRO são dois braceletes que, quanto tocados, o fazem viajar pelo tempo. Essa informação não existia nas primeiras histórias.
Outra coisa: as histórias do CORCEL NEGRO também possuem narradores distintos. Ora são narradas em terceira pessoa, ora em primeira - nessas, o CORCEL NEGRO conta o que aconteceu através de seu fluxo de pensamentos.

CORCEL NEGRO PELA SM EDITORA / JÚPITER II
Até agora, saíram cinco números do gibi do CORCEL NEGRO pela editora do persistente José Salles. Todas as histórias tem roteiro de Alcivan Gameleira.
Vejamos cada uma delas:
CORCEL NEGRO 1
Lançado em março de 2007.
Temos quatro histórias. As duas primeiras, Ninjas e Ninja II, A Vingança!, foram desenhadas por Joe Nunes. Nelas, CORCEL NEGRO, no Rio de Janeiro da época atual, luta contra um bando de ninjas que o atacam: na primeira, o ataque não possui motivo aparente; na segunda, o bando tenta vingar o primeiro, que foi massacrado pelo herói. Nessa história, aparentemente não faz sentido o herói ser surdo-mudo - senão, como ele poderia ter se desviado das flechas e shurikens? A arte de Joe Nunes também não ajuda no sucesso desta aventura. A terceira história, Guerreiros do Sol, tem arte de Paulo Ricardo, e mostra CORCEL NEGRO na América Central, encarando os guerreiros Astecas. O herói precisa lutar para não ser sacrificado em nome dos deuses do povo guerreiro! A última aventura, Tiradentes, também com arte de Paulo Ricardo, traz o herói enfrentando um problemacom o pai de uma criança, na Rio de Janeiro de 1792, no exato momento em que o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, líder da Inconfidência Mineira, está para ser enforcado. A atuação do herói não tem muita importância com o contexto histórico, tornando o roteiro muito deslocado. A capa deste número é de Orlando Maro e Toni Néri.
CORCEL NEGRO 2
Lançado em dezembro de 2007.
Três histórias. A primeira, Força Bruta, tem lay-out de Chagas Lima e arte de E. Thomaz (que co-escreveu a aventura ao lado de Gameleira). Em 1753, em um local desconhecido, CORCEL NEGRO encara um gigantesco mutante chamado Rocha, que dá uma verdadeira surra no herói. Essa aventura deixou uma ponta solta: quem era o grupo que estava assistindo ao combate entre os dois mutantes? E qual era o interesse em estudar o herói? A segunda história, O Exército de um Homem Só, tem arte de Arthur Filho, e mostra o herói no Nordeste brasileiro no ano de 1925, defendendo uma pequena vila de um bando de cangaceiros que vinha assaltá-la. E tem de fazer tudo sozinho! O roteiro é bom, mas a arte de Arthur Filho é ruim. E, na terceira história, Fúria Cega, desenhada por Paulo Ricardo, CORCEL NEGRO vai para o Brasil do século XVII, e, além de se deparar com o preconceito racial proveniente da época da escravidão, o herói perde o controle e ataca seus agressores com extrema violência. A capa é de E. Thomaz.
CORCEL NEGRO 3
Lançado em janeiro de 2009.
Mais três histórias. Na primeira, Negreiros, desenhada por Orlando Maro, CORCEL NEGRO tem a chance de mudar um capítulo da história: aprisionado em um navio negreiro que ia em direção à América, o herói lidera um levante que pode garantir que aquela leva de homens escravizados continue livre. A arte de Orlando Maro é uma das melhores da série até agora! A segunda história, Carta à Cristandade, traz CORCEL NEGRO, em carta anônima, relata sobre quando voltou à época das Cruzadas, e presenciou os horrores perpetrados por gente que se dizia "cristã", em "nome do Senhor". Gameleira também faz uma reflexão sobre a cristandade que agiu na contramão dos verdadeiros ensinamentos de Jesus Cristo. Embora o roteiro seja bom, a arte de Eduardo Medeiros, caricatural em muitos trechos, não é das mais adequadas. Estas duas histórias estão entre as favoritas de Gameleira, segundo entrevista concedida pelo autor a um site. A terceira história, Lobos, tem arte de Edivaldo Pessoa (outro excelente exemplo da arte do personagem). Nas pradarias norte-americanas, em 1830, CORCEL NEGRO é atacado por uma matilha de lobos, que tentam devorá-lo. É a mais sangrenta aventura do personagem desta coleção. Uma história simples de luta pela sobrevivência, mas de grande impacto. A edição inclui ilustrações pin-up de Gleyson Santos, Eduardo Medeiros e Joe Nunes. Capa de Toni Néri.
CORCEL NEGRO 4
Lançado em junho de 2009.
Quatro histórias. A primeira, Inquisição (mais uma das favoritas de Gameleira) tem arte (excelente!) de Paulo José. Nela, CORCEL NEGRO é aprisionado e julgado pela Inquisição da Idade Média européia, o tribunal da Igreja Católica que julgou e condenou os hereges, ou seja, todos os que iam contra a lei da Igreja. Sem condições de se defender, por ser surdo-mudo, CORCEL NEGRO é condenado, mas luta para se salvar da forca. Crítica ao fanatismo religioso. E é nessa aventura (se não me engano) que são introduzidos os braceletes que possibilitam o herói viajar no tempo no momento conveniente. Na segunda história, Guerreiro Menino (título inspirado numa canção do cantor Gonzaguinha), CORCEL NEGRO, enquanto percorre o sertão nordestino árido, acaba se recordando de seu tempo de menino - aqui, há uma pista sobre a possível origem do herói, mas pode ser uma das muitas confusões mentais provocadas pelas viagens temporais. Arte (sem muitas ousadias) de Antoniêto Pereira. A terceira história, Vôo da Morte, tem arte de Paulo Ricardo (que deu uma melhorada em relação aos outros capítulos desenhados por ele) e mostra o herói em São Paulo, 1996, no exato instante do trágico acidente do Fokker 100 da TAM. E o CORCEL NEGRO está dentro do avião! Só os braceletes podem salvá-lo! E a última aventura, Cinema Mudo, é bem simples, o CORCEL NEGRO enfrentando uma gangue de rua em um beco dos dias atuais. Capa de Adauto Silva.
CORCEL NEGRO 5
Lançado em setembro de 2010.
Três histórias. Na primeira, Ninjas III, o misterioso bando de ninjas volta a perseguir o CORCEL NEGRO, desta vez nas ruas de Curitiba, no Paraná. O herói por pouco não escapa com vida. Desenhos de Oliver Lee. Na segunda, Natasha, temos uma mistura da parábola bíblica do Filho Pródigo com a canção do grupo Capital Inicial, onde é contada a vida da garota de quinze anos que "fugiu de casa, às onze horas da manhã do dia errado, levando na mala mentiras para contar". Mas Gameleira dá um final feliz à história de Ana Paula/Natasha, quando o CORCEL NEGRO intervém e salva a moça de ser assediada. Moralista, mas interessante. Arte (meio irregular) de Antoniêto Pereira. E a terceira aventura, Experiência, tem desenhos de Paulo Ricardo. Nela, um tigre modificado em laboratório é solto no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, nos dias atuais, e o Corcel Negro o enfrenta - mas quem detém a fera é um estranho tratador cego. A aventura deixa muitasperguntas no ar, mas já oferece uma pista sobre o tal grupo interessado no CORCEL NEGRO. Inclui ilustrações de Luís Eduardo Luga, Oliver Lee, Antoniêto Pereira e Paulo Ricardo, e mais uma ilustração do herói Tormenta feita por Wellington Santos e Zeca Sena. Capa de Zeck.

Para adquirir esses e outros gibis da Júpiter II, escrevam para José Salles. Faça seu pedido pelo e-mail: smeditora@yahoo.com.br. E visitem o blog da Júpiter II: http://jupiter2hq.blogspot.com/.
O preço de cada gibi é R$ 3,00. Conheçam e tirem suas conclusões.
E ficamos na torcida para que Gameleira, nas próximas aventuras do personagem, responda todas as perguntas que ficaram em aberto. E, para garantir que as histórias do CORCEL NEGRO tenham continuidade, prestigiem o personagem! Prestigiem os quadrinhos brasileiros!
A ilustração de hoje vocês viram acima, a minha versão do CORCEL NEGRO.
Poderia ter sido melhor... buá! Para um herói do porte do CORCEL NEGRO, ele merecia algo melhor!
Até mais!

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