Hoje, começo, por assim dizer, uma série de postagens sobre heróis negros de HQ que conheci recentemente.
Além das HQ convencionais, de heróis caucasianos, conheci algumas HQ com personagens afro-descendentes. E a primeira da qual vou falar constitui um verdadeiro resgate de uma página perdida, não apenas das HQ brasileiras, mas da biografia de um quadrinhista consagrado.
E quem resgatou essa página? Ninguém menos que José Salles, o persistente editor da prestigiosa editora alternativa Júpiter II.
Atualmente, o consagrado quadrinhista Júlio Shimamoto integra o staff de colaboradores da editora, que não apenas lança novos personagens das HQ brasileiras, mas também faz um resgate de personagens clássicos. A Júpiter II já relançou a série O Gaúcho, de Shimamoto, e está recolocando à disposição do público brasileiro as aventuras do Raio Negro de Gedeone Malagola.
Pois desta vez, Salles está tornando a público um personagem muito pouco conhecido das HQ nacionais: trata-se de MEIA-LUA, O REI DA CAPOEIRA.
Eu disse muito pouco conhecido mesmo. Porque esse personagem só teve três aventuras produzidas, e todas elas publicadas na revista Kiai, da histórica editora paranaense Grafipar, em 1979.
Shimamoto é o co-criador do personagem, cujas histórias foram escritas por Hayle Gadelha, roteirista, repórter, publicitário e mestre em artes marciais. Atualmente, Gadelha dedica-se ao comentarismo político - quer dizer, SE é o mesmo Gadelha o roteirista de MEIA-LUA e o que atualmente publica no blog da Gadelha: http://blogdogadelha.blogspot.com/. Visitem e conheçam suas opiniões sobre a política nacional e internacional.
O CONTEXTO DE CRIAÇÃO DE MEIA-LUA
Bem. A editora Grafipar, fundada em Curitiba por Faruk El-Katib, em 1977, foi uma das que mais incentivou a produção nacional de HQ. Essa editora se dedicava, inicialmente, à produção de quadrinhos eróticos - as principais revistas dessa editora eram: Peteca, Personal, Eros, Katy Apache, Maria Erótica (estrelada pela clássica personagem criada por Cláudio Seto, o primeiro mangaká brasileiro) e Xanadu; mas havia espaço para a diversidade, como é o caso da revista Kiai, criada por Shimamoto, cujas histórias giravam em torno das artes marciais.
A Grafipar, cujas atividades infelizmente se encerraram em 1983, contou com a colaboração de muitos artistas que se tornaram célebres: Júlio Shimamoto, Roberto Kussumoto, Watson Portela, Flávio Colin, Cláudio Seto, Arthur Garcia e muitos outros.
Bem. A Kiai, como já disse, era uma revista cujas HQ giravam em torno das artes marciais - que, na época, estavam na moda graças ao cinema. Kiai era o grito de energia de combate proferido pelos guerreiros, sobretudo os samurais. Claro, também haviam histórias de samurais errantes, a especialidade de Shimamoto. E Hayle Gadelha, que foi mestre da Associação Carioca de Aikidô, Judô e Wadoryu, escreveu boa parte das histórias - além de MEIA-LUA, Gadelha foi o co-criador do samurai errante Hojo Daishi. Esse personagem teve duas histórias republicadas no volume recente Samurai, coletânea de histórias de Shimamoto lançadas pela EM Editora em 2009.
MEIA-LUA não era diferente. Suas histórias tinham por pano de fundo as artes marciais - mas, no caso, um esporte brasileiro, a capoeira. MEIA-LUA teve três aventuras produzidas, publicadas nas edições 2, 3 e 4 da Kiai. Porque a Kiai só durou quatro números, assim MEIA-LUA não teve continuidade.
A edição da Júpiter II, publicada em setembro de 2010, reúne essas três histórias numa edição especial.
QUEM É MEIA-LUA?!
MEIA-LUA, O REI DA CAPOEIRA, se apresenta como um herói da nossa gente. Seu nome é Murilo, conhecido como Meia-Lua, por causa do golpe Meia-Lua de Compasso da capoeira (um dos golpes mais simples do esporte de origem africana, que consiste em girar uma perna para cima, mantendo a outra no chão).
MEIA-LUA vive em uma favela do Rio de Janeiro. É órfão, tem entre 17 e 18 anos. Tem três irmãos. E luta para sobreviver em um ambiente hostil. Porque a favela onde MEIA-LUA vive é dominada pela bandidagem, e seus moradores viviam à margem da sociedade - eram os anos 70, e a situação das favelas era relativamente pior que hoje.
Nesse ambiente, um jovem teria duas opções: juntar-se aos mandantes das favelas ou sofrer as consequências de se meter com eles. MEIA-LUA resiste de se juntar à bandidagem, e luta para que os moradores da favela tenham uma vida digna. Assim, ele sempre bate de frente com os homens de Rução, o "mandante" da favela, e seu assecla Azeitona, que vivem ameaçando os moradores mais humildes.
Como o nome sugere, MEIA-LUA usa o esporte como forma de se defender - sem berimbau nem a roda, apenas distribuindo sopapos nos bandidos.
Mas a coisa fica complicada para MEIA-LUA quando, durante uma briga com os homens de Azeitona, o rapaz acaba matando, ou melhor, provocando a morte de um dos homens. Sua única opção é fugir e se esconder, pois os policiais jamais acreditarão que ele matou para se defender - já que, em tese, o rapaz, negro, pobre e morador de favela, não passa de um vagabundo marginal; além disso, há o fato de Rução estar manipulando a polícia segundo seus interesses.
Mas o povo da favela sempre recorre ao capoeirista quando é necessário. Além disso, há a doce professora Tetê, que é apaixonada pelo MEIA-LUA.
As aventuras do herói escritas por Gadelha refletem bem a realidade de então das favelas. Porém, o traço de Shimamoto parece um pouco "duro", embora as sequências de combate sejam bem-trabalhadas, mesmo nos espaços pequenos das páginas. Além disso, os diálogos entre os personagens não são muito convincentes - o linguajar do povo da favela, apesar de reproduzir os tropeços no português tão comuns do povo, soa bastante artificial nas histórias de Gadelha.
AS AVENTURAS DE MEIA-LUA
As três aventuras do personagem são: Meia-Lua, o rei da Capoeira, onde o herói é apresentado e como, ao resgatar a professora Tetê, que foi raptada por Azeitona, Meia-Lua acaba "matando" um dos homens do bandido; Meia-Lua, Rei da Capoeira, Contra a Denúncia Vazia do Morro, mostra o herói encarando o próprio Rução, buscando sua forma peculiar de justiça enquanto protesta contra o pagamento indevido dos aluguéis dos moradores da favela; e A Prisão de Meia-Lua, na qual o herói é preso - mas é salvo pelos moradores da favela antes que seja conduzido à penitenciária.
Completam essa edição da Júpiter II: ilustrações pin-up do personagem, feitas por Adauto Silva, Laudo Ferreira Júnior, Renato Rei e Luís Eduardo Luga (uma mais bonita que a outra); e um capítulo especial, escrito pelo próprio Shimamoto, onde ele fala sobre a origem da capoeira, mostra diagramas dos principais golpes usados no esporte e um depoimento quadrinizado de Mestre Pastinha, um dos grandes capoeiristas brasileiros, sobre como este aprendeu o esporte.
A capa é do próprio Shimamoto.
Para adquirir este volume, escrevam para: smeditora@yahoo.com.br. E visitem o blog da Júpiter II: http://jupiter2hq.blogspot.com/. O preço é de R$ 3,00 - por menos que isso, você não compra um mangá nas bancas. Mas MEIA-LUA luta muito melhor que muitos heróis japoneses das bancas!
Para encerrar, uma ilustração minha do MEIA-LUA. Bem, não ficou muito parecido com o herói das HQ, não é? Mas eu fiz o melhor que pude para deixá-lo parecido. Buá!
Na próxima postagem: mais um herói negro!
Na próxima postagem: mais um herói negro!
Até mais!
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