sexta-feira, 4 de março de 2011

MEIA-LUA, O REI DA CAPOEIRA: a página perdida da história das HQ brasileiras!

Olá.
Hoje, começo, por assim dizer, uma série de postagens sobre heróis negros de HQ que conheci recentemente.
Além das HQ convencionais, de heróis caucasianos, conheci algumas HQ com personagens afro-descendentes. E a primeira da qual vou falar constitui um verdadeiro resgate de uma página perdida, não apenas das HQ brasileiras, mas da biografia de um quadrinhista consagrado.
E quem resgatou essa página? Ninguém menos que José Salles, o persistente editor da prestigiosa editora alternativa Júpiter II.
Atualmente, o consagrado quadrinhista Júlio Shimamoto integra o staff de colaboradores da editora, que não apenas lança novos personagens das HQ brasileiras, mas também faz um resgate de personagens clássicos. A Júpiter II já relançou a série O Gaúcho, de Shimamoto, e está recolocando à disposição do público brasileiro as aventuras do Raio Negro de Gedeone Malagola.
Pois desta vez, Salles está tornando a público um personagem muito pouco conhecido das HQ nacionais: trata-se de MEIA-LUA, O REI DA CAPOEIRA.

Eu disse muito pouco conhecido mesmo. Porque esse personagem só teve três aventuras produzidas, e todas elas publicadas na revista Kiai, da histórica editora paranaense Grafipar, em 1979.
Shimamoto é o co-criador do personagem, cujas histórias foram escritas por Hayle Gadelha, roteirista, repórter, publicitário e mestre em artes marciais. Atualmente, Gadelha dedica-se ao comentarismo político - quer dizer, SE é o mesmo Gadelha o roteirista de MEIA-LUA e o que atualmente publica no blog da Gadelha: http://blogdogadelha.blogspot.com/. Visitem e conheçam suas opiniões sobre a política nacional e internacional.

O CONTEXTO DE CRIAÇÃO DE MEIA-LUA
Bem. A editora Grafipar, fundada em Curitiba por Faruk El-Katib, em 1977, foi uma das que mais incentivou a produção nacional de HQ. Essa editora se dedicava, inicialmente, à produção de quadrinhos eróticos - as principais revistas dessa editora eram: Peteca, Personal, Eros, Katy Apache, Maria Erótica (estrelada pela clássica personagem criada por Cláudio Seto, o primeiro mangaká brasileiro) e Xanadu; mas havia espaço para a diversidade, como é o caso da revista Kiai, criada por Shimamoto, cujas histórias giravam em torno das artes marciais.
A Grafipar, cujas atividades infelizmente se encerraram em 1983, contou com a colaboração de muitos artistas que se tornaram célebres: Júlio Shimamoto, Roberto Kussumoto, Watson Portela, Flávio Colin, Cláudio Seto, Arthur Garcia e muitos outros.
Bem. A Kiai, como já disse, era uma revista cujas HQ giravam em torno das artes marciais - que, na época, estavam na moda graças ao cinema. Kiai era o grito de energia de combate proferido pelos guerreiros, sobretudo os samurais. Claro, também haviam histórias de samurais errantes, a especialidade de Shimamoto. E Hayle Gadelha, que foi mestre da Associação Carioca de Aikidô, Judô e Wadoryu, escreveu boa parte das histórias - além de MEIA-LUA, Gadelha foi o co-criador do samurai errante Hojo Daishi. Esse personagem teve duas histórias republicadas no volume recente Samurai, coletânea de histórias de Shimamoto lançadas pela EM Editora em 2009.
MEIA-LUA não era diferente. Suas histórias tinham por pano de fundo as artes marciais - mas, no caso, um esporte brasileiro, a capoeira. MEIA-LUA teve três aventuras produzidas, publicadas nas edições 2, 3 e 4 da Kiai. Porque a Kiai só durou quatro números, assim MEIA-LUA não teve continuidade.
A edição da Júpiter II, publicada em setembro de 2010, reúne essas três histórias numa edição especial.

QUEM É MEIA-LUA?!
MEIA-LUA, O REI DA CAPOEIRA, se apresenta como um herói da nossa gente. Seu nome é Murilo, conhecido como Meia-Lua, por causa do golpe Meia-Lua de Compasso da capoeira (um dos golpes mais simples do esporte de origem africana, que consiste em girar uma perna para cima, mantendo a outra no chão).
MEIA-LUA vive em uma favela do Rio de Janeiro. É órfão, tem entre 17 e 18 anos. Tem três irmãos. E luta para sobreviver em um ambiente hostil. Porque a favela onde MEIA-LUA vive é dominada pela bandidagem, e seus moradores viviam à margem da sociedade - eram os anos 70, e a situação das favelas era relativamente pior que hoje.
Nesse ambiente, um jovem teria duas opções: juntar-se aos mandantes das favelas ou sofrer as consequências de se meter com eles. MEIA-LUA resiste de se juntar à bandidagem, e luta para que os moradores da favela tenham uma vida digna. Assim, ele sempre bate de frente com os homens de Rução, o "mandante" da favela, e seu assecla Azeitona, que vivem ameaçando os moradores mais humildes.
Como o nome sugere, MEIA-LUA usa o esporte como forma de se defender - sem berimbau nem a roda, apenas distribuindo sopapos nos bandidos.
Mas a coisa fica complicada para MEIA-LUA quando, durante uma briga com os homens de Azeitona, o rapaz acaba matando, ou melhor, provocando a morte de um dos homens. Sua única opção é fugir e se esconder, pois os policiais jamais acreditarão que ele matou para se defender - já que, em tese, o rapaz, negro, pobre e morador de favela, não passa de um vagabundo marginal; além disso, há o fato de Rução estar manipulando a polícia segundo seus interesses.
Mas o povo da favela sempre recorre ao capoeirista quando é necessário. Além disso, há a doce professora Tetê, que é apaixonada pelo MEIA-LUA.
As aventuras do herói escritas por Gadelha refletem bem a realidade de então das favelas. Porém, o traço de Shimamoto parece um pouco "duro", embora as sequências de combate sejam bem-trabalhadas, mesmo nos espaços pequenos das páginas. Além disso, os diálogos entre os personagens não são muito convincentes - o linguajar do povo da favela, apesar de reproduzir os tropeços no português tão comuns do povo, soa bastante artificial nas histórias de Gadelha.

AS AVENTURAS DE MEIA-LUA
As três aventuras do personagem são: Meia-Lua, o rei da Capoeira, onde o herói é apresentado e como, ao resgatar a professora Tetê, que foi raptada por Azeitona, Meia-Lua acaba "matando" um dos homens do bandido; Meia-Lua, Rei da Capoeira, Contra a Denúncia Vazia do Morro, mostra o herói encarando o próprio Rução, buscando sua forma peculiar de justiça enquanto protesta contra o pagamento indevido dos aluguéis dos moradores da favela; e A Prisão de Meia-Lua, na qual o herói é preso - mas é salvo pelos moradores da favela antes que seja conduzido à penitenciária.
Completam essa edição da Júpiter II: ilustrações pin-up do personagem, feitas por Adauto Silva, Laudo Ferreira Júnior, Renato Rei e Luís Eduardo Luga (uma mais bonita que a outra); e um capítulo especial, escrito pelo próprio Shimamoto, onde ele fala sobre a origem da capoeira, mostra diagramas dos principais golpes usados no esporte e um depoimento quadrinizado de Mestre Pastinha, um dos grandes capoeiristas brasileiros, sobre como este aprendeu o esporte.
A capa é do próprio Shimamoto.
Para adquirir este volume, escrevam para: smeditora@yahoo.com.br. E visitem o blog da Júpiter II: http://jupiter2hq.blogspot.com/. O preço é de R$ 3,00 - por menos que isso, você não compra um mangá nas bancas. Mas MEIA-LUA luta muito melhor que muitos heróis japoneses das bancas!
Para encerrar, uma ilustração minha do MEIA-LUA. Bem, não ficou muito parecido com o herói das HQ, não é? Mas eu fiz o melhor que pude para deixá-lo parecido. Buá!

Na próxima postagem: mais um herói negro!
Até mais!

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